PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO
Gabinete da Desembargadora Federal Margarida Cantarelli
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 865-AL (2003.80.00.011685-9)
RECTE
: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RECDO
: ANTONIO LEITE DOS REIS
Origem
: 7ª Vara Federal de Alagoas - AL
RELATORA : Desembargadora Federal MARGARIDA CANTARELLI
RELATÓRIO
A
EXMA.
DESEMBARGADORA
FEDERAL
MARGARIDA
CANTARELLI (Relatora): Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério
Público Federal contra decisão do Juízo Federal da 7ª Vara da Seção Judiciária de Alagoas
que, na Ação Criminal nº 2003.80.00.011685-9, rejeitou a denúncia contra Antônio Leite dos
Reis pela prática da conduta tipificada no art. 183 da Lei nº 9.472/97 (fls. 160/162).
O magistrado de 1º grau entendeu que o desenvolvimento clandestino da atividade
de radiodifusão, com o nome de “Rádio Matriz FM – 87,9 MHz”, não está abrangido nem
pelo tipo penal do art. 183 da Lei nº 9.472/97, nem pelo do art. 70 da Lei nº 4.117/62. Alegou,
em síntese, que a elementar “telecomunicações” não se refere ao caso de funcionamento
irregular de rádio de natureza comunitária, mesmo reconhecendo a prevalência de
entendimento contrário no Superior Tribunal de Justiça (fls. 164/169).
Em seu recurso de fls. 171/181, o MPF afirma que a Emenda Constitucional nº
08/95 não excluiu os serviços de radiodifusão do gênero maior das telecomunicações, que, a
seu ver, abrange tanto o inciso XI como o inciso XII do art. 21 da Constituição Federal. Por
conta dessa interpretação, conclui que o art. 183 da Lei nº 9.472/97, pela sua especialidade,
não incide sobre o caso de funcionamento clandestino de rádios comunitárias, pelo que
subsiste a vigência do art. 70 da Lei nº 4.117/62 (antigo Código Brasileiro de
Telecomunicações). Em virtude da suficiência dos indícios trazidos, pede o recebimento da
denúncia com a capitulação prevista no art. 70 da Lei nº 4.117/62.
Intimado para se manifestar, o recorrido não ofereceu contra-razões (fl. 198).
Em parecer ofertado no 2º grau, o MPF opina pelo provimento integral do recurso
(fls. 206/209).
Dispensada a revisão, nos termos do art. 29 do RITRF/5ª Região.
Peço a inclusão do feito em pauta para julgamento.
É o relatório.
jc
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Gabinete da Desembargadora Federal Margarida Cantarelli
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 865-AL (2003.80.00.011685-9)
RECTE
: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RECDO
: ANTONIO LEITE DOS REIS
Origem
: 7ª Vara Federal de Alagoas - AL
RELATORA : Desembargadora Federal MARGARIDA CANTARELLI
VOTO
A
EXMA.
DESEMBARGADORA
FEDERAL
MARGARIDA
CANTARELLI (Relatora): No caso em análise, o magistrado de 1º grau entendeu que há, de
fato, indícios da prática ilícita do desenvolvimento de atividades de radiodifusão comunitária.
Ao menos num juízo prelibatório, que não deve firmar uma convicção perfeita sobre a
materialidade e a autoria, é possível afirmar a possibilidade de que o ora recorrido Antônio
Leite dos Reis tenha posto em funcionamento irregular a denominada “Rádio Matriz FM –
87,9 MHz”, conforme declaração por ele prestada junto à Polícia Federal em Alagoas (fls.
53/54).
Essa menção é importante para salientar que o provimento recorrido não se
fundamenta na inexistência do fato ou na negativa cabal de autoria, mas apenas e tão-somente
na sua suposta atipicidade. Transcrevo as razões do magistrado:
Como sobejamente demonstrado, desde a Emenda Constitucional nº 08/95 a
radiodifusão não se constitui em modalidade de telecomunicação. Assim,
considerando que é circunstância elementar do tipo penal “a instalação ou
utilização de telecomunicações”, não se pode ter por aperfeiçoado o crime quando
se trata de instalação ou utilização de equipamento de radiodifusão, ainda que
ausente prévia autorização do órgão público competente.
Ainda que até a promulgação da mencionada emenda constitucional a
radiodifusão fosse espécie de telecomunicação – e, por isso, a instalação duma
rádio com as características hoje previstas no art. 1º da Lei nº 9.612/98
configurasse, em tese, o crime previsto no art. 70 da Lei nº 4.117/62 –, a
modificação conceitual dos institutos em questão alterou substancialmente essa
situação. (...)
Ter-se como configurado o crime do art. 70 da Lei nº 4.117/62 pela exploração de
serviço de radiodifusão comunitária sem autorização do Poder Público seria
desconsiderar uma elementar do tipo (“telecomunicações”), reconhecendo a
incidência da norma penal mesmo diante da ausência de concreção de um
elemento integrante do suporte fático, o que seria inadmissível.
