PARECER/CONSULTA TC-010/2006
PROCESSO
- TC-4167/2005
INTERESSADO - PREFEITURA MUNICIPAL DE GUAÇUI
ASSUNTO
- CONSULTA
RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS
DE
DIREITO
CONSTITUIÇÃO
PÚBLICO
FEDERAL
RESPONSABILIDADE
ATIVIDADE
-
ESTATAL
RESPONSABILIDADE
ARTIGO
-
OBJETIVA
LESIVA
-
SUBJETIVA
37º,
§6º,
DA
MODALIDADE
DE
NOS
CASOS
DE
MODALIDADE
DE
NOS
DE
CASOS
OMISSÃO ESTATAL, CONDICIONADA À OCORRÊNCIA DE
DOLO OU CULPA - OCORRÊNCIA DE FORÇA MAIOR, EM
REGRA, AFASTA A RESPONSABILIDADE ESTATAL DE
INDENIZAR, SALVO SE DEMONSTRADA QUE A OMISSÃO
DO PODER PÚBLICO NA REALIZAÇÃO DE UM SERVIÇO
TERIA SIDO SUFICIENTE PARA EVITAR O DANO.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do Processo TC-4167/2005,
em que o Prefeito Municipal de Guaçui, Sr. Luciano Manoel Machado, formula
consulta a este Tribunal, indagando sobre a Responsabilidade Civil do Município
em indenizar o particular nos casos decorrentes de catástrofes naturais.
Considerando que é da competência deste Tribunal decidir sobre consulta que
lhe seja formulada na forma estabelecida pelo Regimento Interno, conforme
artigo 1º, inciso XVII, da Lei Complementar nº 32/93.
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RESOLVEM os Srs. Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Espírito
Santo, em sessão realizada no dia dezesseis de março de dois mil e seis, por
unanimidade, acolhendo o voto do Relator, Conselheiro Enivaldo Euzébio dos
Anjos, preliminarmente, conhecer da consulta, para, no mérito, respondê-la nos
termos da Instrução Técnica nº 483/2005 da 8ª Controladoria Técnica, firmada
pela Consultora de Finanças Públicas, Srª Valeska Miranda Dal Piaz, abaixo
transcrita:
Tratam os autos de consulta formulada a esta Egrégia Corte
de Contas pelo Ilmo. Sr. Luciano Manoel Machado, na
qualidade de Prefeito Municipal de Guaçuí, indagando sobre a
Responsabilidade Civil do Município em indenizar o particular
nos casos decorrentes de catástrofes naturais. Ultrapassada a
fase do artigo 97, caput, da Resolução TC 182/2002
(Regimento Interno), vieram-nos os autos a fim de nos
pronunciarmos quanto ao mérito da proposição. É o relatório I.
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES Nos termos do art. 1º,
inc. XVII, da Lei Complementar n.º 32/93, c/c art. 96, inc. IV,
da Resolução TC n.º 182/2002, as consultas submetidas à
apreciação desta Colenda Corte devem ser formuladas em
tese, sem qualquer referência a casos concretos. A indagação
formulada pelo Consulente toma por pressuposto situação
concreta e particular enfrentada pela administração da
Prefeitura Municipal de Guaçuí, o que, pela vertente
estritamente formal, afastaria a possibilidade de qualquer
manifestação neste procedimento, singularmente destinado
ao esclarecimento de dúvidas suscitadas em tese. No
entanto, considerando que os aspectos jurídicos envolvidos
podem ser plenamente enfrentados sem qualquer referência
aos fatos concretos subjacentes, os quais somente deverão
ser apreciados em momento oportuno, quando do exercício
da atividade fiscalizatória do Tribunal de Contas, proceder-seá a instrução do presente procedimento, ainda que nos
estreitos lindes das questões de direito emergentes. Portanto,
não constituindo pré-julgamento do ato, opinamos pela
consideração do presente como resposta a questionamento
formulado em tese, a ser respondido na forma do regimento.
II - DO MÉRITO A Constituição da República é expressa ao
determinar no parágrafo 6° do art. 37 que “as pessoas
jurídicas de direito público e as de privado prestadoras de
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serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes,
nessa qualidade causarem a terceiros. Assegurado o direito
de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa”.
