UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA FELIPE SILVA SOUZA A INSEGURANÇA JURÍDICA À LUZ DA RELTIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL Palhoça 2010 FELIPE SILVA SOUZA A INSEGURANÇA JURÍDICA À LUZ DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel. Orientador: Prof. João Batista Búrigo Palhoça 2010 FELIPE SILVA SOUZA A INSEGURANÇA JURÍDICA À LUZ DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina. Palhoça (SC), __ de junho de 2010. _________________________________________ Professor e Orientador João Batista Búrigo Universidade do Sul de Santa Catarina BANCA EXAMINADORA _________________________________________ Professora Eliane Becker Universidade do Sul de Santa Catarina __________________________________________ Professor Zênio Ventura Universidade do Sul de Santa Catarina TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE A INSEGURANÇA JURÍDICA À LUZ DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL Declaro, para todos os fins de direito e que se fizerem necessários, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerta desta monografia. Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico. Palhoça (SC), __ de junho de 2010. ________________________________ Felipe Silva Souza Dedico este trabalho à minha família, em especial, aos meus pais, aos meus irmãos, e à Ana Paula. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por estar sempre iluminando o meu caminho, mesmo nas horas em que eu esqueço que ele está comigo. Aos meus pais, Itamar Souza e Marilda Silva Souza, obrigado por acreditarem em mim, nos meu sonhos e investirem tanto na minha formação. Obrigado por tudo que fizeram e fazem por mim, pela dedicação, compreensão, apoio, companheirismo e por me ensinarem a ser um homem honesto, fiel e consciente. Aos meus irmãos, Leonardo Silva Souza e Vitor Silva Souza, à Caroline Blatt Pereira, à Vera Lúcia Martins de Souza, por me aturarem nos momentos de irritação, de falta de educação, pela presença, paciência, dedicação, incentivo, conversas, companheirismo, pelo carinho e conforto nas horas que mais precisei. Aos meus companheiros de trabalho, Gabriel Orlandi, Ricardo Uliano, Tiago Elias Dadam, Rafael Garcia, Dino Adalberto, Maria Francisca, Luciano Dutra, Guilherme Zattar, Leonardo Alvarez e ao ilustríssimo Desembargador Pedro Manoel Abreu, por sempre me ajudarem e incentivarem meus estudos, meus trabalhos e por sempre proporcionarem um ambiente harmonioso, intelectual e profissional para se trabalhar. Ao meu professore, orientador e amigo João Batista Búrigo, pelos ensinamentos, pelo apoio, pelo incentivo, pela dedicação, por estar presente nos momentos difíceis me aconselhando e pela orientação na realização deste trabalho. Aos meus padrinhos que sempre me incentivaram a seguir na minha escolha profissional. Agradeço em especial à Ana Paula Koerich de Souza, a mulher da minha vida, que está sempre ao meu lado, atura meus excessos, acalma meu ânimo, revigora minhas esperanças, traduz minhas intenções e caminha comigo todos os dias. Aos meus amigos pelas palavras, pelos incentivos e por estenderem a mão quando precisei. Agradeço de maneira especial à alguns que jamais poderei esquecer: Elizane da Silva Silveira e Luana May, pelas inúmeras vezes que me salvaram quando me faltava tempo para concluir meus trabalhos, quando precisei das caronas para o Escritório Modelo (EMA), sem as quais dificilmente teria conseguido concluir e participar das atividades extraclasses, aos queridos companheiros de audiências e de vida Edson Senna e Felipe Wickert Flores, e ainda ao amigo Guilherme Coelho que prestou grande ajuda para que eu pudesse finalizar de maneira brilhante este Trabalho de Conclusão de Curso. “O homem vem à terra para uma permanência muito curta, para um fim que ele mesmo ignora, embora, às vezes, julgue sabê-lo." (Einstein) RESUMO A presente monografia, requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL - tem como enfoque a relativização da coisa julgada material, com uma maior ênfase na discussão sobre a insegurança jurídica que ela pode ocasionar. Para tanto é feita uma abordagem sintética da coisa julgada, analisando seus aspectos históricos e gerais, seus limites e suas peculiaridades. A seguir passa-se a uma análise sobre a relativização da coisa julgada, estudando os aspectos gerais, os argumentos favoráveis a relativização da coisa julgada, delimitando a natureza jurídica da coisa julgada no sistema processual brasileiro, traçando a importância do instituto da coisa julgada material. Aborda-se como a doutrina mundial enfrenta o tema da coisa julgada, os casos paradigmáticos da relativização e os efeitos da decisão declaratória de inconstitucionalidade em relação à coisa julgada material e, por fim, aborda-se com maior foco o debate quanto a relativização da coisa julgada, trazendo os argumentos favoráveis e contrários a relativização. Palavras-chave: Coisa julgada Relativização. Flexibilização inconstitucional. Coisa julgada material. