Lei Federal 12651/12: pontos e
problemas
Encontro Frente Parlamentar Ambientalista da Bahia
Raul Silva Telles do Valle – Advogado, Coordenador
Adjunto Programa de Política e Direito - Instituto
Socioambiental (ISA)
Como era antes (Lei 4771/65)
• Todo imóvel deveria manter protegidas áreas
frágeis (ripárias, encostas, topos de morro,
manguezais), definidas como de
preservação permanente (APPs)
• Áreas ripárias eram protegidas de acordo
com largura do rio (entre 30 e 500m)
• Todo imóvel deveria manter protegida parte
da vegetação nativa (Reserva Legal),
independente da APP – 20%, 35% (cerrado
amazônico), 80% (floresta amazônica)
Como era antes (Lei 4771/65)
Desmatamento em APP só em casos excepcionais
(utilidade pública ou interesse social), caso
comprovada inexistência de outro local e mediante
compensação
Áreas protegidas (APP e RL) que estivessem
desmatadas teriam que ser recuperadas na
íntegra (obrigação propter rem)– conquista
jurisprudencial e depois incorporada
administrativamente
Como era antes (Lei 4771/65)
• APP era computada como parte da RL
praticamente para pequenos proprietários
(soma > 25% imóvel) e na Amazônia (soma >
80%); outros casos excepcionais
• APP teria que ser recuperada na íntegra, no
local; RL teria que ser recuperada ou
compensada (dentro da mesma microbacia e
bioma) na íntegra
• Permitia-se o uso de espécies exóticas apenas
como indutoras da restauração (RL e APP),
sumindo depois
• Não havia incentivos à restauração e poucos à
conservação
Como ficou: APPs
• É diferente de acordo com algumas
variáveis:
• a) data em que foi desmatada:
anteriores a 2008 são menores ou
inexistentes, posteriores são maiores
• b) tamanho do imóvel em que estão
inseridas: matas ciliares e nascentes
desmatadas anteriormente a 2008 terão
seu tamanho definido pelo tamanho do
imóvel, segundo gradação em módulos
fiscais
Como ficou: APPs não desmatadas
• Padrões e metragens continuam, em geral, os
mesmos da lei anterior, mas com exceções;
nenhuma inovação
• Vegetação ripária: proteção a partir do leito
regular (“a calha por onde correm regularmente
as águas do curso d’água durante o ano” art.3o, XIX) – art.4o,I
• Várzeas/Igapós: deixam de estar protegidos
automaticamente; devem ter proteção
específica por ato do Executivo, com
possibilidade de desapropriação (art.6o, III e
IX)
Como ficou: APPs não desmatadas
• Reservatórios hidrelétricos: medidas
idênticas à Resolução CONAMA 302 para
aqueles concedidos após 2001 (art.5o)
• Para reservatórios com contrato de
concessão anteriores a 2001, APP será a
diferença entre “o nível máximo operativo
normal e a cota máxima maximorum” (art.62)
– quase nada
Reservatório no rio Paranapanema
Como ficou: APPs não desmatadas
• Maior facilidade de desmatamento:
• a) hipóteses de utilidade pública e interesse
social ampliadas (aterro sanitário, estádios e
ginásios, ruas de condomínios)
• b) não é necessário, em regra, estudo que
demonstre inexistência de alternativa técnica
e locacional (art.8o)
• c) não é necessário mais compensação das
áreas desmatadas (ex. Rodoanel ou Belo
Monte)
Como ficou: APPs não desmatadas
• Áreas de inclinação > 25o < 45o: áreas de
uso restrito
• Antes: poderia fazer apenas manejo florestal
sustentável, proibido corte raso e uso
agropecuário
• Agora: “serão permitidos o manejo florestal
sustentável e o exercício de atividades
agrossilvipastoris, vedada a conversão de
novas áreas, excetuadas as hipóteses de
utilidade pública e interesse social” (art.11)
Como ficou: APPs não desmatadas
• Manguezais: lei cria diferenciação artificial
entre apicuns e salgados (estágios
sucessórios do manguezal) e manguezal
• Apicuns e salgados poderão ser ocupados
por carcinicultura e saleiras, em até
35%(Mata Atlântica) ou 20% da área
(Amazônia)
• Uso insustentável, que afeta qualidade da
água e resiliência do sistema (problema
maior que área ocupada)
Como ficou: APPs não desmatadas
• Diferenciação entre nascentes (afloramento
