D I R E I T O DO TRABALHO
Fernando Rabello
A RELATIVIZAÇÃO DA COISA
JULGADA TRABALHISTA
RELATIVIZATION OF LABOR RES JUDICATA
Carlos Henrique Soares
Cristiano Paulo de Oliveira
RESUMO
ABSTRACT
Questionam a compatibilidade da relativização da coisa julgada
em face do Direito do Trabalho, à luz de um aspecto processual constitucional, em que pese os fundamentos de validade da
sentença.
Demonstram a possibilidade da relativização da coisa julgada
em face das sentenças trabalhistas, principalmente com relação
à inconstitucionalidade em que possam estar concretizadas.
The authors discuss the compatibility of res judicata
relativization with labor law, in the light of a new constitutional
procedural aspect, regardless of the validity grounds
of the decision.
They show the possibility of the res judicata relativization in
the scope of labor decisions, especially if considered
that they may have been carried out based on
unconstitutional grounds.
PALAVRAS-CHAVE
Direito do Trabalho; coisa julgada; inconstitucionalidade; relativização; ação rescisória; querela nullitatis.
KEYWORDS
Labor Law; res judicata; unconstitutionality; relativization;
rescissory action; querela nullitatis.
Revista CEJ, Brasília, Ano XVI, n. 56, p. 59-70, jan./abr. 2012
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1 INTRODUÇÃO
A coisa julgada (res judicata) é de extrema importância para
o campo da justiça processual comum, contudo, chamou-nos
atenção quando optamos por analisá-la sob a ótica da justiça
do trabalho. Embora tenha aplicação subsidiária, trata-se de assunto bastante complexo, seja pela ausência de uma literatura
específica sobre o tema ou pelo próprio caráter positivista, em
face da constitucionalidade que lhe é inerente.
Para tanto, iniciou-se este trabalho no intuito de desvendar
a coisa julgada em todos os aspectos, por meio de inúmeros
autores de renome, consagrados pelas variadas explanações a
respeito deste instituto, trabalhando em um primeiro momento
com o seu conceito, sua vinculação com o Código de Processo
Civil, estruturação e finalidade.
Quando a coisa julgada pode ser modificada
no âmbito trabalhista? Em um primeiro
momento, haveria duas respostas: por meio da
ação rescisória, o que não estaria incorreto, ou
nunca, levando em consideração a própria
lógica da coisa julgada [...]
60
Mediante o conceito da coisa julgada, abordamos, dentre
outras, a excepcionalidade dos seus efeitos, se estes eram provenientes de sua própria razão de ser ou se estavam vinculados
à sentença, como uma forma de qualificação individual, muito
embora intimamente ligados. Diversos autores se posicionaram
a este respeito, destacando-se Enrico Túlio Liebman, um importante processualista.
Carlos Henrique Soares trouxe uma abordagem, no mínimo, desafiadora, em sua obra intitulada Coisa Julgada Constitucional, cujo entendimento maior permeia em desenvolver uma
teoria tridimensional da coisa julgada constitucional, no qual a
relação entre os conceitos de “justiça”, “verdade” e “segurança
jurídica” são de fundamental importância para sua caracterização. (SOARES, 2009, p. 22).
O desenvolvimento deste estudo teve como ponto de partida uma indagação, que, de forma direta não só levou-nos a
aceitar este desafio, mas também despertou o senso crítico, o
interesse da descoberta e a vontade de superar as expectativas.
De forma indireta, após a conclusão deste estudo, motivou os
demais interessados no tema a submetê-lo a novas análises,
uma vez que, no Direito, todas as situações jurídicas devem ser
debatidas, destruídas e reconstruídas constantemente1, sendo
para alguns desenvolvimento, outros evolução.
Quando a coisa julgada pode ser modificada no âmbito
trabalhista?
Em um primeiro momento, haveria duas respostas: por
meio da ação rescisória, o que não estaria incorreto, ou nunca, levando em consideração a própria lógica da coisa julgada,
mediante a segurança jurídica, a concretude das decisões e a
preservação da ordem pública, contudo, não se pode concordar
com este tipo de resposta.
Deve-se atentar para o fato de o comando decisório estar
amparado por uma norma inconstitucional, por uma interpretação incorreta da lei, tornando-a defeituosa ou com andamento
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processual viciado de tal forma, a ponto de torná-la nula.
A inconstitucionalidade do comando decisório é o nosso
maior desafio, principalmente quando a coisa julgada se faz
presente, juntamente com os aspectos de superação, capazes
de provocar a revisão da matéria, seja pelas principais definições
em seu fundamento de validade ou devido à manifestação do
Supremo Tribunal Federal – STF. Assim como atribuição dos
efeitos (ex tunc e erga omnes), sem olvidar também a ameaça
à segurança jurídica e à ordem social.
A indiscutibilidade da sentença, diante dos esclarecimentos
da ação rescisória e da Querela Nullitatis são temas explorados
neste trabalho, em que se abordam as principais diferenças perante o trânsito em julgado. Assim como as principais hipóteses
de inconstitucionalidade da coisa julgada sob a ótica trabalhista,
à luz da Teoria Tridimensional da Coisa Julgada Constitucional,
defendida por Carlos Henrique Soares, uma forma absolutamente revolucionária de se discutir esta questão, senão a Justiça, verdade e segurança jurídica.
2 INSTITUTO DA COISA JULGADA E SEUS EFEITOS
O Código de Processo Civil define o conceito da coisa julgada como a eficácia da sentença aplicada de forma concreta e
inalterável, conforme descreve o seu art. 467: Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível
a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário, oportunidade em que Sérgio Gilberto Porto, em uma de
suas obras, sustenta que o referido artigo trata das “definições
legais” da coisa julgada. (PORTO, 1996, p. 51).
Trata-se da segurança jurídica desejada, fim da pretensão
resistida por meio do comando decisório válido, certeza da
aplicação do Direito e concretização da impossibilidade de se
submeter a matéria já discutida a novas análises, colocando fim
ao ciclo de recursos, chegando ao gozo da eficácia futura2 e
desejada por toda a sociedade.
Carlos Henrique Soares observa que desde a formação
do direito romano, a ideia que permeia da coisa julgada é,
justamente, de segurança jurídica e não de eternização das
discussões judiciais. (SOARES, 2009, p. 274).
Prova que, desde há muito tempo, o desejo da conclusão
das demandas de forma única e precisa, sem que se torne uma
constante3 nas searas da Justiça, não é uma característica recente, mas algo que já estava se formando, cujos reflexos, infelizmente, cresceram ao absurdo.
Alexandre Fernandes Gastal exprime sua concordância com
o fim das discussões infindáveis em face de um bem maior, a
segurança das decisões deferidas e a conservação do ordenamento posto, justamente pela impossibilidade de verem novamente analisadas as pretensões tão exaustivamente debatidas,
conforme podemos perceber em um trecho de um artigo de
sua autoria, intitulado “A Coisa Julgada: Sua Natureza e suas
Funções”. Não há grande controvérsia sobre as razões que,
no plano filosófico, justificam o instituto da coisa julgada. Na
raiz de todas as concepções a respeito está a ideia de que o
seu propósito é o de não permitir a perenização dos conflitos,
é o de ensejar a estabilidade e certeza às relações jurídicas.
A definitividade de que se reveste o comando judicial emanado a partir da apreciação pelo juízo de uma determinada
relação jurídica, a certeza de que aquela mesma relação ju-
rídica, enquanto apresentar os mesmos
contornos que a delineavam quando
judicialmente apreciada, não haverá de
merecer novo exame capaz de conduzir
a resultado que de alguma maneira
contrarie, inviabilize ou diminua o julgado, é justamente o que dá sentido ao
próprio exercício da função jurisdicional
do Estado. É o que faz útil ao jurisdicionado requerer a intervenção do Estado
como regulador dos conflitos em que
se vê envolvido (OLIVEIRA, et al, 2002,
p. 187).
Alcançado o julgamento pela coisa
julgada, não cabendo qualquer possibilidade de recurso, reveste-se de uma nova
roupagem, ensejando estabilidade e certeza às relações jurídicas, qual seja, a de
garantia constitucional, conforme previsto no art. 5º, inc. XXXVI, da Constituição
Federal de 1988: a lei não prejudicará o
direito adquirido, o ato jurídico perfeito e
a coisa julgada.
