Agravo de instrumento: a problemática do parágrafo único do artigo 527 do código de processo civil Fernando Portella Quartiero1 Resumo: O agravo de instrumento tem sido alvo de inúmeras alterações nos últimos anos. Em sendo um dos remédios mais usados pelos operadores do direito, faz-se a análise do seu procedimento e de sua constitucionalidade. Palavras-chave: Agravo de Instrumento - Agravo Retido - Decisão Monocrática - Juiz Natural Abstract: The interlocutory appeal has undergone many changes in recent years. In one of the drugs most used by law operators, it is a review of your procedure and its constitutionality. Keywords: Interlocutory appeal. Aggravation retained. Decision monocratic. judge natural. 1. Introdução O sistema recursal do processo civil brasileiro tem sido alvo de inúmeras alterações nos últimos anos. E o agravo não ficou de fora, como era de se esperar, na medida em que é um dos remédios mais usados pelos operadores do direito. E de tal constatação surge a necessidade de análise do referido tema. Inicialmente numa colocação histórica para verificar sua evolução e, por conseguinte, o acerto ou não das reformas numa comparação com os motivos e sucessos das experiências antecedentes. Faz-se, ainda, um exame procedimental do agravo que, embora breve, importa como referencial ao uso prático da medida. Por fim, necessário lembrar que o recurso em estudo é objeto de norma infraconstitucional (Código de Processo Civil) e que, portanto, tem sua validade 1 Advogado, professor da Facos/Cnec, mestre em direito processual civil pela PUC/RS, especialista em direito empresarial pela PUC/RS. 58 condicionada à adequação Constitucional. Como ressalta Jorge Miranda: “não basta que a Constituição outorgue garantias; tem, por seu turno, de ser garantida”. 2 Sob uma ótica sistemática da Constituição tratamos do juiz natural dos recursos o que, por conseguinte, traz necessária crítica ao parágrafo único do artigo 527 do CPC na medida em que ele impede a remessa da decisão do julgamento monocrático ao colegiado. Por fim, constatando necessária crítica ao dispositivo, faz-se verificação da solução processual cabível, sua legalidade e função prático/teórica. 2. Breve histórico do agravo de instrumento No Direito Romano, em um primeiro momento, existia apenas a hipótese de interposição de recurso de apelação contra sentença, ou seja, não havia meios de atacar decisões interlocutórias. Em um segundo período, já na Idade Média, sob influência do direito canônico e do direito intermediário surgiu a possibilidade de uso da apelação para recorrer das decisões interlocutórias3. Surge aí, então, algo que se aproxima do recurso de agravo brasileiro. Porém, uma figura realmente semelhante ao nosso atual agravo se deu posteriormente em Portugal onde, por muitos séculos, foi utilizada a apelação como recurso manejável tanto para sentenças como para decisões interlocutórias. Em razão do excesso de recursos havidos nessa sistemática, no reinado de D. Afonso IV (1325-1357) foi proibida a apelação em separado contra resoluções 4 interlocutórias . Nesse momento surge o agravo, na medida em que as partes reclamavam de uma forma de impugnar, fora dos autos, interlocutórias que lhe causavam “agravo”.5 2 MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. Reimpressão. Coimbra, 1996, p. 77. THEODORO JUNIOR, Humberto. O problema da recorribilidade das interlocutórias no processo civil brasileiro. Artigo publicado em WWW.abpc.com.br. Acesso em 27/05/2011. 4 ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. São Paulo: RT, 2011. P. 476-477. 5 THEODORO JUNIOR, Humberto. O problema da recorribilidade das interlocutórias no processo civil brasileiro. Artigo publicado em WWW.abpc.com.br. Acesso em 27/05/2011 3 59 Com isso se resolveu o problema dos recursos de apelação dentro dos autos da decisão interlocutória que atrasavam o trâmite dos processos. O intuito do agravo, portanto, foi solucionar o problema já existente da dicotomia celeridade versos qualidade da prestação jurisdicional, pois a partir dali se buscou um recurso que pode ser interposto contra decisão interlocutória, sem o problema de remeter o processo inteiro ao tribunal ad quem. Detalhe apenas ao fato de que na maioria dos países (a exemplo de Portugal e França) o agravo não retido nos autos é forma excepcional, ao contrário do que aconteceu no Brasil até a Lei 11.187/2005, que deu nova redação ao artigo 522 do Código de Processo Civil (CPC)6. Atualmente a regra é o agravo retido, e não o de instrumento, como se depreende pela simples leitura do dispositivo legal atual. 