SECRETARIA DE ESTADO DE SAUDE DO DISTRITO FEDERAL
HOSPITAL REGIONAL DA ASA SUL
UNIDADE DE PEDIATRIA
DOENÇA FALCIFORME
Melina Swain Brawerman
www.paulomargotto.com.br
4/9/2009
Hospital Regional da Asa Sul/SES/DF
INTRODUÇÃO
• Hemoglobinopatia caracterizada pela substituição do
aminoácido glutâmico pela valina na sexta posição
da cadeia β do DNA do gene da hemoglobina
[GTG  GAG]
– Doença hereditária mais prevalente no Brasil
• Autossômica recessivo ( HbSS)
– Estado heterozigoto → traço falciforme (HbAS)
• Outras anormalidades da hemoglobina podem se
associar com o gene S
–
–
–
–
HbSβ – talassemia
HbSC
HbSD
HbSE
Ao conjunto dessas alterações, homozigose ou
associações denomina-se doença falciforme
FISIOPATOGENIA
• A substituição do ácido glutâmico pela valina
– modifica a solubilidade da molécula de hemoglobina,
quando esta se encontra na forma reduzida
• polimerização da molécula na carência de oxigênio→conferindo
forma de foice ao glóbulo vermelho
– Aumento da adesividade ao endotélio.
• Eritrócitos deformados evoluem mal na circulação capilar
– Obstruindo fluxo sanguíneo ( vasoclusão)
– Destruídos prematuramente ( hemólise)
• Quadro clínico variável
– Homozigose ( HbSS)
– Associações com outras hemoglobinopatias
– Concentração da Hb Fetal
• Nível de HbF inversamente associado com a gravidade da
doença
– Haplótipo
– 5 diferentes haplótipos associados ao gene HbS
•
•
•
•
Recebem o nome da região onde foram descritos pela 1º vez
Benin
Senegal
Bantu (ou república centro africana)→ parece ter pior evolução
clínica
• Camarões
• Árabe-indiano
– No Brasil
» Maior prevalência do haplótipo Bantu, seguido pelos haplótipos
Benin e Senegal
• Manifestações clinicas devem-se a dois fenômenos
principais
– Oclusão vascular pelos glóbulos vermelhos seguida de infarto
nos diversos tecidos e órgãos
– Hemólise crônica e seus mecanismos compensadores
• Esses eventos associados tendem a lesar progressivamente
os diversos tecidos e órgãos
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
Pulmões
Coração
Ossos
Rins
Fígado
Retina
Pele
SNC
Alterações no crescimento e atraso puberal
Destruição progressiva do baço→ autosuscetibilidade aumentada para infecções graves
esplenectomia
e
•
Manifestações
– Desenvolve paralelamente ao declínio pós-natal da HbF
– Evidente em torno do 6º mês de vida, juntamente com as primeiras
manifestações clínicas
• Frequentemente com edema e dor no dorso das mãos e pés (Vasooclusão)
• Ocasionado por infarto e necrose dos ossos metacarpianos e metatarsianos → síndrome
mão-pé
• Evolução da doença caracterizada por crises precipitadas por inúmeros
fatores
–
–
–
–
–
–
Febre
Infecção
Exercícios físicos
Desidratação
Exposição ao frio
Tensão emocional
• Crises podem ser
– Vasoclusiva
– Anêmicas (aplásticas, sequestro, hiper-hemolítica)
• Vasoclusiva
– Mais frequente
– Pode atingir qualquer órgão e tecido
– Episódios dolorosos de intensidade variável
• Dependem do grau de lesão isquêmica e do órgão ou tecido
afetado
– Lesão tissular isquêmica secundária à obstrução dos vasos
sanguíneos pela células falcizadas
– Dor persiste mesmo após o processo de falcização ter
cessado
• Em média 3 a 6 dias
• Dores podem ocorrer
–
–
–
–
Extremidades
Abdome
Tórax
Manifestações musculoesqueléticas
• Sistema nervoso central
–
–
–
–
–
–
17% dos portadores de doença falciforme
5% dos portadores de HbSC
Idade média < 7 anos de idade
Mortalidade: 15%
Manifestações neurológicas
Geralmente focal
• Hemiparesia
• Hemianestesia
• Deficiência no campo visual
• Afasia
• Paralisia de nervo craniano
– Sinais generalizados podem ocorrer
• Convulsão
• Coma
– Recorrência de novos infartos
• 70% em até 5 anos do primeiro evento
• Síndrome torácica aguda
• Isoladamente, principal causa de mortalidade após 2 anos
de idade
• Principal causa de morbidade e mortalidade na doença
falciforme em qualquer idade
– Clinicamente
•
•
•
•
•
•
Febre
Tosse
Dispnéia
Dor pleural
Infiltrados pulmonares
