UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA UNIFESP/EPM ANALGESIA E SEDAÇÃO EM UTI EDUARDO BRANDÃO ELKHOURY R2 CLÍNICA MÉDICA ANALGESIA Definição Ausência ou supressão da sensação de dor ou de estímulos nocivos Fatores precipitantes 1. Cuidados de rotina com o paciente (aspiração, reposicionamento, administração de medicamentos); 2. Trauma, imobilidade, cirurgia; 3. Presença de tubos e outros dispositivos. ANALGESIA Fisiopatologia Dano tecidual -> Liberação de mediadores locais (bradicinina, substância P, prostaglandinas) -> Sensação de dor Dor não tratada pode levar a… 1. Distúrbio do sono -> Exaustão e desorientação; 2. Agitação; 3. Taquicardia, aumento do consumo de O2 pelo miocárdio, hipercoagulabilidade, imunossupressão e catabolismo persistente 4. Restrição pulmonar -> Disfunção e complicações pulmonares AVALIAÇÃO DA DOR Deve ser realizada frequentemente O indicador mais confiável é o próprio paciente Escala Analógica Visual, Escala Numérica Verbal ou Visual Pacientes não comunicativos: Avaliação de comportamento e de indicadores fisiológicos de dor TERAPIA NÃO FARMACOLÓGICA Posicionar adequadamente o paciente Estabilização de fraturas Posicionamento adequado do tubo de ventilação Musicoterapia Evitar procedimentos invasivos desnecessários Tratamento adequado de ansiedade e delirium TERAPIA FARMACOLÓGICA Os analgésicos agem por três mecanismos: 1. Bloqueio da síntese de prostaglandinas e outros mediadores (AINEs) 2. Interrupção do estímulo para a medula espinhal (bloqueio de nervo periférico) 3. Percepção alterada da dor no SNC (opióides e acetaminofen) OPIÓIDES Receptores Mu e K Mu-1: Analgesia Mu-2: Depressão respiratória, náuseas/vômitos, constipação (íleo paralítico), euforia K: Sedação, miose Não causam amnésia Reduzem o tônus simpático: hipotensão e bradicardia em pacientes hipovolêmicos Via de administração: IV (bolus, infusão contínua, PCA) MORFINA Início de ação relativamente lento: 5 a 10 min Tempo de meia-vida (única dose): 4 h Metabolizada no fígado (glicuronidação) Metabólito ativo: morfina-6-glicuronídeo (20 vezes mais potente) Ambos eliminados pelo rim (acúmulo na insuficiência renal) HIDROMORFONA Rápido início de ação e meia-vida mais curta que a morfina Preparação com alta concentração: pacientes com restrição de fluidos e necessidade de altas doses de opióides Metabolizada no fígado (glicuronidação) e eliminada pelo rim Não há metabólitos ativos Efeito da insuficiência renal na sua eliminação é desconhecido MEPERIDINA Início de ação e meia-vida semelhantes aos da morfina Metabolizada no fígado e eliminada pelo rim Metabólito ativo (normeperidina) pode causar convulsões Não deve ser usada de maneira rotineira em UTI FENTANIL Derivado sintético da morfina (100 vezes mais potente) Rápido início de ação (1 min) Meia-vida curta: 30 min a 1 h Metabolizado pelo fígado (oxidação) e eliminado pelo rim Metabólitos inativos: pode ser usado na insuficiência renal Acúmulo no tecido muscular e adiposo Não libera histamina: instabilidade hemodinâmica e broncoespasmo DERIVADOS DO FENTANIL Alfentanil e sufentanil Adjuvantes em anestesia e analgesia pósoperatória imediata Remifentanil Metabolismo por esterases plasmáticas Sufentanil Causa menos instabilidade hemodinâmica, depressão respiratória e rigidez da parede torácica Alto custo impossibilita seu uso rotineiro AINEs E ACETAMINOFEN Podem ser usados como adjuvantes à terapia opióide Efeitos adversos dos AINEs: sangramento GI, sangramento secundário à disfunção plaquetária e insuficiência renal Evitar AINEs em pacientes asmáticos ou com hipersensibilidade ao AAS Ketorolac: AINE parenteral disponível, evitar seu uso por mais de 5 dias Acetaminofen: risco de hepatotoxicidade RECOMENDAÇÕES Morfina, hidromorfona e fentanil são os agentes recomendados quando doses IV de opióides são necessárias Infusão contínua ou doses programadas de opióide são preferíveis ao regime ACM PCA é boa opção em pacientes elegíveis Fentanil: rápida analgesia, pacientes com instabilidade hemodinâmica e IR Morfina e hidromorfona: terapia intermitente (efeito mais longo) Crit Care Med 2002 Vol. 30, No 1 SEDAÇÃO Definição 1. Amplo espectro de condições, desde o 2. 