Celso Neves, citado por Sérgio Gilberto Porto, ensina que a coisa julgada
é o efeito da sentença definitiva sobre o
mérito da causa que, pondo termo final
à controvérsia, faz imutável e vinculativo, para as partes e para os órgãos jurisdicionais, o conteúdo declaratório da
decisão judicial tornando certo e seguro
o que antes era duvidoso. (NEVES apud
PORTO, 1996, p. 52).
Vicente Greco Filho, por sua vez, retrata que a coisa julgada era, para a tradição romana, a sentença prolatada ou
próprio objeto da discórdia, originandose a partir deste raciocínio dois vieses: [...]
uma que entende a coisa julgada como
efeito da sentença que a completa,
tornando-se imutável e plenamente eficaz, e outra que entende a coisa julgada
como qualidade dos efeitos da sentença
ou da própria sentença, a imutabilidade,
que não é efeito da sentença nem uma
complementação da própria sentença,
mas apenas atributo dos efeitos originais do julgado. (GRECO FILHO, 2005,
p. 273-74).
O segundo viés apontado pelo autor foi obra do trabalho desenvolvido
por Enrico Túlio Liebman, sendo aquele
que mais influenciou os estudos pátrios
sobre a coisa julgada (SOARES, 2009,
p. 19). Carlos Henrique Soares, por sua
vez, retrata que uma coisa é os efeitos da
sentença (declaratória ou constitutiva),
outra é verificar se eles se produzem de
modo mais ou menos perene e imutável. (SOARES, 2009, p. 60).
À luz dessa discussão, Liebman reafirma o seu entendimento quanto aos
efeitos da decisão: A coisa julgada (Rechtskraft4) consiste na força vinculante
da declaração, que se apresente esta
por si só na sentença, que seja acompanhada de efeito constitutivo da espécie
indicada; este efeito constitutivo, pois,
nada tem que ver com a coisa julgada,
absolutamente desnecessária para que
ele se possa produzir. O termo tradicional de “coisa julgada” (Rechtskraft) poderia e deveria então substituir-se pelo
mais preciso de “eficácia de declaração”
(Feststellungswirkung), que indicaria,
pois, o efeito constante de todas as sentenças com o qual podem apresentar-se
juntos, eventualmente, também o efeito
constitutivo ou o executório, conforme
o tipo de sentença que se considere.
(LIEBMAN, 2006, p. 21).
Claro e notório que Liebman defende o tema da coisa julgada como algo
diverso dos efeitos constantes da própria
sentença, já que surge por meio destes
comandos decisórios com objetivo de
conferir qualidade, segurança e imutabilidade temporal, constituindo erro de lógica5 tal definição que trata de duas coisas distintas e diametralmente opostas.
do objeto a que se referem, porque são,
por si sós, expressões vazias, privadas
de conteúdo e de sentido. A linguagem
induziu-nos, portanto, inconscientemente,
à descoberta desta verdade: que a autoridade da coisa julgada não é o efeito da
sentença, mas uma qualidade, um modo
de ser e de manifestar-se dos seus efeitos,
quaisquer que sejam, vários e diversos,
consoante as diferentes categorias das
sentenças. (LIEBMAN, 2006, p. 5).
Deste modo, diante de tais considerações, entendemos que o instituto da
coisa julgada, especialmente no Direito
brasileiro, em que pese o seu conceito e
sua amplitude estar muito bem definido,
em face da sua imutabilidade e indiscutibilidade da decisão, refletem uma qualidade da sentença.
3 INSTITUTO DA COISA JULGADA SOB A
ÓTICA TRABALHISTA
Trata-se a coisa julgada da capacitação do comando decisório por meio da
qualificação de seus efeitos, atribuindolhes uma propriedade revestida de imutabilidade, concretude finalística e caráter
definitivo, sepultando de vez a discussão
da lide. A Lei de Introdução do Código
Civil, art. 6º, § 3º ensina ser esta a decisão
judicial a qual não caiba mais possibilidade recursal, atribuindo-lhe a definiti-
61
Trata-se a coisa julgada da capacitação do comando decisório
por meio da qualificação de seus efeitos, atribuindo-lhes uma
propriedade revestida de imutabilidade, concretude finalística
e caráter definitivo, sepultando de vez a discussão da lide.
Liebman ressalta que a coisa julgada
não é um efeito da sentença, mas uma
particularidade incidente, totalmente
diversa e única, conforme podemos verificar: Considerar a coisa julgada como
efeito da sentença e ao mesmo tempo
admitir que a sentença, ora produz simples declaração, ora efeito constitutivo,
assim de direito substantivo, como de
direito processual, significa colocar frente
a frente elementos inconciliáveis, grandezas incongruentes e entre si incomensuráveis. [...] O mesmo se pode dizer das
diversas palavras por que se procura
explicar a fórmula legislativa tradicional:
imutabilidade, definitividade, intangibilidade, incontestabilidade, termos que
exprimem todos eles uma propriedade,
uma qualidade particular, um atributo
vidade do caso julgado6. Art. 6º – A lei
em vigor terá efeito imediato e geral,
respeitados o ato jurídico perfeito, direito
adquirido e a coisa julgada. [...]
§3º – Chama-se coisa julgada ou
caso julgado a decisão judicial de que já
não caiba recurso.
Há de se destacar o art. 301, §§ 1º
e 2º, do Código de Processo Civil, que
aborda elementos capazes de identificar
a coisa julgada, sob um prisma de validade trifásico analítico7, senão as partes,
causa de pedir e o pedido.
Neste mesmo arcabouço, o já comentado art. 467 do CPC, cuja análise
conceitual deve ser sempre realizada
em conjunto com o artigo anterior, com
objetivo de evitar discussões futuras8,
que versem sobre os mesmos elemen-
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tos caracterizadores, zelando pela segurança jurídica. Art. 301:
Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar: [...] §
1º Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada, quando se
reproduz ação anteriormente ajuizada. § 2º Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de
pedir e o mesmo pedido.
A legislação trabalhista, em que pese a Consolidação das
Leis do Trabalho – CLT, não abrange em seu texto legal a coisa
julgada, no que deve ser aplicado o entendimento previsto em
seu art. 769: Nos casos omissos, o direito processual comum
será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto
naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.
Logo, todo entendimento a respeito deve ser aplicado às searas
trabalhistas.
Digno de registro o conceito descrito por Sérgio
Pinto Martins, de que a coisa julgada formal
trata da “preclusão máxima”, em face da
incapacidade de reforma da matéria já
decidida, impossibilitando o seu reexame.
62
A res judicata mostra-se sob dois aspectos diversos, a Coisa
Julgada Formal e a Coisa Julgada Material, sendo aquela a formalização do efeito preclusivo, oportunidade em que, havendo
possibilidade de interposição recursal, não o faz em tempo e
modo, tornando a sentença incapaz de ser modificada, traduzindo-se no fenômeno da imutabilidade da sentença. (TEIXEIRA
FILHO, 2009, p. 1380).
O aspecto material enquadra-se, com extrema precisão, no
que descreve o art. 467 do Código de Processo Civil, senão a
eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais
sujeita a recurso ordinário ou extraordinário, o caráter irrefutável do julgado em face da não possibilidade recursal.
Cleber Lúcio de Almeida, sobre este assunto, observa diferenciações importantes quanto ao aspecto: a) formal: impossibilidade de impugnar ou alterar a decisão no processo em
que foi proferida (efeitos endoprocessuais da coisa julgada),
segundo o qual a coisa julgada formal vincula as partes (que
não podem impugná-la) e o juiz que proferiu a decisão (que
não pode alterá-la9);b) material ou substancial: imutabilidade
e indiscutibilidade da decisão no processo em que foi proferida e em qualquer outro processo (efeitos extraprocessuais
da coisa julgada); cuja “decisão que deixou de ser passível de
impugnação ou alteração no processo em que foi proferida
projeta os seus efeitos para fora daquele processo, impedindo
que as partes ajuízem ação visando discutir a situação jurídica
já definida naquela decisão e que qualquer outro órgão do
Poder judiciário a reexamine e altere. (ALMEIDA, 2009, p. 658).
Digno de registro o conceito descrito por Sérgio Pinto Martins, de que a coisa julgada formal trata da “preclusão máxima”,
em face da incapacidade de reforma da matéria já decidida, impossibilitando o seu reexame. (MARTINS, 2010, p. 385).
Enquanto a coisa julgada material, para Carlos Henrique
Bezerra Leite, trata exatamente da sentença, que resolve o processo com apreciação do pedido, acolhendo-o total ou parcialmente, que transita em julgado [...]. (LEITE, 2010, p. 662).