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................11 2 DA COISA JULGADA............................................................................................14 2.1 NOÇÕES GERAIS ..............................................................................................14 2.2 DA IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DO HISTÓRICO ............................................15 2.3 DA HISTÓRIA DA COISA JULGADA ..................................................................17 2.3.1 A coisa julgada no direito romano................................................................17 2.3.2 A coisa julgada no direito italiano ................................................................19 2.3.3 A coisa julgada no direito brasileiro.............................................................21 2.4 LIMITES DA COISA JULGADA...........................................................................23 2.4.1 Limites objetivos ............................................................................................23 2.4.2 Limites subjetivos ..........................................................................................26 2.5 COISA JULGADA FORMAL................................................................................29 2.6 COISA JULGADA MATERIAL.............................................................................29 3 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA..............................................................32 3.1 NOÇÕES GERAIS ..............................................................................................32 3.2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA.......35 3.3 NATUREZA JURÍDICA DA COISA JULGADA NO SISTEMA PROCESSUAL....37 3.4 A IMPORTÂNCIA DA COISA JULGADA MATERIAL..........................................37 3.5 DOUTRINA MUNDIAL E A COISA JULGADA? ..................................................39 3.6 CASOS PARADIGMÁTICOS DA RELATIVIZAÇÃO ...........................................40 3.7 OS EFEITOS DA DECISÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM RELAÇÃO À COISA JULGADA MATERIAL .......................................................41 4 DA (IN)SEGURANÇA JURÌDICA ..........................................................................47 4.1 EM DEFESA DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL ..............47 4.2 EM DEFESA DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA ...............................49 4.3 TENSÃO ENTRE SEGURANÇA E JUSTIÇA e QUAL DEVE PREVALECER PARA O SISTEMA ....................................................................................................54 4.4 COMENTÁRIO À RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA, INSEGURANÇA JURÍDICA E PRINCÍPIO DA RAZOAVEL DURAÇAO DO PROCESSO...................55 5 CONCLUSÃO ........................................................................................................59 REFERÊNCIAS.........................................................................................................61 1 INTRODUÇÃO No Direito, como na vida, almejamos incessantemente a segurança. O instituto da coisa julgada acarretou ao Direito a concepção de, mesmo após uma discussão judicial extensa, atingirmos decisões imutáveis. Tendo em vista a tradicional certeza jurídica acerca do tema da coisa julgada, este vem sendo discutido pela comunidade jurídica no âmbito de sua relativização, pois sua autoridade não pode ser presunçosa a ponto de afastar todos os outros princípios de direito de menor relevância, já que estes devem ser sopesados conjuntamente à coisa julgada para trazer justiça às decisões e ao mundo dos fatos. A letra da Lei não exclui princípios, do contrário, reza que devemos segui-los e que não podem jamais ser suprimidos pela Lei em si ou pelo arbítrio do juiz. O ordenamento jurídico brasileiro oferece elementos para que seja eficaz a decisão judicial transitada em julgado através do instituto da coisa julgada e sua autoridade, proveniente da expressão latina res iudicata, que significa "coisa julgada". As lides motivadas pelas partes em torno do bem da vida são resolvidos pelos ilustres magistrados, e a iniciar-se do momento em que não mais são passíveis de impugnações os assuntos atinentes ao objeto do processo, quando este foi exaustivamente aventado em juízo, provém, por conseguinte, que não se pode retroceder, ou seja, não se pode fazer com que o objeto do conflito seja campo de novas discussões ou polêmicas, pela observância da autoridade da coisa julgada. O que o foi decidido judicialmente está decidido em definitivo e não pode vir a ser posto em discussão novamente. É o que preza o art. 467 do Código de Processo Civil vigente, embora haja circunstâncias nas quais se permite seja rescindida a decisão transitada em julgado. A chamada relativização da coisa julgada material é um tema polêmico e muito debatido, que voltou ao centro das discussões com a entrada em vigor da Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, a qual trouxe várias alterações ao Código de Processo Civil Brasileiro, entre elas a previsão contida no §1º do art. 475-L. Não é suficiente, para se ter a coisa julgada, a existência de uma solução para a controvérsia debatida em juízo, visto que, na linguagem do direito processual civil atual, a sentença somente adquire a autoridade da coisa julgada, quando não mais comporta recurso algum, ou seja, assim, irrevogável. (THEODORO JR e FARIA. 