PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO Gabinete da Desembargadora Federal Margarida Cantarelli APELAÇÃO CRIMINAL Nº 4637-PE (91.05.05022-7) APTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL APDO : JOSE FRANCISCO SALES DEF. DATIVO : CONCEICAO LIMA DE OLIVEIRA CORDEIRO Origem : 18ª Vara Federal de Pernambuco (Competente p/ Execuções Penais) - PE RELATORA : Desembargadora Federal MARGARIDA CANTARELLI RELATÓRIO A EXMA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARGARIDA CANTARELLI (Relatora): Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença proferida, às fls. 204/210, pela MM. Juíza Federal substituta da 7ª Vara, no exercício da 18ª Vara em Serra Talhada, Seção Judiciária de Pernambuco, que, julgando improcedente a denúncia da acusação pelo cometimento do crime de peculato, art. 312, § 1º, c/c arts. 25 e 327, bem como art. 299, parágrafo único e art. 304, todos do Código Penal, absolveu JOSÉ FRANCISCO SALES, nos termos do art. 326, inc. VI do CPP. Os presentes autos estão relacionados com a Ação Penal Originária, APN n.º 03 PE, (“escândalo da mandioca”), face à conexão dos crimes e por figurar entre os denunciados constantes nessa mesma ação, VITAL NOVAES, que era deputado estadual à época dos fatos que deram base ao persecutório. Inicialmente, foi distribuída a Ação Penal nesta Corte, por dependência, ao Desembargador Federal Orlando Rebouças, em 19.07.89 (fls. 69), por ser o relator daquela APN 03 - PE. Após sua aposentadoria, a presente APN 26 - PE, como aquela principal, ficaram afetas ao seu sucessor, Desembargador Federal José Maria Lucena, em 03.09.92 (fls. 85), sendo a esta Relatora, por fim, atribuída em 18.02.2000, fl. 146, por conta da posse dos do Desembargador Jose Maria Lucena, como Presidente deste Tribunal. Ao considerar o julgamento da referida APN nº 03 - PE, bem como o cancelamento da Súmula n.º 394 do STF e, ainda, que o acusado, aqui denunciado, não exerce qualquer cargo que lhe confira prerrogativa de foro, reconheci, conforme decisão de fls. 158/161, datada de 09.12.2002, a ausência de competência desta Corte para o processamento e julgamento do feito, determinando a baixa na distribuição e a remessa dos autos à instância do primeiro grau para prosseguimento da ação penal. Regularmente processado o feito na Seção Judiciária de Pernambuco, 18ª Vara Federal, Serra Talhada, foi proferida a sentença de fls. 204/210. Irresignado, o Ministério Público Federal interpôs apelação, com as razões de fls. 211/218. As Contra-razões apresentadas pelo defensor dativo do acusado, fls. 247/249, 1 12/ACR 4637 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO Gabinete da Desembargadora Federal Margarida Cantarelli pedem a manutenção da absolvição. Parecer do Parquet, atuante junto a esta Corte, fls. 257/262, pugna pelo provimento do recurso de apelação, por ter restado sobejamente comprovada a autoria bem como a materialidade do ato criminoso. É o relatório. Ao Exmº. Desembargador Federal revisor, nos termos do art. 29, inc. IV, do Regimento Interno, deste TRF- 5ª Região. 2 12/ACR 4637 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO Gabinete da Desembargadora Federal Margarida Cantarelli APELAÇÃO CRIMINAL Nº 4637-PE (91.05.05022-7) APTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL APDO : JOSE FRANCISCO SALES DEF. DATIVO : CONCEICAO LIMA DE OLIVEIRA CORDEIRO Origem : 18ª Vara Federal de Pernambuco (Competente p/ Execuções Penais) - PE RELATORA : Desembargadora Federal MARGARIDA CANTARELLI VOTO A EXMA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARGARIDA CANTARELLI (Relatora): O cerne da questão consiste em analisar as argüições do MPF no tocante à existência de provas nos autos que demonstram a efetiva participação do réu nos fatos delituosos apontados na peça exordial e, que tais provas, seriam suficientes para a sua condenação. Inicialmente, alega o MPF que a documentação constante nos autos, notadamente a Cédula Rural Pignoratícia, de fl. 12, fora assinada pelo réu, como também a “Comunicação de Ocorrência de Perdas”, fl. 15. Afirma o Parquet que a simples comparação das duas assinaturas seria suficiente para aferir que fora o próprio réu quem, efetivamente, apôs sua assinatura nos mencionados documentos, ao ponto de ser dispensada a perícia grafotécnica para aferir a autenticidade das assinaturas de JOSÉ SALES. A simples visualização da assinatura, por si só, seria apta a comprovar a autoria do delito. A magistrada fundamentara que a constatação das assinaturas de JOSÉ SALES constantes em documentos do Banco, não comprovaria, em si mesma, ter sido feita pelo réu, e, menos