Portanto, face a clareza da prescrição constitucional, concluise toda vez que o Estado em razão de sua atividade gerar
danos aos administrados, deverá indenizá-los observando-se
apenas a relação de causa e efeito, afastando o aferimento
de culpa. (Modalidade de Responsabilidade Objetiva) Por
outro lado, atendo-se ao teor da consulta formulada, devemos
ressaltar os casos em que o Estado pode gerar danos em
razão da sua omissão (o serviço não funcionou, funcionou
tardia, ou ineficientemente). Nestas situações a doutrina
orienta aplicar a teoria da responsabilidade subjetiva. Celso
Antônio Bandeira de Mello1, baseado nos ensinamentos de
Oswaldo Bandeira de Mello, expõe que a omissão pode ser
uma condição para que outro evento cause dano, mas ela
mesma (omissão) não pode produzir o efeito danoso. A
omissão poderá ter condicionado sua ocorrência, mas não o
causou. Logo, ensina-nos esse eminente professor, em
matéria de responsabilidade estatal, por omissão, há que se
aplicar a teoria subjetiva. Mais adiante o indigitado professor
leciona: Com efeito, se o Estado não agiu, não pode,
logicamente, ser ele o autor do dano, E se não foi o autor, só
cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano.
Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu o dever
legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo. Deveras, caso
o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o
acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o
encargo de suportar patrimonialmente as conseqüências da
lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é
sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo
responsabilidade
por
ilícito,
é
necessariamente
responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do
Estado (embora do particular possa haver) que não seja
proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa)
ou, então, deliberando propósito de violar a norma que
constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são
justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva. É
importante ressaltar que a responsabilidade estatal
consagrada na CRFB/88 segue um regime de Direito Público.
Porém, do texto constitucional não se pode inferir a exclusiva
adoção da teoria da responsabilidade objetiva fundada no
risco administrativo, sendo também aplicável à teoria da
responsabilidade subjetiva fundada na culpa do serviço. A
1
Curso de Direito Administrativo, 2003, p. 872
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responsabilidade oriunda da falta de serviço é subjetiva, pois
para sua deflagração não basta a mera objetividade de um
dano relacionado com um serviço estatal. Cumpre que exista
algo mais, ou seja, culpa (ou dolo), elemento tipificador da
responsabilidade subjetiva. Toda razão assiste a Oswaldo
Aranha Bandeira de Mello, citado por Celso Bandeira de
Mello, quando pondera: A responsabilidade do Estado por
omissão só pode ocorrer na hipótese de culpa anônima, da
organização e funcionamento do serviço, que não funciona ou
funciona mal ou com atraso, e atinge os usuários do serviço
ou os nele interessados. (2003, p. 891). Não haverá razão
para responsabilização do Estado, se este, atuando
organizada e diligentemente, não consegue impedir o evento
danoso por força alheia (humana ou da natureza). É que
nesse caso o Estado não é o autor do dano, pois não o
causou. Causa é o fator que positivamente gera um resultado.
Condição é o evento que não ocorreu, mas que se houvera
ocorrido, teria impedido o resultado. Portanto, o Estado só
responde pelos danos que não causou quando estiver de
direito obrigado a impedi-los. Ao contrário do que se passa
com a responsabilidade do Estado por comportamentos
comissivos, na responsabilidade por comportamentos omissos
a questão não se examina nem se decide pelo ângulo passivo
da relação - a do lesado em sua esfera juridicamente
protegida -, mas pelo pólo ativo da relação. Ou seja, os
caracteres da omissão estatal que indicarão se há ou não
responsabilidade (Mello, 2003, p. 874). Por fim, cumpre
arrematar que a responsabilização estatal será elidida quando
presentes determinadas situações, aptas a excluir o nexo
causal entre a conduta (comissivo ou omissivo) do Estado e o
dano causado ao particular, quais sejam a força maior, o caso
fortuito e a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. A força
maior é conceituada como sendo um fenômeno da natureza,
acontecimento imprevisível, inevitável ou estranho ao
comportamento humano, p. ex., um raio, uma tempestade, um
terremoto. Nestes casos, o Estado se torna impossibilitado
diante da imprevisibilidade das causas determinantes de tais
fenômenos, o que, por conseguinte, justifica a elisão de sua
obrigação de indenizar eventuais danos, visto que não está
presente aí o nexo de causalidade. Importante ressaltar que
se o Estado deixar de realizar ato ou obra considerada
indispensável e sobrevier fenômeno natural que cause danos
a particulares pela falta daquele ato ou obra, portanto conduta
omissiva, o Poder Público será o responsável pela reparação
de tais prejuízos, visto que neste caso estará presente o nexo
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de causalidade entre o ato omissivo e o dano. Desta forma, a
causa do dano não é o fato de força maior, mas o desleixo do
Estado em, sendo possível prever tal fenômeno e suas
conseqüências, nada ter feito para evitá-las. Já na hipótese
de caso fortuito o dano decorre de ato humano, gerador de
resultado danoso e alheio à vontade do agente, embora por
vezes previsível. Por ser um acaso, imprevisão, acidente, algo
que não poderia ser evitado pela vontade humana, ocorre,
desta forma, a quebra do nexo de causalidade, daí a exclusão
da responsabilidade diante do caso fortuito. A força maior e o
caso fortuito estão previstos no art. 393 do novo Código.