2003, p. 79) O artigo supracitado prescreve, em resumo, que será inexigível o título judicial fulcrado em Lei ou ato normativo inconstitucionais, ou fundado em aplicação ou interpretação da Lei ou ato normativo tidas como conflitantes com a Constituição Federal. Desta feita, eclodiram questionamentos, nos últimos anos, acerca da “relativização da coisa julgada material”, da possibilidade de haver a “relativização” da coisa julgada material sem que esta ocorra via ação rescisória. A questão se mostra intrinsecamente conectada ao princípio da segurança dos atos jurídicos, alcançando a filosofia do direito, o que consiste em uma das principais discussões do mundo jurídico sem qualquer solução ideal. Pode-se afirmar que se trata diretamente da tensão entre a faticidade e a validade do direito; a tensão entre a justiça e o direito, conforme elucida Habermas. A segurança jurídica diz respeito à irretroatividade da lei e deve ocorrer de maneira que as pessoas saibam qual é a forma de entendimento do judiciário. É inaceitável conviver com a incerteza jurídica, tal como é a situação que predomina, atualmente. O autor, ao ingressar com uma ação no judiciário, em que pese pretender um fim específico, requerido na inicial, ignora o destino a ser seguido no curso do processo judicial. Há decisões divergentes abordando casos idênticos. É o que ocorre quando está ausente a segurança jurídica. Hoje sobrevive o entendimento que está diretamente ligado ao conceito de que: o Direito e a norma em concreto emanada pelo judiciário, tornam-se válidos por serem proferidos pelo soberano e não somente porque são justos. Afirmar sem qualquer precaução que apontada decisão é definitiva puramente porque foi proferida pelo Estado-Juiz exterioriza o entendimento despreocupado com as novas realidades. Contudo, apesar de se reconhecer o primado, para que haja apenas uma decisão sobre o assunto, e não intermináveis recursos, a mentalidade dos Tribunais tem sido, pois, acertadamente, no sentido da excepcional relativização da coisa julgada. Destaca-se que o próprio ordenamento pátrio traz hipóteses de relativização da coisa julgada mediante a ação rescisória. Diante disso, faltam critérios seguros e concretos para a “relativização” da coisa julgada material, pois a “desconsideração” da coisa julgada material pode 12 acarretar em um grande estado de incertezas e injustiças. A “desconsideração” causaria uma situação insustentável. Imaginemos o caos vivido por uma sociedade na qual se permite, ininterruptamente, a revisão judicial das controvérsias advindas de um mesmo conflito. Jamais seria positivada sentença judicial alguma, a não ser provisoriamente, e se imortalizariam os conflitos desta feita. Seria o fim da segurança jurídica, a desestabilização social, um verdadeiro caos nas relações humanas, ainda pior do que a situação que conhecemos. Como linha mestra de raciocínio tem-se que as regras constitucionais devem ser seguidas à risca, sempre com o objetivo de encontrar a verdade real, o direito justo sobre as formas processuais e preclusões. Extrai-se, deste pensamento, que a sociedade atual exige um regramento no sentido de alterar o dogma da coisa julgada, e ampliá-lo, excepcionalmente, em casos específicos cuidadosamente analisados pelo magistrado. Destarte, salienta-se que o presente ensaio não foi elaborado com a pretensão de inovar a respeito do assunto, sobre o qual mestres honoráveis destrincharam suas diversas possibilidades. Nem mesmo se pretende ser um tratado, destilando conceitos formais. Em que pese a despretensão, quando vez ou outra se fez necessária a remissão a algum texto consagrado, não me furtei a utilizálos. 13 2 DA COISA JULGADA 2.1 NOÇÕES GERAIS Coisa julgada é a qualidade dos efeitos da sentença que põe um fim a um litígio, ou seja, é a característica de imutabilidade que adquire a prestação jurisdicional do Estado, quando entregue definitivamente. (WAMBIER, 2003, p. 225) É entendimento certo e consolidado, nas jurisprudências e nos posicionamentos doutrinários, de que a coisa julgada é a autoridade e a eficácia de uma sentença judicial, de sorte que, quando não existem contra ela meios de impugnação que permitam modificá-la. (NERY JUNIOR, 2004, p. 456) É presumível que não haja, no mundo jurídico, instituto tão diretamente conexo à segurança jurídica quanto o da coisa julgada. Tendo que o judiciário é a ultima via encontrada pelos indivíduos se socorrerem para resolverem conflitos, a prestação jurisdicional dota-se da qualidade constitucional da irrecorribilidade, de forma a por um final às altercações atinentes á existência de direito e obrigações. (Dower, 2007, p. 314) Melhor definição vem na lição de Wambier: "Trata-se de instituto que tem em vista gerar segurança. A segurança, de fato, é um valor que desde sempre tem desempenhado papel de um dos objetivos do direito. O homem sempre esta a procura de segurança e o direito é um instrumento que se presta, em grande parte, ao atingimento desse desejo humano. Por meio do Direito procura-se a segurança no que diz respeito ao ordenamento jurídico como um todo, quanto no que tange às relações jurídicas individualizadas. É quanto a esta espécie de segurança que a coisa julgada desempenha seu papel". (WAMBIER, 2003, p. 550) A coisa julgada, no ordenamento jurídico pátrio, é amparada na Constituição da República, no art. 5º, inciso XXXVI, instituído que: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada e infraconstitucional no Capítulo VIII, Secção II, do Código de Processo Civil". De tal forma, os pedidos transitaram em julgado, onde há um vencedor e um vencido, sentença totalmente procedente ou improcedente, é, para ambos os litigantes, o fim do processo, fim das incertezas e expectativas que os integravam na procura de uma solução. Assim, nasce da coisa julgada a segurança da imutabilidade dos casos julgados, imutabilidade que é exigência de ordem pública e 14 do bem comum, com o intuito de que a tutela jurisdicional entregue torne-se imutável e de total segurança. Nelson Nery Junior (2004, p. 865) afiança: "Por que o instrumento de pacificação social, quando há coisa julgada as partes devem submeter-se à sua autoridade, qualquer que tenha sido o resultado da sentença (inevitabilidade da jurisdição). Incide aqui o caráter substitutivo da função jurisdicional, vale dizer, a vontade das partes é substituída pela vontade do Estado-juiz, que prevalece, Caso