Revista eletrônica do Departamento de Química - UFSC
FLORIANÓPOLIS | Química - UFSC | QMCWEB: Ano 4
Já está em fase final de testes uma série
de soluções que serão utilizadas como
substitutos sintéticos para o sangue. Nenhum
deles é, entretanto, exatamente eficaz. Surge
um novo desafio para os químicos: preparar
soluções que, além de mimetizar o
comportamento do sangue humano, não
tragam nenhum agravo ao nosso organismo.
QMCWEB apresenta O Sangue Artificial.
Desde o século XVII,
as transfusões de sangue tem sido uma tentativa de remediar as perdas de sangue
causadas por traumas, partos, hemorragias e cirurgias. Antes da identificação dos
anticorpos isoaglutinantes (fator Rh), as transfusões provocaram muitas mortes. A
disponibilidade do sangue para a transfusão sempre foi um problema. A dificuldade
era maior ainda durante as guerras: períodos onde a pesquisa de químicos em
busca de um substituto sintético para o sangue sempre foi intensa.
Os primeiros substitutos surgiram durante a segunda guerra mundial: os alemães
utilizavam soluções aquosas de PVP (polivinilpirrolidona). O objetivo era apenas o de
manter o volume sanguíneo, uma vez que esta solução não era capaz de transportar
oxigênio. Durante a guerra do Vietnã, várias tentativas foram feitas, utilizando soluções
aquosas de hemoglobina ou derivados. Embora mais eficaz do que o PVP, os efeitos
colaterais incluiam complicações renais sérias, que muitas vezes levavam à morte.
Na década de 1960, Legand Clark iniciou uma pesquisa com uma classe de compostos
conhecidos como perfluorocarbonos. O oxigênio apresenta uma grande solubilidade nestes líquidos:
cerca de 500 vezes maior do que na água. Estes compostos, entretanto, são bastante hidrofóbicos
(imiscíveis com a água). Foi necessário se desenvolver um sistema emulsificante, com o auxílio de
surfactantes, para solubilizar o PFCs em água, tal como a lecitina extraída de ovos de galinha. As
emulsões atuais já são a segunda geração de substitutos do sangue baseados em PFCs. Hoje, a grande
maioria dos substitutos sendo testados clinicamente baseia-se em soluções de PFCs ou derivados de
hemoglobina.
Transporte de Oxigênio
O sangue é uma
complexa mistura
contendo glóbulos
vermelhos, glóbulos
brancos, plaquetas e o
plasma, com eletrólitos,
albumina, fatores
coagulantes e outras
proteínas. O oxigênio é
LC, Jr, Gollan F. Survival of mammals breathing
um gás que apresenta
organic liquids equilibrated with oxygen at
baixa solubilidade em
atmospheric pressure. Science 152:1755, 1966). água. No plasma
sanguíneo, ele é solúvel
graças a ação de certas
proteínas
Um dos mais promissores sistemas de (hemoglobinas)
sangue artificial são os baseados em encontradas em alguns
eritrócitos. As
fluorocarbonetos: moléculas formadas hemoglobinas são
de carbono e flúor. Os tetrâmeros que possuem
Desde a
década de
1960
PFCs
sabia-se
que mamíferos podiam sobreviver
submersos em líquidos orgânicos (Clark
Problemas com
Perfluorocarbonos -
perfluorocarbonos são
biologicamente inertes. Quando
administrados na corrente sanguínea,
eles são capazes de aumentar a solubilidade do O2 no plasma.
As moléculas dos PFCs são posteriormente sequestradas pelo
sistema retículo-endotelial, mais precisamente pelas células de
Kupffer, no fígado, e subsequentemente liberadas no plasma,
como um gás dissolvido.
O gás é então exalado,
sem qualquer
metabolização, pelos
pulmões. A liberação é
lenta: após uma transfusão, o paciente pode exalar PFC por
mais de 10 meses!
Mesmo a atual geração de PFC permanece cerca de 7 dias no
fígado, um tempo bem menor, entretanto, de que os primeiros
substitutos baseados em PFC. Isto permite uma eliminação
efetiva, sem nenhum dano ou disfunção no órgão.
complexos heme-Fe,
capaz de se coordenar à
molécula de oxigênio. Esta ligação entre o complexo
heme e a molécula de oxigênio é fraca e instável:
depende de uma série de fatores, como pH,
temperatura e, principalmente, da pressão parcial de O2
na qual a hemoglobina se encontra. A estrutura da
hemoglobina permite que ela se ligue a 4 moléculas de
O2 simultaneamente.