Há, no entanto, que se acolher integralmente o entendimento esposado pelo
Ministério Público Federal em seu recurso e no parecer oferecido em 2º grau, por seus dois
fundamentos.
jc
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O primeiro deles é de que o desenvolvimento de atividade de radiodifusão
comunitária sem a autorização da ANATEL, mesmo após a edição da Lei nº 9.612/98,
continua a ser tipificado como crime. Isso porque a noção de “telecomunicações” não deve ser
tomada num sentido literal, para criar uma falsa oposição com a “radiodifusão” prevista no
art. 21, XII da CF/88.
É evidente que existe uma espécie de telecomunicação que se diferencia da idéia
de rádio, por abranger formas peculiares de transmissão de dados como, por exemplo, a
telefonia fixa e móvel, a internet e a recentíssima televisão digital. Ocorre que a legislação
anterior a 1988, que não diferenciava bem as espécies, permite que haja o enquadramento da
radiodifusão (emissão de conteúdo por meio de freqüências sonoras padronizadas) dentro do
gênero maior “telecomunicações”. Tal saída harmoniza com suficiente segurança uma questão
terminológica que, caso maximizada, pode levar à perniciosa conclusão de que as emissoras
de rádio e seus controladores não estão sujeitos a nenhuma sanção penal pelo funcionamento
irregular.
Assim, as emissoras devem submeter-se ao crivo da ANATEL para funcionar,
estando mantidas as disposições incriminadoras anteriores para o caso de descumprimento.
Nesse sentido, reporto-me a precedente do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema:
PROCESSO CIVIL - MEDIDA CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO –
LEGITIMIDADE - NECESSIDADE - RÁDIO COMUNITÁRIA SEM A DEVIDA
AUTORIZAÇÃO - ART. 70 DA LEI 4.117/62 - TIPICIDADE.
I - "Os serviços de radiodifusão devem sofrer o crivo estatal através da
fiscalização exercida pela ANATEL". (REsp nº 363281/RN, Rel. Min. ELIANA
CALMON, DJ de 10.03.2003). II - "A instalação ou utilização de rádio
comunitária, ainda que de baixa potência e sem fins lucrativos, sem a devida
autorização do Poder Público, configura, em tese, o delito previsto no artigo 70 da
Lei 4.117/62." (HC nº 19917/PB, Rel. Min. VICENTE LEAL, DJ de 19.12.2002).
III - "Seja pela via cível, seja pela via penal, pode a ANATEL acautelar-se, com o
pedido de imediata apreensão de aparelhos clandestinamente instalados, sem que
possa fazê-lo de moto próprio." (REsp nº 626774/CE, Rel. Min. ELIANA
CALMON, DJ de 13.09.2004).
IV - Recurso especial provido.
(RESP nº 628287/CE, Primeira Turma, Rel. Francisco Falcão, DJ 17/12/2004, p.
446)
Em suma, o STJ reconhece que mesmo as rádios comunitárias estão sujeitas aos
procedimentos de autorização e outorga da ANATEL, subsistindo responsabilidade criminal
nos termos da legislação anterior não revogada.
Superada essa questão, considero que o segundo fundamento do recurso
ministerial também guarda pertinência. Isso porque o réu foi denunciado nos termos do art.
183 da Lei nº 9.472/97, com seguinte redação:
jc
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Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação:
Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a
terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Por outro lado, o art. 215, I da mesma Lei, em menção expressa, manteve a
vigência da Lei nº 4.117/62 (antigo Código Brasileiro de Telecomunicações) quanto à matéria
penal não compreendida no referido art. 183 e preceitos relativos à radiodifusão.
Tal diploma deu ensejo à convivência, dentro do ordenamento, entre duas leis que
na aparência tratam da mesma matéria penal, pelo que cabe ao intérprete distinguir a
incidência de cada um dos tipos penais e enquadrar em apenas um deles o caso concreto.
Nesse sentido, entendo que os crimes de radiodifusão clandestina e manutenção
de aparelhos sem autorização oficial foram mantidos sob a égide do art. 70 da Lei nº 4.117/62,
nela inserido pelo Decreto-Lei nº 236/67, que assim dispõe:
Art. 70. Constitui crime punível com a pena de detenção de 1 (um) a 2 (dois)
anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, a instalação ou utilização
de telecomunicações, sem observância do disposto nesta Lei e nos regulamentos.
Sigo, portanto, a jurisprudência mais recente do STJ, e adoto-a como fundamento
para afirmar que há, ao menos em tese, a incidência penal sobre a conduta supostamente
praticada pelo recorrido. Transcrevo os precedentes:
CRIMINAL. RESP. RÁDIO COMUNITÁRIA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO.
LEI 4.117/62. REVOGAÇÃO PARCIAL PELA LEI 9.472/97. RADIODIFUSÃO E
MATÉRIA PENAL. INALTERABILIDADE. RECURSO PROVIDO.