seja proposta ação idêntica, deduzindo-se a pretensão que já tenha sido acobertada pela coisa julgada material, o destino desta segunda ação é extinção do processo sem julgamento de mérito (CPC 267), pois a lide já foi julgada, nada mais havendo para as partes discutirem em juízo. Ao réu cabe alegar a existência da coisa julgada, como matéria preliminar de contestação (CPC 301 VI)" (NERY JUNIOR, 2004, p. 865) Diante deste quadro, conclui-se que o instituto da coisa julgada visa assegurar a manutenção da imutabilidade das relações jurídicas, podendo, sem se tratando de questão de ordem pública, ser reconhecida de ofício pelo juiz, independente de argüição dos litigantes. Dower (2007, p. 314) ensina: O fundamento principal da coisa julgada tem por base o princípio da nãoeternização da demanda. Não fosse a existência da coisa julgada teríamos a ameaça de um caos social, pois os litigantes seriam periodicamente renovados. Assim podemos afirmar que a coisa julgada visa ao interesse público. (DOWER 2007, p. 314) Diante das lições dos doutrinadores supracitados, que com suas contribuições nos deram meios para chegarmos até aqui, denota-se e torna-se cristalino a importância da coisa julgada para nosso sistema jurídico pátrio, uma vez que a função da coisa julgada é de buscar a paz social, com o fundamento de não perpetualizar as lides. 2.2 DA IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DO HISTÓRICO Inicialmente faz-se necessário ressaltar que os estudos históricos nas ciências jurídicas têm alcançado um papel de derradeiro valor para a compreensão e 15 realização de estudos aprofundados, sendo um dos pilares para o sucesso de estudos científicos o histórico progresso do tema a ser abordado. Na ciência do direito, o estudo histórico evidencia a procedência e as transformações que um instituto jurídico tenha sofrido. Na origem, podemos encontrar o porquê da concepção do instituto e o motivo de sua existência. O estudo sobre as inclinações e modificações sofridas pelo instituto compreende fatores de natureza jurídica e fatores alheios à linhagem jurídica, sendo eles sociais, políticos, financeiros, enfatizando a sua influência nas mudanças e os motivos pelos quais se aspira a essas mudanças. (SOUSA, 2007). Maximiliano demonstra de maneira incisiva a importância do estudo histórico no direito: Não é possível manejar com desembaraço, aprender a fundo uma ciência que se relacione com a vida do homem em sociedade, sem adquirir antes o preparo propedêutico indispensável. Deste faz parte o estudo do histórico especial do povo a que se pretende aplicar o mencionado ramo de conhecimentos, e também o da história geral, principalmente político da humanidade. O direito inscreve-se na regra enunciada, que aliás, não comporta exceções: para o conhecer bem, cumpre familiarizar-se com os fastos da civilização, sobretudo daquela que assimilamos diretamente: a européia em geral; a lusitana em particular. Complete-se o cabedal de informações proveitosas com o estudo da História do Brasil. (MAXIMILIANO, 1984, p.137) Tucci e Azevedo destacam que o direito como ciência tem íntima correlação com a história: O estudo histórico é peça fundamental na ciência do direito. Sem que as pessoas se dêem conta, verdade é que vivem elas, em grande parte, com o auxílio da história: gregos e romanos foram historiógrafos por excelência, assim demonstrando as obras de Herótodo e Tito Lívio. O Cristianismo é uma religião de historiadores: partindo da expulsão do paraíso até o Juízo Final, o destino da humanidade simboliza uma grande aventura que vai desde o pecado até a redenção das almas. (AZEVEDO; TUCCI, 1996, p. 19) Mesmo que talvez imperceptíveis superficialmente analisando, os vínculos históricos se revelam no povo, nos indivíduos, dentro de hábitos corriqueiros, como saudações, cumprimentos e na forma de vestir-se. (AZEVEDO; TUCCI, 1996, p. 45) Deste modo, o estudo da história de um instituto jurídico nos garante a possibilidade de se confrontar o instituto na sua origem com o seu presente 16 conceito, que emana diretamente dos movimentos e necessidades da sociedade sobre a qual sobrevenha, podendo-se analisar se tal instituto cumpre com sua finalidade e, se pode ser influenciado, como novas vertentes poderão fazê-lo. (MAXIMILIANO, 1984, P.137) 2.3 DA HISTÓRIA DA COISA JULGADA 2.3.1 A coisa julgada no direito romano Percorrendo sintética visão histórica, vemos que no Direito Romano o objetivo do processo era a atuação da vontade da lei em relação a denominado bem da vida (res in iudicium deducta), pois “remonta à tradição romana a idéia de que a sentença era a própria coisa julgada ou a coisa julgada era o próprio objeto litigioso definitivamente decidido” (DELGADO, 2002, p. 11-40). E “Por razões práticas, os romanos aceitavam a autoridade da coisa julgada. Visavam à certeza e segurança no gozo dos bens da vida” (CHIOVENDA, 1998, p.183) Assim, com o enfraquecimento do império romano do ocidente, resultado das invasões dos bárbaros, ficou abalada a própria idéia de Estado e da lei como expressão de sua vontade, refletindo diretamente no conceito de jurisdição que se tinha na época. Como decorrência do enfraquecimento da soberania e das formações dos feudos, houve a criação de multiplicidade de procedimentos (canônicos, populares, feudais,...). Conseqüentemente a jurisdição adquiria caráter privado, de cunho patrimonial, transmissível e alienável. E como implicação, não mais se reservava à aplicação da lei, mas sim à resolução de contestações, com base na implicação das evidências. O prelado da res iudicata – que sai, então, do estrado da vontade para a lógica – altera-se