MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PROCURADORIA-GERAL Processo PGT/CCR/PP/Nº 10936/2014 Câmara de Coordenação e Revisão Origem: PRT 1ª Região. Interessados: 1 - Alessandra 2 – Janaina Assunto: Exploração do Trabalho Adolescente 07.01.01. da Criança e do Procurador Oficiante: Dr.ª Isabela Maul Miranda de Mendonça EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES. DIVERSAS FORMAS DE CONTRAPRESTAÇÃO PELA REALIZAÇÃO DO ILICÍTO. NÚCLEO FAMILIAR E TERCEIRO DESCONHECIDO. COMBATE A UMA DAS PIORES FORMAS DE TRABALHO INFANTIL. META INSTITUCIONAL PRIORITÁRIA DO MPT. PARCERIA COM ÓRGÃOS DO SISTEMA DE DEFESA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROTEÇÃO INTEGRAL E PRIORIDADE ABSOLUTA. DIRETRIZES DA COORDINFÂNCIA. ARQUIVAMENTO PRECIPITADO. NECESSIDADE DE CONTINUIDADE DA INVESTIGAÇÃO. 1. É meta institucional prioritária do MPT o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes pelo núcleo familiar e por terceiro desconhecido, diante do compromisso internacional assumido pelo Estado Brasileiro com a efetiva eliminação das piores formas de trabalho infantil, assim classificada a utilização, o recrutamento ou a oferta de uma criança para fins de prostituição, de produção de material pornográfico ou de espetáculos pornográficos;, a teor do art. 3º, alínea “b”, da Convenção 182 da OIT, aprovada pelo Decreto Legislativo 178/1999. 2. A natureza trabalhista da questão do labor infantil prestado em uma de suas piores formas também se sobrepõe ao aspecto criminal da conduta de familiares e de terceiros beneficiários da exploração sexual, o que estabelece a legitimidade do MPT para o ofício direcionado à preservação de direitos individuais indisponíveis dos menores explorados na relação de trabalho ilícito, segundo inteligência dos artigos 7º, inciso XXXIII, 114, inciso I, 127, caput, e 129, inciso III, da CF. 3 Cabe ao Parquet Laboral agir no caso concreto sempre que as crianças e adolescentes puderem ser identificadas, em defesa da integridade física e moral das vítimas 1 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PROCURADORIA-GERAL Processo PGT/CCR/PP/Nº 10936/2014 determinadas, independentemente de abordagem paralela mais abrangente via procedimento promocional, pois os interesses individuais da infância e da adolescência, revestidos de indisponibilidade, devem ser resguardados pelo Ministério Público ao lado dos interesses difusos e coletivos, à luz do art. 201, caput, inciso V, da Lei 8.069/1990 4. A desestruturação familiar e a miséria são circunstâncias sociais e econômicas comuns a situações de negligência e opressão contra crianças e adolescentes que, por si só, não excluem a responsabilidade do MPT de apurar a veracidade da denúncia sobre o trabalho infantil na exploração sexual e de investigar a identidade de virtuais exploradores fora do núcleo familiar, em parceria e cooperação técnica com a polícia civil e com os órgãos do sistema de defesa da infância e juventude, notadamente o Conselho Tutelar, as instituições de seguridade social e a promotoria de justiça especializada, perseguindo o respeito aos direitos indisponíveis dos infantes atingidos pelo ilícito de caráter penal e trabalhista. Ainda que as diligências empreendidas não permitam encontrar um terceiro beneficiário, impõe-se ao Órgão Instrutor, antes do arquivamento, fiscalizar a existência e efetividade das medidas adotadas pelo Ministério Público Estadual e pelos demais órgãos da rede de proteção para a adequada tutela das vítimas, como prestação de assistência psicossocial à família ou retirada judicial do poder familiar. 5. Aplicação das diretrizes aprovadas pela plenária da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (COORDINFÂNCIA) para a atuação do MPT nas Denúncias do Disque 100 (ouvidoria da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República), inscritas nos Arquétipos 2 e 3, bem como nos respectivos detalhamentos procedimentais, que, no caso de identificação do ofensor alheio à família, descartam a celebração de TAC, por inadmissibilidade de regularização do serviço, e recomendam o ajuizamento de Ação Civil Pública perante a Justiça do Trabalho, buscando a responsabilidade trabalhista, a tutela inibitória e a cumulação de indenização por danos morais individuais para as vítimas e por danos coletivos à comunidade. 6. A criança ou adolescente não precisa receber dinheiro como contraprestação pela realização do ilícito. Ao invés, o comum são os exploradores oferecerem brinquedos, favores, alimentos, doces, dentre outros. Isto tudo, pode, nitidamente, configurar a contraprestação que deflagra a atuação deste Órgão ministerial. 