1. 2. estado vigil, orientado e tranquilo à hipnose, depressão do comando neural da ventilação e redução do metabolismo (AMIB, 1999); Estabelecimento do estado de calma Indicações IOT; Controle da ansiedade e agitação CAUSAS DE ANSIEDADE E AGITAÇÃO Falta de comunicação entre equipe médica e paciente Barulho e iluminação excessivos Alteração do ciclo sono-vigília Efeitos adversos de medicamentos Delirium Hipoglicemia, hipoxemia, hipotensão, dor e abstinência de drogas POR QUE SEDAR? Adaptação a aparelhos e procedimentos médicos Evitar a retirada inadequada de cateteres e outros dispositivos Evitar aumento do consumo de O2 Fornecer conforto e segurança ao paciente Stress pode levar a alterações fisiológicas, como aumento do tônus simpático e do catabolismo, liberação de glucagon, cortisol e outros hormônios -> isquemia, desbalanço hidroeletrolítico e imunossupressão AVALIAÇÃO DA SEDAÇÃO A exemplo da analgesia, deve ser efetuada frequentemente, assim como a resposta à terapia Deve ser estabelecido um nível “ideal” de sedação Escalas: Ramsay, MAAS, SAS, RASS, MSAT Avaliação objetiva da atividade cerebral: Bispectral Index – BIS Uso de dose mais precisa e em menor quantidade, menor tempo de VM, menor incidência de sedação excessiva, menos custos RAMSAY 1. Ansioso, agitado 2. Calmo, cooperativo 3. Dormindo, responde a comandos verbais 4. Dormindo, responde bem a estímulo glabelar ou verbal forte 5. Dormindo, responde fracamente a estímulo glabelar ou verbal forte 6. Sem resposta a estímulos BIS Traçado EEG: 100 (completamente acordado) a 0 (EEG isoelétrico) Uso rotineiro em UTI não está indicado: contração muscular pode causar artefato Indicação: pacientes em uso de bloqueadores musculares e em coma profundo (induzido pelo pentobarbital ou outros barbitúricos) COMO ESTABELECER SEDAÇÃO? Intervenções não-farmacológicas: Afastar fatores causais, comunicação com o paciente, manutenção do ciclo sono-vigília, visitas familiares regulares, musicoterapia, técnicas de relaxamento Tratamento farmacológico 1. Benzodiazepínicos 2. Propofol 3. Dexmedetomidina SEDATIVO IDEAL Rápido início de ação; Curta duração do efeito; Boa relação dose-efeito; Ausência de toxicidade e interação com outras drogas; Baixo custo; Fácil administração BENZODIAZEPÍNICOS Agem em receptores GABA Efeito ansiolítico, anticonvulsivante, hipnótico e provocam amnésia Não possuem efeito analgésico Sofrem acúmulo em tecidos periféricos Usar com cuidado em pacientes idosos Efeitos adversos: depressão respiratória, tolerância, dependência Podem causar hipotensão em pacientes hipovolêmicos ou com tônus simpático exacerbado MIDAZOLAM Rápido início de ação: 30 seg a 5 min Meia-vida curta (dose única): 2 h Metabolizado no fígado (oxidação) Sofre acúmulo na IR e na disfunção hepática Metabólito ativo: 1-hidroximetilmidazolam LORAZEPAM Início de ação em aproximadamente 5 min Meia-vida: 6 a 10 h Metabolizado no fígado (glicuronidação) em metabólitos inativos e eliminado pelo rim Infusão prolongada e/ou em altas doses (especialmente se IR) podem causar necrose tubular aguda, acidose lática, hiperosmolaridade (propilenoglicol) Fator de risco independente para delirium PROPOFOL Derivado fenólico com efeito sedativo , hipnótico e anticonvulsivante. Também pode causar amnésia. Diminui pressão intracraniana Não possui efeito analgésico Age no receptor GABA (sítio diferente dos BZD) Rápido início de ação: 1 a 5 min Duração da ação: 2 a 8 min Metabolizado no fígado (oxidação) em metabólitos inativos, que são excretados pelo rim Sofre pouca influência de disfunção hepática/renal PROPOFOL Usar