Porém, tal norma não os definiram separadamente, o que vem
provocando na seara jurídica uma divergência quanto às suas
definições, alguns autores os conceitua exatamente ao
contrário do acima exposto. Sobre o tema infere o Prof. José
dos Santos Carvalho Filho que a melhor opção para evitar
controvérsia, é agrupar a força maior e o caso fortuito como
fatos imprevisíveis, também chamados de acaso, porque são
idênticos os seus efeitos2. A culpa exclusiva da vítima ou de
terceiro também é considerada causa excludente da
responsabilidade estatal, pois haverá uma quebra do nexo de
causalidade, visto que o Poder Público não pode ser
responsabilizado por um fato a que, de qualquer modo, não
deu causa. Decorre de um princípio lógico de que ninguém
poderá ser responsabilizado por atos que não cometeu ou
para os quais não concorreu. Outrossim, verificando-se a
existência de concausas, isto é, mais de uma causa ensejadora
do resultado danoso, praticadas simultaneamente pelo Estado
e pelo lesado, não haverá excludente de responsabilidade.
Haverá, sim, atenuação do quantum indenizatório na medida
da participação no evento. Ante o exposto, em resposta ao
questionado pelo consulente podemos concluir: • O Estado
terá obrigação de indenizar prejuízos decorrentes de sua
omissão se ficar comprovada a ocorrência de culpa
(negligência, imprudência ou imperícia) ou de dolo, nesse
caso, aplica-se a teoria da responsabilidade subjetiva. • Na
ocorrência de força maior, em regra, afasta-se a
responsabilidade estatal de indenizar, salvo se restar
demonstrada que a omissão do Poder Público na realização
de um serviço teria sido suficiente para evitar o dano. Na
hipótese apontada pelo consulente o Município “em nada
contribuiu para que ocorresse o evento danoso (....)”, assim,
não cabe à Administração municipal indenizar o dano sofrido
pelo particular decorrente de fortes chuvas. CONCLUSÃO
2
Orlando Gomes apud José dos Santos Carvalho Filho - Manual de Direito Administrativo, 11ª ed. pág. 458
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Deste modo, considerando o ordenamento pátrio aplicável ao
presente caso e a fundamentação exposta, opinamos para, no
mérito, responder ao questionado nos termos elencados neste
feito. Esse é o nosso entendimento.
Presentes à sessão plenária da apreciação os Srs. Conselheiros Valci José
Ferreira de Souza, Presidente, Enivaldo Euzébio dos Anjos, Relator, Umberto
Messias de Souza, Dailson Laranja, Marcos Miranda Madureira e Elcy de Souza.
Presente, ainda, o Dr. Ananias Ribeiro de Oliveira, Procurador-Chefe do
Ministério Público junto a este Tribunal.
Sala das Sessões, 16 de março de 2006.
CONSELHEIRO VALCI JOSÉ FERREIRA DE SOUZA
Presidente
CONSELHEIRO ENIVALDO EUZÉBIO DOS ANJOS
Relator
CONSELHEIRO UMBERTO MESSIAS DE SOUZA
CONSELHEIRO DAILSON LARANJA
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CONSELHEIRO MARCOS MIRANDA MADUREIRA
CONSELHEIRO ELCY DE SOUZA
DR. ANANIAS RIBEIRO DE OLIVEIRA
Procurador-Chefe
Lido na sessão do dia:
FÁTIMA FERRARI CORTELETTI
Secretária Geral das Sessões
zwd/fbc
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PARECER TC Nº 128/96. - TCE-ES