O sangue é uma complexa mistura contendo glóbulos vermelhos, glóbulos brancos, plaquetas e o plasma, com eletrólitos, albumina, fatores coagulantes e outras proteínas. O oxigênio é um gás que apresenta baixa solubilidade em água. No plasma sanguíneo, ele é solúvel graças a ação de certas proteínas (hemoglobinas) encontradas em alguns eritrócitos. As hemoglobinas são tetrâmeros que possuem complexos heme-Fe, capaz de se coordenar à molécula de oxigênio. Esta ligação entre o complexo heme e a molécula de oxigênio é fraca e instável: depende de uma série de fatores, como pH, temperatura e, principalmente, da pressão parcial de O2 na qual a hemoglobina se encontra. A estrutura da hemoglobina permite que ela se ligue a 4 moléculas de O2 simultaneamente. Quando o sangue chega aos alvéolos pulmonares, a hemoglobina encontra as condições idéias para a interação com o O2 (alta pressão parcial do gás, baixa pressão do CO2, etc.). Quando, através da circulação, chega aos tecidos, encontra uma região onde a pressão parcial de CO2 é maior do que a de O2. Além disso, o excesso de CO2 dissolvido no plasma, nestas regiões, faz com que o pH seja ligeiramente menor, o que favorece a liberação do O2 pela hemoglobina. O O2 vai para as células e, então, o CO2 é que interage com a hemoglobina, que o leva até os alvéolos pulmonares, onde, novamente, interage com O2. Já está em fase final de testes uma série de soluções que serão utilizadas como substitutos sintéticos para o sangue. Nenhum deles é, entretanto, exatamente eficaz. Surge um novo desafio para os químicos: preparar soluções que, além de mimetizar o comportamento do sangue humano, não tragam nenhum agravo ao nosso organismo. Desde o século XVII, as transfusões de sangue tem sido uma tentativa de remediar as perdas de sangue causadas por traumas, partos, hemorragias e cirurgias. Antes da identificação dos anticorpos isoaglutinantes (fator Rh), as transfusões provocaram muitas mortes. A disponibilidade do sangue para a transfusão sempre foi um problema. A dificuldade era maior ainda durante as guerras: períodos onde a pesquisa de químicos em busca de um substituto sintético para o sangue sempre foi intensa. Os primeiros substitutos surgiram durante a segunda guerra mundial: os alemães utilizavam soluções aquosas de PVP (polivinilpirrolidona). O objetivo era apenas o de manter o volume sanguíneo, uma vez que esta solução não era capaz de transportar oxigênio. Embora mais eficaz do que o PVP, os efeitos colaterais incluíam complicações renais sérias, que muitas vezes levavam à morte. Legand Clark iniciou uma pesquisa com uma classe de compostos conhecidos como perfluorocarbonos. O oxigênio apresenta uma grande solubilidade nestes líquidos: cerca de 500 vezes maior do que na água. Estes compostos, entretanto, são bastante hidrofóbicos (imiscíveis com a água). Foi necessário se desenvolver um sistema emulsificante, com o auxílio de surfactantes, para solubilizar o PFCs em água, tal como a lecitina extraída de ovos de galinha. As emulsões atuais já são a segunda geração de substitutos do sangue baseados em PFCs. Hoje, a grande maioria dos substitutos sendo testados clinicamente baseia-se em soluções de PFCs ou derivados de hemoglobina. Desde a década de 1960 sabia-se que mamíferos podiam sobreviver submersos em líquidos orgânicos Um dos mais promissores sistemas de sangue artificial são os baseados em fluorocarbonetos: moléculas formadas de carbono e flúor. Os perfluorocarbonos são biologicamente inertes. Quando administrados na corrente sanguínea, eles são capazes de aumentar a solubilidade do O2 no plasma. As moléculas dos PFCs são posteriormente seqüestradas pelo sistema retículoendotelial, mais precisamente pelas células de Kupffer, no fígado, e subseqüentemente liberadas no plasma, como um gás dissolvido. O gás é então exalado, sem qualquer metabolização, pelos pulmões. A liberação é lenta: após uma transfusão, o paciente pode exalar PFC por mais de 10 meses! Mesmo a atual geração de PFC permanece cerca de 7 dias no fígado, um tempo bem menor, entretanto, de que os primeiros substitutos baseados em PFC. Isto permite uma eliminação efetiva, sem nenhum dano ou disfunção no órgão. Entretanto - apesar de inertes - o seqüestro dos PFCs pelo fígado pode causar sérias conseqüências. A contagem de plaquetas diminui: os PFCs "solvatam" as plaquetas, que são seqüestradas, juntamente, para o fígado. E, se o volume de sangue na transfusão for muito grande, as moléculas de PFC podem saturar e prejudicar o funcionamento do fígado, resultando em uma potencial infecção ou outras complicações. Atualmente, o volume seguro de PFC em uma transfusão é de, no máximo, 1 litro. A respiração do paciente pós transfusão deve ser artificial, com uma mistura de gases onde a concentração de O2 é maior do que a atmosférica. A pressão parcial de O2 deve ser de, no mínimo, 400 mg! Um dos produtos já em teste é o PERFLORAN, desenvolvido pelo Institui of Theoretical and Experimental Biophysics em Pushchino, Rússia. As principais características deste produto são: - pode ser armazenado em temperaturas entre -5oC a o 18 C, até por dois anos; - solubiliza tanto o O2 como o CO2; - pode ser administrado com soluções salinas, albumina, glucose e antibióticos; Os principais componentes são o perfluorodecalina (PFD) C10F18 and perfluorometilciclohexilpiperidina (PFMCP) C12F23N. Por que não usar a Hemoglobina? Embora tenha sido uma das primeiras e infrutíferas alternativas, mesmo hoje a hemoglobina tem sido alvo de pesquisa para a sua utilização como substituto do sangue. Em todos os casos se obtém uma "hemoglobina" extremamente tóxica para nosso organismo. Hemoglobina é um tetrâmero protéico, que é encontrada no sangue encapsulada em um eritrócito (uma célula sanguínea), conhecido como "glóbulo vermelho". Fora destas células, a molécula rapidamente se dissocia em dímeros, compostos de uma unidade alfa e outra beta. Além de perder a funcionalidade, esta hemoglobina é filtrada pelos rins e, ao interagir com as paredes celulares dos glomérulos renais, causa uma rápida necrose tubular e conseqüente colapso da função renal. Uma outra técnica é a modificação genética da hemoglobina. Com o auxílio da bactéria E. Coli, pode-se produzir grandes quantidades de uma hemoglobina geneticamente alterada, contendo uma mutação proposital: A adição de alguns amino ácidos à seqüência, que permitem a ligação covalente entre as duas subunidades alfa, impedindo a dissociação do tetrâmero. Vários substitutos baseados nesta técnica já estão em fase de testes clínicos. Outros grupos tentam utilizar a hemoglobina bovina, polimerizada. Uma vantagem é fonte barata e abundante de sangue bovino. A desvantagem é o delicado processo de descontaminação das amostras, evitando o contágio por zoonoses. Na terceira geração de substitutos do sangue baseados em hemoglobina, a idéia é se encapsular a proteína, tal como nos glóbulos vermelhos. A primeira encapsulação artificial de todos os componentes das células vermelhas, incluindo a hemoglobina e enzimas, foi feita em 1957, por Chang. Ele continuou o trabalho, utilizando vários materiais como membrana artificial: proteínas, bicamadas de fosfolipídeos complexadas com polímeros, membranas poliméricas, e outros.