2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PROCURADORIA-GERAL Processo PGT/CCR/PP/Nº 10936/2014 7. Rejeição da proposta de arquivamento, considerada precipitada e prematura, sendo necessária a continuidade da averiguação da situação da criança e dos adolescentes envolvidos, supostamente, na exploração sexual, ressalvada a perda de objeto do Inquérito Civil para aqueles que já tenham alcançado a maioridade. Relatório Trata-se de denúncia registrada no disque direitos humanos, noticiando que uma adolescente, de nome Alessandra, estaria sendo explorada sexualmente por seu vizinho de nome Antônio. Segundo a denúncia, os fatos ocorrem diariamente, há aproximadamente seis meses, e além da contraprestação pecuniária, há o recebimento de alimentos em troca de relação sexual. Ademais, suspeita-se que a genitora corrobora com toda a situação apresentada. não há contraprestação pecuniária, há o recebimento de entorpecentes e bebidas alcoólicas em troca de relação sexual. A ilustre procuradora oficiante promoveu o arquivamento liminar dos autos por não reconhecer legitimidade do MPT para atuação no presente caso. Por fim, oficiou ao Ministério Público estadual para que fossem tomadas medidas cabíveis e necessárias. É o relatório. Fundamentação Peço a máxima vênia à nobre Procuradora Oficiante, mas ouso discordar da promoção de arquivamento. É meta institucional prioritária do MPT o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes pelo núcleo familiar e por terceiro desconhecido, diante do compromisso internacional assumido pelo Estado Brasileiro com a efetiva eliminação das 3 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PROCURADORIA-GERAL Processo PGT/CCR/PP/Nº 10936/2014 piores formas de trabalho infantil, assim classificada a utilização, o recrutamento ou a oferta de uma criança para fins de prostituição, de produção de material pornográfico ou de espetáculos pornográficos;, a teor do art. 3º, alínea “b”, da Convenção 182 da OIT, aprovada pelo Decreto Legislativo 178/1999. A natureza trabalhista da questão do labor infantil prestado em uma de suas piores formas também se sobrepõe ao aspecto criminal da conduta de familiares e de terceiros beneficiários da exploração sexual, o que estabelece a legitimidade do MPT para o ofício direcionado à preservação de direitos individuais indisponíveis dos menores explorados na relação de trabalho ilícito, segundo inteligência dos artigos 7º, inciso XXXIII, 114, inciso I, 127, caput, e 129, inciso III, da CF. Cabe ao Parquet Laboral agir no caso concreto sempre que as crianças e adolescentes puderem ser identificadas, em defesa da integridade física e moral das vítimas determinadas, independentemente de abordagem paralela mais abrangente via procedimento promocional, pois os interesses individuais da infância e da adolescência, revestidos de indisponibilidade, devem ser resguardados pelo Ministério Público ao lado dos interesses difusos e coletivos, à luz do art. 201, caput, inciso V, da Lei 8.069/1990. Veda-se ao Membro Oficiante o juízo discricionário para atuar somente na hipótese de exploração comercial sistêmica e organizada, porque meta institucional prioritária não comporta restrições a partir de um exame de conveniência e oportunidade insensível à gravidade da sujeição de menores à atividade de exploração sexual, violência que, mesmo se cometida contra uma única pessoa, causa repulsa geral, lesionando o interesse difuso da comunidade de proteção integral de toda criança e adolescente, que merece garantia aos seus direitos fundamentais, com prioridade absoluta. Neste diapasão, a criança ou adolescente não precisa receber dinheiro como contraprestação pela realização do ilícito. Ao invés, o comum são os exploradores oferecerem brinquedos, favores, alimentos, doces, dentre outros. Isto tudo, pode, 4 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PROCURADORIA-GERAL Processo PGT/CCR/PP/Nº 10936/2014 nitidamente, configurar a contraprestação que deflagra a atuação deste Órgão ministerial. A desestruturação familiar e a miséria são circunstâncias sociais e econômicas comuns a situações de negligência e opressão contra crianças e adolescentes que, por si só, não excluem a responsabilidade do MPT de apurar a veracidade da denúncia sobre o trabalho infantil na exploração sexual e de investigar a identidade de virtuais exploradores fora do núcleo familiar, em parceria e cooperação técnica com a polícia civil e com os órgãos do sistema de defesa da infância e juventude, notadamente o Conselho Tutelar, as instituições de seguridade social e a promotoria de justiça especializada, perseguindo o respeito aos direitos indisponíveis dos infantes atingidos pelo ilícito de caráter penal e trabalhista. Ainda que as diligências empreendidas não permitam encontrar um terceiro beneficiário, impõe-se ao Órgão Instrutor, antes do arquivamento, fiscalizar a existência e efetividade das medidas adotadas pelo Ministério Público Estadual e pelos demais órgãos da rede de proteção para a adequada tutela das vítimas, como prestação de assistência psicossocial à família ou retirada