I - A Lei 9.472/97 não teve efeito ab-rogatório sobre a Lei 4.117/62, mas apenas
de revogação parcial, de modo que permanecem inalteráveis os preceitos
relativos aos delitos de radiodifusão, de acordo com o constante no art. 215, I, da
Lei 9.472/97.
II – Vigente o disposto no art. 70 da Lei 4.117/62, cuja pena máxima prevista no
tipo não ultrapassa o limite do parágrafo único do art. 2º da Lei 10.259/01,
firma-se a competência do Juizado Especial Federal para o julgamento do feito.
III - Recurso provido, nos termos do voto do Relator.
(Resp nº 756787/PI, Quinta Turma, Rel. Gilson Dipp, DJ 01/02/2006, p. 602)
RHC. INQUÉRITO POLICIAL. TRANCAMENTO. RADIODIFUSÃO. FALTA DE
AUTORIZAÇÃO. EXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. LEIS NºS 9.472/97
E 4.117/62.
1 - A verificação do funcionamento dos aparelhos apreendidos é intento que
refoge aos limites estreitos do habeas corpus, por reclamar profunda
investigação probatória, devendo ser apurada no próprio inquérito policial.
2 - A Lei nº 9.472/97 não revoga, na totalidade, as disposições constantes da Lei
nº 4.117/62, restando mantidos os preceitos relativos à radiodifusão a aos crimes
pertinentes (art. 215, I), sendo inviável o trancamento do inquérito policial pois,
em tese, há crime a ser apurado.
jc
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3 - RHC improvido.
(RHC nº 9060/PR, Sexta Turma, Rel. Fernando Gonçalves, DJ 29/11/1999, p.
204)
No mesmo sentido, há precedente da Quarta Turma:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RÁDIO COMUNITÁRIA. LEI 4.117/62.
O TRIBUNAL PODE DESCLASSIFICAR A INFRAÇÃO, NOS TERMOS DO ART.
383 DO CPP, DANDO AO FATO DEFINIÇÃO DIVERSA DA QUE CONSTE DA
DENÚNCIA OU DA QUEIXA.
O funcionamento de rádio comunitária, sem a devida autorização do órgão
governamental, ainda que de baixa potência, configura o delito inserto no art. 70
da Lei 4.117/62.
Fixação da pena em 1 ano de detenção substituída por prestação de serviços à
comunidade, nos termos do art. 44, parágrafo 2º do Código Penal.
Apelações, em parte, providas.
(ACR nº 3108/PE, Quarta Turma, Rel. Marcelo Navarro, DJ 12/05/2004)
Ante o exposto, dou provimento ao recurso em sentido estrito para receber a
denúncia contra Antônio Leite dos Reis.
Retifique-se a autuação, para que a denúncia de fls. 160/162 seja encartada como
peça inicial dos autos.
É como voto.
jc
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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 865-AL (2003.80.00.011685-9)
RECTE
: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RECDO
: ANTONIO LEITE DOS REIS
Origem
: 7ª Vara Federal de Alagoas - AL
RELATORA : Desembargadora Federal MARGARIDA CANTARELLI
EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO
ESTRITO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. RÁDIO COMUNITÁRIA.
AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO. INCIDÊNCIA DO ART. 70 DA LEI Nº
4.117/62. TIPICIDADE DA CONDUTA SUPOSTAMENTE PRATICADA.
I.
Recurso em sentido estrito contra decisão que rejeitou denúncia por
entender atípica a conduta de desenvolvimento clandestino da atividade
de radiodifusão comunitária. Afastamento tanto do art. 183 da Lei nº
9.472/97 como do art. 70 da Lei nº 4.117/62, apesar do reconhecimento
de indícios suficientes da prática narrada na denúncia.
II.
As rádios comunitárias e seus controladores estão submetidos às
sanções penais previstas no art. 70 da Lei nº 4.117/62, não sendo isentas
do gênero das telecomunicações mencionado no referido dispositivo.
Precedente do STJ: RESP nº 628287/CE, Primeira Turma, Rel.
Francisco Falcão, DJ 17/12/2004, p. 446.
III.
Na hipótese de instalação de emissora de radiodifusão clandestina,
aplica-se o art. 70 da Lei nº 4.117/62, tendo em vista o art. 215, I da Lei
nº 9.472/97. Precedente do TRF/5ª: ACR nº 3108/PE, Quarta Turma,
Rel. Marcelo Navarro, DJ 12/05/2004.
IV.
Recurso em sentido estrito provido. Recebimento da denúncia.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de RECURSO EM SENTIDO
ESTRITO, em que são partes as acima mencionadas.
ACORDAM os Desembargadores Federais da Quarta Turma do Tribunal
Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, em dar provimento ao recurso em sentido
estrito, nos termos do voto da Relatora e das notas taquigráficas que estão nos autos e que
fazem parte deste julgado.
Recife, 02 de maio de 2006.
Desembargadora Federal MARGARIDA CANTARELLI
RELATORA
jc
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