Desafios para Alunos e Professores de uma Abordagem Exploratória da Matemática João Pedro da Ponte [email protected] http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/jponte CIBEM VI Congreso Iberoamericano de Educación Matemática Puerto Montt, Chile – 04 a 09 de Enero del 2009 Sumário 1. Mudança curricular em Matemática 2. Novo programa de Matemática do Ensino Básico de Portugal (1.º ao 9.º ano) 3. O papel do professor 2 Mudança curricular em Matemática Ensino directo Tarefas - Tarefa padrão: Exercício / Situações: artificiais, - Para cada problema, uma e uma só estratégia e resposta certa. Papéis - Os alunos recebem “explicações”, - O professor mostra “exemplos” para os alunos aprenderem “como se faz”, - O professor e o manual são as autoridades na aula. Comunicação - O professor põe questões e dá feedback (I-R-F), - Os alunos respondem e põem “dúvidas”. 3 Mudança curricular em Matemática Aprendizagem exploratória Tarefas - Variedade: Explorações, Investigações, Problemas, Projectos, Exercícios… - As situações são realísticas, - Existem várias estratégias para lidar com um problema. Papéis - Os alunos trabalham em tarefas e têm de descobrir estratégias, - ... Explicam e justificam o seu o raciocínio, - … Sendo também uma autoridade. 4 Mudança curricular em Matemática Aprendizagem exploratória Comunicação - Os alunos discutem com os colegas (grupos ou pares), - No fim de um trabalho, há uma discussão com toda a turma, - Os significados são negociados na sala de aula. 5 A aula de exploração Introdução da tarefa Desenvolvimento do trabalho Discussão final/Reflexão Às voltas com os números (Irene Segurado– 5.º ano) Escreve em coluna os 20 primeiros múltiplos de 5. 1. Repara nos algarismos das unidades e das dezenas. Encontras algumas regularidades? 2. Investiga agora o que acontece com os múltiplos de 4 e 6. 3. Investiga para outros múltiplos. 7 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 90 95 Às voltas com os números A Tatiana levantando o braço respondeu prontamente: o algarismo das unidades é sempre 0 ou 5, o que foi aceite pelos colegas, ecoando pela sala: é sempre 0; 5, 0; 5... Professora: Mais? Octávio com um ar feliz: O algarismo das dezenas repete-se: 0-0, 1-1, 2-2, 3-3... Carlos, com uma certa agitação, descobri mais uma coisa... posso ir ao quadro explicar? (...) Já no quadro, explicou: O 0 com o 5 dá 5, o 0 com o 0 dá 0, o 1 com o 5 dá 6, o 1 com o 0 dá 1, o 2 com o 5 dá 7, o 2 com o 0 dá 2, o 3 com o 5 dá 8, estão a perceber? Há uma sequência. Dá 5, salta um, dá 6, salta um, dá 8 7... ou dá 0, salta um, dá 1, salta um, dá 2... Às voltas com os números É importante o modo como o professor responde às dúvidas dos alunos, dando-lhes atenção e encorajamento sem lhes dar directamente a resposta, formula as questões, envolvendo toda a turma e levando os alunos a argumentar uns com os outros. Em tópicos curriculares, onde aparentemente só se podem realizar exercícios repetitivos, é possível fazer muito 9 trabalho exploratório e investigativo. Como é o aluno típico da turma? (Olívia Sousa – 6º ano) Supõe que queres comunicar, a um aluno de um país distante, ou mesmo, quem sabe, a um extraterrestre, como são os alunos da tua turma... Etapas (i) Preparação das questões de investigação; (ii) Recolha de dados; (iii) Tratamento dos dados; e (iv) Elaboração de relatórios sobre os resultados. 10 Como é o aluno típico da turma? Aprendizagens: Medidas (comprimentos, pesos…) Números decimais (que ganharam significado pelas medidas), cálculo numérico, escrito e mental Estatística: Comparação, ordenação, agrupamento, representações, média, mediana, moda. Uma investigação formulada a partir da realidade dos alunos pode ser o ponto de partida tanto para o desenvolvimento de competências de investigação como 11 para a aprendizagem de novos conceitos matemáticos. Identificação de relações directamente proporcionais Guilherme observa a tabela e questiona a Investigadora sobre a necessidade de usar o Excel, uma vez que já sabe que existe proporcionalidade. Professora: (…) Como sabes que existe proporcionalidade nesta situação? Guilherme: (Não usa qualquer material) Então, primeiro vi a [linha] A e a [linha] B (aponta para as linhas correspondentes às variáveis A e B). Vi o último par 12 de números. Professora: Quais? Guilherme: (Aponta para a última coluna da tabela) Ao multiplicar 5 por 3 dá 15… Tenho quase a certeza que sim [que existe proporcionalidade]. Com esta conta acreditei que o mesmo se passa com os outros [pares] números e dá, em 7,5 há 3 vezes 2,5. Aqui é igual, basta saber a tabuada para isso, 3 [parte decimal de 4,3] vezes 3 dá 9 [parte decimal de 12,9] e 3 vezes 4 é 12. “Tá” certo. Professora: Consegues identificar a constante de proporcionalidade? Guilherme: É 3, se dividir 15 por 5 dá 3. 