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Finalizando, Carlos Henrique Soares entende que a imutabilidade e a indiscutibilidade atingem tanto a coisa julgada formal
quanto a material, destacando como diferencial o capítulo que
trata da especificidade de cada uma, em que: A sentença que
julga questões processuais apenas se torna imutável e indiscutível dentro de um processo; enquanto a sentença que julga o
mérito torna-se imutável e indiscutível dentro e fora do processo, impedindo que a matéria possa ser reapreciada em outro
processo. (SOARES, 2009, p. 120).
Outro dispositivo legal de grande importância, vital para afirmação de nosso posicionamento quanto à relativização da coisa
julgada, é o art. 884, § 5º, da Consolidação das Leis Trabalhistas,
que, de forma categórica, prima pela não exigibilidade do título
judicial, que tenha sido fundamentado em uma norma inconstitucional: Art. 884, §5º – Considera-se inexigível o título judicial
fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais
pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas como incompatíveis com a Constituição Federal.
Trata-se do não cumprimento do recolhimento de um título
judicial, cujo fundamento de validade tenha sido uma lei ou ato
normativo declarado, a posteriori, inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Outra hipótese seria mediante uma interpretação divergente da Carta Magna, incompatível com o ordenamento pátrio.
Podemos entender como uma medida de segurança para as
decisões, ressalva presente no texto laboral, cujo entendimento deva ser aplicado quanto ao futuro, precisamente quando a
fundamentação originária acaba por perder a sua sustentação10,
qual seja, o fundamento de validade constitucional.
Uma vez traçados os principais pontos da res judicata no
âmbito civil e trabalhista, voltamos a analisar o questionamento
inserido no início deste estudo, com o fim de aferir se realmente
estamos no caminho correto: a coisa julgada pode ser modificada no âmbito trabalhista?
Pode-se perceber que reunimos informações importantes,
realmente necessárias para a compreensão desta problemática,
contudo, acreditamos que a resposta deve levar em consideração a possibilidade de revisão do decisum, em face de sua possível inconstitucionalidade, da presença de vícios proces­suais
que possam ter ocorrido no decorrer da lide trabalhista ou de
interpretações incompatíveis com o Texto Maior.
A solução deve passar, obrigatoriamente, pela análise constitucional, assim como também estabelecer uma linha de raciocínio perante a relativização do caso julgado, e somente após
estas avaliações teremos subsídios suficientes para almejarmos
a garantia pretendida.
4 ANÁLISE CONSTITUCIONAL DA COISA JULGADA TRABALHISTA
Sinônimo de segurança jurídica e fim da possibilidade de
rediscussão da lide, a coisa julgada representa a garantia da definitividade dos julgados, e, uma vez estando revestida do caráter
constitucional, possibilita a certeza de não mais ser discutida a
demanda originária.
Indaga-se como é possível manter todas essas possibilidades de certeza, se no decorrer do processo ocorrerem vícios
fundamentais, capazes de tornar a sentença prolatada nula?
Para melhor visualização de tal indagação, suponhamos
que uma lei tenha sido utilizada para a resolução de uma lide,
servindo de base para fundamentação e
elaboração de uma sentença, exaurindose todas as possibilidades recursais,
transitando em julgado. Com o decorrer
do tempo, o Supremo Tribunal Federal
declare esta mesma lei inconstitucional.
Diante dessa situação hipotética,
porém perfeitamente possível, podemos
entender que o caso julgado deva ser novamente discutido? E quanto aos efeitos
jurídicos gerados ao tempo de sua validade, devem ser ignorados?
De acordo com o entendimento do
próprio texto celetista (precisamente art.
884, § 5º), o qual sustenta pela inexigibilidade do título judicial, desde que fundado em lei ou ato normativo declarado
inconstitucional pelo Supremo Tribunal
Federal ou cuja interpretação não esteja
adequada com o ordenamento Pátrio,
sim. Neste sentido, trazemos o acórdão
do Tribunal Regional do Trabalho do Estado de Minas Gerais:
EMENTA- TÍTULO EXECUTIVO INEXIGÍVEL – § 5º, DO ART. 884, DA C.L.T.
– COISA JULGADA – DESCONSTITUIÇÃO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
DO TRABALHO – CONTRATO ADMINISTRATIVO – A coisa julgada pode
ser desconstituída. E o remédio jurídico
adotado pelo legislador, até então, era a
ação rescisória cujas hipóteses de cabimento foram todas elas definidas e limitadas. Nas hipóteses de seu cabimento
compreendiam-se violações de natureza constitucional ou infraconstitucional
(“violar literal disposição de lei”, art. 485,
V, do C.P.C.). Todavia, em se tratando
de questões constitucionais o legislador
fez uma nova opção, tornar inexigível
o título judicial sempre que a decisão
transitada em julgada se conformasse
em “lei ou ato normativo declarados
inconstitucionais pelo Supremo Tribunal
Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal” (§ 5º, do art. 884, da
C.L.T.). Nesses casos o manejo da ação
rescisória não mais será necessário.
O título judicial transitado em julgado,
não produzirá seus efeitos, autorizada,
assim, a sua desconstituição pelo próprio juízo da causa. Se os dois institutos
se equivalem, ambos desconstituem o
título judicial, não se pode negar, também, que a eles deve se dar os mesmos
efeitos:os dois juízos o rescindendo e o
rescisório. Por certo que, hipóteses há
em que além de desconstituir a coisa
julgada (juízo rescindendo) o órgão
julgador deve proferir novo julgamento
da causa (juízo rescisório), situações
que devem compreender, também, na
hipótese de inexigibilidade do título judicial. Na espécie, o que se apura é que
o título judicial conformou-se por juízo
incompetente. Não em face de violação
a lei ordinária, mas em razão de interpretação incompatível com a Constituição da República, conforme vem proclamando o Excelso Supremo Tribunal
Federal – em se tratando de contrato de
natureza jurídico-administrativa a Justiça do Trabalho não tem competência
para conhecer e julgar a reclamação
-, daí, a inexigibilidade do título – juízo
rescindendo -, a coisa julgada encontrase desconstituída. Todavia, em se tratando de incompetência, cabe ao juízo
anular todo o processo, desde a citação
inicial e, declarar a incompetência da
Justiça do Trabalho e determinar a remessa dos autos, ao juízo competente
(juízo rescisório). (TRT- MG – 009050054.2008.5.03.0057 AP; 9ª. TURMA; Rel.:
ANTONIO FERNANDO GUIMARÃES;
Pub.: DJMG 25 nov. 2009).
O julgado não deixa dúvidas quanto à possibilidade de rediscutir-se a
coisa julgada, desde que a sentença
esteja amparada pela inconstitucionalidade ou pela interpretação diversa do
Texto Legal, devendo, necessariamente, buscar o amparo legal, capaz de
satisfazer esta necessidade.
Carlos Henrique Soares12.
O entendimento abaixo retrata um
caso em que houve um vício no decorrer
da fase de conhecimento, ainda na citação da parte, não sanado em tempo e
modo, ocasionando o julgamento da lide
pelo juiz a quo à revelia do reclamado.
AÇÃO RESCISÓRIA – CITAÇÃO.
Nos termos do art. 841, § 1º da CLT, a
citação no processo do trabalho é feita
mediante notificação postal, expedida
automaticamente para o endereço do
reclamado fornecido pelo reclamante e
constante da petição inicial, não havendo necessidade de que a citação ou a
intimação sejam pessoais, efetuados na
pessoa do reclamado ou de seu representante legal, presumindo-se recebida
a notificação 48 horas após a sua regular expedição, sendo ônus da prova do
destinatário, o seu não recebimento ou
a entrega após o decurso desse prazo
(Súmula 16/TST). 2 – O litigante tem direito constitucional ao devido processo e
à ampla defesa (art. 5º, incs. LIV e LV),
impedindo a ausência de citação válida
e regular a formação da relação processual, tornando nulos todos os atos
do processo, que exigem a triangulação
legítima. 3 – Comprovado que a autora vive em estado vegetativo há mais
de quatro anos, tem-se que a citação
para audiência inaugural, recebida pelo
porteiro do edifício, não se aperfeiçoou,
restando violados os artigos 5º, incs. LIV
e LV da CF, 841 da CLT e 218 e 247 do
Código de Processo Civil. 4 – Ação Res-
63
Sinônimo de segurança jurídica e fim da possibilidade de
rediscussão da lide, a coisa julgada representa a garantia da
definitividade dos julgados, e, uma vez estando revestida do
caráter constitucional, possibilita a certeza de não mais ser
discutida a demanda originária.
