NOVO CPC: SUPRESSÃO DE RECURSOS E OUTRAS QUESTÕES Jacksohn Grossman E’ certo que a Comissão de Juristas instituída por ato do Presidente do Senado Federal (no. 379, de 2009), presidida por jurista e magistrado de reconhecida competência, qual seja o Ministro Luiz Fux, teve a preocupação de dar celeridade ao processo, atendendo aos reclamos da sociedade civil. Para tanto adotou ou aboliu uma série de procedimentos, visando emprestar maior agilidade ao processo. Neste sentido, podem ser citadas a tentativa de extinguir o processo logo ao seu início, por meio da obrigatória audiência de conciliação (art. 333); o efeito devolutivo em que, em regra, serão recebidos todos os recursos (art.908); a extinção dos embargos infringentes e restrição do agravo de instrumento a apenas certas decisões interlocutórias; a substituição das medidas cautelares e da antecipação da tutela, pela tutela de urgência e de evidência, etc. Entretanto, o advento de diplomas legais que alteraram substancialmente alguns capítulos do Código vigente, no intuito de abreviar e simplificar a aplicação da Lei Adjetiva Civil, não contribuiu efetivamente para a maior rapidez na solução das causas. Este é o caso, por exemplo, da Lei no. 10.352/2001, que produziu diversas alterações pertinentes a recursos e provas; da Lei no. 11.187/2005, regulando a interposição de agravo de instrumento e agravo retido; da Lei no. 11.232/2005, que deu novo ordenamento ao cumprimento das sentenças no processo de conhecimento e revogou dispositivos relativos à execução fundada em título judicial, estabelecendo novas disposições e regramentos à fase de execução; da Lei no. 11.441/2007, possibilitando a realização, por via administrativa, de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual. Por outro lado, a diferença de tempo para ser julgado um recurso, comparados os diversos tribunais estaduais da Justiça comum, é extremamente significativa, valendo como exemplo a comparação entre o TJSP e TJRJ. Ou seja, enquanto no primeiro um recurso para ser distribuído e julgado pode levar 6 (seis) anos, no último não alcança, no mais das vezes, 6 (seis) meses. De igual modo, há diferenças gritantes entre uma e outra Vara Cível, no que concerne à demora para processamento e julgamento de uma causa. Todos esses fatos conduzem a concluir que a velocidade de solução dos litígios não depende essencialmente da lei processual, nem tampouco da atuação dos advogados, estes, aliás, tão acusados pelo alegado uso de “recursos protelatórios”. Na verdade, o que conta muito mais, no tocante à celeridade do processo, é o funcionamento da infraestrutura de cada setor do Judiciário, ou, na feliz expressão do jurista e brilhante advogado Ivan Nunes Ferreira, membro da Comissão Especial para Exame do Projeto do Novo CPC, do IAB, um “problema de gestão”. Inobstante o aperfeiçoamento introduzido em relação a diversos dispositivos e o nobre propósito de seus elaboradores, o Projeto de Lei do Senado, que tomou o no.166/2010, não está indene de críticas, especialmente no que pertine ao direito das partes em melhor sustentar suas razões, de forma a atingir um resultado justo em seus pleitos. Esta é a hipótese, v.g., da supressão ou limitação de recursos, como é o caso do agravo de instrumento, que ficou restrito a hipóteses já determinadas (art. 929), quais sejam as decisões interlocutórias que versarem sobre tutelas de urgência ou da evidência (I); sobre o mérito da causa (II); proferidas na fase de cumprimento de sentença ou no processo de execução (III); e em outros casos expressamente referidos no Código ou na lei (IV). E’ certo que o § único do art. 929, assim como o § único do art. 923, retiram o efeito preclusivo das decisões interlocutórias, possibilitando sejam todas as questões apreciadas na sentença e impugnadas em matéria preliminar da apelação. Mas, se assim é, o mais indicado seria deixar, ao menos, a faculdade de ser ou não interposto o agravo de instrumento, como a emenda proposta pelo IAB. Ora, com o enorme volume de processos recebidos pelo juiz e a necessidade de serem despachados