Declínio do nível basal da hemoglobina
– Embolia gordurosa secundária ao infarto da MO, tem evolução
progressiva e grave
• Priapismo
– Manifestação vasoclusiva (congestão dos corpos cavernosos e/ou
esponjosos do pênis por hemácias falciformes)
– Ereção dolorosa e persistente do pênis, pode ser agudo ou crônico
– Em qualquer idade
– Grande maioria auto-limitada
– Com resolução espontânea inferior a 24 horas
– Casos persistentes podem resultar em impotência
• Crise aplástica
– Precedida em 1 a 3 semanas por infecção viral
• Parvovírus B19
– Aplasia transitória do setor eritrocitário
– Apresenta sintomas de anemia aguda sem aumento esplênico
– Reticulocitopenia e ausência de icterícia
• Sequestro esplênico
– Aumento abrupto do baço
– Queda acentuada dos níveis de hemoglobina
– Pode ocorrer choque hipovolêmico e óbito
• Quadro hiper-hemolítico
– Pouco frequente
– Hemólise intensa
– Anemia acentuada
– Icterícia
• Alterações na imunidade
– Mais suscetíveis às infecções por
•
•
•
•
Streptococcus pneumoniae
Haemophillus influenzae tipo b
Neisseria meningitidis
Salmonella sp
DIAGNÓSTICO
• História clínica
– Crises dolorosas de repetição
– Infecções
– Anemia
– Icterícia
• Esfregaço periférico
– Células em forma de foice
– Eritroblastos
– Algumas vezes células em alvo
– Teste de falcização é positivo
DIAGNÓSTICO
• Diagnóstico laboratorial
• Detecção da HbS e de suas associações com outras frações
– Técnica da eletroforese de hemoglobina
• Em acetado de celulose com pH alcalino
• Em ágar com pH ácido
Separação dos tipos de Hb de acordo com as
diferentes taxas de migração das moléculas de
hemoglobinas eletronicamente carregadas, quando
submetidas a um campo elétrico.
DIAGNÓSTICO
• Diagnóstico pré- natal
– Intra-útero: através da análise do DNA de alguma célula nucleada
disponível (células das vilosidades coriônicas) detectando genótipo da
doença da célula falciforme na 12º a 14º semana de gestação
• Screening neonatal
– Eletroforese de hemoglobina em sangue de cordão
LABORATORIAL:
•
Hemograma
• Anemia normocrômica e normocítica com reticulocitose ( 5-20%)
• Hb em pacientes estáveis varia entre 5- 10 g/dl → conhecer o nível basal de
cada paciente nos periodos intercrise
• Valores reduzidos de volume corpuscular médio (VCM) → atenção para
associação com alfa-talassemia ou S/β-talassemia ; descartando sempre a
possibilidade de concomitância com anemia ferropriva
• Concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) é normal
– Leucocitose
• Achado frequente → podendo apresentar desvio para esquerda mesmo
paciente fora de crise
– Plaquetose
• Contagem de plaquetas em geral elevada, pode atingir níveis de até
1.000.000/mm³.
• Plaquetose e leucocitose → decorrente da hiperplasia da medula óssea,
hipofunção esplênica. Plaquetopenia presente nos quadros de sequestro
esplênico ou hepático.
• Morfologia do sangue periférico
– Presença de hemácias “em foice” → achado clássico na
doença falciforme após 1º ano de vida, antes ausentes
pelo elevado nível de hemoglobina fetal
– Hemácias
em
alvo
nas
S/β-talassemia
e
hemoglobinopatias SC
– Corpúsculos de Howell-Jolly refletem hipofunção
esplênica
– Eritroblastos circulantes ( 5-10%)
– Hemácias fragmentadas, policromasia e esferócitos
• Teste de solubilidade
– Teste de fácil e rápida realização, indicado como teste de
triagem ou confirmatório para a presença de Hb S. Deve ser
realizado em situações em que a presença de Hb S é a única
informação necessária, principalmente em
caráter
emergencial (“teste da mancha”)
– Baseado na insolubilidade da Hb S em um tampão fosfato
concentrado, devendo realizar
controles positivos e
negativos. As hemoglobinas S,C Harlem, C Ziguichor e S Travis
apresentam resultados positivos. Hemoglobinas A, D, E, F, G
Philadelphia, I, J e O Arab, negativos
Dosagem da hemoglobina A2
– Principais métodos são eluição ou cromatografia em
microcoluna; outros testes incluem estudo imunohistoquímico ou cromatografia liquída de alta pressão.
