A Pesquisa Médica em Seres Humanos, a Não-Maleficência e a Auto-Experimentação Homeopática Ítalo Astoni 1. Pesquisa Médica em Seres Humanos • A pesquisa médica em seres humanos, desde um passado não muito recente, tem sido revestida de significativos abusos em relação aos seus sujeitos participantes. (HOSSNE, 2006a). Por pesquisa em seres humanos compreendese aquela que, individual ou coletivamente, os envolva de forma direta ou indireta, na totalidade ou na parte, incluindo o manejo de informações ou materiais. (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE (Brasil), 1996a). Por sujeito da pesquisa entende-se o participante pesquisado, individual ou coletivamente, de caráter voluntário, vedada qualquer forma de remuneração. (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE (Brasil), 1996b). • Estes excessos, geralmente, são frutos da relativização do valor do Homem, da sua desconsideração e falta de deferência pelos outros da mesma espécie, podendo mesmo constituir-se em crimes contra a Humanidade, a exemplo do ocorrido na Alemanha nazista. (OLIVEIRA, 2007a). • Como reação a estas violações, tornou-se imprescindível o aparecimento e a aplicação de várias concepções que revalorizassem o ser humano, dentre as quais, destacamos: A visão Kantiana da pessoa como um fim em si mesmo, e não como meio ou instrumento, promotora de respeito per si e entre si. (KANT, 1965). O conceito de dignidade ontológica ou intrínseca, base do desenvolvimento e preservação dos direitos humanos. (OLIVEIRA, 2007b). A necessidade de proteção das integridades do indivíduo e do indivíduo que participa de investigações científicas. (OLIVEIRA, 2007c). A regulamentação desta proteção, limitadora de autonomia, através de documentos consensuais internacionais e de legislações específicas em cada país. (HOSSNE, 2006b). A exigência de reflexões éticas sobre a obtenção e a utilização dos resultados oriundos dos experimentos médicos. (HOSSNE, 2006c). A busca de princípios éticos básicos que fundamentassem estes experimentos e estas reflexões. (COMISIÓN NACIONAL PARA LA PROTECCIÓN DE LOS SUJETOS HUMANOS DE INVESTIGACIÓN BIOMÉDICA Y DEL COMPORTAMIENTO (Estados Unidos de la América), 1979a). • É neste contexto, portanto, que renasce e se insere a Não-maleficência, princípio ético básico que contempla, em si, todos os aspectos previamente mencionados. 2. Não-Maleficência • Conceito: 1)- “Não devemos infligir mal ou • • dano.” (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002a, p.212). Equivale à máxima latina “Primum non nocere”, que significa “Antes de tudo, não causar dano”, estando presente no juramento Hipocrático. (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002b). É um princípio universal exigido a todos por igual (GRACIA, 2001), tanto nas relações humanas quanto nas relações médico-paciente e pesquisador-paciente. • Formula-se, em um primeiro momento, como um imperativo negativo, determinando o dever ou obrigação de não infligir mal ou dano do tipo intencional. (BEAUCHAMP;CHILDRESS,2002c). Dano (FERREIRA, 2004, p.600): 1)- “Mal; 2)- Prejuízo moral ou material; 3)- Prejuízo efetivo, concreto, provado; 4)- Prejuízo possível, eventual, iminente.” Dano (CONSTANTINO, 2008a, p.99): 1)- “Mal, que pode se estender à dimensão física; 2)- Produto de uma ação ou omissão, própria ou de outrem, que trouxer conseqüências negativas à integridade física, saúde ou bem-estar da pessoa.” • Conceito: 2)- “Devemos impedir que ocorram males ou danos.” (BEAUCHAMP;CHILDRESS MODIFICADO, 2002d, p.212). 3)- “Devemos sanar males ou danos.” (BEAUCHAMP; CHILDRESS MODIFICADO, 2002e, p.212). • Nestas situações, positivamente, aborda-se o dano do tipo não-intencional, involuntário, previsto ou imprevisto, ou seja, aborda-se o risco ou possibilidade de dano, bem como sua magnitude, prevenção e reparação. • O risco de dano numa pesquisa médica nunca pode ser eliminado, sendo inevitável proteger seus sujeitos participantes. A quantidade desta proteção é a razão risco-benefício. Nela, os riscos devem ser minimizados aos indispensáveis para se atingir o objetivo da investigação, enquanto se procura maximizar os benefícios. Os riscos, sendo razoáveis e aceitáveis, necessitam ser menores que a soma de todos os benefícios. (COMISIÓN NACIONAL PARA LA PROTECCIÓN DE LOS SUJETOS HUMANOS DE INVESTIGACIÓN BIOMÉDICA Y DEL COMPORTAMIENTO (Estados Unidos de la América), 1979b). • A chance de risco pressupõe responsabilidade sobre a ocorrência do dano (CONSTANTINO, 2008b), e a não-antecipação dos mesmos é um ato de negligência.(BEAUCHAMP;CHILDRESS, 2002f). 