numa presunção de verdade aplicada as decisões judiciais. (CHIOVENDA, 1998, p.183) A contar do período formulário, o Direito romano divide o processo em duas etapas, in iure (como figura principal: o pretor) e in iudicio (em que o principal era o iudex), em que se comprova o escopo do processo como especialização da lei: a lei estabelecida para casos concretos que era consagrada aos fatos, ou seja, 17 na sententia aplicava a condenatio ou a absolutio, em ato. (DINAMARCO, 2001, p.234) Tem-se então, que todo o processo no direito romano girava em volta da sentença, que se compreende em ato de vontade do estado, no qual concretizava a vontade da lei. Extrai-se então, a importância do conceito da coisa julgada no direito romano (CHIOVENDA, 1998, p. 447), que era a res in iudicium deducta, o bem jurídico concorrido pelos litigantes, em seguida a res (coisa) foi o iudicata (julgada), isto é, reconhecida ou negada ao autor. (MIRANDA, 2000, arts. 444 a 475) Da lição de Chiovenda, destaca-se a finalidade da coisa julgada no direito romano: Essa é a autoridade da coisa julgada. Os romanos a justificaram com razões inteiramente práticas, de utilidade social. Para que a vida social se desenvolva o mais possível segura e pacífica, é necessária imprimir certeza ao gozo dos bens da vida, e garantir o resultado do processo: ne aliter modus litium multiplicatus summam atque inexplicabilem faciat difficultatem, maxime si diversa pronunciarentur (fr. 6, Dig. De except. Rei iud. 44,2). Explicação tão simples, realística e chã, guarda perfeita coerência com a própria concepção romana do escopo processual e da coisa julgada, que difusamente analisamos nas observações históricas (n.º 32). Entendido o processo como instituto público destinado à atuação da vontade da lei em relação aos bens da vida por ela garantidos, culminate na emanação de um ato de vontade (a pronuntiatio iudicis) que condena ou absolve, ou seja, reconhece ou desconhece um bem da vida a uma das partes, a explicação da coisa julgada só pode divisar na exigência social da segurança no gozo dos bens. (CHIOVENDA, 1998, p. 460) O marco romano dedicado à sentença compunha o ato final do processo, cujo qual era plausível averiguar a absolvição ou a condenação, ou seja, o acolhimento ou não dos pedidos da exordial. Acreditavam, os romanos, que exclusivamente a sentença teria a capacidade de por um fim ao litígio, processo, que unicamente a sentença conteria força de por um fim a contestabilidade de um bem jurídico, “por isso, poder-se-ia opor em subseqüente processo em que fosse contestado o mesmo bem, a res iudicata (coisa julgada)” (CHIOVENDA, 1998, p. 352) Diante da lição de Tucci e Azevedo, (PUGLIESI apud TUCCI; AZEVEDO, 1996, p. 107) referente à res iudicata no direito romano, que ratifica a segurança jurídica que a trazia na época: 18 Se nos fosse permitido visualizar em termos modernos esse fenômeno, diríamos que tal regra – seguindo ainda a esclarecedora opinião de Pugliese – "atribui ao agere um efeito preclusivo, análogo àquele que os juristas do século passado demonstraram como próprio da função negativa da coisa julgada, uma vez que essa não só precluia uma nova ação de eadem re, e, portanto, uma nova discussão e decisão da lide, mas também derivava do simples fato da existência objetiva do processo, independentemente de seu êxito. Na verdade, a forma pela qual a regra foi conservada, parece mostrar que, quando construída (entre o fim do III e o I século a.C.), não se vislumbrava especificadamente um efeito próprio da sentença ou da re iudicata, mas era ele relacionado ao desenvolvimento global do processo, e, em particular, ao agere rem, que compreendia, antes de tudo, a atividade conjunta das partes"; numa sociedade ainda incipiente, mesmo não individualizados os elementos componentes da demanda, o aludido regramento já representava um fato de inegável segurança jurídica para os cidadãos romanos. (TUCCI; AZEVEDO, 1996, p. 107.) Assim para os romanos, como para nós, rejeitadas raras exceções em que uma norma expressa de lei dispõe diferentemente, o decisum se torna incontroverso, ou seja, a parte a que se negou o bem da vida, não pode mais reclamar; a vencedora, a quem se reconheceu, não só tem o direito de exercê-lo praticamente, em face da outra, como não pode sofrer, por parte desta (sucumbente), subseqüentes contendas a esse direito e esse gozo. (CHIOVENDA, 1998, p. 443) 2.3.2 A coisa julgada no direito italiano É impossível falar-se sobre a coisa julgada no direito italiano sem mencionar a disputa clássica travada por Liebman e Carnelutti referente ao conceito da coisa julgada. O início fatídico da discussão sobreveio com a publicação do livro “Efficacia ed autorià della sentenza”, cujo qual Liebman asseverava que se a domínio da coisa julgada atrela somente as partes, a eficácia da sentença a todos se impõe e impõe-se prontamente, sem que seja necessária a investigação da sua validade. (DINAMARCO, 2001, p. 293/294) 19 Liebman, reconhecendo os méritos da formulação de Chiovenda1, almejou melhorá-la. Resolveu, primeiramente, por fazer a distinção da coisa julgada dos efeitos da sentença, determinando, por imediato, a primeira como uma característica que torna imutável o comando da sentença, tanto no seu conteúdo como nos efeitos.2 Já o mestre Carnelutti instruía a coisa julgada como o dissoluto de litígios controversos, e obsecrando que a sua imutabilidade recaia sobre o seu encargo declaratório e não sobre seu caráter imperativo A discordância entre os eméritos processualistas italianos foi assim comentada por Dinamarco: A discordância evidencia-se tão pouco verbal, quanto mais