do lençol freático, perene, e que dá início a
um curso d'agua) e olhos d'agua
(afloramento, mesmo intermitente, que não
dá início a um curso d'agua)
• Proteção apenas às nascentes e olhos
d'agua perenes. Nascentes intermitentes
(cerrado, caatinga etc.) podem ficar sem
proteção.
Como ficou: APPs desmatadas até
2008
• Criada figura da área rural consolidada:
área com atividade agrossilvipastoril (pode
ser qualquer coisa – não está definido) ou
moradia na qual não haverá recuperação ou
haverá recuperação menor do que o
“normal”
• Permitido o pousio: áreas com até 5 anos
de regeneração (em 2008) serão
consideradas como em produção e,
portanto, passíveis de desmatamento
(art.3o, ) - qual o impacto disso?
Como ficou: APPs desmatadas até
2008
• Topos de morro e encostas > 45o: não
haverá recuperação alguma (100%
anistia). Usos responsáveis (frutíferas em
encostas por agricultores familiares) são
misturados com práticas irresponsáveis
(pastagens extensivas por grandes
produtores em encostas – art. 63)
Como ficou: APPs desmatadas até
2008
• Manguezais: permitida urbanização de
áreas já degradadas
Como ficou: APPs desmatadas até
2008
• Matas Ciliares: poderá haver alguma
recuperação, mas quase sempre menor do que
deveria ter sido protegido
• Varia de acordo com tamanho do imóvel e até
4 MF pode usar exóticas de forma permanente
(qtde a ser regulamentada)
• Até 1 MF: 5 metros ou 20% do imóvel
• 1 a 2 MF: 7 metros ou 20% do imóvel
• 2 a 4 MF: 15 metros ou 20% do imóvel
• 4 a 10 MF: 20 a 100 metros; varia com rio
• > 10 MF: 30 a 100 metros; varia com rio
Como ficou: APPs desmatadas até
2008
• Nascentes: poderá haver alguma
recuperação, mas sempre menor (15m) do
que deveria ter sido protegido (50 m de raio)
• Até 4 MF pode usar exóticas de forma
permanente (qtde a ser regulamentada)
Como ficou: APPs desmatadas até
2008
• Lagoas naturais: haverá alguma
recuperação, mas sempre menor do que
deveria haver sido protegido
• Varia de acordo com tamanho do imóvel e até
4 MF pode usar exóticas de forma permanente
(qtde a ser regulamentada)
•
•
•
•
1 MF: 5 metros ou 20% do imóvel
1 a 2 MF: 8 metros ou 20% do imóvel
2 a 4 MF: 15 metros ou 20% do imóvel
> 4 MF: 30 metros
Como ficou: APPs desmatadas até
2008
• Veredas: haverá alguma recuperação, mas
quase sempre menor do que deveria haver
sido protegido (50 metros da área brejosa)
• Varia de acordo com tamanho do imóvel e até
4 MF pode usar exóticas de forma permanente
(qtde a ser regulamentada) – MP 571
• 1 a 4 MF: 30 metros da área encharcada ou
20% do imóvel
• > 4 MF: 50 metros
Como ficou: RL não desmatadas até
2008
• Percentuais permanecem em geral os
mesmos, mas com exceções
• Exceção 1: cerrado amazônico, que agora
tem categoria “campos gerais” (de 35% para
20%) - impacto em RR
• Exceção 2: Estados que têm + de 65% do
território como UC de domínio público
(regularizadas) ou TIs homologadas – de 80%
para 50% - (menos preocupante) art.12, §5o
Como ficou: RL não desmatadas até
2008
• Exceção 3: municípios com + de 50% do
território com Ucs de domínio público (não
necessariamente regularizadas) ou Tis podem
reduzir RL para 50% do imóvel. Não precisa do
ZEE, município pode diminuir (art.12, §4), sem
data limite. 89 municípios hoje na Amazônia.
• Exceção 4: ZEE estadual pode diminuir RL
para 50% para fins de recomposição. Sem data
limite.
Como ficou: RL não desmatadas até
2008
• Exceção 5: APP é computada, em regra, no
cálculo da RL. Basta ter a APP conservada ou
em processo de recuperação (não define se
com vegetação nativa ou plantação)
• Localização aprovada pelo órgão estadual ou
conveniados, após inclusão no CAR
Como ficou: RL desmatada antes
de 2008
Dispensa de recuperação de RL para imóveis
de até 4 módulos fiscais (+ de 90% dos imóveis
do país) – art.67
 Dispensa de recuperação de RL se
proprietário alegar que área já estava
desmatada segundo legislação anterior (art.68)
– na Bahia, última alteração foi em 1934