judicial do poder familiar. Isso é o que preconiza a Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente no Manual para a atuação do MPT nas Denúncias do Disque 100 (ouvidoria da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República): Caso confirmada a situação de pior forma de trabalho infantil, mas não identificados os terceiros beneficiários, cabe verificar se as medidas adotadas na esfera cível, a exemplo da retirada do poder familiar, são suficientes para gerar confiança na remoção do ilícito e da possibilidade de seu retorno. Nesse caso, o fundamento de eventual promoção de arquivamento pode ser o caráter de situação solucionada. Em arremate, cumpre observar as judiciosas diretrizes aprovadas pela plenária da COORDINFÂNCIA nos Arquétipos 2 e 3: 5 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PROCURADORIA-GERAL Processo PGT/CCR/PP/Nº 10936/2014 ARQUÉTIPO Nº 2 CRIANÇA(S)/ADOLESCENTE(S) É/SÃO NEGLIGENCIADAS/AGREDIDAS POR GENITOR(ES)/RESPONSÁVEL(EIS) E EXPLORADAS SEXUALMENTE OU PARA TRÁFICO DE DROGAS POR TERCEIRO OFENSOR ALHEIO AO NÚCLEO FAMILIAR IMEDIATO. Conclusão: Necessária Atuação. Fundamentação: Constituição Federal Art. 7º, XXXIII; Art. 227. Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho, em vigor no território nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 178/1999. Menção à doutrina da proteção integral. Identificação como meta prioritária de atuação do MPT. Menção expressa de classificação como piores formas de trabalho infantil – Decreto nº 6.481/2008. Procedimental: Conversão em PP se necessária identificação adicional de vítima/infrator ou conversão em IC se suficiente a identificação. Não designar audiência de forma imediata com os genitores, pois pode alertar e frustrar a persecução criminal. Encaminhamento de ofício para autoridade policial, solicitando a abertura de inquérito policial, com o encaminhamento das conclusões, para eventual responsabilização do explorador/exploradores. Não sendo constatada a exploração da criança/adolescente por terceiro, realizar o arquivamento. Em sendo constatado, ajuizamento de ACP em face do explorador/traficante. Requisição ao CREAS para abordagem da criança e da família. ARQUÉTIPO Nº 3 CRIANÇA(S)/ADOLESCENTE(S) É/SÃO NEGLIGENCIADAS/AGREDIDAS POR GENITOR(ES)/RESPONSÁVEL(EIS) E SÃO EXPLORADAS SEXUALMENTE PELO (S) PRÓPRIO (S) GENITOR(ES)/RESPONSÁVEIS PARA SEXO COM DESCONHECIDO (S) OU VENDA DE DROGAS, VISANDO SUBSISTÊNCIA FAMILIAR. Conclusão: Atuação. Fundamentação: Constituição Federal. Art. 7º, XXXIII; Art. 227. Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho, em vigor no território nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 178/1999. Menção à doutrina da proteção integral. Identificação como meta prioritária de atuação do MPT. Menção expressa de classificação como piores formas de trabalho infantil – Decreto 6.481/2008. Procedimental: Encaminhamento de cópia para ciência e providências do Conselho tutelar caso não tenha sido realizado, requisitando que, em sendo possível precisar os “clientes” ou se identificada 6 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PROCURADORIA-GERAL Processo PGT/CCR/PP/Nº 10936/2014 rede organizada de exploração, as informações sejam remetidas ao MPT. Encaminhamento de cópia ao MPE/MPF caso não tenha sido realizado. Encaminhamento de cópia à Delegacia da Política, ou da Infância e Juventude, se houver, caso não tenha sido realizado, requisitando instauração de IP. Requisição ao CREAS para acompanhamento da criança e da família. O Órgão Condutor do expediente no MPT deve seguir, bem assim, os respectivos detalhamentos procedimentais do referido Manual do Disque 100, que, no caso de identificação do explorador alheio à família, descartam a celebração de TAC, por inadmissibilidade de regularização do serviço, e recomendam o ajuizamento de Ação Civil Pública perante a Justiça do Trabalho, buscando a responsabilidade trabalhista, a tutela inibitória e a cumulação de indenização por danos morais individuais para as vítimas e por danos coletivos à comunidade. Ante o exposto, rejeito a proposta de arquivamento, considerando-a precipitada e prematura, sendo necessária a continuidade da averiguação da situação da criança e dos adolescentes envolvidos, supostamente, na exploração sexual, ressalvada a perda de objeto do Inquérito Civil para aqueles que já tenham alcançado a maioridade. Voto: diante da insuficiência das providências investigativas adotadas na instrução do procedimento administrativo, voto pela rejeição da proposta de arquivamento, determinando o retorno dos autos à Origem para o prosseguimento das investigações, a fim de que seja apurada a veracidade da denúncia sobre o trabalho infantil na exploração sexual, com a adoção das providências pertinentes para a proteção das vítimas, no caso de comprovação do problema. 14 agosto 2014. 7