13 Também acontece com os outros [pares de] números. Ampliações A situação Experiência realizada com alunos do 8.ª série pelo professor João Almiro (2005). A tarefa … A professora de Educação Visual quer ampliar a área da figura 400 vezes. A que distância é que deve colocar o retroprojector da parede? Elabora um relatório que inclua a descrição das tuas pesquisas, os cálculos que efectuaste, as tuas conjecturas e possíveis soluções para entregarmos à professora. 14 Ampliações Reacções dos grupos Alguns ficaram perdidos, outros agarraram na tarefa e começaram a tentar encontrar caminhos. Todos perceberam que o rectângulo projectado teria que ter largura e comprimento 20 vezes maiores que o inicial. A grande dificuldade era saber a que distância colocar o retroprojector da parede para que o comprimento dos segmentos da figura aumentasse 20 vezes. Quase todos os grupos projectavam, mediam e viam quantas vezes comprimento e largura aumentavam. Aperceberam que não tinham espaço na sala, pelo que tiveram que fazer cálculos para saber a que distância 15 deviam colocar o retroprojector da parede. Ampliações Mais reacções O professor considerou espectacular o trabalho de um grupo Percebeu que havia proporcionalidade directa entre a distância do retroprojector à parede e o número de vezes que as dimensões eram ampliadas e resolveu o problema. Quatro grupos, entreajudando-se, foram medindo e discutindo e quando um chegava a uma conclusão trocava com os outros. Três grupos não conseguiram avançar sozinhos. Brincaram muito e produziram pouco. 16 Ampliações 17 Ampliações Balanço Alguns dos alunos (cerca de 1/5) não gostaram destas aulas. Eu não gostei destas aulas, prefiro aulas normais a fazer exercícios, acho que aprendo muito mais nas aulas a fazer exercícios e a tirar dúvidas. A maioria referiu ter gostado destas aulas e reconheceu ter feito aprendizagens importantes: Os problemas são um bocadinho mais complicados… Tínhamos que pensar um bocado, desenvolver, tínhamos que pensar métodos diferentes, para conseguir o método ideal para ter o resultado certo… Nos manuais, as perguntas são directas, 18 dizem logo o que temos que fazer. Diversos tipos de tarefa Complexidade reduzida Exercício Exploração Jogos Fechado Problema Aberto Investigação Projecto Complexidade elevada 19 Diferentes tipos de tarefas Na aprendizagem da escrita Cópia – Ditado – Redacção Texto orientado – Texto livre Na Matemática Exercícios – Problemas Exploração – Investigação 20 As duas faces da Matemática… A Matemática tem duas faces; é a ciência rigorosa de Euclides, mas é também algo mais... A Matemática em construção aparece como uma ciência experimental, indutiva. George Pólya, 1957 21 A influência do professor… Desde que pela primeira vez encontrei o Último Teorema de Fermat, em criança, ele tem sido a minha maior paixão... Tive um professor que realizara investigações em Matemática e que me emprestou um livro sobre Teoria dos Números, que me deu algumas pistas sobre como começar a atacá-lo. Para começar, parti da hipótese de que Fermat não conhecia muito mais Matemática do que a que eu aprendera… Andrew Wiles, 1998 22 O aluno e do matemático… Entre o trabalho do aluno que tenta resolver um problema de geometria ou de álgebra e o trabalho de criação, pode dizer-se que existe apenas uma diferença de grau, uma diferença de nível, tendo ambos os trabalhos uma natureza semelhante. Jacques Hadamard, 1944 23 2. Novo programa de Matemática do Ensino Básico de Portugal 1.º ao 9.º ano de escolaridade Alunos de 6 a 14 anos 24 Temas matemáticos e Capacidades transversais Números e operações Geometria e Medida Álgebra Organização e tratamento de dados Resolução de problemas Raciocínio matemático Comunicação matemática 25 Comunicação 1.