BH, dezembro de 2007 Os desafios para construir trabalho em equipe multiprofissional num hospital Laura Camargo Macruz Feuerwerker Profa. Adjunta UFF Processo de Trabalho em Saúde Disputa de projetos terapêuticos Tecnologias envolvidas no fazer Leves Leveduras Relacionais, intersubjetivas Duras Equipamentos Medicamentos O outro sujeito Clínica Epidemiologia Trabalho Morto Trabalho Vivo Sempre envolve a relação entre duas pessoas O outro objeto fragmentação, padronização, procedimentos singularidade, subjetividade afecção, incerteza, imprevisibilidade Que lugar é esse, o hospital? • Lugar de concentração das tecnologias duras e dos procedimentos; • Lugar em que há grau extremo de sofrimento e alto risco de perda da vida; • Grau máximo de liberdade para o agir profissional e grau mínimo de autonomia para os usuário; • Trabalhador territorializado, usuário desterritorializado. • Mesmo quando se trabalha em unidades de produção, saberes e agires das diferentes corporações atravessam a organização do trabalho, fragmentando o usuário. Integralidade – um conceito polissêmico • Coloca o usuário e suas necessidades no centro da preocupação, tanto na organização do sistema, como na configuração das práticas de saúde; • Garantia de acesso ao cuidado de que o usuário (individual ou coletivo) necessita, incluindo acolhimento, escuta, vínculo, resolutividade, continuidade da atenção etc. Como entender a saúde, quando buscando a integralidade? • A saúde pode ser compreendida como a capacidade de cada um de enfrentar situações novas, como a margem de tolerância que cada um possui para enfrentar e superar as adversidades da sua vida. • Isto significa dizer que cada pessoa tem capacidades próprias para administrar, de forma autônoma, as tensões com as quais ela precisa conviver. • E que o papel dos profissionais de saúde é colocar seus saberes a favor da ampliação/ recuperação dessa margem de tolerância. Quem é, então, o usuário? • Um sujeito que vem procurando ajuda e que é portador de necessidades de diferentes tipos. Um sujeito que precisa ser escutado, precisa entender o que está acontecendo consigo, que, geralmente, precisa de alívio para seu sofrimento. E para isso precisa aceder a diferentes tipos de tecnologias em saúde. • Mas também é um sujeito portador de desejos, recursos, opiniões, saberes e sentimentos. • Acima de tudo, um sujeito à procura de um bom encontro com as equipes/trabalhadores de saúde. Trabalho em saúde • O trabalho em saúde não é completamente controlável; • Baseia-se em uma relação entre pessoas, em todas as fases de sua realização; • Portanto, sempre está sujeito aos desígnios do trabalhador em seu espaço autônomo, privado, de prática; • Além disso, contém boa dose de incerteza por conta das singularidades de cada usuário. Trabalho em saúde • • • • • Cada trabalhador de saúde e cada usuário operam com uma concepção de saúde, de cuidado; É no espaço do encontro com o usuário que se concretiza o momento de autonomia do trabalhador para expressar e operar suas concepções (um espaço íntimo, privado); Numa unidade de saúde, portanto, há múltiplos projetos de saúde (ocultos) operando, em disputa, tentando prevalecer sobre os demais; Geralmente esta disputa é surda, não revelada; Não se resolve por meio de prescrições ou estratégias de convencimento teórico/racional. O trabalho em saúde envolve um encontro e uma disputa • Tensão constitutiva da atenção em saúde: possibilidade de troca ou de interdição de saberes num território que desafia o saber técnicocientífico. • Efeito flecha: agir profissional que vai em uma só direção – negação do agir e do saber do outro. • Efeito pororoca – trabalhadores que se deixam afetar pelas relações e saberes, recebendo de volta, como aprendizagem, o agir e o saber do outro. Efeito flecha e efeito pororoca • Dupla mão: se a equipe nega o saber dos cuidadores, estes tendem a fazer o mesmo em relação às suas orientações técnicas. • Abrir-se em relação ao agir e ao saber do outro traz conflitos e desafios: – Conflitos em relação à autoria do plano de cuidado, ao papel de cada profissional e do cuidador; por produzir o cuidado em um espaço que é privado, mas invadido pelo público; por conviver com necessidades, sofrimentos e valores antes apenas vislumbrados. – Desafios diante da necessidade de produzir novas tecnologias de cuidado; de construir outro equilíbrio entre as tecnologias envolvidas no cuidado em saúde; de construir equipe com trabalho orientado pelas necessidades do usuário e do coletivo familiar; de superar a fragmentação do sistema de saúde e produzir continuidade da atenção. 1º Campo de Tensão • O território das práticas de saúde é espaço de múltiplas disputas e de constituição de políticas desenhado a partir da ação de distintos atores • Dependendo de seus interesses e capacidade de agir, aliam-se ou confrontam-se para afirmar uma certa conformação da saúde que faça sentido. • A única maneira de enfrentar esse jogo a favor dos interesses dos usuários é por meio do controle social e da pactuação política. 2º Campo de tensão • A produção de atos de saúde é um terreno do trabalho vivo em que predominam as tecnologias leves – relacionais - em detrimento das tecnologias duras – equipamentos e saberes estruturados; • essa é a característica que abre grandes possibilidades para estratégias que possibilitem a construção de novos valores, compreensões e relações, pois há espaço para a invenção. 3º Campo de tensão • Organizações de saúde são espaço de intervenção de diferentes atores que disputam a orientação do dia-a-dia com as normas e regras instituídas; • Por isso estão sempre tensionados pela polaridade entre autonomia e controle; • Esse também é um espaço para construção de estratégias que levem os trabalhadores a utilizar seu espaço privado de ação em favor do interesse público (dos usuários). Efeito pororoca e integralidade • Produção de cuidado em saúde que propicie ganhos de autonomia e de vida aos usuários é seu objetivo; • Esse é um trabalho de alta complexidade, múltiplo, interdisciplinar, intersetorial e interprofissional; • Exige “revolução cultural’ do imaginário social dos vários sujeitos e atores sociais para ser gerador de novas possibilidades de compreender a multiplicidade e o sofrimento humano num campo de inclusividade e produção de cidadania. Como favorecer o trabalho multiprofissional? • Colocar o usuário e suas necessidades no centro do trabalho em saúde; • Resgatar a dimensão cuidadora do trabalho em saúde; • Reconhecer a complexidade envolvida na produção da integralidade; • Ampliar o espaço de disputa (construção compartilhada) dos projetos terapêuticos. O que favorece a mudança? • O desejo de mudar; • Colocar o trabalho em saúde em análise`para explicitar projetos em disputa e criar novos espaços de pacutação: – Fluxograma analisador; – Mapa de conflitos; – Redes de fala e escuta; • Perseguir a integralidade na produção do cuidado. [email protected]