Quando o sangue chega aos alvéolos pulmonares, a
hemoglobina encontra as condições ideias para a
interação com o O2 (alta pressão parcial do gás, baixa
pressão do CO2, etc.). Quando, através da circulação,
chega aos tecidos, encontra uma região onde a pressão
parcial de CO2 é maior do que a de O2. Além disso, o
excesso de CO2 dissolvido no plasma, nestas regiões,
faz com que o pH seja ligeiramente menor, o que
favorece a liberação do O2 pela hemoglobina. O O2 vai
para as células e, então, o CO2 é que interage com a
hemoglobina, que o leva até os alvéolos pulmonares,
onde, novamente, interage com O2.
A solubilidade dos gases em líquidos foi estudada por
Henry, que formulou um modelo, chamado de "Lei de
Henry das Pressões Parciais". Este é um dos tópicos
estudados nas disciplinas de Química Geral.
Entretanto - apesar de inertes - o sequestro dos PFCs pelo fígado pode
causar sérias consequências. A contagem de plaquetas diminui: os PFCs
"solvatam" as plaquetas, que são sequestradas, juntamente, para o fígado.
E, se o volume de sangue na transfusão for muito grande, as moléculas de
PFC podem saturar e prejudicar o funcionamento do fígado, resultando em
uma potencial infecção ou outras complicações. Atualmente, o volume
seguro de PFC em uma transfusão é de, no máximo, 1 litro.
Outra propriedade dos PFCs é a forte dependência com a Lei de
Henry das pressões parciais: a solubilidade do O2 depende intensamente
da sua pressão parcial, e o oxigênio não tem solubilidade funcional se a
pressão deste gás for igual a observada no ar atmosférico. A respiração do
paciente pós transfusão deve ser artificial, com uma mistura de gáses onde
a concentração de O2 é maior do que a atmosférica. A pressão parcial de O2
deve ser de, no mínimo, 400 mmHg!
Um dos produtos já em teste é o PERFLORAN, desenvolvido pelo Institute of
Theoretical and Experimental Biophysics em Pushchino, Russia. As principais
características deste produto são:
pode ser armazenado em temperaturas entre -5o C a -18o C, até por dois anos;
solubiliza tanto o O2 como o CO2;
pode ser administrado com soluções salinas, albumina, glucose e antibióticos;
os principais componentes são o perfluorodecalina (PFD) C 10F18 and perfluorometilciclo-hexilpiperidina (PFMCP) C 12F23N.
Por que não usar a Embora tenha sido uma das primeiras e infrutíferas alternativas, mesmo
hoje a hemoglobina tem sido alvo de pesquisa para a sua utilização como
Hemoglobina?
substituto do sangue. Pode ser extraída
de sangue coletado nas salas de cirurgia, de amostras de sangue
para doação descartadas e, mesmo, de outros animais. Em todos os
casos se obtém uma "hemoglobina" extremamente tóxica para nosso
organismo.
Hemoglobina é um tetrâmero protéico, que é
encontrada no sangue encapsulada em um eritrócito (uma célula
sanguínea), conhecido como "glóbulo vermelho". Fora destas
células, a molécula rapidamente se dissocia em dímeros, compostos
de uma unidade alfa e outra beta. Além de perder a funcionalidade,
esta hemoglobina é filtrada pelos rins e, ao interagir com as paredes
celulares dos glomérulos renais, causa uma rápida necrose tubular e
consequente colapso da função renal.
O desafio, então, é produzir uma hemoglobina tetrâmera
que não se dissocie em dímeros na infusão. Este problema tem sido resolvido de várias
maneiras.
A prevenção da dissociação do tetrâmero da hemoglobina, no plasma, tem sido
feita pela ligação das subunidades, tanto quimicamente como geneticamente. A
ligação química envolve a união das subunidades alfa por um "agente
bifuncional", tal como a diaspirina, que une as moléculas de hemoglobina,
estabilizando-as. Estas poli-hemoglobinas estão, agora, na fase de testes clínicos.
O problema principal deste método é a falta do 2,3PG (ácido 2,3-difosfo-D-glicérico)
associado com a hemoglobina, tal como acontece nos glóbulos vermelhos. Isto
faz com que as poli-hemoglobinas tenham uma afinidade pelo O2 menor do que
as hemoglobinas encapsuladas nos glóbulos vermelhos.
Saturação das oxi-hemoglobinas para 3 sistemas diferentes,
em função da pressão parcial de O2.