observamos que os dois autores partiam de premissas diametralmente opostas, com referência ao fundamento quesito metodológico da estrutura do ordenamento jurídico: enquanto Liebman formado na escola De Chiovenda, manifestava uma sólida base dualística (o ordenamento jurídico tem duas ordens diversas de normas, substanciais e processuais, e estas nada têm a ver com a produção do direito do caso concreto), fundava-se Carnelutti no pressuposto de que o direito positivo substancial emana normas genéricas incompletas, as quais só por obra da sentença se tornam um círculo fechado, sendo ela um comando complementar (qualquer que seja esta, menos dispositiva). Por isso, ele ensina que o juiz comanda para o caso concreto como se fosse uma longa manus do legislador e louvava ao legislador italiano a inclusão das normas referentes à coisa julgada no Código Civil. Depois, afirmava que a imperatividade da sentença (coisa julgada material) tem uma eficácia reflexa que atinge terceiros, estranhos à relação processual em que esta foi pronunciada. (DINAMARCO, 2001, p. 291) Por intermédio do artigo divulgado na Rivista (italiana) de 1935, intitulado de “Eficacia autorità e immutabilità della sentenza”, Carnelutti respondeu de maneira 1 Ob. Cit., p. 11: “A importante contribuição de Chiovenda (...) consistiu principalmente em depurar o conceito e o fenômeno da coisa julgada de conceitos e fenômenos afins, isto é, em separar o seu conteúdo propriamente jurídico de suas justificações político-sociais; em distinguir, daí, a autoridade da coisa julgada (substancial) do fato processual da irrecorribilidade de uma sentença ou de um despacho interlocutório (coisa julgada formal); em limitar, por isso, a autoridade da coisa julgada à decisão que decide o mérito da ação, para declará-la procedente ou improcedente; em subtrair, por fim, tôda a atividade puramente lógica desenvolvida pelo juiz no processo, do campo de ação da coisa julgada, religando esta última ao ato de vontade ditado na sentença pelo acórdão judiciário e acentuando energicamente a sua finalidade prática e o seu caráter publicístico.” 2 Ob. Cit., p. 50/51. Após demonstrar que as diversas eficácias da sentença podem se manifestar independente da autoridade da coisa julgada, e que, portanto, eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada são coisas distintas, Liebman - sem entrar no mérito do problema da natureza volitiva ou intelectiva da atividade judicial - destaca que da sentença emerge um comando. A eficácia de uma sentença, por si só, não pode impedir que um juiz, investido da mesma competência daquele que decidiu anteriormente o caso, reexamine o caso e decida de forma diferente. Então, segundo o autor, “uma razão de utilidade pública e social intervém para evitar essa possibilidade, tornando o comando imutável. 20 usualmente áspero e pungente, com referências pessoais ao jovem Liebman, afirmando que o jovem colega, com quatro erros crassos, acabara por empreender uma heresia, ante a qual esquadrinharia ele (Carnelutti) demonstrar compreensão, comportando-se com paciência, em vez de se tomar pela cólera. Em 1936 surge a resposta. Liebman, no artigo denominado “Ancora sulla sentenza e sulla cosa giudicata”, a convite do próprio CARNELUTTI. Em tal artigo LIEBMAN deplora a nuança agressiva do antagonista e a sua incompreensão com uma teoria que tinha como o único pecado, discordar da sua. Carnelutti, mais uma vez vem à carga, dizendo que das teses do adversário, umas eram inócuas e outras ele agora via que não eram senão as suas próprias teorias, apresentadas com palavras diferentes. (SOUSA, 2007) 2.3.3 A coisa julgada no direito brasileiro No Brasil, o desenvolvimento legislativo da coisa julgada está manifesto quanto se colaciona o Código de Processo Civil de 1939 com o de 1973. Neste sentido tem-se a lição do mestre MIRANDA: º A herança foi boa, porque, na Introdução ao Código civil (Lei n.º 3.071, 1 de janeiro de 1916), art. 3º, §3º, veio a definição: "Chama-se coisa julgada, ou caso julgado, a decisão judicial de que já não cabe recurso". Aliás não era assunto para o direito civil, o que proveio da influência francesa. O direito processual é que estabeleceu a coisa julgada a que os outros recursos jurídicos inclusive o direito constitucional, podem remeter (e.g., Constituição de 1967, com a Emenda n.º 1, art. 153, §3º in fine). No Código de 1939, art. 288, infelizmente se disse: Não terão efeito de coisa julgada os despachos meramente interlocutórios e as sentenças proferidas em processos de jurisdição voluntária e graciosa, preventivos e preparatórios e de desquite por mútuo consentimento." Hoje, o código de 1973, art. 469, usou outra frase: em vez de "não terão efeito de coisa julgada", diz "não fazem coisa julgada". E riscou as menções inadequadas. (MIRANDA, 2000, arts. 444 a 475) O artigo 287 do Código de 39 determinava que: “a sentença que decidir total ou parcialmente a lide terá força de lei nos limites das questões decididas”. Reproduzira o artigo 290 do Projeto de Código de Processo Civil organizado pela 21 Comissão presidida por Ludovico Mortara, em 1926 para a Itália; só que no original fazia parte nos limites das questões decididas. O legislador de 1973 continuou fiel à ascendência inspiradora do dispositivo comprimido no artigo 468, traduzindo-o impecavelmente da versão italiana. Silva evidencia a altercação jurídica ocasionada pela deficiência da palavra lide no código de 1939: O raciocínio poderia ser construído assim: dispondo o original italiano que a sentença teria força de lei "nos limites da lide" e nos "limites das questões decididas"; e havendo o legislador brasileiro