3. Considerações gerais ao agravo de instrumento O agravo de instrumento, no nosso CPC, está previsto nos artigos 522 e seguintes e é remédio para atacar decisões interlocutórias, ou seja, decisões que resolvam questões processuais incidentes, sem colocar fim ao processo. Assim, via de regra, as decisões de mérito que não extinguem o processo têm o agravo de instrumento como remédio cabível. O agravo não serve contra despachos ou sentenças. O artigo 522 do CPC fala na possibilidade de interposição dos agravos retido ou de instrumento. Diferenciam-se o agravo de instrumento e o agravo retido, na medida em que ambos são espécies distintas (retido e instrumento) do mesmo gênero (agravo)7. Enquanto que na forma de retida o agravo fica encartado nos autos, 6 Art. 522 CPC. “Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar ä parte lesão grave ou de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento.” 7 Tal divisão possibilita equivocada idéia, admitida nos Tribunais, de que não aplica o princípio da fungibilidade entre o agravo retido e de instrumento sob a justificativa que tal princípio somente deve ser utilizado entre recursos distintos, e não entre dois gêneros do mesmo recurso. Esse posicionamento merece crítica por não coadunar com a contemporânea idéia de instrumentalidade. 60 evitando a preclusão apesar da inexistência da remessa imediata ao tribunal, na forma de instrumento a análise se dá logo após a decisão impugnada. O agravo retido terá seu mérito resolvido, pelo colegiado, apenas quando da sentença. Acontece que algumas decisões interlocutórias têm efeitos que trazem prejuízo imediato às partes, por vezes com difícil ou impossível reparação. Daí a previsão do inciso II, artigo 527 do CPC, que não será o agravo de instrumento convertido em agravo retido quando houver decisão suscetível de causar a parte lesão grave ou de difícil reparação8. Assim, o agravo de instrumento cabe excepcionalmente, quando resta demonstrado que a decisão causará lesão material ou processual grave ou de difícil reparação. O juiz poderá, conforme preceitua o inciso II do artigo 527 do CPC, converter o agravo de instrumento em retido quando entender que isto não trará lesão ao agravante. Ademais, poderá conceder efeitos suspensivo ou ativo ao agravo de instrumento (inciso III do artigo 527, CPC). Acontece que não apenas as decisões terminativas do processo trazem reflexos ao processo e às partes, sendo que, por vezes, uma decisão interlocutória traz efeitos tão ou mais importantes que a própria sentença. Assim, uma decisão interlocutória não suspensa ou relevada ao final do processo por conversão em agravo retido ou, ainda, por conceder indevido ou injusto efeito ativo ao recurso, traz gravidade e importância que se equipara a sentença terminativa. Isso porque, em determinados casos, a efetividade jurisdicional fica dependendo de uma questão incidente. Por vezes é indispensável a antecipação da tutela recursal, liminarmente, no agravo de instrumento através dos efeitos concedidos no inciso II do artigo 527 do CPC. 8 Art 527, II, CPC. “convertera o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave ou de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa.” 61 E ainda em razão da gravidade processual ou material impregnada ao objeto do agravo, resta indispensável a manutenção da garantia de recursividade e colegialidade das decisões, que impede a hipótese de vedar a análise colegiada.9 Uma vez possibilitada a remessa do recurso ao juízo plural, supre-se a inconstitucionalidade de julgamento de final de recurso por juízo monocrático. Acontece que a legislação veda remessa ao colegiado no artigo 527, parágrafo único, do CPC. 4. O juiz natural do recurso O princípio do juiz natural tem natureza dúplice na Constituição Federal Brasileira, uma que diz respeito à proibição do tribunal de exceção (art. 5, XXXVII da CF), e outra em relação ao julgamento do tribunal de exceção (art. 5, inciso LIII da CF). Ao nosso tema importa, fundamentalmente, o que dispõe a segunda hipótese 10 que trata do efeito “que vincula a garantia a uma ordem taxativa, e constitucional, de competências”11. Nesse sentido, resta evidenciado que o princípio do juiz natural há muito tempo não pretende apenas a vedação do tribunal de exceção, na medida em que ele vem se ampliando.12 Porém o problema que ora se levanta vai além, qual seja: quem é o juiz natural do recurso? Tal resposta é fundamental para analisarmos o tópico seguinte (parágrafo único do artigo 527), na medida em que temos, pelo menos, duas hipóteses: ou o juiz natural do recurso é quem a lei federal infraconstitucional define, ou é uma condição extraída do nosso sistema constitucional de órgãos colegiadamente constituídos. 