Devemos atentar para outros institutos capazes de provocar uma nova
apreciação do julgado, como a ação
rescisória11, que visa à possibilidade de
ver, novamente, a discussão da matéria
já transitada em julgado, porém com a
ressalva da obediência ao prazo decadencial de dois anos a contar do próprio
trânsito em julgado ou que esteja munida de vícios processuais, como descritos
no rol taxativo do art. 485 do Código de
Processo Civil, muito bem resumidas por
cisória a que se julga procedente para
rescindir a r. sentença e, em juízo rescisório, anular todos os atos praticados
a partir da citação, determinando seja
designada nova data para a audiência
inaugural, com regular intimação da autora na pessoa de sua curadora. (TRTMG – 01074-2009-000-03-00-3; 2ª. SDI;
Rel.: MARIA LÚCIA CARDOSO DE MAGALHÃES; Pub.: DJMG 25 jun. 2010).
A rescisória foi provida, anulando todos os atos processuais produzidos até
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então, rescindindo a sentença proferida e designando uma nova
audiência inicial, justamente porque os elementos caracterizados
desta estavam presentes, qual seja, a observação quanto ao prazo
decadencial de dois anos e a presença de vícios processuais.
O outro instituto capaz de provocar a rediscussão da coisa
julgada, de origem no Direito Romano, apresenta divergências
importantes, destacando-se, como ponto de distinção da ação
rescisória, a não obediência a um prazo legal para sua interposição: trata-se da querela nullitatis13. Fredie Didier ressalta os
aspectos pertinentes, como a diferença da ação rescisória não
só pela hipótese de cabimento, mais restrita, como também
por ser imprescritível e deve ser proposta perante o juízo que
proferiu a decisão. (DIDIER JUNIOR, 2007, p. 237).
A decisão pelo caráter inconstitucional da
norma respectiva é atribuída ao efeito erga
omnes, se voltado para toda a sociedade e não
somente para as partes envolvidas no processo,
o que torna a segurança jurídica, mais uma vez,
o ápice desta discussão.
cessar e julgar a presente ação, determinando o retorno dos
autos à Vara de origem para o processamento do feito. (TRTPR-26716-2007-005-09-00-4 – ACO – 36837-2009-1A. TURMA;
Rel.: UBIRAJARA CARLOS MENDES; Pub.: DJPR 27 out. 2009).
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO
– “QUERELA NULLITATIS”. CABIMENTO. Somente em casos
excepcionais, o direito processual, embora sem previsão legal
expressa, a fim instrumentalizar o direito de ação assegurado
constitucionalmente, admite a ação de nulidade denominada
“querela nullitatis”, cuja pertinência diz respeito a decisões inexistentes ou absolutamente nulas, que não se convalidam em
face de vícios insanáveis, que podem ser arguidos a qualquer
tempo. (TRT-SC-0000474-64-2010-12-0000. Rel.: LOURDES
DREYER; Pub.: TRTSC/DOE 07 jul 2010).
De fato, trata-se de dois institutos capazes de rever a matéria já transitada em julgado, uma vez que a preocupação da
declaração de inconstitucionalidade por parte do Supremo Tribunal Federal tem provocado sérias discussões, não só para a
segurança das decisões no âmbito da Justiça do Trabalho, mas
em todos os outros ramos jurídicos.
4.1 ANÁLISE CONSTITUCIONAL DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA
JULGADA NO ÂMBITO TRABALHISTA
64
Carlos Henrique Soares observa também a divergência entre os dois institutos: A não garantia da legitimidade processual
não autoriza o ajuizamento da ação rescisória, pois as hipóteses previstas no art. 485 do Código de Processo Civil não podem ser interpretadas extensivamente. No entanto, a discussão
sobre a legitimidade tem seu cabimento na querela nullitatis,
que se desenvolve, no direito brasileiro, pelo procedimento ordinário, no juízo de primeiro grau. Até porque, a pretensão que
fundamenta a querela nullitatis é diversa da ação rescisória.
Nesta, o que será discutido é, justamente, se houve a garantia
do contraditório; se o procedimento atendeu ao princípio da
finalidade; e ainda, se não causou prejuízos as partes, conforme dispõe o artigo 249, parágrafos 1º e 2º do Código Processo
Civil brasileiro. (SOARES, 2009, p. 249).
No âmbito trabalhista, a possibilidade da utilização desta
via de análise da coisa julgada é perfeitamente possível, sem
qualquer impedimento a respeito, conforme se percebo do posicionamento jurisprudencial abaixo:
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE ABSOLUTA OU
INEXISTÊNCIA DE SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO.
COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL ADUZIDA EM “QUERELA NULLITATIS”. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU DESTA ESPECIALIZADA. O presente feito trata-se
de ação declaratória de inexistência ou nulidade absoluta de
sentença transitada em julgado, baseada em inconstitucionalidade, ou seja, é a denominada “querela nullitatis”. Envolve,
no entanto, nova ação de conhecimento, cujo objeto é o exame de inconstitucionalidade da decisão judicial transitada em
julgado. Portanto, o Juízo ordinário não reaprecia questão já
decidida por órgão superior, mas analisa possível violação à
Constituição Federal. Não cogita, por conseguinte, de afronta à hierarquia funcional judicial. Assim, competente o Juízo
de primeiro grau para analisar a presente “querela nullitatis”.
Recurso da autora que se dá provimento para declarar a competência do primeiro grau desta Justiça Especializada para proRevista CEJ, Brasília, Ano XVI, n. 56, p. 59-70, jan./abr. 2012
Paulo Otero foi, sem dúvida, o principal precursor da possibilidade da relativização da coisa julgada, despertando o interesse de vários estudiosos sobre o tema, principalmente no que
pertine às decisões inconstitucionais que não mais comportem
possibilidade de recurso.
Destaca a importância da defesa da segurança jurídica e do
interesse social, justamente para a conservação da ordem pública, em face da possibilidade de uma carga maciça de ações,
apesar de estas mesmas decisões serem resultados da aplicação
concreta da norma.
A ideia da defesa da segurança e certeza da ordem jurídica constituem princípios fundamentadores de uma solução
tendente a limitar ou mesmo excluir a relevância da inconstitucionalidade como factor autônomo de destruição do caso
julgado. No entanto, se o princípio da constitucionalidade
determina a insusceptibilidade de qualquer ato normativo inconstitucional se consolidar na ordem jurídica, tal facto poderá
fundamentar a possibilidade, senão mesmo a exigência de
destruição do caso julgado desconforme com a Constituição.
(NASCIMENTO, 2005, p. 16/17).
Observe que a Carta Magna prima pela segurança jurídica,
destacando o art. 5º, inc. XXXVI, o qual prevê que a lei não
prejudicara o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada, justamente para preservar a garantia da ordem jurídica
brasileira. No entanto, a inteligência aplicada parte do princípio
de que todas as normas estão revestidas do caráter constitucional, cujo fundamento de validade fora respeitado.
Entretanto, a questão fatal gira em torno da norma que venha a se tornar inconstitucional, mas que já tenha gerado efeitos ao tempo que esteve em pleno gozo de validade, servindo
de base jurídica para outras tantas decisões já transitadas em
julgado. A inconstitucionalidade da coisa julgada pode ocorrer
também em face de decisões nas quais não foram observados
o devido processo legal14, o contraditório15 e ampla defesa16,
garantias fundamentais e de aplicação imediata, previstas no art.
5º, incs. LIV e LV, da Constituição Federal
de 1988.
Alexandre de Morais, importante
constitucionalista, esclarece que a inconstitucionalidade de uma lei terá efeito
ex tunc, ou seja, irá retroagir até o momento de sua promulgação, anulando
todos os atos dali originados: Declarada
a inconstitucionalidade da lei ou ato
normativo federal ou estadual, a decisão terá efeito retroativo (ex tunc) e
para todos (erga omnes), desfazendo,
desde sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as
consequências dele derivadas, uma vez
que os atos inconstitucionais são nulos
e, portanto, destituídos de qualquer
carga de eficácia jurídica, alcançando
a declaração de inconstitucionalidade
da lei ou do ato normativo, inclusive, os
atos pretéritos com base nela praticados
(efeitos ex tunc). Assim, a declaração
de inconstitucionalidade decreta a total
nulidade doa atos emanados do Poder
Público, desampara as situações constituídas sob a égide e inibe – ante a sua
inaptidão para produzir efeitos jurídicos
válidos – a possibilidade de invocação
de qualquer direito. (MORAES, 2004,
p. 646/647).