º ciclo (6-9 anos) 2.º ciclo (10-11 anos) 3.º ciclo (12-14 anos) … Os alunos progridem na fluência e no rigor com que se exprimem, oralmente e por escrito, tanto na linguagem natural como na linguagem matemática, usando a notação e a simbologia específica dos diversos tópicos matemáticos e desenvolvem a sua capacidade de interagir num grupo e na turma. 26 Resolução de problemas Como ponto de partida para o desenvolvimento Compreender de novos o problema e conceitos e processos Reflectir e formular um plano analisar o trabalho feito Mobilizando conhecimentos e representações já conhecidas, tirando partido da tecnologia Realizar o plano Em contextos não matemáticos (sobretudo do quotidiano) e em contextos matemáticos Levando os alunos a formular problemas e a realizar investigações… 27 Raciocínio Na resolução de problemas/exercícios (i) formulação de uma estratégia geral de resolução de um problema, (ii) realização de uma transformação ou cálculo e sua justificação. (iii) estabelecimento de relações entre objectos matemáticos ou não matemáticos. Em explorações/ investigações (i) formulação de uma conjectura apoiada numa razão, (ii) definição de uma estratégia de teste de uma conjectura. Na demonstração (i) formulação de uma estratégia de demonstração, (ii) construção de uma cadeia argumentativa.28 3. O papel do professor 29 Competência para a realização da prática lectiva Planeamento Objectivos curriculares Estrutura das aulas (introdução de conceitos – exploração – discussão) Tarefas Materiais Organização do trabalho Gestão do tempo 30 Competência para a realização da prática lectiva Realização Introdução e negociação do trabalho (contrato) Comunicação na sala de aula Negociação de significados matemáticos Ambiente 31 Competência para a realização da prática lectiva Reflexão Os objectivos curriculares foram atingidos? Os alunos aprenderam o que se pretendia? As tarefas e os materiais foram adequados? A estrutura da aula e organização do trabalho funcionou? 32 Estudos Recentes http://ia.fc.ul.pt Ana Isabel Silvestre – Proporcionalidade directa, incluindo razões e escalas (6. ano) Neusa Branco – Equações 1º grau – Padrões, Expressões, Equações, Resolução de problemas (7. ano) Ana Matos – Álgebra - Sequências, Funções e Equações (literais) do 1.º grau (8. ano) Idália Pesquita – Álgebra - Ainda os Números e Equações (literais) do 1.º grau (8. ano) 33 Estudos Recentes http://ia.fc.ul.pt Nuno Candeias – Geometria - Do Espaço ao Plano” (7. ano), Decomposição de figuras, Teorema de Pitágoras, Lugares geométricos, Translações, Semelhança de triângulos (8. ano) Ana Henriques – Análise Numérica - Aritmética intervalar, Equações não lineares, Ajustamento de funções, cálculo integral (2º ano licenciatura Escola Naval) Carmen Salvado – A comunicação na sala de aula no 3.º ciclo 34 Estudos em Curso Neusa Branco – Pensamento algébrico e perspectivas sobre o ensino da Álgebra na formação inicial de professores Cláudia Nunes – A gestão curricular dos professores do 3.º ciclo e secundário, num contexto colaborativo de escola. António Guerreiro – A comunicação na sala de aula no 1.º ciclo (estudo colaborativo) Kátia Medeiros – A aprendizagem da regulação da comunicação na formação inicial de professores35 Estudar Construir tarefas Procurar tarefas… … Modificá-las, adaptando-as aos alunos, Construir tarefas a partir de situações do dia-a-dia. Perceber como usar as ferramentas das TIC para resolver tarefas conhecidas e tarefas novas Aprofundar o conhecimento Estudar novos assuntos de Matemática … Conhecer novas aplicações na Saúde, na Economia… Perceber como é usada noutras disciplinas escolares. 36 Ouvir o aluno Para apoiar a aprendizagem o professor tem Saber o que aluno está a pensar, … Como ele pensa, … O que compreende e onde tem dificuldade. Para isso é necessário Dar ao aluno oportunidade de falar, Levá-lo a explicar as suas ideias em pormenor, Habituá-lo a ouvir com atenção os seus colegas, Ajudá-lo a construir argumentos, … E a discutir os argumentos dos outros alunos. 