3. Auto-Experimentação Homeopática • “Não deve ser conduzido qualquer experimento quando existirem razões para acreditar que pode ocorrer morte ou invalidez permanente; exceto, talvez, quando o próprio médico pesquisador se submeter ao experimento.” (CÓDIGO DE NUREMBERG, 1947, item 5). • Apoiando-se no conceito de sujeito da pesquisa, a investigação no ser humano pode ser classificada em Hetero e Auto-Experimentação, ou seja, em experimentação no “outro” ou em “si mesmo”. • A Auto-Experimentação Homeopática é a prova de medicamentos, visando o conhecimento direto e o uso medicinal de suas propriedades curativas, a qual o médico pesquisador se submete, voluntariamente, disponibilizando as suas próprias sensações e o seu próprio psiquismo. (CRUZ, 1999). 3.1. Características Não-Maleficentes da Auto-Experimentação Homeopática 3.1.1. Em Relação ao Outro • Ao transferir o foco da experimentação para o médico provador, protege e impede que se faça mal, intencional ou involuntariamente, ao outro, quando este experimenta por nós. • Não se utiliza de provadores enfermos, considerados vulneráveis e sofredores, respeitando-os e resguardando-os, e sim de médicos provadores avaliados como saudáveis. • Possibilita, ao médico experimentador, em sua prática clínica, por meio do conhecimento proporcionado das virtudes curativas do medicamento experimentado, o reconhecimento de sua própria semelhança, na história do paciente, o que se constitui em critério fundamental para a prescrição e o sucesso terapêuticos. O experimentador homeopata, assemelhandose ao seu paciente, através de suas próprias sensações e de seu próprio psiquismo, faz da homeopatia medicina de semelhança, de proximidade, de inclusão. 3.1.2. Em Relação ao Sujeito que Experimenta • Produz, em razão do modo de preparo da substância experimentada (dinamização e sucussão) e da minimização da dose utilizada (ultra-diluída, única, ministrada por diferentes vias de administração), sintomas ou efeitos suaves, transitórios, fugazes, muitas vezes pouco percebidos e mesmo valorizados. 4. Considerações Finais • A Auto-Experimentação Homeopática, ao transformar o médico pesquisador em um pharmakós, realiza-se como um ato de amor ao semelhante e a toda a humanidade. (OLIVEIRA, 2008). • Considerando sua capacidade não-maleficente, a Auto-Experimentação Homeopática é alternativa segura, viável, reproduzível e consistente para a pesquisa médica terapêutica em seres humanos. 5. Referências • BEAUCHAMP, T.L.; CHILDRESS, J.F. Não-maleficência. In: ______. Princípios de ética biomédica. Tradução de Luciana Pudenzi. São Paulo: Loyola, 2002. p. 209279. • COMISIÓN NACIONAL PARA LA PROTECCIÓN DE LOS SUJETOS HUMANOS DE INVESTIGACIÓN BIOMÉDICA Y DEL COMPORTAMIENTO (Estados Unidos de la América). El Informe Belmont: principios y guías éticas para la protección de los sujetos humanos de investigación, 1979. Disponível em: <http://www.esnips.com/doc/a3fa0607-8b86-4c6c-8d8dbec89beeeab2/EL-INFORME-BELMONT-Español>. Acesso em: 2 mar. 2009. • CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE (Brasil). Aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Resolução n° 196, de 10 de outubro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, 16 out. 1996. (201 - seção I): 21082-5. • CONSTANTINO, C.F. Julgamento ético do médico: reflexão sobre culpa, nexo de causalidade e dano. Revista Bioética, Brasília, v.16, n-1, p. 97-107, sem. 2008. • CRUZ, A. C. G. A Lei da Autopatogenesia, 1999. Disponível em: <http://www.physishomeopatia.com.br>. Acesso em: 5 mar. 2009. • FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3.ed. Curitiba: Positivo, 2004. 2120p. • GRACIA, D. La deliberación moral: el método de la ética clínica. Med Clin (Barc) 2001; 117: 18-23. Disponível em: <http://ocw.ehu.es/ciencias-de-lasalud/bioetica/mcomplem/gracia_deliberacion.pdf>. Acesso em: 5 mar. 2009. • HOSSNE, W.S. Bioética: pesquisa envolvendo seres humanos. In: SEGRE, M. (Org.). A Questão Ética e a Saúde Humana. São Paulo: Atheneu, 2006. p. 223-232. • KANT, I. Grundlegung Zur Metaphysik Der Sitten. Hamburg: Verlag Von Felix Meiner, 1965. • OLIVEIRA, A.A.S. Interface entre bioética e direitos humanos: o conceito ontológico de dignidade humana e seus desdobramentos. Revista Bioética, Brasília, v.15, n-2, p. 170-185, sem. 2007. • OLIVEIRA, V. A. O comportamento de pharmakós do médico homeopata na experimentação pura de substâncias medicinais simples. Belo Horizonte, Serviço Phýsis de Homeopatia do Instituto Mineiro de Homeopatia, 2008. 126 pág. Monografia apresentada para conclusão do curso de Docência em Homeopatia do Serviço Phýsis de Homeopatia do Instituto Mineiro de Homeopatia. Disponível em: <http://www.physishomeopatia.com.br>. Acesso em: 5 mar. 2009. • TRIBUNAL INTERNACIONAL DE NUREMBERG. Código de Nuremberg, 1947. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/bioetica/nuremcod.htm>. Acesso em: 5 mar. 2009. Obrigado!