9 Mesmo que através do agravo interno, previsto no artigo 557, parágrafo 1º do CPC. Art. 5, LIII da CF – “Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. 11 GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense,1990, p. 23. 12 Nesse sentido PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. P. 64. 10 62 Partimos da assertiva de que os integrantes do Tribunal devem, necessariamente, ser legitimamente instituídos no cargo. Mas além de figurarem como legal e legitimamente instituídos em suas respectivas posições, podem atuar isoladamente na decisão de mérito sede recursal, dando última palavra? Se por um lado podemos dizer que a letra constitucional exige apenas competência prevista em lei, bastando, portanto, que o Código de Processo Civil confira a um juízo monocrático palavra final acerca de questão de mérito de recurso, por outro temos que analisar a Constituição sistematicamente. A legitimidade de uma lei infraconstitucional depende, necessariamente, de sua legitimação frente à nossa Constituição Federal que, em última análise, é quem fornece a fonte soberana de todo o sistema. É nosso alicerce. Por óbvio que uma lei não constitucional deve obedecer, antes de qualquer coisa, a própria Constituição que representa o valor máximo da soberania popular. Nesse sentido, seria imprudente aceitarmos que uma lei infraconstitucional permita que o julgamento de um recurso seja realizado por um juízo singular. Não fosse assim, não haveria, por exemplo, a previsão Constitucional que obriga uma composição colegiada dos Tribunais. Em sentido contrário, Araken de Assis afirma que modernamente os tribunais já não se caracterizam como órgãos colegiados, pois devem preocupar-se menos com o reexame e mais com a eficácia social do processo13. Mas a questão não é assim tão simples: Será que um desembargador ou ministro poderia ser considerado o próprio tribunal? Poderíamos reforçar o posicionamento que pretende uma reposta afirmativa embasando-se na Constituição Federal, em seu artigo 96, inciso I. Isto porque de seu texto pode-se extrair a idéia de que os tribunais devem observar as normas de 13 ASSIS, Araken de. Doutrina e prática do processo civil contemporâneo. São Paulo: RT, 2001. P. 275-276 63 processo e, nesse sentido, não podem subtrair ao relator competência que lei federal a ele outorgou. O relator do processo seria, nesse caso, o próprio tribunal.14 Mas parece que tais argumentos não são suficientes para suprimir direitos e garantias dos cidadãos, até porque a própria idéia de julgamento colegiado dos recursos deve ser considerado como parte integrante do devido processo legal e, nesse sentido, tem força Constitucional não apenas por interpretação sistemática, mas também pela importância o princípio constitucional do devido processo legal lhe atribui.15 Nesse sentido o questionamento de José Maria Rosa Tesheiner, quando pergunta se o legislador ordinário pode subverter toda a sistemática constitucional. Pode-se, com tão pouco ir tão longe? Pode o legislador ordinário, simplesmente omitindo-se quanto ao recurso cabível de certas decisões interlocutórias, subverter o sistema jurídico que tem alicerces na Constituição? Esboroam-se, tão facilmente, séculos de tradição? Pode o Direito, por natureza social, ser irrecorrivelmente declarado ou negado por um juiz único? Será este o devido processo a que refere o artigo 5º LIV da Constituição? A pretexto da efetividade do processo poderá uma futura 16 reforma ao relator para o julgamento dos agravos e das apelações? Parece que, justamente por ser ciência social, não podemos suprimir o colegiado. Por mais que se busque a imparcialidade do julgador, fato é que ele não consegue se desvestir totalmente de sua roupagem social, não consegue completamente abstrair seus posicionamentos ideológicos, seus preconceitos e pontos de vista. O julgador é um homem comum, criado em certo ambiente social, teve certa formação cultural, ideológica, religiosa, e não se pode simplesmente imaginar que toda essa veste será despida quando ele está à frente do processo. A revisão da decisão não serve única e exclusivamente para revisar uma decisão, ou corrigir um julgamento flagrantemente “injusto”. Ele serve, antes de qualquer coisa, para neutralizar posicionamentos. 