suprimido a locução nos limites da lide, então é porque lhe pareceu melhor permitir que a sentença extravasasse os limites da respectiva lide posta pelo demandante para atingir as premissas necessárias, ou as questões prejudiciais. Interpretando, pois, com maior precisão, o pensamento de Buzaid, quando ele escreveu que a redação do artigo 287 "faz supor que a coisa julgada recaia unicamente sobre as questões decididas", devemos entender que a redação do artigo 287, segundo a doutrina que sobre ele se formou, no Brasil, sugeria que a sentença abrangesse não unicamente as questões decididas, mas todas "as questões decidias", fossem elas pertinentes à lide, ou não o fosse, desde que significassem premissas necessárias da decisão. Estariam, pois abertas as portas para a expansão da eficácia da sentença até as questões relativas à lide prejudicial. (SILVA, 1995, p. 139) O Código de 1973, prevê que "a sentença que julgar total ou parcialmente a lide tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.”. Silva comenta a referida alteração: Para situarmo-nos no problema, recordemos que o legislador de 73, perfeitamente ciente das restrições e críticas feitas pela generalidade da doutrina ao artigo 287 do velho Código, e apesar delas, o transpôs para o Código novo, apenas corrigindo a versão que se mostrava incompleta na lei revogada, incluindo agora, a palavra lide, inexistente na citada disposição do artigo 287. O professor Alfredo Buzaid (Do Agravo de petição, p. 112, 2ª edição, 1956) era de opinião que a redação do indicado artigo 287 era obscura "porque, excluindo a palavra ‘lide’ (grifo no original), faz supor que a coisa julgada recaia unicamente sobre as questões decididas", impondo-se, então, segundo o eminente autor do Projeto de nosso atual Código de Processo Civil, uma construção legal dessa norma de modo a restabelecer o verdadeiro sentido original que ela continha no projeto italiano. (SILVA, 1995, pp.138/139) Portanto, em decorrência da referida alteração, comentada por Silva, temse que a coisa julgada adquiriu força de Lei nos limites tangentes à lide e a questões debatidas entre as partes. 22 2.4 LIMITES DA COISA JULGADA Do que foi mencionado acima, pode-se concluir que como é no item dispositivo da sentença que se deparará o contento decisório do magistrado, é sobre este contento que incide o império da coisa julgada; em outros termos: é o dispositivo da sentença que gera coisa julgada. Tal arremate é mais bem concebido a partir do estudo dos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada. Assim sendo, a contar da formulação da conseqüente questão é que se começa o estudo dos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada: qual é a parte da sentença que transita em julgado? 2.4.1 Limites objetivos Aconselha Rezende Filho (1951, p. 70-72) que os processualistas aceitam que, “em tese, só passa em julgado o arremate ou dispositivo da sentença, acolhendo, poderem, o alcance da coisa julgada ao pretexto que verdadeiramente for componente imperativo e constitutivo da relação jurídica decidida”. E complementa: Devemos, porém, dar à expressão conclusão um sentido substancial e não formalístico, como bem diz LIEBMAN [...], de modo a abranger não sòmente a fase final da sentença, mas ainda qualquer outro ponto em que o juiz eventualmente haja provido sôbre os pedidos das partes. As premissas da sentença não têm fôrça de coisa julgada, ensina EDUARDO COUTURE [...], mas adquirem, excepcionalmente, essa força quando o dispositivo a elas aludir de modo expresso, e ainda no caso de constituírem um antecedente lógico absolutamente inseparável (questão prejudicial) do dispositivo. (REZENDO FILHO, 1951, p. 70-72) O artigo 287 do Código de Processo Civil de 1939 consentia este entendimento. Senão, vejamos a redação do referido dispositivo: Artigo 287. A sentença que decidir total ou parcialmente a lide terá fôrça de lei nos limites das questões decididas. Parágrafo único. Considerar-se-ão decididas todas as questões que constituam premissa necessária da conclusão. (BRASIL, 1939) 23 O Código de Processo Civil de 1973 eliminou o parágrafo único (de temperamento esclarecedor) e conservou o caput, deste modo constituindo em seu artigo 468: “a sentença que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”. Da leitura de tal dispositivo, compreende-se que a sentença apresentará força de lei dentro dos limites da lide e das questões resolvidas, isto é, o comando da coisa julgada está objetivamente atrelado à solicitação que a sentença reconhece existente ou não. Observa o professor Cintra (2003, p. 311-312) que o julgamento total ou parcial da lide deve ser compreendido, não na definição de se possibilitar ao juiz proferir sentença citra petita, e sim que o juiz pode pronunciar sentença que decida, ou não, o mérito da causa, concedendo ou denegando, total ou parcialmente, o pedido do autor. O artigo é bem explicito ao dizer que “a coisa julgada adstringe-se ao julgamento do pedido e das questões decididas”, de maneira que “se o pedido não foi apreciado pela sentença e o autor não” interpôs um recurso de embargo de declaração, “não se formou coisa julgada, podendo o demandante propor nova ação com o mesmo objeto” (FUX, 2004, p. 828). A partir da aula de Câmara (2006, pp. 490-491), mais bem temos a capacidade conceber a inteligência do artigo: “a sentença faz coisa julgada nos limites do objeto do processo, o que significa dizer, nos limites do pedido”; ao que completa: “o que não tiver sido objeto do pedido, por não integrar o objeto do processo, não será alcançado pelo manto da coisa julgada”; e conclui: “apenas aquilo que foi deduzido no processo e, por conseguinte, objeto de cognição judicial, é alcançado pela autoridade de coisa julgada”. Não obstante o legislador ter explicitado os limites objetivos da coisa julgada, adstringindo-os ao pedido com sua correspondente causa de pedir, posto que a causa petendi com outro pedido ou o mesmo pedido com outra causa de pedir diferencie as ações, ainda visou esclarecer ao alcance da mesma, no artigo 469 do CPC, ao “retirar do âmbito da coisa julgada” os motivos (não a motivação integral da sentença onde se encarta a causa de pedir) importantes e determinantes da parte dispositiva da sentença, a verdade dos fatos estabelecida como fundamento da sentença e a apreciação da questão prejudicial decidida incidentemente no processo. (FUX, 2004, p. 828). 