5º Congresso RioPharma de Ciências Farmacêuticas Patentes farmacêuticas e acesso a medicamentos Luis Carlos Wanderley Lima 22 de setembro de 2007 A Lógica das Patentes: Direitos e Deveres Pode-se dizer que, desde sua origem, uma patente corresponde a um contrato entre o Estado e o inventor, seja este pessoa física ou jurídica. Dessa forma, o Estado assegura ao titular o monopólio temporário de produção e de comercialização do invento, exigindo, em contrapartida, que a invenção seja integralmente desvendada e explorada localmente. O titular passa a contar com um monopólio de produção e de venda, garantido pelo Estado, que lhe permite explorar seu produto ou processo no mercado sem concorrência, por um certo período, de modo a ressarcir-se dos gastos relacionados à invenção e a sentir-se estimulado a produzir novos inventos. A Lógica das Patentes: Direitos e Deveres O Estado intervém na concorrência, ao conceder o monopólio temporário, sob o fundamento teórico de estimular a atividade inventiva, com benefícios para a produtividade do setor industrial. Segundo tal fundamento teórico, beneficia-se a economia com o desvendamento da invenção, que permite a outros o aumento dos conhecimentos técnicos, sem desperdício de tempo e de dinheiro. E ganha também com a exploração local do invento, na medida em que esta propicia o aproveitamento de recursos humanos e de matérias-primas locais, favorecendo o desenvolvimento e a modernização da indústria. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Art. 5º, XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; Lei 9279 – 14/05/1996 Art. 1.º Esta lei regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Art. 2.º A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, se efetua mediante: I – concessão de patentes de invenção e de modelo de unidade; II – concessão de registro de desenho industrial; III – concessão de registro de marcas; IV – repressão às falsas indicações geográficas; e V – repressão à concorrência desleal; SUPOSTOS BENEFÍCIOS DO ACORDO TRIPS AOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO As principais alegações quanto aos benefícios que seriam introduzidos nos países que passassem a adotar o acordo TRIPS, e desse modo permitiriam a proteção das invenções em qualquer campo tecnológico (alimentos e medicamentos) eram as seguintes: Transferência líquida de capital a título de Direitos de Propriedade Intelectual DPI * Maiores EUA beneficiários de Alemanha tranferência de Japão renda Reino Unido Exportadores Líquidos de capitais . US$ US$ US$ US$ 19 Bilhões 06 Bilhões 5,6Bilhões 2,9Bilhões Coréia do Sul US$ 15 Bilhões Grécia US$ 7,7Bilhões China US$ 5,1Bilhões Remessa para o exterior á título de pagamento de royalties por DPI’s.** Brasil: 1993-US$ 146 Milhões 2004-US$ 1,6 Bilhão Fonte: * Global Economic Prospects 2002, do Banco Mundial. **Banco Central I Relatório do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP) O aumento da proteção aos DPI em países em desenvolvimento, intensificada com o Acordo TRIPS, parece ter gerado concentração da atividade inovadora em poucos países desenvolvidos – e por conseguinte, a desnacionalização da produção em países em desenvolvimento. Investimentos na área de Biotecnologia Antes do TRIPS (1994) =>US$ 28 Milhões Depois do TRIPS (2003) =>US$ 15 Milhões Investimentos na área Farmacêutica Antes do TRIPS (1994) =>US$ 91 Milhões Depois do TRIPS (2003) =>US$ 37 Milhões FONTE: Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial – UNIDO Relatório do Banco Central do Brasil Pagamentos por contratos de patentes Até 1992-US$ 300 milhões/ano 1999-US$ 3,1 bilhões/ano Na Rubrica Serviços diversos observam-se os gastos do País com contratos de tecnologia divididos em dois grupos ; Propriedade Industrial (Fornecimento de tecnologia, assistência técnica, licença de patentes e de marcas) e Direitos autorais e softwares. Década de 80 - US$ 200/300 milhões 1994 – US$ 523 milhões 1995 – US$ 1,05 bilhão 1998/99 – US$ 3,2 bilhões A INDUSTRIA FARMACÊUTICA E O PAPAEL DAS PATENTES As patentes farmacêuticas cumprem um papel dúbio. Se de um lado representantes da industria farmacêutica alegam que a proteção patentária oferece incentivos fundamentais para inovação terapêutica, de outro, considera-se que, em função do preço elevado de alguns medicamentos, ela limita o acesso a tratamentos de saúde, especialmente