Flexibilidades do Acordo Trips e o Instituto da Anuência Prévia. Luis Carlos Wanderley Lima Coordenação de Propriedade Intelectual-COOPI Agência Nacional de Vigilância Sanitária-Anvisa Ministério da Saúde-MS Rio de Janeiro, 02 de Julho de 2008 Desde o advento do acordo TRIPS, as discussões internacionais em matéria de propriedade intelectual têm sido orientadas basicamente por dois vetores. O primeiro, favorável à ampliação e harmonização internacional de direitos de propriedade intelectual (DPI) para além dos padrões estabelecidos naquele Acordo, parte do pressuposto de que o fortalecimento desses direitos é uma finalidade em si mesma, que automaticamente levaria ao desenvolvimento tecnológico, econômico e social dos países que adotassem normas mais estritas na matéria. Nesta visão, a propriedade intelectual seria percebida como um assunto puramente técnico, que não deveria ser influenciado por preocupações de outras naturezas, devendo ser discutido exclusivamente em determinados foros especializados. O segundo vetor constata as dificuldades de implementação do Acordo TRIPS, verifica imperfeições no funcionamento atual do sistema de propriedade intelectual quanto a alegados efeitos automáticos de indução do desenvolvimento tecnológico, econômico e social e, assim, defende que qualquer exercício de ampliação dos DPI deve ser precedido de avaliação cautelosa e criteriosa, sob pena de prejuízo ao equilíbrio de direitos e obrigações e ao interesse público. Nesta perspectiva, a propriedade intelectual não é um assunto isolado, e portanto, merece ser objeto de análise crítica, nos mais diferentes foros de discussão, para que a propriedade intelectual possa efetivamente converter-se em instrumento para o desenvolvimento. Otávio Barandelli Ex- Diretor da Divisão de Propriedade Intelectual-DPI do Ministério das Relações Exteriores. O aumento da proteção aos DPI em países em desenvolvimento, intensificada com o Acordo TRIPS, parece ter gerado concentração da atividade inovadora em poucos países desenvolvidos – e por conseguinte, a desnacionalização da produção em países em desenvolvimento. Investimentos na área de Biotecnologia Antes do TRIPS (1994) =>US$ 28 Milhões Depois do TRIPS (2003) =>US$ 15 Milhões Investimentos na área Farmacêutica Antes do TRIPS (1994) =>US$ 91 Milhões Depois do TRIPS (2003) =>US$ 37 Milhões FONTE: Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial – UNIDO Transferência líquida de capital a título de Direitos de Propriedade Intelectual DPI * . Remessa para o exterior á título de pagamento de royalties por DPI’s.** Brasil: 1993-US$ 146 Milhões 2004-US$ 1,6 Bilhão Fonte: * Global Economic Prospects 2002, do Banco Mundial. **Banco Central I Relatório do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP) Estatística global sobre patentes – 2005 • Existiam 5,6 milhões de patentes em vigor; 90% delas estavam distribuídas por apenas 10 escritórios (EUA, Japão, Alemanha, Rep. da Coréia, Reino Unido, França, Espanha, China, Canadá e Federação Russa) • Somente EUA e Japão detinham 49% deste total; • Apenas 5 países detinham 74% das patentes em vigor no mundo (EUA, Japão, República da Coréia, China, e Comunidade Européia); • Foram depositados 1,66 milhões de pedidos de patentes nos escritórios de PI em todo o mundo; • Apenas 5 escritórios detinham 77% desses depósitos (Japão, EUA, China, Republica da Coréia e Comunidade Européia/EPO); Estatística global sobre patentes - 2005 • Média mundial de pedidos de patentes depositados por não residentes no país em questão – 38%; •EUA, Japão e Alemanha detinham 57% dos pedidos de patentes de não residentes no mundo; •No Brasil, em 2005, foram concedidas 2439 patentes 2190 – 90% para não residentes 249 – 10% para residentes Fonte: Wipo Patent Report - 2007 Estatística global sobre patentes – 2005 Portanto,no Brasil, 90% de todas as patentes estão registradas em nome de pessoas e de empresas sediadas em países desenvolvidos, apenas 5% das patentes requeridas são de titulares brasileiros (10%, se incluídos os modelos de utilidade). Embora sempre haja um pequeno número de brasileiros a se beneficiarem da possibilidade de explorarem patentes no exterior, é evidente que o sistema brasileiro de patentes, e o da totalidade dos países em desenvolvimento, está destinado prioritariamente a atender a interesses de pessoas e empresas estrangeiras. Fonte: Wipo Patent Report - 2007 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO BRASIL No ordenamento jurídico brasileiro, a tutela constitucional dos direitos de propriedade industrial é conferida pelo artigo 5º, incisos XXII e XXIX, da Constituição Federal, entre os direitos individuais. O texto constitucional subordina a propriedade ao atendimento de sua função social, conforme estatui o artigo 5º, inciso XXIX,verbis A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO BRASIL Lei 9279 – 14/05/1996 Art. 1.º Esta lei regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Art. 2.