com cuidado em idosos Efeitos adversos (uso por mais de 48 h): depressão respiratória, bradicardia, hipotensão, hipertrigliceridemia, pancreatite, dor (infusão periférica), mioclonias Síndrome de infusão do propofol: ICC, bradicardia, acidose metabólica, hipercalemia, rabdomiólise, hiperlipidemia, esteatose hepática Administrar em via venosa central específica: interação com outras drogas, infecção Solução calórica: 1,1 kcal/mL DEXMEDETOMIDINA Alfa-2 agonista Início de ação rápido e meia-vida curta Uso por 24 h em pacientes em VM Efeito sedativo, analgésico e ansiolítico Não causa depressão respiratória, preserva a ação neutrofílica Bradicardia e hipertensão (bolus) e hipotensão (infusão prolongada) Tem demonstrado diminuir a necessidade de outras drogas analgésicas/sedativas e facilitar extubação Alto custo TIOPENTAL Age em receptores GABA Início de ação: 30 seg; meia-vida prolongada Sedação profunda, anticonvulsivante Depressão cárdio-respiratória, hipertensão intracraniana, broncoespasmo Ativa a metabolização hepática, acumula na disfunção hepática/renal Uso limitado a pacientes que não toleram ou não responderam a outros agentes CUIDADOS DIÁRIOS Desligar a sedação (Daily Interruption of Sedation) Correção de doses para disfunções orgânicas Monitorizar efeitos adversos Seguir protocolos de sedação: estudos tem demonstrado reduzir tempo de VM, tempo de permanência no hospital e pneumonia relacionada à VM Daily Interruption of Sedation - DIS Estudo com 128 pacientes em VM (DIS x Manejo Convencional): DIS diminuiu a duração da VM (4,9 x 7,3 dias), o tempo de permanência na UTI (6,4 x 9,9 dias) e a quantidade de exames para diagnóstico de patologias neurológicas. Não houve diferença em relação às complicações resultantes de sedação abaixo do ideal (extubação, por exemplo) UpToDate 2008 DIS Estudo com 336 pacientes (DIS x Manejo Convencional): no grupo do DIS houve redução da mortalidade em 1 ano (mas não em 28 dias), maior número de dias sem VM (14,7 x 11,6 dias) e menor tempo de estadia em UTI (9,1 x 12,9 dias) e hospitalar (14,9 x 19,2 dias) UpToDate 2008 DIS Estudo observacional demonstrou que pacientes submetidos ao DIS apresentaram menos sintomas de Transtorno de Stress Pós-Traumático que aqueles que receberam a terapia convencional Estudo de coorte prospectivo avaliou 74 pacientes em VM com fatores de risco para DAC: isquemia miocárdica não foi mais comum no grupo com DIS, apesar de apresentar aumento significativo de catecolaminas Além disso, pacientes tratados com DIS tendem a apresentar menor incidência de complicações relacionadas à VM prolongada UpToDate 2008 RECOMENDAÇÕES Midazolam é preferível para sedar rapidamente pacientes agitados Propofol é preferível quando se deseja um despertar rápido (avaliação neurológica ou extubação) Midazolam é recomendado apenas para uso por curto período, pois produz despertar e tempo de extubação imprevisíveis quando a infusão se prolonga além de 48 a 72 h RECOMENDAÇÕES Lorazepam é recomendado para sedação da maioria dos pacientes (independente da forma de administração) Deve-se titular frequentemente a dose da droga de acordo com a avaliação do paciente e o nível de sedação que se deseja, associado ao DIS, a fim de minimizar efeitos dos sedativos RECOMENDAÇÕES Monitorizar triglicerídeos a partir de 48 h do uso de propofol Incluir o aporte calórico do propofol na prescrição nutricional do paciente O uso de Guidelines e protocolos de sedação é recomendado Crit Care Med 2002 Vol. 30, No 1 DELIRIUM Síndrome orgânica aguda, de caráter flutuante, potencialmente reversível, caracterizada por prejuízo da atenção, acompanhado por pensamento desorganizado e/ou alteração do nível de consciência Fator de risco isolado para hospitalização prolongada e mortalidade em UTI Idade > 80 anos e déficit cognitivo prévio FATORES PRECIPITANTES Disfunção renal e hepática; Sepse; Doença