ainda, que tal prova, isoladamente considerada, tivesse o condão de respaldar uma possível conduta dolosa. No seu entendimento, haveria que existir outros elementos, consubstanciando, assim, a formação de um conjunto probatório que desse ensejo à formação da convicção da julgadora acerca da real culpabilidade do acusado, e, portanto, de sua responsabilidade, não havendo dúvida alguma sobre a materialidade do delito. Os elementos probatórios não foram suficientes para o convencimento da MM. Juíza em condenar o réu, tanto assim é que observou na fundamentação da sentença: “... caso houvesse outras provas nos autos que permitissem inferir a autoria delitiva, a ausência da perícia não seria óbice à condenação. Entretanto, na hipótese sob exame, as demais provas produzidas não trazem maiores luzes quanto à participação do acusado no delito ora transcrito.” (fl. 209). E, continuando a mencionar a dificuldade em aferir, através das provas constantes nos autos, a comprovação efetiva de ter o réu praticado os delitos mencionados na denúncia, 3 12/ACR 4637 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO Gabinete da Desembargadora Federal Margarida Cantarelli asseverou que: “De fato, como o réu foi revel, não foi possível realizar-se o interrogatório, não se sabendo qual sua versão dos fatos, bem como se ele reconhece como sua a assinatura aposta no documento de fl. 15.” (fl.209). No que tange às condições das provas testemunhais, verificara a julgadora monocrática a sua fragilidade, tecendo a seguinte observação: “Quanto às testemunhas, essas não demonstraram segurança quanto à participação do acusado no delito em tela, limitando-se a afirmar que foi efetivamente constatada irregularidade no imóvel beneficiado com o financiamento do PROAGRO”(fl.209). Aponta, ainda, o Parquet um outro argumento para ver modificada a decisão que absolveu o acusado JOSE SALES. Alude no recurso que a sentença apresenta divergência nos critérios adotados pela magistrada, que, ao julgar caso semelhante ao dos presentes autos, o fez, todavia, com resultado diferente. Nesse sentido é que, na Ação Criminal n.º 2004.83.08.000911-0, o réu Artur de Souza Lima, que respondia por crimes também conexos àquela Ação Penal 03-PE, teve contra si decretada sentença penal condenatória, a despeito de também inexistir perícia grafotécnica de sua assinatura nos mesmos mencionados documentos, razão por que juntou cópia da sentença proferida naqueles autos, constante às fls. 219/228. Entendo não poder prosperar a asserção que faz o MPF quanto a critérios diferenciados utilizados nos dois processos, mesmo sendo a hipótese de concordar ser aquele caso assemelhado a este. Primeiramente, porque, por mais parecidas que possam ser as situações, não há como criar a expectativa de que o julgador aplique a mesma pena, desconsiderando o acervo probatório de cada caso em concreto, em relação a cada um dos elementos que formam a estrutura do crime, quais sejam a tipicidade, a antijuridicidade a culpabilidade.1 Ademais, um outro pressuposto pode ser apontado para afastar a argüição de que tenha havido julgamentos díspares pela magistrada, a despeito de serem semelhantes os fatos. É que, pelo princípio do livre julgamento motivado, o Juiz não se encontra jungido a nenhum tipo específico de prova para guiar sua motivação interna, quer para condenar quer para absolver o réu, razão por que não há como se alegar terem sido adotados “critérios” diferenciados nos julgamentos em questão. Precipuamente, veja-se o que afirmara a MM. Juíza acerca do critério, ou melhor 1 BITENCOURT. Cezar Roberto. Manual de Direito Penal – Parte Geral, São Paulo : Saraiva, 2000, vol. 1, p.143. 4 12/ACR 4637 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO Gabinete da Desembargadora Federal Margarida Cantarelli dizendo, da ausência de critérios, no julgamento de JOSÉ SALES no tocante à acusação do MPF: “É bem verdade que, do conjunto probatório, presume-se a provável concorrência do denunciado para a prática da conduta delituosa. Todavia, o princípio constitucional do in dubio pro reo desautoriza qualquer condenação com respaldo em meros indícios ou presunções.” (fl. 210). Afora tudo isto, ad argumentandum tantum, há que se ponderar algumas situações que em muito vai diferir um caso do outro. O réu JOSÉ SALES foi apontado na denúncia como sendo aquele que teria emprestado o seu nome para que um outro acusado, fosse, na verdade, o real beneficiário do custeio agrícola, de forma ilícita, junto do PROAGRO – Programa de Garantia da Atividade Agropecuária - fundo rural criado com a finalidade de desonerar o produtor