Entretanto, Alexandre de Moraes
também explica que, ao ser declarada a
inconstitucionalidade de uma lei, o Supremo Tribunal Federal poderá restringir
os efeitos desta ou mesmo decidir que
tenha aplicação em outro momento, desde que, para tanto, obtenha decisão da
maioria (2/3) e da presença das razões
de segurança jurídica e de interesse social. (MORAES, 2004, p. 648).
O efeito atribuído a uma ação direta
de inconstitucionalidade declarada pelo
Supremo Tribunal Federal é o ex tunc,
que permite voltar ao tempo em que a
lei ou ato normativo fora promulgado, e
a partir deste momento, extinguir todos
os efeitos produzidos a partir de então,
justamente pelos vícios ali contidos, tornando-a inexistente.
A decisão pelo caráter inconstitucional da norma respectiva é atribuída ao
efeito erga omnes, se voltado para toda
a sociedade e não somente para as partes envolvidas no processo, o que torna a
segurança jurídica, mais uma vez, o ápice
desta discussão.
É preciso salientar que o princípio
da segurança jurídica se opõe à retroa-
tividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada nos sistemas
de controle difuso. Mais particularmente,
a adoção da retroatividade da decisão
de inconstitucionalidade sobre a coisa
julgada faz desaparecer, no sistema
de controle difuso, qualquer proteção à
confiança do cidadão nos atos do Poder
Judiciário. [...] Sem coisa julgada não há
como falar em discurso jurídico e, por
consequência, em Estado Democrático
de Direito. A regra formal do discurso
jurídico contida na coisa julgada é, sem
dúvida, parte estruturante do Estado Democrático de Direito. (MARINONI, 2010,
p. 87, 184).
Deve ficar claro que uma norma
inconstitucional é uma norma inexistente, cujos efeitos devem ser abolidos do
ordenamento pátrio, justamente porque
vão de encontro à Norma Maior, e cujo
fundamento de validade não foi retirado
daquele, sendo proveniente de lugar nenhum, assim como os seus efeitos.
Mesmo que uma lei ou instrumento normativo venha ser objeto de ação
direta de inconstitucionalidade, uma vez
transitada em julgado, não só a ação rescisória17 (art. 485, CPC), como também a
querela nullitatis tornam-se importantes
ferramentas para impugnar tal decisão.
ção são inválidas; o caso daí resultante,
consequentemente, encontrando-se ferido de inconstitucionalidade, é também
inválido. (SOARES, 2009, p. 133).
Com base nessa argumentação, os
ensinamentos de Paulo Otero primam
pelas situações que iriam gerar a inconstitucionalidade, que podem muito bem
ser estendidas para a ótica trabalhista:
Primeira situação: a decisão judicial
cujo conteúdo viola direta e imediatamente um preceito ou princípio constitucional; Segunda situação: a decisão
judicial que aplica uma norma inconstitucional; Terceira situação: a decisão
judicial que recusa a aplicação de uma
norma com o fundamento de que a
mesma é inconstitucional, sem que se
verifique qualquer inconstitucionalidade
da norma. (OTERO apud SOARES, 2009,
p. 134).
Pode-se entender que caberiam, na
primeira situação, decisões que afrontassem a Constituição, principalmente
aquelas em que não houve consideração ao contraditório e à ampla defesa,
ocorrendo a desobediência aos demais
incisos do art. 5º da Carta Maior e gerando o direito a indenizações mediante o
prejuízo sofrido19.
Tanto a primeira, quanto a segunda
65
As decisões trabalhistas baseadas em lei ou instrumento
normativo, declaradas pelo Supremo Tribunal Federal
inconstitucionais, devem ser novamente analisadas, tendo em
vista se encontrarem sob um manto de ilegalidade [...]
A primeira, com prazo decadencial
de 2 anos, contados do trânsito em julgado da sentença e rol taxativo das hipóteses de cabimento, com objetivo de
rescindir, romper, a cindir a sentença
como ato jurídico viciado, a segunda
sem necessidade de observar prazo decadencial. (THEODORO JUNIOR apud
SOARES, 2009, p. 242).
As decisões trabalhistas baseadas em
lei ou instrumento normativo, declaradas
pelo Supremo Tribunal Federal inconstitucionais, devem ser novamente analisadas, tendo em vista se encontrarem sob
um manto de ilegalidade18: O princípio
da constitucionalidade determina que
a validade de qualquer ato do poder
público dependa sempre da sua conformidade com a Constituição. As decisões
judiciais desconformes com a Constitui-
situação estão diretamente relacionadas
com o art. 884, § 5º, da Consolidação das
Leis Trabalhistas, ampliando a possibilidade real da relativização da coisa julgada trabalhista.
Concordamos com a valorização da
decisão com justiça, atendendo todos
os anseios constitucionais, bem como
o fundamento de validade elaborado
por Kelsen, cujo respeito é iminente, já
que a coisa julgada deve corresponder à
verdade (SOARES, 2009, p. 279). O devido processo legal forma a coisa julgada,
desde que tenha havido concordância
e respeito à Constituição, em que pese
o princípio do contraditório e da ampla
defesa.
Esta imodificabilidade ou inalterabilidade da decisão judicial fundamentase em três razões: a) esgotamento dos
Revista CEJ, Brasília, Ano XVI, n. 56, p. 59-70, jan./abr. 2012
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meios jurisdicionais de impugnação da decisão quanto à não
previsibilidade de recorribilidade; b) preclusão legal dos prazos
para interposição de recurso; e c) desistência recursal (OTERO,
1993, p. 44-45).
Paulo Otero ainda adverte que o caso julgado admite, excepcionalmente, modificação, que possa ocorrer por intermédio
de: 1º) interposição de recurso de revisão seja proferida em
processo civil ou penal20; 2º) recurso de oposição de terceiro21;
3º) ações de prestações de alimentos22; 4º) matéria criminal,
quando houver superveniência de lei penal que descriminalize um comportamento que foi objeto de condenação23; 5º) e,
por último, declaração de inconstitucionalidade de uma norma
penal que venha a favorecer o réu. (OTERO, 1993, p. 47/48).
No que diz respeito à possibilidade da formação da coisa
julgada em sentença que contraria o direito ou a Constituição,
Paulo Otero conclui que a decisão judicial contrária ao Direito
seria nula, nunca possibilitando a formação de caso julgado
(OTERO, 1993, p. 54-55). De acordo com esse entendimento,
não se mostra aceitável a convalidação da sentença que já tenha
transitado em julgado24.
Não é possível haver concordância diante de uma condenação, cujo andamento processual estava corrompido, que fora
capaz de obstaculizar a possibilidade de uma decisão justa, verdadeira e que realmente pudesse garantir a segurança jurídica,
já que não houve respeito ao devido processo legal.
Decisões que importem vícios de inconstitucionalidade não
devem ser reconhecidas como legítimas, uma vez que não há
formação da coisa julgada, justamente pelo fato de o julgamento
não estar amparado pela legalidade, logo não há de se falar em
relativização da coisa julgada neste caso, porque esta não existe.
5 ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIA
A análise jurisprudencial é de grande importância, justamente para que possamos visualizar em que sentido caminha
as decisões e para que seja possível entendermos a linha de
raciocínio adotada pelos tribunais superiores.
O devido processo legal forma a coisa julgada,
desde que tenha havido concordância e
respeito à Constituição, em que pese o princípio
do contraditório e da ampla defesa.
O saudoso Miguel Reale deixou um valioso ensinamento a
respeito desta importante fonte do conhecimento legal, tratando-a como uma forma de revelação do direito que se processa
através do exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão
harmônica de decisões dos tribunais (REALE, 2002, p. 167), deixando claro o seu grande valor como fonte do Direito.
Deve-se lembrar que decisões reiteradas sobre um mesmo
assunto podem consolidar-se com o tempo, adquirindo concretude por meio de sua uniformização, até se tornarem verdadeiras súmulas25.
O acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho de
Minas Gerais, que aborda análise da coisa julgada, em face do
reconhecimento da sua relativização, deixando clara a sua aplicabilidade, condiz exatamente com o que defendemos.
AÇÃO COLETIVA – ACORDO JUDICIAL – quitação pelo
Revista CEJ, Brasília, Ano XVI, n. 56, p. 59-70, jan./abr. 2012
extinto contrato de trabalho – ALCANCE DA COISA JULGADA.
A transação judicial em que o autor (Sindicato de Classe) dá
quitação pelo objeto do pedido e extinto contrato de trabalho
não faz emergir os efeitos da irrecorribilidade de eventuais direitos que do antigo contrato de trabalho pudessem resultar.