14 Tal linha de reciocínio foi citada por TESHEINER, José Maria da Rosa. Recursos das decisões do Relator. Artigo publicado em WWW.tex.pro.br. Acesso em 15/5/2007. 15 Art. 5. LIV da CF. “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” 16 TESHEINER, José Maria da Rosa. Recursos das decisões do Relator. Artigo publicado em WWW.tex.pro.br. Acesso em 15/5/2007. 64 De nada adianta trocar uma decisão injusta por outra igualmente injusta. A colegialidade é precisamente essa mediação de carga humana. Numa decisão conjunta, a maioria vencerá e, nesse caso, as cargas de parcialidade, ainda existentes por uma questão natural, vão neutralizando-se. Se um determinado julgador, por exemplo, foi criado em um ambiente que abomina um determinado segmento social, certamente isso influenciará sua decisão. Agora, este mesmo julgador, se inserido num colegiado, terá votos que neutralizarão seu preconceito, seus equívocos, suas distorções de entendimento. E como bem retrata a citação antecedente, começa-se suprimindo alguns efeitos do recurso para, em um andar desenfreado e perigoso, suprimir garantias constitucionais. É um caminhar que merece o máximo de cuidado para não recairmos em retrocesso, sobrepondo-se a garantias e direitos que foram conquistados pelos cidadãos em anos de luta, por arbitrariedade judicial. Conforme referido em publicação anterior, “não é sem motivo que a Constituição Federal traz em seu texto a composição colegiada dos Tribunais.”17 Disso se extrai a idéia de que o juiz natural dos recursos é o órgão colegiado. 5. Crítica ao parágrafo único do artigo 527 do cpc Sob essa ótica percebe-se e a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 527 do CPC, na medida em que a decisão que nega seguimento ao recurso, assim como a que converte o agravo de instrumento em retido ou a decisão que concede efeito ativo ao agravo (antecipa a tutela recursal), tem como única possibilidade pelo CPC petição requerendo reconsideração. E isso não é o suficiente. A decisão de mérito dos recursos, via de regra, tem a possibilidade de interposição do agravo interno (art. 557, parágrafo primeiro do CPC18) que possibilita forma de 17 QUARTIERO, Fernando Portella. Decisões monocráticas nos recursos cíveis. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2011. P. 27 65 obrigar a remessa ao colegiado para último posicionamento. Acontece que, justamente na hipótese tratada aqui, temos a irrecorribilidade da decisão monocrática19 Tal hipótese é inconstitucional pela previsão colegiada dos Tribunais na Constituição Federal, mas também porque a prática tem nos demonstrado que várias cabeças tendem a pensar melhor que uma.20 Se os indivíduos conseguem fazer entender uns aos outros, expor suas visões, pela reunião se consegue enxergar mais do que o indivíduo sozinho enxergaria. 21 Nessa sistemática, seria inconstitucional a vedação de remessa ao colegiado de decisão monocrática do relator. 6. O mandado de segurança contra decisão monocrática irrecorrível Eduardo Talamini entende que é indispensável a verificação pelo colegiado se o decisor singular, delegado, agiu corretamente. em qualquer caso, a atuação isolada do integrante do tribunal submete-se a uma condicionante para que seja compatível com a Constituição. Terá de existir – sob pena de inconstitucionalidade – mecanismo que permita a conferência , por parte do órgão colegiado, do correto desempenho da atividade delegada. As partes necessariamente terão de dispor de um instrumento que lhes permita levar as decisões individuais do relator ao órgão colegiado. Essa é a forma de verificar se o relator correspondeu, na 22 prática do ato que lhe foi delegado, ao pretendido pelo órgão colegiado. 18 “Da decisão caberá agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto, provido o agravo, o recurso terá seguimento.” 19 Parágrafo único do artigo 527: “a decisão liminar, proferida nos casos dos incisos II e III do caput deste artigo, somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar. 20 QUARTIERO, Fernando Portella. Decisões monocráticas nos recursos cíveis. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2011. P. 66 21 CARNELUTTI, Francesco. Derecho y processo. Traducion de Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-Amarica, 1971. P. 88. 