– Menor componente da Hb adulta normal
– Traços presentes ao nascer, alcançando níveis normais aos
6 meses
– Valores até 3,5% são considerados normais
Dosagem de hemoglobina Fetal
– Presente ao nascimento em níveis de 65 a 90%, atingindo < 2%
dos 6 aos 12 meses, em adultos menos de 2%.
– Fatores genéticos ou estresse hematopoiético são
responsáveis pela manutenção de níveis elevados desta
hemoglobina.
– Portadores de Hb S podem apresentar HbF de até 20%
– Quantificação desta Hb é importante para diferenciar as
hemoglobinopatias e avaliar as condições como medula óssea
estressada e efeitos farmacológicos de drogas na produção da
Hb F
– Varios métodos para quantificar Hb Fetal, como
desnaturação alcalina, eletroforese, focalização isoelétrica
seguida por densitometria, e, HPLC.
Diagnóstico Molecular
– Alteração molecular presente na doença falciforme
pode ser identificada pela reação em cadeia da
polimerase (PCR), e sequenciamento do DNA
Características clínicas e laboratoriais das principais síndromes Falciformes
Hb (g/dl)
variação
Reticulócitos %
Média
(variação)
Grau de
hemólise/
Vasoclusão
Eletroforese de
hemoglobina
HbAS
13,0
(12,0- 16,0)
Normal
0/0
HbS 35-40%
HbF < 2%
HbA1 50- 60%
HbA2 < 3,5%
HbSS
7,5
(5,5-9,5)
11,0
(5-30)
++++/++++
HbS 80- 90%
HbF 2-20%
HbA1 ausente
HbA2 < 3,5%
HbSβ+ tal
11,0
(8,0-13,0)
3,0
(1-6)
+ / + a ++
HbS 65-90%
HbA1 5-30%
HbF 2-10%
HbA2 3,5 -6,0%
HbSβ o tal
8,0
(7,0-10,0)
8,0
(3-18)
+++ / +++
HbS 80-92%
HbA1 ausente
HbF 2-15%
HbA2 3,5 -7,0%
HbSC
11,0
(9,0-14,0)
3,0
(1-6)
+ / ++
HbS 45-50%
HbC 45-50%
HbF 1-5%
TRATAMENTO
• Tratamento das crises falcêmicas
• Acompanhamento da doença crônica
– Acompanhamento ambulatorial
• Orientação do paciente e familiares sobre a doença
• Penicilina profilática
• Vacinas (esquema básico e especial pneumo7 /peneumo23 ActHIB)
• Ácido fólico, via oral, 1 – 5mg/dia (não temos feito de rotina, nas fases
de crescimento rápido como adolescência, pós episódios infecciosos,
em desnutridos)
• Avaliação periódica dos diversos órgãos e sistemas
– Alterações cardíacas, renais, pulmonares, presença de cálculos
biliares, lesões retinianas
• CRISE VASOCLUSIVA DOLOROSA
– Complicação mais frequente
– Tratamento consiste
– Corrigir fatores desencadeantes
• Desidratação
• Infecção
• Hipóxia
– Repouso
– Hidratação
– Alívio da dor
• CRISE VASOCLUSIVA DOLOROSA
• Hidratação
– Dor leve
• Terapia de reidratação oral quando há colaboração
– Dor moderada à grave
• Via endovenosa
– Cuidado com sobrecarga de fluidos
– Portador de doença falciforme tem água corporal aumentada
e principalmente nos que possuem algum grau de cardiopatia,
pois podem desencadear edema agudo de pulmão
ANALGESIA
• Dor leve
– Acetaminofeno (paracetamol) ou dipirona
• Dor moderada
– Codeína: 0,5 - 0,75mg/kg/dose, 4/4 h
– Tramadol: 1 - 1,5 mg/Kg/dose, 8/8h
• Dor severa
– Morfina ( até pode ser contínua)
• 0,1mg/kg/dose, 4/4h ou 3/3h (dose máxima 10 mg/dia)
• Quando houver melhora da dor, reduzir a dose e manter
intervalo , (em geral espaçamos os intervalos max 4/4 hs)
• ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL (AVC)
– Redução dos níveis de HB S
– Ajuda a prevenir progressão do AVC
• Nesta fase aguda níveis de Hb devem ser menores que
10g/dl
– Caso não seja possível a realização da transfusão simples de
glóbulos vermelhos
» Paciente já apresenta nível de Hb basal próximo a 10g/dl
– Recomenda –se exsanguinitransfusão parcial ou eritrocitoaferese
para reduzir nível de HbS (< 30%)
– Após regressão do episódio agudo
• Terapia de transfusão regular crônica
• Finalidade de manter nível de HbS < 30%
• PRIAPRISMO
– Hidratação e analgesia
– Transfusão
• Indicada quando medidas de crise vasoclusiva não
reverterem o processo
• Não deixar Hb final > 10g/dl
– Resolução na maioria dos casos em 24 h
• Se não apresentar melhora →punção aspiração do corpo
cavernoso
– Intervenção cirúrgica
• Sem resposta as medicações e transfusão
• Evitar impotência
• SÍNDROME TORÁCICA AGUDA (STA)
– Exige hospitalização
• Causa frequente de óbito no adulto
Avaliação
– Rx tórax
– Hemograma / hemocultura
– Gasometria (saturação O2 < 96%, PaO2< 75 mmHg ou
decréscimo de 25% do valor basal)
– Cintilografia pulmonar V/Q
Diagnóstico é clinico.