rural das obrigações do crédito obtido junto ao Banco do Brasil. Trata-se este outro acusado de Antônio Oliveira da Silva, conhecido como “Antônio Rico”, grande agropecuarista de Petrolina/PE. Este réu restou condenado juntamente com os demais principais participantes do “escândalo da mandioca” na ação principal - APN 03 – PE, em que muitos outros denunciados foram absolvidos, uma vez que se reconheceu a condição de “laranjas”, que no jargão policial significa pessoas utilizadas pelos principais agentes do crime como meros intermediários. No caso do “escândalo da mandioca” alguns daqueles denunciados intermediaram os empréstimos fraudulentos, sendo eles, muitas vezes, agricultores pobres da região, semi-analfabetos, ou até mesmo empregados desses mesmos grandes fazendeiros da região. Observe-se que a menção de ter sido o nome do Sr. José Sales utilizado para beneficiar Antônio Oliveira, foi ressaltada à fl. 135, quando depôs em juízo a testemunha arrolada pela acusação, o engenheiro agrônomo da EMATER, Rivaldo José Soares Rodrigues, o qual lavrou o Laudo de Vistoria nas terras onde deveriam ter sido plantadas as lavouras, objeto do custeio agrícola. No caso-paradigma mencionado pelo recorrente, cujas ilações pode-se extrair da cópia da sentença prolatada na APN 2004.83.08.00911-0, juntada às fls. 219/228, vê-se que o réu Artur de Souza Lima foi diretamente acusado do crime de peculato, sem que fosse apontado qualquer intermediário, tendo sido interrogado em juízo, confessado que fora ele quem havia realizado o empréstimo, e, em sua defesa prévia, arrolado testemunhas, as quais foram ouvidas, conforme relatório elaborado pela mesma magistrada que proferiu também aquela sentença. Todavia, tudo isto serviu de lastro à fundamentação da decisão condenatória lá exarada, que entendera que, mesmo não se encontrando assinado o documento denominado “Cédula Rural Pignoratícia”, a seu turno, a “Comunicação de Perdas da lavoura” estava com a 5 12/ACR 4637 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO Gabinete da Desembargadora Federal Margarida Cantarelli aposição da assinatura do réu Artur de Souza Lima, o que tornou possível a sua condenação, com outros elementos de provas trazidos, a despeito de não ter sido realizada a perícia grafotécnica. Observo, pois, ter inexistido qualquer discrepância no julgamento proferido, encontrando-se a sentença devidamente fundamentada, razão porque entendo deva ser mantida em todos os seus termos. Por todo o exposto, pelo improvimento do recurso. É como voto. 6 12/ACR 4637 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO Gabinete da Desembargadora Federal Margarida Cantarelli APELAÇÃO CRIMINAL Nº 4637-PE (91.05.05022-7) APTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL APDO : JOSE FRANCISCO SALES DEF. DATIVO : CONCEICAO LIMA DE OLIVEIRA CORDEIRO Origem : 18ª Vara Federal de Pernambuco (Competente p/ Execuções Penais) - PE RELATORA : Desembargadora Federal MARGARIDA CANTARELLI EMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME DE PECULATO. PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. NECESSIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE. RÉU REVEL. EQUIPARAÇÃO DE JULGAMENTOS. CASO ASSEMELHADO. CRIMES CONEXOS. ESCÂNDALO DA MANDIOCA. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. FUNDAMENTAÇÃO CONSISTENTE. PRESUNÇÕES. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. ART. 386, VI, CPP. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. Perícia grafotécnica inexistente em documentos com assinaturas atribuídas a réu revel, defendido por defensor dativo e que não entrou em contato com o acusado, inexistindo qualquer outro elemento de prova que possa vir corroborar, de forma convincente, as acusações constantes na denúncia, de cometimento de crime de peculato pelo réu. 2. Prevalência do princípio do livre convencimento motivado pelo qual o julgador profere decisão, calcada nas provas hauridas nos autos, fundamentada racionalmente, livre de qualquer imposição. 3. Manutenção da sentença absolutória, adotando-se o princípio do in dubio pro reo, já que é vedada a condenação penal com base em presunções. 4. Apelação a que se nega provimento. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CRIMINAL, em que são partes as acima mencionadas. ACORDAM os Desembargadores Federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, em negar provimento à apelação, nos termos do voto da Relatora e das notas taquigráficas que estão nos autos e que fazem parte deste julgado. Recife, 12 de setembro de 2006. Desembargadora Federal MARGARIDA CANTARELLI RELATORA 7 12/ACR 4637