Isso, porque a conciliação, ainda que tenha sido feita nesses
termos, alcança apenas os pedidos veiculados na demanda
coletiva, ante a possibilidade de existirem outras parcelas em
que somente o empregado, real detentor do direito, poderia
ter noção se houve ou não exatidão no cumprimento da obrigação pelo empregador. Entendimento em sentido diverso
importaria em reconhecimento da declaração de renúncia do
direito trabalhista, o que é inadmissível, quanto mais se não
formulada pelo respectivo titular, mas sim por pessoa que o
representa em juízo, ou seja, o Sindicato de Classe. A hipótese se insere no posicionamento adotado por parte da doutrina e jurisprudência no sentido de que a coisa julgada não
pode mais ser conceituada como absoluta sempre, existindo
momentos em que sua relativização se faz necessária. (TRTMG-0000245-16.2010.5.03.0078 RO. Rel.: FERNANDO ANTONIO VIEGAS PEIXOTO; Pub.: TRTMG/DOE 12 ago 2010).
O Relator Fernando Antonio Viegas Peixoto, de forma tão
clara e objetiva, relata que o posicionamento adotado por parte
da doutrina e jurisprudência no sentido de que a coisa julgada
não pode mais ser conceituada como absoluta sempre, existindo momentos em que sua relativização se faz necessária,
torna concreta não só a possibilidade da relativização da coisa
julgada nas searas da Justiça do Trabalho, mas também pela necessidade, sob pena de estar cometendo uma grande injustiça.
(Grifo nosso)
Não defendemos que a coisa julgada deve ser, a todo custo,
suprimida, até porque entendemos a sua grande importância
para a segurança jurídica, mediante a consagração dos valores
de certeza e definitividade, principalmente em relação ao aspecto social.
Mas não podemos concordar com sentenças provenientes
da injustiça, em que impera a nulidade em face da não observância da Constituição Federal de 1988, nosso ordenamento
maior, bem como do desrespeito ao correto andamento processual e aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
A relativização da coisa julgada é uma realidade que já se
encontra presente em várias decisões dos tribunais superiores,
reafirmando a possibilidade de rever tais decisões viciadas, conforme destacamos no julgado a seguir:
AGRAVO DE PETIÇÃO – RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA – DEDUÇÃO DE PARCELAS JÁ QUITADAS – PRINCÍPIO
DO NON BIS IN IDEM – ENRIQUECIMENTO SEM CAUSAS
DOS EXEQUENTES – VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA RAZOABILIDADE – A coisa julgada é necessária
à instalação da paz social, eis que é instrumento de pacificação
dos conflitos, evitando que uma mesma ação seja instaurada
várias vezes, garantindo a resolução definitiva dos litígios que o
Poder Judiciário é chamado a dirimir. A coisa julgada é, portanto, expressão dos valores de segurança e certeza necessários
a qualquer ordem jurídica e que dá, numa relação processual,
força e autoridade especial à decisão, tornando a imutável e
indiscutível, tanto para as partes como para o Estado. Todavia,
a segurança jurídica não é suficiente para justificar a preva-
lência da coisa julgada quando essa
não se harmoniza com os princípios da
moralidade, da proporcionalidade e da
razoabilidade, pelo que, verificando-se
que uma decisão judicial está desconforme com os princípios da Constituição
Federal, não pode o Tribunal se escusar
de rever a decisão anterior, mesmo que
já tenha ocorrido o trânsito em julgado
e extrapolado o prazo da rescisória. A
coisa julgada, não obstante protegida
constitucionalmente, não pode prevalecer sobre outros valores também previstos na Carta Magna. Admitindo-se que
a coisa julgada pode se chocar com
outros princípios igualmente dignos de
proteção, é perfeitamente admissível
relativizá-la diante de outro valor merecedor de proteção. Nesse diapasão,
não seria razoável reconhecer caráter
absoluto à coisa julgada para manter
a condenação das Agravadas ao pagamento de parcelas já quitadas, sendo
incompatível com o princípio do enriquecimento sem causa a exigência de
que o devedor seja constrangido a efetivar o mesmo pagamento, em evidente
ofensa aos princípios do non bis in idem,
da moralidade, da razoabilidade e da
proporcionalidade. A indiscutibilidade
da coisa julgada não pode prevalecer
sobre a realidade, visto que o processo, quando tomado em sua dimensão
instrumental, somente tem sentido se o
julgamento estiver pautado pelos ideais
de Justiça e adequado à realidade. (TRTMG-0178400-37.1990.5.03.0015
AP.
Rel.: LUIZ OTÁVIO LINHARES RENAULT;
Pub.: TRTMG/DOE 22 jun 2009).
O Relator foi extremamente feliz em
sua conclusão, justamente por ter conseguido, em poucas linhas, expor o liame
central desta discussão, senão a real possibilidade da relativização, por meio da
análise dos conflitos entre os princípios
constitucionais.
Significa que a coisa julgada, mesmo
sob o amparo constitucional, não pode
prevalecer sobre outros princípios também consagrados pela Carta Magna. O
Judiciário não pode ignorar a possibilidade de existência de sentenças que padecem do vício da inconstitucionalidade.
Defendemos decisões cuja construção esteja sob um paradigma constitucional, nas quais se inspiram a justiça,
a verdade dos fatos, a eficácia por meio
do respeito aos princípios vigentes e a
obediência ao fundamento de validade.
O decisum foi essencial para o deslinde
da questão, resolvida de uma forma simples e objetiva, como podemos observar,
consistindo tão somente na apreciação
dos princípios, de forma pontual.
Mais uma vez, trazemos um acórdão
que reafirma a possibilidade de utilização
da relativização da coisa julgada trabalhista, mesmo mantendo o instituto da
coisa julgada, no entanto, o que nos interessa é o entendimento proposto, uma
vez que a impossibilidade partiu do não
cumprimento de alguns requisitos, eficazes para o deferimento do pleito.
da Lei 11.232/2005 (DOU 23-12-2005)
que incluiu o parágrafo único ao art.
741 do CPC. Os efeitos daquele acórdão
não são, portanto, alcançados por esses
dispositivos. A decisão do juízo do primeiro grau encontra-se em perfeita consonância com o entendimento adotado
pelo Tribunal Superior do Trabalho, no
sentido de que, ao se afastar o disposto
no art. 884, § 5º, da CLT, dá-se plena eficácia ao art. 5º, XXXVI, da Constituição,
segundo o qual a lei não pode prejudicar a coisa julgada. Recurso ordinário
da autora (UFPR) não provido. (TRTPR-07433.2008.003.09.00.1. ACO. Rel.:
Decisões que importem vícios de inconstitucionalidade não
devem ser reconhecidas como legítimas, uma vez que não há
formação da coisa julgada, justamente pelo fato de o
julgamento não estar amparado pela legalidade [...]
URP DE FEVEREIRO DE 1989
(26,05%). IMPLANTAÇÃO EM FOLHA
DE PAGAMENTO. DECISÃO JUDICIAL
TRANSITADA EM JULGADO. RELATIVIZAÇÃO. INVIABILIDADE – A controvérsia gerada reside basicamente no
seguinte fato: de um lado, há o principio da supremacia da Constituição, que
determina que os atos do poder público
busquem validade em sua conformidade com o texto constitucional; daí, decisões que violam normas constitucionais
serem inválidas. De outro lado, tem-se a
indagação do que fazer quando even­
tual decisão, mesmo desgarrada dos
princípios constitucionais, é atingida
pelos efeitos da coisa julgada, instituto
igualmente protegido pela Constituição
(art. 5º, LV). Há, nesses casos, manifesta colisão de princípios constitucionais.
Não se pode esquecer, porém, que as
hipóteses de relativização da coisa julgada são restritas, sobretudo em razão
da importância para o mundo jurídico
do próprio instituto da coisa julgada.
Encontram-se excluídas do alcance do
art. 741 do CPC e do § 5º do art. 884 da
CLT as sentenças tidas por “inconstitucionais”, cujo trânsito em julgado tenha
ocorrido em data anterior à vigência
daquelas normas. No caso em tela, é
incontroverso o trânsito em julgado do
acórdão tido por “inconstitucional” antes da vigência da Medida Provisória
2.180-35 (DOU 27-08-2001) que acresceu o § 5º ao art. 884 da CLT, bem como
EDMILSON ANTONIO DE LIMA; Pub.:
TRTPR/DEJT 06 mai 2011).