tireoideana; Trauma; Hipoxemia; Distúrbios neurológicos e eletrolíticos; Medicações; Abstinência de drogas ou álcool; Deficiência de vit B12, ácido fólico; Ambiente hospitalar HALOPERIDOL Antagonista da dopamina Início de ação: 3 a 20 min / Meia-vida: 20 h Metabolizado no fígado (oxidação); metabólitos ativos e inativos eliminados pelo rim e pela bile Parkinsonismo, acatisia, síndrome neuroléptica maligna, prolongamento do QTi Arritmias (Torsades de Pointes): monitorizar com ECG, corrigir distúrbios eletrolíticos Não causa depressão cárdio-respiratória Alternativa: olanzapina ABSTINÊNCIA Sinais e sintomas inespecíficos: agitação, insônia, delirium, náusea, hipertensão, taquicardia, febre Pacientes que receberam altas doses e/ou administração prolongada de opióides/BZDs (> 1 sem) Lorazepam 0,5 a 1 mg a cada 6 a 12 h Não houve diferença em relação ao tempo de sedação: DIS, RASS -2 a +1, monitorização de delirium Dexmedetomidina: 20% menos delirium, retirada da VM 2 dias antes, bradicardia (42,2% x 18,9%) Infusão > 1,4 mcg/kg/h por mais de 24 h de dexmedetomidina demonstrou ser seguro Ambos os grupos com baixa incidência de abstinência: 4,9% x 8,2% Não avaliou tempo em UTI, taxas de infecção, mortalidade e função cognitiva a longo prazo SEQUÊNCIA RÁPIDA PARA IOT Objetivo Promover analgesia, inconsciência, amnésia e relaxamento muscular para facilitar intubação Drogas 1. Fentanil; 2. Midazolam, propofol; 3. Etomidato; 4. Bloqueador muscular, barbitúricos; 5. Quetamina FENTANIL Analgesia Administrar 3 min antes do sedativo Ampola: 50 mcg/mL (10 mL) Dose: 3 mcg/kg ETOMIDATO Sedativo, hipnótico, não analgésico GABA Vantagens: estabilidade hemodinâmica Desvantagens: insuficiência adrenal, excitação neurológica Ampola: 20 mg/10 mL ; Dose: 0,3 mg/kg Início de ação: 15 a 45 seg Administrar corticóide após etomidato? SEDAÇÃO PARA IOT Midazolam Ampola: 5 mg/mL Dose: 0,1 a 0,3 mg/kg Propofol Ampola: 10 mg/mL (10 mL) Dose: 1,5 a 3,0 mg/kg Tiopental Frasco-ampola: 0,5 a 1 g Dose: 3 a 5 mg/kg QUETAMINA Sedação, amnésia, analgesia Vantagens: analgesia, liberação adrenérgica Desvantagens: isquemia miocárdica, distúrbio do sono, hipertensão intracraniana Droga de escolha na IOT por broncoespasmo Ampola: 50 mg/mL (10 mL) Dose: 1 a 2 mg/kg Início: 45 a 60 seg SITUAÇÕES PARTICULARES Hipertensão intracraniana Preferíveis: etomidato e quetamina Podem ser usados: barbitúricos, midazolam, propofol Estado de mal epiléptico Preferíveis: midazolam, tiopental Evitar: quetamina e etomidato SITUAÇÕES PARTICULARES Hiperreatividade de vias aéreas Preferíveis: quetamina e propofol Evitar: tiopental Doença cardiovascular Etomidato Choque Quetamina RELAXANTE MUSCULAR Succinilcolina Dose: 1 a 2 mg/kg Início: 45 a 60 seg Hipercalemia, hipertensão intracraniana Rocurônio Dose: 0,6 a 1 mg/kg Início: 60 a 90 seg O PROCEDIMENTO Indicações 1. Rebaixamento do nível de consciência; 2. Insuficiência respiratória Contra-indicações Trauma de face, secção de traquéia MATERIAL Luvas, máscaras, óculos; Tubo orotraqueal e fio-guia; Laringoscópio (lâmina 3 ou 4); Dispositivo bolsa-máscara; Fonte de O2; Equipamento de sucção; Estetoscópio, detector de CO2, fixador ANTES DO PROCEDIMENTO Avisar e explicar ao paciente Posicionar o paciente: altura da cama, coxim suboccipital Testar material previamente Remover material da cavidade oral Pré-oxigenação DURANTE O PROCEDIMENTO Manter a oxigenação e o coxim suboccipital Administrar analgésico, sedativo e relaxante muscular Estender a região cervical + Manobra de Sellick Laringoscopia com visualização das cordas vocais Intubação Inflar o cuff CONFIRMAÇÃO Detector de CO2 Ausculta: epigástrio, bases e ápices pulmonares bilateralmente R-x de tórax Fixar tubo após confirmada a posição COMPLICAÇÕES Intubação esofágica Vômitos e aspiração gástrica Laringo/broncoespasmo Trauma em vias aéreas, lábios, dentes, coluna cervical OBRIGADO!!! FIM