Esta afinidade pode ser medida pelo parâmetro P50, que corresponde à
pressão parcial de O2 necessária para saturar 50% das moléculas de
hemoglobina. Quanto maior for o valor de P50, maior será a capacidade
para o transporte de O2. Para uma solução de hemoglobina (fora dos
glóbulos vermelhos), a P50 é de aproximadamente 17 mmHg. A P50 para a
hemoglobina natural, no sangue, é de 27 mmHg.
Esta marca já foi ultrapassada quimicamente, pela polihemoglobina ligada
por moléculas de fosfato de piridoxal (3-hidroxi-2-metil-5-[(fosfonooxi)metil]-4Piridinocarboxaldeído). A P50 para uma solução desta polihemoglobina é de mais
de 30mmHg!
OxigêniO
O oxigênio que respiramos é um gás formado por
moléculas compostas por dois átomos do
elemento Oxigênio, cuja fórmula molecular é O2.
Cerca de 20% de nossa
atmosfera é o gás O2, enquanto
que, em Marte, este gás ocupa
apenas 0,15% da atmosfera. O
oxigênio é o terceiro elemento mais abundante no
sol; a massa deste elemento em um corpo
humano corresponde a cerca de 2/3 da massa
total do corpo. Os estados excitados dos elétrons
da molécula de O2 é que são responsáveis pelas
cores vermelho e verde-amarelado da aurora, que
é visível nos polos. O gás é incolor, enquanto que
tanto o sólido quanto o líquido são azulados.
Embora não apresente elétrons desemparelhados,
de acordo com o molelo LCAO, o O2 é uma
molécula paramagnética. Isto intrigou muitos
químicos por vários anos, até o surgimento do
modelo de Orbital Molecular: seus elétrons
desemparelhados são vistos na distribuição
eletrônica da molécula segundo este modelo:
Uma outra forma de oxigênio molecular é o seu
alótropo ozônio, cuja fórmula molecular é O3. É
formado a partir de descargas
elétricas ou luz ultravioleta agindo
sobre o O2. Apesar de nos proteger
contra a radiação vinda do sol, o ozônio é um gás
extremamente tóxico, se inalado.
Este gás não é muito
solúvel em água: o CO2 é
29 vezes mais solúvel do
que o O2! O O2 é uma
molécula apolar - daí a sua afinidade com PFCs.
Uma outra técnica é a modificação genética da hemoglobina. Com
o auxílio da bactéria E. Coli, pode-se produzir grandes
quantidades de uma hemoglobina geneticamente alterada,
contendo uma mutação proposital: a adição de alguns amino
ácidos à sequência, que permitem a ligação covelente entre as
duas subunidades alfa, impedindo a dissociação do tetrâmero. A
P50 para estas hemoglobinas mutantes é também superior a 30
mmHg. Vários substitutos baseados nesta técnica já estão em fase
de testes clínicos.
Outros grupos tentam utilizar a hemoglobina bovina,
polimerizada. Uma vantagem é fonte barata e abundante de
sangue bovino. A desvantagem é o delicado processo de
descontaminação das amostras, evitando o contágio por zoonoses.
Na terceira geração de substitutos do
sangue baseados em hemoglobina, a idéia é se
encapsular a proteína, tal como nos glóbulos
vermelhos. A primeira encapsulação artificial de
todos os componentes das células vermelhas,
incluindo a hemoglobina e enzimas, foi feita em
1957, por Chang (Chang TMS & WP
Yu(1996). Biodegradable polymer
membrane containing hemoglobin for blood
substitutes. U.S.A. Patent,1996). Chang
continuou o trabalho, utilizando vários materiais como membrana
artificial: proteínas, bicamadas de fosfolipídeos complexadas com
polímeros, membranas poliméricas, e outros. Thomas Chang, na
McGill University, Canadá, tem produzido nanocápsulas de cerca
de 150nm de diâmetro a partir de uma membrana polimérica
biodegradável. Esta membrana é rapidamente convertida em água
QMCWEB://Vídeo:
Veja o que acontece quando
acendemos um cigarro umidecido
com oxigênio líquido!
e CO2 pós o uso e não acumula no organismo, tal como acontecia
com as membranas a base de lipídeos.
Saiba mais:
>The McGowan Artificial Blood
>A empresa Baxter, fabricante de sangue
artificial
>Sangue artificial na BBC
>Um artigo sobre polimerização de
hemoglobinas
>Instruções para aplicação de Perfloran
>Mortes causadas por sangue artificial
>Oxycite: um sangue sintético
criação: minatti
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