º A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, se efetua mediante: I – concessão de patentes de invenção e de modelo de unidade; II – concessão de registro de desenho industrial; III – concessão de registro de marcas; IV – repressão às falsas indicações geográficas; e V – repressão à concorrência desleal; A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO BRASIL Assim, tanto a Constituição Federal quanto a Lei 9279/96-LPI estabelecem que a proteção à PI deve: •Visar o interesse social do país. •Favorecer o desenvolvimento tecnológico do país. •Favorecer o desenvolvimento econômico do país. A Constituição não pretende estimular o desenvolvimento tecnológico em si, ou o dos outros povos mais favorecidos. Ao contrário, procura ressalvar as necessidades e propósitos nacionais, num campo considerado de fundamental importância para a sobrevivência do seu povo. A função social não é um princípio limitado da propriedade, mas verdadeiro fundamento jurídico da mesma. O que caracteriza a patente como forma de uso social da propriedade é o fato de que ela consiste num direito limitado por sua função: existe enquanto socialmente útil. TRIPS Art. 1.1 - “Os Membros colocarão em vigor o disposto neste Acordo. Os Membros poderão, mas não estarão obrigados a prover, em sua legislação, proteção mais ampla que a exigida neste Acordo, desde que tal proteção não contrarie as disposições deste Acordo. Os Membros determinarão livremente a forma apropriada de implementar as disposições deste Acordo no âmbito de seus respectivos sistema e prática jurídicos”. Art. 7º – A proteção e a ampliação de normas de proteção dos direitos de propriedade intelectual devem contribuir para a promoção da inovação tecnológica e para a transferência e difusão de tecnologia, em benefício mútuo de produtores e usuários de conhecimento tecnológico e de uma forma conducente ao bem-estar social econômico e a um equilíbrio entre direitos e obrigações. TRIPS Art. 8º - 1. Os Membros, ao formular ou emendar suas leis e regulamentos, podem adotar mediadas necessárias para proteger a saúde e nutrição públicas e para promover o interesse público em setores de importância e vital para o seu desenvolvimento sócio-econômico e tecnológico, desde que essas medidas sejam compatíveis com o disposto neste Acordo. - 2. Desde que compatíveis com o disposto neste Acordo, poderão ser necessárias medidas apropriadas para evitar o abuso dos direitos de propriedade intelectual por seus titulares ou para evitar o recurso a práticas que limitem maneira injustificável o comércio ou que afetem adversamente a transferência internacional de tecnologia. PARÁGRAFO VI DA DECLARAÇÃO DE DOHA A Declaração de Doha afirma que as políticas de saúde pública devem ter supremacia frente aos interesses comerciais, e que o Acordo TRIPS não pode ser utilizado como meio de entrave à aplicação dos direitos de proteção à saúde pública e, em especial, ao acesso universal aos medicamentos . Possíveis conseqüências para a Saúde Pública da concessão indevida de uma patente 9 Proteção para invenções que não preenchem adequadamente os requisitos legais de patenteabilidade. 9 Exclusividade na exploração de invenção indevidamente patenteada. 9 Restrição do acesso aos medicamentos. 9 Pagamento indevido de royalties . 9 Retardamento ou impossibilidade de entrada dos medicamentos genéricos no mercado. 9 Inviabilização de políticas sociais,como por exemplo as do campo da saúde pública. Criação da Coordenação de Propriedade Intelectual-COOPI/RJ 14/12/1999 Enviada ao Congresso Nacional MP 2006 alterando a LPI( lei 9279/96) e criando a participação da ANVISA na concessão de Patentes de medicamentos. 14/02/2001 Aprovada a lei 10.196 que no seu artigo 229-C diz: “ a concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos dependerá da anuência prévia da Anvisa. 06/03/2001 Recrutamento e treinamento dos técnicos para atuação na Anuência Prévia. 01/06/2001 Instalação da Coordenação de Propriedade Intelectual –COOPI/ANVISA e início das atividades de Anuência Prévia. Intervenção das autoridades de saúde no exame de patentes: A prática brasileira da Anuência Prévia “O mecanismo da Anuência Prévia tem, claramente, um amplo suporte jurídico: O acordo TRIPS, decisões anteriores do organismo de solução de controvérsias da OMC, resoluções das Nações Unidas, Constituição Federal Brasileira, Lei de Propriedade Industrial Brasileira, entre outros”. Maristela Basso (Professora associada de Direito Internacional da Faculdade de Direito da USP) Distribuição anual dos pedidos de patentes analisados pela ANVISA - 2001 a 2008. Distribuição dos pedidos de patentes da área farmacêutica analisados pela ANVISA segundo a área tecnológica da reivindicação principal. Junho de 2001 a Dezembro de 2006. Situação dos pedidos de patentes encaminhados pelo INPI e examinados pela Anvisa - 2001 a 2008. Pedidos não anuídos pela COOPI, segundo a motivação encontrada no período 2001 a 2008 Total de pedidos não anuídos - 52 Pedidos de patentes analisados pela ANVISA (excluídos os pedidos pipeline) segundo os enquadramentos técnicos e formais utilizados nos pareceres emitidos- Junho de 2001 a Dezembro de 2006. Total de pedidos com problemas: 232 Toda a legislação está disponível no site da ANVISA www.anvisa.gov.br Luis Carlos Wanderley Lima Coordenador E-mail: [email protected] Tel: 55 (21) 3232-3550