• Tratamento
– Monitorização
– Hidratação (evitar hiperhidratação)
– Analgesia
– Manutenção apropriada da oxigenação
( manter O2> 95% e/ou PaO2≥75mg)
– Antibioticoterapia de amplo espectro para cobrir
• Pneumococo
• Haemophilus influenzae
• Staphylococcus aureus
• Mycoplasma pneumoniae (se clinica)
– Transfusão sanguínea, se necessário
• CRISE APLÁSTICA
– Mantido sob vigilância hematológica até
retorno da reticulocitose
– Em geral autolimitados
– Transfusão→ se descompensação cardíaca ou
queda 2 g do basal
• Transfusão normal 10ml/Kg
• SEQUESTRO ESPLÊNICO
– Pronta intervensão → risco de choque hipovolêmico
– Transfusão de hemácias pequenas aliquotas e
monitorizar o baço
– Avaliação das funções vitais e tamanho do baço
• Suspeita de repetir o quadro→ possibilidade de
esplenectomia nas crianças maiores de 2 anos,
• < 2 anos: transfusão crônica para manter HbS <
30%
• FEBRE SEM FOCO
– Maior suscetibilidade às infecções
• Principalmente pelo streptococcus pneumoniae e
haemophylus influenzae
• Risco elevado de sepse
– Exame físico cuidadoso
• Sinais de sepse
–Meningite, desconforto respiratório, dor óssea
localizada, esplenomegalia
– Exames laboratoriais
• Hemograma com reticulócitos /
hemocultura
• Rx torax
• EAS e urocultura
• Punção lombar→ se sinais de meningite
– 72 hs afebril, culturas estéreis, sem sepse e
nível seguro de Hb→alta com antibiótico oral
•
TERAPIA TRANSFUSIONAL
• Risco de infecções adquiridas
• Sobrecarga de ferro
• Aloimunização
– Indicação como tratamento
• Exacerbação da anemia
– Anemia aplástica
– Sequestro esplênico ou hepático
• Crises vasoclusivas severas
– Crises dolorosas refratárias
– AVC
– Síndrome torácica aguda progressiva
– Insuficiência cardíaca congestiva
– Priapismo não responsivo
• Procedimentos de alto risco
– Cirurgia com anestesia geral
– Programa de transfusão crônica
• AVC
• Sequestro esplênico, antes dos 2 anos de idade
TRATAMENTO HEMOTERÁPICO
• Transfusão simples – intervalos regulares de 2 a 4 semanas.
• Eletroferese quantitativa periódica, objetivo de manter níveis de HbS <
30% por longo período.
• Considerações gerais
• Estudos “in vitro”: HbS > 30% - aumento abrupto resistência relativa ao
fluxo.
• Interação viscosidade x hematócrito x níveis HbS.
• Em condições crônicas o nível de Hb = 5g/dl é bem tolerado.
• A maioria apresenta anemia crônica estável com:
• Hb entre 6,5 – 9 g/dl
• Hto entre 20-30%
• Retic. 10-25%
• TERAPIA COM AGENTES ANTIFALCIZANTES
– Hidroxiuréia
• Promove aumento da HbF ( 4 – 15%)
• Indicação:
• 3 ou mais admissões hospitalares por crises vaso oclusivas nos
últimos 12 meses
• 1 ou mais episódios de síndrome aguda nos últimos 24 meses
• Pacientes com disfunções orgânicas graves
• Dose inicial preconizada 20mg/kg/dia, 1x ao dia
– Dose deve ser aumentada progressivamente a cada 3 a 4 meses, na
ausência de sinais de supressão medular
– Sinais de supressão medular
» Contagem de neutrófilos < 2000
» Hemoglobina < 4,5g/dl
» Plaquetas < 80000
OBRIGADA!
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DOENÇA FALCIFORME - Paulo Roberto Margotto