de forma rápida, têm se acentuado nos últimos anos inúmeros equívocos cometidos – seja pelo julgador, seja pelo cartório, através de errôneas certidões – o que provoca inevitavelmente a interposição do remédio adequado a corrigi-los, evitando prejuízos imediatos ao direito das partes. Certamente que os causídicos, cuja lisura de comportamento ou mesmo falta realmente de tempo, necessários, limitam-se constatam a sua ingressar com importância na agravos labuta cotidiana, na medida em que grande parte de seus recursos têm sido providos. De outra banda, a barreira criada poderá ensejar grande número de mandados de segurança, aumentando mais ainda o número de processos a serem examinados pela instância revisora. No que tange aos embargos infringentes, estes já sofreram algumas mitigações, quer por alterações no Regimento Interno do Tribunal, quer por alterações introduzidas pela Lei no. 10.352/2001. Ademais, os cada vez mais raros votos vencidos vêm provocando diminuta quantidade dessa espécie de recurso, o que, todavia, ao contrário do que possa parecer, têm mostrado a possibilidade de eficaz reexame de matéria controvertida, ensejando decisão mais equilibrada às demandas, pela possibilidade de sua revisão ainda na instância ordinária. Prova disso é o elevado número de ementas colacionadas pelos tribunais, oriundas de embargos infringentes. Segundo o Projeto, por força da regra geral de seu art. 908, os recursos não têm efeito suspensivo. Assim, a apelação em regra será recebida apenas no efeito devolutivo (art. 928). Para que isto não ocorra deverá o recorrente requerer ao relator a atribuição de efeito suspensivo “se demonstrada probabilidade de provimento do recurso” (§ 1º.). Parece evidente, contudo, que a parte vencida sempre irá postular a suspensão da execução do julgado até o julgamento da apelação, sendo certo que a demonstração exigida pelo Projeto, da “probabilidade” de seu provimento, ficará dependente do acolhimento do relator, que, de certa forma, já terá emitido um prejulgamento do recurso. Há ainda certa contradição na alteração que se pretende instituir em relação à apelação, pois se o objetivo do Projeto é acelerar o andamento dos processos, em especial sua tramitação no 1º. grau, por que não permitir que se aguarde - o que seria por pouco tempo o reexame do julgado monocrático para se dar eficácia à sentença, como sempre foi da tradição de nosso direito? Este, sem qualquer dúvida, é o modo de conferir maior segurança ao direito dos jurisdicionados, mediante a apreciação da causa por um colegiado, mantendo-se o efeito devolutivo nas hipóteses já enunciadas no atual Código. Outro aspecto contemplado pelo Projeto e que cabe discordar, é a possibilidade de ser a ação julgada de plano, ou seja, sem sequer ser ouvido o réu, por considerá-la improcedente” (art.316, inciso I). o juiz “manifestamente Impende notar que o inciso II do mesmo dispositivo, já elenca expressamente a hipótese de o pedido contrariar entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, sumulado ou adotado em julgamento de casos repetitivos, assim como os casos de decadência ou prescrição. Resulta, por conseguinte, que o juiz poderá, com base simplesmente na matéria de fato, rejeitar liminarmente a demanda, o que representaria flagrante vulneração ao princípio do acesso à Justiça, como assegurado na Constituição. Na mesma linha, o Projeto institui, em seus arts. 895 a 906, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, pelo qual o juiz, as partes, o Ministério Público e a Defensoria Pública, poderão argüir que se trata de controvérsia, verbis, “com potencial de gerar relevante multiplicação de processos fundados em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança jurídica, decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes”. Nesta hipótese, poderão ser suspensos os processos, em 1º. e 2º. graus de jurisdição, até que julgado o incidente. Impede-se, por tal mecanismo, a saudável formação jurisprudencial a partir do Juízo singular, mormente no exame de cada caso concreto, optando-se por padronizar