O Relator Edmilson Antonio de Lima
ressalta que as sentenças tidas como
inconstitucionais devem ser afastadas,
uma vez que não são válidas, contudo,
quando atingidas pelo efeito da coisa
julgada, o conflito de princípios se faz
presente, já que se encontram igualmente protegidos pela Constituição, daí
a necessidade de uma análise muito
mais apurada e com o devido cuidado,
em razão da segurança jurídica.
No caso em tela, encontram-se afastadas da inconstitucionalidade decisões
proferidas antes da vigência da Medida
Provisória n. 2.180-35, que acresceu o
§ 5º ao art. 884 da Consolidação das Leis
Trabalhistas, e da Lei 11.232/2005, que
também acresceu o parágrafo único ao
art. 741do Código de Processo Civil.
Situações extremamente importantes e que devem ser analisadas; no entanto, ante a impossibilidade processual
demonstrada, resta o exame do julgado
sob um novo foco, o fato de sentenças
inconstitucionais não serem consideradas como comando decisório válido,
uma vez que devem ser afastadas do
ordenamento jurídico, em que a coisa
julgada não pode se formar.
Decisões contrárias ao entendimento
da possibilidade da relativização da coisa
julgada trabalhista são interessantes para
o estudo do tema, por ser de grande
acuidade, com o intuito de entendermos
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a linha de raciocínio adotada pelos magistrados, além de demonstrar a imparcialidade existente nos tribunais, principalmente em relação ao entendimento pessoal sobre um assunto de
grande interesse da sociedade.
TÍTULO EXECUTIVO – INEXIGIBILIDADE – COISA JULGADA MATERIAL – RELATIVIZAÇÃO – Transitada em julgado a
decisão exequenda quanto ao parâmetro monetário para apuração da pensão mensal vitalícia deferida, o título executivo
impugnado se acha perfeitamente constituído, sepultado pelo
manto da coisa julgada, que tem suporte na própria Constituição da República (inc. XXXV artigo 5º), conferindo segurança jurídica às partes. E não obstante a teoria da relativização
da coisa julgada seja tema de divergência entre as Turmas
desse Regional e mesmo da doutrina, este Relator está entre
aqueles que se opõem à sua aplicação, não admitindo nova
discussão daquilo que já foi decidido pela sentença transitada
em julgado, salvo nos casos de cabimento de Ação Rescisória.
Primeiro, porque a coisa julgada é uma garantia constitucional
fundamental, inserida no rol das cláusulas pétreas (art. 5º, inc.
XXXVI), a qual imprime concretude ao princípio da segurança
jurídica, promovendo estabilidade nas relações sociais na medida em que torna imutável e indiscutível a sentença transitada
em julgado. O segundo óbice estaria na legislação processual,
que veda a qualquer juiz que aprecie questões já resolvidas,
relativas à mesma lide ou que se aprecie em processo posterior, ao que se formou a coisa julgada, matérias já deduzidas
ou que poderiam ter sido oportunamente deduzidas, conforme
artigos 471 e 474 do CPC, decorrendo daí a impossibilidade de
se discutir o que tiver transitado em julgado. Há que considerar, ainda, que a coisa julgada no nosso ordenamento jurídico
já é mitigada pelo instituto da Ação Rescisória, nas hipóteses
preceituadas no art. 485 do CPC, atendendo-se as outras exigências tuteladas pela ordem constitucional. Nega-se provimento ao Agravo de Petição interposto pela executada. (TRTMG-121400-50.2006.5.03.0102 AP. Rel.: JULIO BERNARDO DO
CARMO; Pub.: TRTMG/DOE 06 dez 2010).
O posicionamento do relator, personalíssimo conforme
confessado, deixa claro que o tema é de grande divergência entre as Turmas da própria casa e até mesmo na doutrina. Porém,
alegar que a coisa julgada está amparada pela Constituição, e
por isso não pode ser modificada, sem antes analisar se a sentença proferida também esteja, com o devido respeito, não nos
parece solução mais adequada.
Há de se destacar que o único meio hábil para que se inicie
a formação da res judicata é a própria sentença válida, em estrita submissão aos princípios constitucionais do contraditório e
da ampla defesa, resumindo-se em uma decisão justa.
O tema é de relevância ímpar, os princípios constitucionais devem prevalecer sempre, especialmente no caso de uma
sentença proveniente de um processo tumultuado por vícios
processuais importantes, que não podem prosperar perante
nossos tribunais. Pelo contrário, devem ser abolidos, eliminados, justamente porque o seu fundamento de validade não foi
retirado da norma imediatamente superior, qual seja a própria
Constituição da República26.
6 CONCLUSÃO
Ao longo da apresentação, procurou-se enumerar todos os
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argumentos necessários para sedimentar a possibilidade real da
relativização da coisa julgada nas searas trabalhistas, tanto doutrinária como jurisprudencial.
A coisa julgada trata da concretização dos efeitos da sentença, do fim da discussão da lide e certeza da aplicação da Justiça.
De acordo com o mestre Carlos Henrique Soares, o comando
decisório válido, justo e verdadeiro será aquele que respeita o
princípio do contraditório e da ampla defesa, sobretudo para
que seja adequada a formação da res judicata.
Para que uma decisão seja justa, ela deve estar amparada
constitucionalmente; qualquer vício que a torne desamparada
deve imediatamente perder o seu efeito decisório, logo não há
formação da coisa julgada. Em outras palavras, a coisa julgada
somente se formará mediante a existência de uma sentença
constitucionalmente válida.
O desafio proposto era investigar as possibilidades de modificação da coisa julgada no âmbito da Justiça do Trabalho,
principalmente quanto a sua relativização, o que fora prontamente investigado.
A modificação seria perfeitamente possível pela utilização
da ação rescisória, conforme demonstrado, cujo objetivo principal é o de realmente rediscutir a matéria já transitada em julgado, desde que se observe o prazo decadencial de dois anos,
a contar da coisa julgada, e ainda conte com vícios processuais,
definidos no art. 485 do Código de Processo Civil.
Outra possibilidade seria ação denominada “Querela Nullitatis”, de origem romana, que não possui prazo decadencial,
podendo atacar a sentença que contém errores in procedendo
(SOARES, 2009, p. 247), considerados vícios que não eram suplantados pela coisa julgada. Carlos Henrique Soares sustenta
a possibilidade de aplicação em face das decisões inexistentes,
uma vez que aquelas passíveis de nulidade devem ser atacadas
pela ação rescisória (Idem, 2009, p. 249).
Importante salientar que a validade do comando decisório
deve partir de um andamento processual condizente com os
ditames constitucionais, em que deva ser observado o princípio
do contraditório e da ampla defesa, bem como os demais princípios constitucionais.
Também é possível pela utilização de uma ação simples,
cujo rito processual seja o ordinário, dirigida ao juízo de primeira instância, mediante pedido da relativização da coisa julgada
trabalhista, como demonstra-se, em face da previsão celetista,
ou, de forma mais ampla, pelo embate entre os princípios, cujo
amparo constitucional seja comum.
Alertamos que a coisa julgada não deve sobrepor-se à realidade, tampouco ser sempre considerada como incondicional,
visto que os ideais de justiça, verdade e segurança jurídica devem ser defendidos e motivados a todo custo, com objetivo
de alcançar a legitimidade das decisões e a certeza da garantia
constitucional.
NOTAS
1 Não aspiro às galas de inovador, pois que, em Direito, as construções vãose alteando umas sobre as outras, sempre com o amparo no que foi dito,
explicado, legislado e decidido. Ninguém se abalança a efetuar um estudo
qualquer, sem humildemente reportar-se ao que foi exposto pelos doutos
e melhor dotados. (PEREIRA, 2002, p. 10).
2 A coisa julgada é instituto cuja função é a de estender ou projetar os efeitos
da sentença indefinidamente para o futuro. Com isso, pretende-se zelar
pela segurança extrínseca das relações jurídicas, de certo modo em com-
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10 11 12 13 plementação ao instituto da preclusão, cuja função primordial é garantir
a segurança intrínseca do processo, pois que assegura a irreversibilidade
das situações jurídicas cristalizadas endoprocessualmente. Esta segurança
extrínseca das relações jurídicas gerada pela coisa julgada material traduzse na impossibilidade de que haja outra decisão sobre a mesma pretensão.
(WAMBIER; MEDINA, 2003, p. 21).
Seja qual for o fundamento, o certo é que a coisa julgada deve existir,
para a segurança de todos ante a possibilidade de eternização das lides e
incertezas quanto às relações jurídicas [...] (BAZILONI, 2004, p. 17).