Inversão ônus da prova (particular => Estado) e
quebra princípio aplicação geral regras ambientais

Como ficou: RL desmatada antes
de 2008
Dispensa de recuperação de RL para imóveis
de até 4 módulos fiscais (+ de 90% dos imóveis
do país) – art.67
 Dispensa de recuperação de RL se
proprietário alegar que área já estava
desmatada segundo legislação anterior (art.68)
– na Bahia, última alteração foi em 1934

Inversão ônus da prova (particular => Estado) e
quebra princípio aplicação geral regras ambientais

Como ficou: RL desmatada antes
de 2008
Compensação da RL pode ser em
qualquer lugar dentro do Estado (no mesmo
bioma) e em áreas definidas como
prioritárias em outros Estados
Restauração pode ocorrer com exóticas
(ex. Eucalipto) em até metade da RL, em
“sistema agroflorestal” (art.66, §3o), de
forma permanente; prazo de 20 anos para
restaurar


Terras Indígenas e Quilombos
Passam a ter regras de agricultura familiar –
art.3o, § único
Não são mais APP (TI), mas precisam ter RL –
possibilidade de atividade agropecuária; CAR?
Permite uso de baixo impacto em APP
(pequenas roças, uso agroflorestal, coleta de
produtos, construção de moradias) – art.3o, X c/c
art.53
Permite computar árvores frutíferas e exóticas
para composição da RL
Pode se “beneficiar” da não restauração de RL e
APP

Cadastro Ambiental Rural - CAR
Sistema georreferenciado de cadastramento de
imóveis rurais, através do qual se identifica o
perímetro do imóvel e as áreas legalmente
protegidas (conservadas ou degradadas): APP e
RL
 Sistema disponível na internet, integrante do
SINIMA
 Base de dados para controle, monitoramento,
planejamento ambiental e econômico e combate
ao desmatamento

Cadastro Ambiental Rural - CAR
Todo imóvel tem que ser inserido no CAR para:
a) novas autorizações de desmatamento (art.12,
§3)
b) aprovar plano de manejo florestal
c) aprovar localização da RL (art.14, §1o)
d) computar as APPs no cálculo da RL (art.15, III)
e) instituição de servidão ambiental ou cota de
reserva ambiental- CRA (art.15, §2)
f) fazer jus a eventuais benefícios econômicos
g) inclusão no Programa de Regularização
Ambiental – PRA (até 2 anos da implantação do
CAR – art.59, §2)

Programa de Regularização
Ambiental - PRA
Programas públicos que permitirão:
a) regularização das áreas rurais consolidadas
(APPs e Rls desmatadas, mas que não precisarão
ser recuperadas)
b) exigência de recuperação de APPs e Rls cujos
desmatamentos não foram “consolidados”
 Assinatura de termo de compromisso com União,
Estado ou Município quando houver alguma área
a ser recuperada

Problema transversal 1:
confusão fundiária
Regularização por matrículas, e não por
imóveis, pode aumentar substancialmente
anistia; proposta de restringir a Agricultura
Familiar foi negada

Monitoramento da aplicação da lei
dependerá, necessariamente, de malha
fundiária completa

Problema transversal 2: situações
iguais, regras diferentes
Imóveis de mesmo tamanho, em
municípios vizinhos, terão regras diferentes
para APP e RL (diferença módulos)
 Imóveis de mesmo tamanho, no mesmo
município, terão regras diferentes para APP
e RL (época do desmatamento)
Mesmo rio terá inúmeras faixas de
proteção ao longo de seu curso
Complexidade de monitoramento pelo
Estado e compreensão pelo produtor

Pontos positivos?
CAR em todo o país, operado pelos Estados ou
municípios; mas georreferenciamento do polígono
é dúvida (“coordenadas geográficas com 1 ponto
de amarração do perímetro”) - regulamentação

Pra que servirá o CAR nas áreas já desmatadas
(passaporte para a anistia)?

Pontos positivos?
Regulamenta a Cota de Reserva Legal (CRA),
que diminui custo transação para compensação
de RL
 Permite (indiretamente -art.46) compensação
de RL em área a ser restaurada, o que permite
restauração de áreas com baixa aptidão agrícola
Toda RL de agricultor familiar/4MF pode ser
objeto de CRA (art.44, §4o)
Problema: muita oferta, quase nenhuma
demanda (anistia)

E como ficamos?
Socioambiental éseuma
escreve
junto
Socioambiental
palavra
só
Equilíbrio socioambiental. Pense bem antes de mexer.
Lutando para que o desenvolvimento valorize a
diversidade de nossos povos e nossos ambientes
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Como ficou: APPs não desmatadas