22 TALAMINI, Eduardo. “Decisões individualmente proferidas por Integrantes dos Tribunais: Legitimidade e Controle (Agravo Interno)”, in NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis de Acordo com a Lei 10.352/2001; São Paulo : RT, 2002, p.181 66 Sob essa ótica, não há outra hipótese senão buscar o mandado de segurança como solução processual para adequar o procedimento do dispositivo ora em contento à Constituição. Trata-se de buscar o “juiz constitucional”. Não é possível permitir que decisão de tamanha envergadura como a que antecipa a tutela recursal ou concede efeito suspensivo, ou ainda a que converte em retido e que, por conseguinte, determina que a decisão da questão incidente se postergue até o julgamento final do processo, não seja passível de recurso. Considerando a necessidade de envio do recurso ao colegiado, somado a vedação do CPC pelo parágrafo único do artigo 527, a solução encontrada para adequar o procedimento à Constituição é o uso do mandado de segurança como forma de atacar a decisão monocrática irrecorrível, quando não reconsiderada de ofício ou por pedido da parte. Isso apesar de, na prática, por em dúvida o efeito pretendido pelo parágrafo único do 527 do CPC, que é a celeridade. Isto porque o prejudicado impetrará mandado de segurança que, eventualmente, ocasionará interposição de recurso ordinário para, ao final - se procedente, retornar o processo ao momento anterior a tudo isso – julgamento colegiado. Talvez fosse producente garantir a constitucionalidade do procedimento não vedando interposição de recurso ao colegiado nas hipóteses de decisão monocrática de recurso. 7. Síntese conclusiva O agravo de instrumento é remédio processual dos mais usados no processo civil brasileiro, e sua origem remonta aos tempos do direito romano. Verifica-se, numa análise histórica, que ele sempre presenciou o grande problema do processo (a dicotomia da celeridade versos garantias processuais). 67 Notadamente não é problema unicamente brasileiro tampouco de fácil solução, quiçá impossível. O avanço legislativo trouxe um sistema processual que tornou, corretamente, o agravo de instrumento forma excepcional e o agravo retido regra, porém verifica-se que apesar desse acerto houve novidades que não coadunam com a sistemática constitucional vigente. A idéia de adequação das regras à Constituição parte da idéia central da supremacia da Constituição e seu primado hierárquico-normativo em relação aos atos do Poder Público. Assim, todos os atos do Poder Público estão sob a égide da Constituição, inclusive (obviamente), os do Poder Judiciário. Qualquer procedimento ou ato jurídico tem que estar revestido de constitucionalidade. E o processo civil não foge a regra tendo que observar, antes da aplicação de norma infraconstitucional, sua constitucionalidade. E pela sistemática colegiada dos tribunais, prevista por nossa Constituição Federal, não pode a norma infraconstitucional delegar um juízo monocrático como último pronunciamento de decisão recursal de envergadura. Nisso o CPC recai em erro ao estabelecer a irrecorribilidade da decisão de concede efeitos ativo ou suspensivo ao agravo, ou converte o agravo de instrumento em retido. E a pretensão infraconstitucional acaba sendo, além de inconstitucional, contraproducente. Primeiro porque não coaduna com o ditame Constitucional, segundo porque permite que a parte se insurja contra a decisão através de mandado de segurança que, por sua vez, poderá ocasionar recurso ordinário para, ao final, enviar a questão ao colegiado se procedente a irresignação do recorrente. Trata-se de um dispositivo duplamente equivocado e que subverte o sentido do processo, inclusive do próprio conceito de devido processo legal e de duração razoável de processo. 8. Referências 68 ASSIS, Araken de. Doutrina e prática do processo civil contemporâneo. São Paulo: RT, 2001. ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. São Paulo: RT, 2011. CARNELUTTI, Francesco. Derecho y processo. Traducion de Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-America, 1971. GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense,1990. MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. Reimpressão. Coimbra, 1996. PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. QUARTIERO, Fernando Portella. Decisões monocráticas nos recursos cíveis. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2011. TALAMINI, Eduardo. Decisões individualmente proferidas por Integrantes dos Tribunais: Legitimidade e Controle (Agravo Interno), in NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis de Acordo com a Lei 10.352/2001. São Paulo: RT, 2002. TESHEINER, José Maria da Rosa. Recursos das decisões do Relator. Disponível em: WWW.tex.pro.br. Acesso em 15/5/2007. THEODORO JUNIOR, Humberto. O problema da recorribilidade das interlocutórias no processo civil brasileiro. Disponível em: WWW.abpc.com.br. Acesso em 27/05/2011. 69