daqueles indivíduos desprovidos de recursos. Segundo a Pharma (Associação Americana de Produtores e Pesquisa Farmacêutica): • o custo médio para lançamento de um novo medicamento é de 800 milhões de US$. • o tempo entre a descoberta da molécula e a entrada da droga no mercado pode levar até 15 anos. • Entre cada 5mil a 10mil moléculas pesquisadas 5 passam a fase de testes clínicos apenas 1 chega ao mercado. • Com um total de 27 produtos lançados entre 1987 e 2005 por apenas oito empresas farmacêuticas, o mercado de ARVs pode ser caracterizado pela estrutura de oligopólio (FDA – 2007) • Os 10 ARVS mais vendidos pertencem a apenas seis empresas farmacêuticas e respondem por 86% do mercado. (IMS HEALTH – 2002) • De 1990 a 1998 o déficit comercial acumulado no setor farmacêutico passou de 1,3 bi para 6,0 bi US$. (BERMUDEZ et al.,2000) • Em alguns países o custo anual do tratamento com Antiretrovirais consegue ser superior ao PIB per-capita. (Luchini et al.,2003) • O custo médio de 12.000 US$/Ano caiu para 200 US$/Ano no tratamento com ARVS genéricos de 1ª linha. (Berndt, 2002) • Na falta de acesso à terapia anti-retroviral e conforme o perfil de morbi-mortalidade a proliferação da pandemia do HIV/AIDS tem contribuído para a crise de sistemas sociais e econômicos em países mais pobres. (Drouhin et al.,2003) PATENTES BRASILEIRAS A participação brasileira no total de depósitos de pedidos de patentes é de apenas 1%. A maior parte deles é realizada por empresas estrangeiras domiciliadas no país. (Bermudez et al., 2000) TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA Diminuição de 70% na assinatura de contratos de TI no setor farmacêutico entre 1992 e 2001. O tipo de tecnologia transferida pouco contribuiu para a P&D local. (Oliveira et al., 2004) PREÇOS DOS MEDICAMENTOS PATENTEADOS Estudos mostram que de 1988 a 2002 o preço médio dos antiretroviarais sem proteção patetaria era 73,4% menor que o das drogas patenteadas. (PNDST/AIDS-MS) Críticas sobre a ampliação da proteção aos Direitos de Propriedade Intelectual - DPI • A justificativa normalmente invocada para defender a ampliação da proteção aos DPI é a alegada relação de causalidade entre a proteção à propriedade intelectual e a atração de investimentos. Não obstante, o Global Economic Prospects 2005, do Banco Mundial assevera que: “As evidências são inconclusivas quanto à reação dos investimentos diretos propriedade intelectual.” estrangeiros aos regimes de • Segundo a Federal Trade Commission norte-americana: (To Promote Inovation:The Proper Balance of Competition and Patent Law and Policy) “Os tomadores de decisão devem questionar se a concessão de patentes sobre certas matérias de fato redundará na promoção do progresso ou, ao competição que fomenta a inovação.” contrário, limitará a Um estudo da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento – OCDE* denominado Patents and Innovation: Trends and Policy Challenges conclui que: “Uma investigação econômica preliminar sobre o funcionamento do sistema de patentes revela limitações quanto a adequação desse sistema para melhorar a inovação e a difusão da tecnologia” * Cujos países membros são Alemanha, Austrália, Bélgica, Canadá, Coréia, Dinamarca, Eslováquia, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido, república Tcheca, Suécia, Suíça, Turquia. • O economista Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia em 2001, ao analisar o eventual fortalecimento da proteção aos DPI, coloca em dúvida se o mesmo teria efetivamente efeitos positivos para a inovação, nos seguintes termos: “Embora seja difícil avaliar os custos das ineficiências da proteção por meio de patentes, é talvez mais complicado avaliar até que ponto o fortalecimento dos direitos de propriedade intelectual levam à maior inovação (...).” • O Prêmio Nobel, Sir John Sulston, médico que participou do Projeto Genoma Humano, chama atenção para a discutível relação entre o aumento da proteção à propriedade intelectual e o desenvolvimento. Conforme Sulston: “Muitas declarações afirmam o valor das patentes mostrando o paralelismo entre o crescimento do número de patentes e o incremento da prosperidade. Mas a prova do nexo de causalidade normalmente não aparece (...)” Coordenação de Propriedade Intelectual-COOPI Luis Carlos Wanderley Lima Coordenador E-mail: [email protected] Tel: 55 (21) 3232-3550