AD A CONCORRÊNCIA TUTELA DA TUTEL NO BRASIL Legislação concorrencial brasileira regula o mercado para garantir a livre circulação de bens e serviços A concorrência sadia entre o maior número possível de agentes dentro de uma economia de mercado é requisito fundamental para uma circulação de riquezas que resulte em variedade e boa qualidade de bens e serviços, além de funcionar como elemento poderoso de regulamentação dos preços. A concorrência beneficia os cidadãos. Nem sempre, porém, é possível identificar essa concorrência operando de modo eficiente. Vários fatores contribuem para isso, como a intervenção do Estado em determinados setores da economia ou a falta de matérias-primas, ocasionada por fatores climáticos, dentre outros. Mas, a responsabilidade pelas ineficiências e pela conseqüente falta de produtos ou aumento de preços não pode ser imputada exclusivamente ao Estado ou ao fluxo dos ventos e das marés. Estr utur as de Mer cado Estrutur uturas Mercado Fernando Muniz Santos Ambiente Econômico As empresas, ao disputar fatias do mercado, muitas vezes utilizam-se de expedientes que atentam contra a livre circulação de bens e serviços. Expedientes estes que desvirtuam a visão que se deve ter de concorrência, pois em vez de fomentar investimentos em tecnologia e buscar o atendimento das expectativas e interesses dos cidadãos, promovem a concentração de poder de mercado nas mãos de uma ou algumas empresas apenas. Trata-se do chamado monopólio (possibilidade de uma empresa controlar os preços praticados em determinado mercado) ou oligopólio (quando duas ou mais empresas controlam os preços). O oligopólio favorece a formação de um “cartel”, em que há um acordo entre as firmas para estabelecer preços e alocar produção e lucros entre os seus membros. Em situações de monopólio ou cartel, uma ou algumas empresas controlam a circulação de bens, cobrando um preço que não é fruto da demanda, mas é artificialmente estabelecido. Os cidadãos vêem-se forçados a adquirir tais bens artificialmente precificados porque não têm alternativa para suprir suas necessidades, ou porque supri-las recorrendo a uma outra alternativa gera um custo alto demais (a exemplo da importação). Há também situações em que uma empresa controla os preços não porque produz o bem, mas porque é o único 26 r e v i s t a F A E B U S I N E S S , n .2, jun. 2 0 0 2 ou o maior consumidor. É o que os economistas chamam de monopsônio. Quando há poucos consumidores, denomina-se oligopsônio. Le gislação Concor Legislação Concorrrencial No Brasil, esses fenômenos distorcidos encontram disciplina em uma lei federal, a Lei n° 8.884, de 1994, que define quais comportamentos de mercado podem ser considerados ilícitos, além de regulamentar as competências do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), da Secretaria de Direito Econômico (SDE) e da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), órgãos vinculados ao Ministério da Justiça e responsáveis pela fiscalização e repressão dos monopsônios, monopólios, oligopsônios e cartéis. Tais órgãos formam o que se chama de Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. A legislação concorrencial busca coibir o abuso do poder econômico, ou seja, toda oportunidade que determinada empresa possa aproveitar para utilizar sua condição de superioridade econômica para prejudicar os concorrentes, inibir a livre circulação de bens ou aumentar seus lucros sem razão econômica justificável. Por ser uma atitude que ofende a razoabilidade econômica e jurídica, merece a devida repressão. Nada há contra aquela empresa que detém um poder de mercado em decorrência de sua superioridade tecnológica ou organizacional. Inadmissível é a utilização desse poder para afastar concorrentes e controlar indevidamente o mercado Nada há contra a empresa que detém um poder de mercado em razão de sua superioridade tecnológica ou organizacional. Contudo, não se pode admitir a utilização desse poder para afastar concorrentes e controlar indevidamente o mercado. Por outro lado, a legislação concorrencial coíbe a combinação de preços entre concorrentes, a restrição da variedade de produtos, a divisão de mercados para a manutenção de receitas sempre estáveis, dentre outros. É importante que seja configurado o efetivo acordo entre concorrentes. Aliás, é o que se pretende provar, por exemplo, no caso recente dos supostos cartéis formados entre postos de gasolina. Existem outras condutas distorcidas, objeto de repressão, tais como: venda casada (a subordinação da venda de um bem ou serviço à aquisição de outro); sistemas seletivos de distribuição (restrições injustificadas, impostas pelo fabricante, estabelecendo-se distinções injustas entre distintos distribuidores ou mesmo consumidores) e preços predatórios (redução drástica e despropositada do preço de determinado bem, com o intuito de barrar o ingresso de determinado concorrente em um mercado). Denúncia e In vestig ação Inv estigação Grande parte das condutas aqui descritas pode ser comunicada aos órgãos do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, especialmente à SDE, por qualquer indivíduo ou empresa que se sinta lesado. O processo de investigação e punição às infrações obedece ao seguinte trâmite: a denúncia de prática infratora é encaminhada à SDE, que instituirá um processo administrativo, em que fará as investigações preliminares, analisará documentos, realizará pesquisas e definirá a veracidade dos fatos narrados. Caso seja necessário um estudo que demonstre as implicações econômicas dos fatos narrados na denúncia, o processo é encaminhado à SEAE, que emitirá parecer. Uma vez terminada a fase investigatória, o processo é encaminhado ao Cade, que julgará a denúncia e poderá impor restrições ou mesmo aplicar multas aos infratores. Mas, os órgãos de proteção à concorrência não atuam apenas na repressão ao abuso do poder econômico e seus desdobramentos. Dependendo do faturamento das empresas (mais de R$ 400 milhões anuais) e do grau de concentração de mercado (caso as empresas detenham 20% ou mais de mercado relevante), entendem-se os processos de fusão ou aquisição de empresas como “atos de concentração”, o que torna obrigatório o crivo dos órgãos protetivos. As partes envolvidas devem apresentar-se à SDE, que tomará providências e, adiante, encaminhará o processo à SEAE e, por fim, ao Cade, para julgamento. É o que se deu no caso da fusão entre as cervejarias Antarctica e Brahma, que resultou na criação da Ambev e, recentemente, o que está ocorrendo no caso da aquisição da empresa de chocolates Garoto pela Nestlé. Nessas situações, o Cade funciona como entidade que previne a formação de uma empresa que seja lesiva aos interesses dos demais concorrentes e aos cidadãos em geral. Para finalizar, é preciso dizer que os órgãos de proteção da concorrência não servem simplesmente para coibir abusos ou prevenir concentrações; servem, muito mais, como auxiliares na promoção de um desenvolvimento saudável da economia brasileira. Isso mostra que o Estado, ente tão demonizado nesses tempos de globalização, ainda possui um papel importantíssimo a cumprir enquanto fonte de poder, contrastando com a lógica fria da acumulação econômica. O Estado, assim, transforma-se no promotor de uma alocação de recursos na qual é possível a participação de diversos agentes econômicos. Fernando Muniz Santos é bacharel, mestre e doutor em Direito pela UFPR e professor da FAE Business School. E-mail: [email protected] ... 27 r e v i s t a F A E B U S I N E S S , n. 2, jun. 200 2