[...] a definição de coisa julgada envolve algo mais que a simples soma
de seus termos, pois representa um conceito jurídico que qualifica uma
decisão judicial, atribuindo-lhe autoridade e eficácia. Trata-se, em suma,
daquilo que, para os alemães, é expresso por Rechtskraft, ou seja, direito e
força, força legal, força dada pela lei (PORTO, 1996, p. 52).
Constitui erro de lógica definir a autoridade da coisa julgada como efeito
da sentença. A Lei confere efeitos à sentença ainda antes que passe em
julgado; mesmo prescindindo da possibilidade da execução provisória que
o juiz pode atribuir a sentença primeira instância. [...] A autoridade da coisa
julgada não é o efeito da sentença, mas sim, modo de manifestar-se e
produzir-se dos efeitos da própria sentença, algo que a esses efeitos se
acrescenta para qualificá-los e reforçá-los em sentido bem determinado.
Não se identifica ela, simplesmente, com a definitividade e intangibilidade
do ato que pronuncia o comando; é, pelo contrário, uma qualidade mais
intensa e mais profunda que reveste o ato também em seu conteúdo, tornando, assim, imutáveis, além do ato em sua existência formal, os efeitos,
quaisquer que sejam, do próprio ato. (SOARES, 2009, p. 61).
Lembrando que a sentença, quando passível de recursos, não se reveste
da coisa julgada, justamente por ainda haver possibilidade de modificação,
conforme determina o art. 467 do Código de Processo Civil.
Carlos Henrique Bezerra Leite entende que este artigo não aborda simplesmente elementos qualificadores da sentença, capazes de identificar a
coisa julgada, mas também um pressuposto da relação processual. (LEITE,
2010, p. 661).
A coisa julgada vem do latim res judicata, que tem o sentido de bem julgado.
Objetivo é zelar pela segurança das relações jurídicas para que os efeitos da
sentença possam ser projetados para o futuro. (MARTINS, 2010, p. 385).
Assim, a autoridade da coisa julgada é, justamente, determinar a impossibilidade de a parte à qual se denegou o bem da vida poder reclamar, bem
como garantir à parte a quem se reconheceu o bem da vida não apenas
o direito de consegui-lo, mas ainda, de não sofrer ulteriores contestações
a esse direito e esse gozo. O limite objetivo da coisa julgada consiste em
não admitir que o juiz, num futuro processo, possa, de qualquer maneira,
desconhecer ou diminuir o bem reconhecido no julgado anterior. O que
determina os limites objetivos da coisa julgada é a demanda de mérito da
parte autora. (SOARES, 2009, p. 47).
É preciso observar que a sentença deve transitar em julgado, uma vez que,
existindo possibilidade recursal, não há exigibilidade do cumprimento da
declaração sentencial.
A ação rescisória é uma ação especial, que tem por objeto desconstituir ou
anular uma decisão transitada em julgado, por motivo da existência de vícios em seu bojo. Deve-se destacar que ação rescisória é ação e não recurso. [...] tem natureza declaratória e constitutiva. Declaratória porque declara
a existência de dada relação jurídica ou a autenticidade ou falsidade de
determinado documento obtido, que foi objeto de exame na antiga decisão. Será, ainda, declaratória quando entender incabível a ação rescisória.
Constitutiva porque cria, extingue ou modifica dada relação jurídica a partir
do momento em que for proferida a decisão na rescisória. A ação rescisória será constitutiva quando acolher o pedido do autor. Será constitutivonegativa quando rejeitar a pretensão do autor. São, assim, proclamadas as
nulidades que podem ser sanadas, mediante novo julgamento. Tem, nesse
aspecto, natureza desconstitutiva. (MARTINS, 2010, p. 495).
As hipóteses de cabimento da ação rescisória estão dispostas no art. 485
do Código de Processo Civil brasileiro. Assim, é possível a rescisão da sentença definitiva, transitada em julgado, em que houve: a) prevaricação,
concussão ou corrupção do juiz da causa; b) juiz impedido ou absolutamente incompetente; c) dolo da parte vencedora em detrimento da parte
vencida, ou conluio com objetivo de fraudar a lei; d) ofensa à coisa julgada;
e) violação literal à disposição de lei; f) baseada em prova, cuja falsidade
tenha sido apurada em processo criminal, ou seja, provada na própria ação
rescisória; g) fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação
em que se baseou a sentença; h) documento novo, depois da sentença,
cuja existência a parte ignorava ou do qual não pode fazer uso, capaz, por
si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável. (SOARES, 2009, p. 243).
No direito romano criou-se a possibilidade de atacar as sentenças que
contivessem error in procedendo. Tal possibilidade recebeu o nome de
querela nullitatis. (SOARES, 2009, p. 247).
14 O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando
tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no
âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estadopersecutor e plenitude de defesa [...]. (MORAES, 2004, p. 124).
15 O que garante a formação da coisa julgada constitucional é exatamente a
observância do contraditório. (SOARES, 2009, p. 277).
16 Entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer
a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário [...].
(MORAES, 2009, p.125).
17 Após o término do processo, com o surgimento da coisa julgada material, a
decisão judicial somente pode ser desfeita por meio da ação rescisória (art.
485 do CPC). A coisa julgada material faz com que o defeito que poderia
levar à invalidação da decisão transforme-se em hipótese de rescindibilidade. Transcorrido in albis o prazo decadencial para a propositura de ação
rescisória (dois anos, art. 495 do CPC), a decisão judicial, por defeituosa
que seja, não mais poderá ser desfeita. (DIDIER JUNIOR, 2007, p. 236).
18 A coisa julgada constitucional, para corresponder à verdade e garantir
a segurança jurídica, deve ser obtida através de um processo legítimo.
(SOARES, 2009, p. 280).
19 Portanto, a inconstitucionalidade da decisão judicial pode gerar o direito de
indenização, desde que, obviamente, constitua fonte de prejuízos ou viole
os direitos e liberdades e garantias das pessoas (OTERO apud SOARES,
2009, p. 138).
20 No Brasil, o recurso de revisão português é chamado de “revisão criminal”,
quando se tratar de matéria afeta ao âmbito penal, e de “ação rescisória”,
quando se tratar de matéria afeta ao âmbito cível. Lembramos ainda que,
em matéria penal, não existe prazo para a interposição da revisão criminal
e, em matéria cível, existe prazo para sua interposição, que é de 2 anos a
contar do trânsito em julgado da decisão de mérito.
21 No Brasil é o chamado “recurso do terceiro prejudicado”.
22 No Brasil, também as decisões sobre a natureza alimentar não fazem coisa
julgada, permitindo sempre sua revisão, quando a necessidade do alimentando ou a possibilidade do alimentante vier a ser modificada.
23 No Brasil, há também a retroatividade in bonam partem.
24 A segurança e certeza jurídicas inerentes ao Estado de Direito são insuficientes para fundamentar a validade de um caso julgado inconstitucional. (OTERO, 1993, p. 60).
25 Os recursos ordinários e extraordinários ao Supremo Tribunal, por exemplo, vão estabelecendo a possível uniformização das decisões judiciais,
tendo partido de nossa mais alta Corte de Justiça a iniciativa de coordenar ou sistematizar a sua jurisprudência mediante análises enunciados
normativos que resumem as teses consagradas em reiteradas decisões.
São as “súmulas” do Supremo Tribunal e do Superior Tribunal de Justiça,
que periodicamente vêm sendo atualizadas, constituindo, não um simples
repertório de ementas e acórdãos, mas sim um sistema de normas jurisprudenciais a que as Cortes, em princípio, subordinam os seus arestos.
(REALE, 2002, p. 175).
26 Não é possível, no entender de Kelsen, existir decisão judicial ilegal ou inconstitucional. O pressuposto para se ter decisão judicial é que esta tenha
como requisito de validade uma norma hierarquicamente superior que
possibilite a sua validade. É impossível a existência de decisões judiciais
ilegais ou inconstitucionais, pois, se isso acontecesse, desapareceria a unidade do sistema de normas que se exprime no conceito de ordem jurídica
(ordem do direito). (SOARES, 2009, p. 161).
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Artigo recebido em 16/11/2011.
Artigo aprovado em 26/12/2011.
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Carlos Henrique Soares é professor de Direito Processual Civil
da PUC-Minas, em Belo Horizonte-MG.
Cristiano Paulo de Oliveira é advogado em Belo Horizonte-MG.
Revista CEJ, Brasília, Ano XVI, n. 56, p. 59-70, jan./abr. 2012
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