37 Colaborar A colaboração, conjugando os esforços de diversas pessoas, constitui uma estratégia chave para enfrentar os problemas da prática profissional. Várias pessoas a trabalhar em conjunto: têm mais ideias, mais energia e mais força para derrubar obstáculos. capitalizam nas competências individuais. ... mas têm que se adaptar uns aos outros, trabalhando em conjunto de modo eficiente. 38 Desenvolver a sua identidade profissional Participação noutros espaços profissionais Prática profissional na escola (com colegas, com alunos, com pais, com a comunidade) Prática lectiva Professor-Alunos 39 Oficinas de Formação Objectivo Sensibilização para as ideias-chave do novo programa de um tema, num dado ciclo. Formato 25 horas, em 6 sessões (Sábados), que decorrem em 3/4 meses Trabalho dos professores em grupo Exploração de aspectos do novo programa através de tarefas e exemplos Concepção e realização de uma tarefa em classe Apresentação e discussão ao grupo. 40 Oficinas de Formação Pressupostos Formação baseada na prática, mas informada pela teoria educacional Formação que incentiva a troca de experiências (mais conseguidas e menos conseguidas) e a reflexão como base da cultura profissional. 41 Formação na Escola/Agrupamento Objectivo Desenvolvimento da capacidade de gestão curricular associada ao novo programa num ciclo (e promovendo a articulação entre ciclos). Formato Trabalho ao longo do ano, dos professores em grupo na Escola ou Agrupamento, coordenado por uma equipa e apoiado exteriormente, Identificação de aspectos críticos na aprendizagem dos alunos, Concepção e realização de intervenções, sua 42 avaliação e redefinição. Formação na Escola/Agrupamento Pressupostos Formação baseada na prática Formação baseada na identificação de necessidades e realização de projectos pelo grupo profissional. 43 Pesquisar Pesquisar Procurar respostas através de recolha e análise sistemática de informação. Quem pesquisa? Ao lado dos universitários, cada vez há mais profissionais que pesquisam problemas da sua própria prática Com que resultados? Com contributos “locais” importantíssimos para a compreensão e resolução dos problemas Com uma compreensão acrescida da pesquisa académica 44 Matemático pesquisando Matemática Professor pesquisando como o aluno aprende Matemática Pesquisa a vários níveis Educador matemático pesquisando como alunos e professores aprendem Matemática Aluno pesquisando Matemática Pesquisar na prática profissional do professor Olívia Fui surpreendida por uma ideia... A forte analogia entre o modo como os alunos tinham desenvolvido a sua investigação e o modo como eu estava a desenvolver a minha… Tal como os alunos, também eu senti imensa dificuldade em formular as minhas questões de investigação... Outro aspecto onde senti o paralelismo, foi na dificuldade de comunicar por escrito as minhas ideias e conclusões. Também os alunos sentiram dificuldade na escrita das suas questões de investigação… 46 Pesquisar na prática profissional do professor Olívia ... Para além dos processos, esta analogia estende-se também aos resultados. Penso que posso inferir que, tal como eu, também os alunos sofreram um processo evolutivo enquanto investigaram. Não pretendo dizer que se tornaram investigadores, tal como eu não me tornei, mas penso que este tipo de experiências pode contribuir para que os alunos se tornem mais reflexivos e mais competentes na procura de soluções para os seus problemas, quer enquanto estudantes quer, mais tarde, como cidadãos. 47 Conhecimento académico e prática profissional / Teoria e prática Conhecimento académico Prática académica Conhecimento profissional informado pela investigação Conhecimento Prático Prática profissional 48 Teoria e prática O grande desafio que se coloca é pôr em diálogo teoria/prática académica e teoria/prática profissional, fazendo com que uma aprenda e se fortaleça com a outra. Para isso é fundamental a colaboração estreita, no campo nacional e internacional. Faço votos para que este encontro possa dar um forte contributo no sentido da emergência de um conhecimento profissional informado pela pesquisa de matemáticos, alunos, professores e investigadores. 49 João Pedro da Ponte [email protected] http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/jponte