as decisões, como já ocorre por efeito da súmula vinculante. Até porque o Projeto já contempla tal instituto, como também regula o julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos. Um ponto que representa verdadeiro retrocesso ao bom andamento do processo, exatamente na fase de seu desfecho, ou seja, na execução, é a exigência contida no PLS, de que o vencido seja “intimado por carta para o cumprimento da sentença ou da decisão que reconhecer a existência da obrigação”. Isto porque o vigente art. 475-A, § 1º., já permite seja a parte intimada na pessoa de seu advogado para a liquidação da sentença, já existindo, outrossim, entendimento jurisprudencial sedimentado, no sentido de que tal intimação se dá pela mera intimação do advogado por via da publicação do despacho no Diário Oficial, uma vez que este, por estar constituído como procurador, detém todas as condições para representar seu constituinte na fase executória. No mesmo diapasão, o art. 495 do Projeto estabelece que a apresentação pelo credor do cálculo discriminado da quantia a pagar, será feita somente após transitada em julgado a sentença ou a decisão que julgar a liquidação. Todavia, tal condicionamento ao trânsito em julgado não se coaduna com a execução provisória disciplinada em seus arts. 491 e 492. Em outra vertente, o Projeto altera a sistemática que sempre prevaleceu no que diz respeito ao pedido e à causa de pedir, permitindo que o autor (art. 314), enquanto não proferida a sentença, possa aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, “desde que o faça de boa-fé e que não importe em prejuízo ao réu”, o mesmo se admitindo ao pedido contraposto. Porém, como é sabido, após delimitadas as lindes do pedido e da causa de pedir, o réu formulará toda sua defesa em função do que foi enunciado na exordial. Se se altera a proposição inicial, não pode haver dúvida que a defesa restará prejudicada, com o possível enfraquecimento da tese já sustentada, cabendo ao réu buscar outros fatos, provas e razões, até então não suscitados pelo autor. Ademais, o requisito da “boa-fé” tem o caráter de valoração subjetiva, o mesmo quanto a importar ou não em “prejuízo ao réu”, sendo de todo recomendável a manutenção da forma até aqui adotada pelo digesto processual. O Projeto concede excessivos poderes de interferência do juiz na causa, ao admitir (art. 7º.) que lhe compete “velar pelo efetivo contraditório em casos de hipossuficiência técnica” e, ainda, “adequar as fases e os atos processuais às especificações do conflito”. De outra parte, a exacerbação dos honorários de sucumbência até o limite de 25%, que seriam cumuláveis com eventuais multas, quando o acórdão admitir ou negar, à unanimidade, provimento a recurso, irá inibir e cercear o direito da parte a recorrer, em face do risco de aumentar demasiadamente a condenação. Nesse passo, terá de ser redobrado o cuidado dos advogados em expor aos clientes os riscos advindos do desprovimento do recurso, de molde a que possa se resguardar da responsabilidade pelo insucesso. Outras deficiências vislumbradas no Projeto se referem à não intimação, em regra, das testemunhas pelo juiz (art. 434) e a não possibilidade de atacar por agravo de instrumento a negativa de existência de convenção de arbitragem. Louve-se a sustentação oral concedida no agravo de instrumento interposto de decisões interlocutórias que versem sobre o mérito da causa (§ 1º. do art. 857), embora tal direito devesse também ser concedido nos casos de agravo interno contra decisões do mesmo teor. E ainda a penhora de bem de família de valor superior a 500 salários-mínimos, demonstrando que a moradia em residência luxuosa, como soe acontecer em muitos casos, não deve ser impeditivo ao pagamento da condenação e ao direito do credor em recebê-la. As emendas encaminhadas pela Comissão Especial do IAB contemplam grande parte dos pontos acima abordados, que são trazidos à reflexão dos colegas no intuito de estimular suas sugestões e comentários. Jacksohn Grossman é membro do IAB, Presidente da Comissão Permanente de Direito Processual Civil