24 Merece observação, por fim, a expressão “força de lei”: o que o artigo quer dizer com “a sentença terá força de lei”? Na declaração de Machado Guimarães, “‘força de lei’ traduz uma clara noção da função prática da coisa julgada substancial” (GUIMARÃES apud CINTRA, 2003, p. 313). Alterando-se vocábulos no esclarecimento, podemos articular que a “sentença terá força normativa”, a qual vira incidir sobre os limites da lide e das questões decididas. O artigo 469 do CPC prescreve que: Não fazem coisa julgada: I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; III – a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo. Com apoio neste artigo articula-se ainda mais a inteligência de que é a parte dispositiva da sentença que transita em julgado, tendo em vista que fundamentos, ainda que imprescindíveis para determinar o contorno da parte dispositiva da sentença não fazem coisa julgada. O artigo 470 do Código Processual Civil tem a ulterior composição: “faz, todavia, coisa julgada a resolução da questão prejudicial, se a parte o requerer (artigos 5º e 325), o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide”. Como bem ressaltado pelo artigo antecedente, a exame crítico do ponto prejudicial só não contrairá autoridade de coisa julgada quando resolvida incidenter tantum, ou seja, somente integrará a fundamentação da sentença. No entanto, instituem os artigos 5º e 325 que à demanda prejudicial pode ser oferecida uma posição de objeto principal do processo, mediante a chamada ação declaratória incidental. Mas é imprescindível, igualmente, que se consintam os requisitos legais previstos no artigo: (i) a parte deve demandar, ou seja, ajuizar a ação declaratória incidental; (ii) o juiz da demanda anteriormente ajuizada deve ser competente para julgar a matéria da ação declaratória incidental; (iii) a questão deve se compor como hipótese indispensável para o julgamento da lide anterior. 25 Instrui Câmara (2004, p. 491) que o sistema dos limites objetivos da coisa julgada se conclui com os artigos 469 e 470, de forma que, [...] com base nestes dispositivos se pode afirmar que apenas o dispositivo da sentença transita em julgado. O relatório, que obviamente não contém qualquer elemento decisório, não transita em julgado. Quanto à motivação da sentença, esta não é alcançada pela coisa julgada, como se verifica pela leitura do art. 469 do CPC. (Câmara 2004, p. 491). Assim sendo, fica cristalino e evidente que os limites objetivo da coisa julgada são atinentes aos resultados, ou seja, a parte decisória ou dispositiva da sentença não a do relatório e da motivação. 2.4.2 Limites subjetivos Nesta ocasião o mote é em quem e quais indivíduos a que a coisa julgada tem abarcamento. Exclusivamente os membros da relação jurídica processual são alcançados pela coisa julgada. O art. 472 do CPC dispõe: A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros. Vale ressaltar a lição do Ministro Fux (2004, p. 832): A situação de conflito submetida ao Judiciário tem os seus protagonistas, e a decisão, a fortiori, seus destinatários. Outrossim, a sentença não vive isolada no mundo jurídico, ressoando possível que uma decisão reste por atingir a esfera jurídica de pessoas que não participaram do processo. (FUX, 2004, p. 832) Cintra (2003, p. 318) oportunamente adverte: “a parte inicial da disposição em exame enuncia a regra fundamental relativa aos limites subjetivos da autoridade da coisa julgada”, ou seja, tal autoridade só incide sobre as partes (as quais constituem um dos elementos da lide – sujeitos da relação litigiosa –, justamente o 26 elemento subjetivo), não atingindo terceiros, quer seja para favorecer, quer seja para depreciar. E ainda: [...] o bom entendimento da disposição em exame decorre da distinção formulada por Carnelutti entre parte em sentido material e parte em sentido formal, o que nada tem de surpreendente, diante da influência exercida por Carnelutti na elaboração do anteprojeto do Código de Processo Civil brasileiro. Esse entendimento permite a aplicação, sem maiores dificuldades, da regra explicitada no artigo 472, à coisa julgada formada tanto nos casos de legitimação ordinária como naqueles de legitimação extraordinária. Realmente, assim se explica porque, no caso de substituição processual, o substituído fica sujeito à coisa julgada formada em processo de que não participou. Naturalmente, a autoridade da coisa julgada se impõe aos sucessores das partes, a título universal ou singular. Isto não constitui exceção à regra, mas o resultado da operação normal da sucessão, pela qual o sucessor toma o lugar do sucedido, assumindo os direitos e obrigações atinentes à posição ou relação jurídica em que este se encontrava. (CINTRA, 2003, p. 138) Já a segunda parte do referido dispositivo especifica a regra subentendida na primeira parte, porque é evidente que a sentença prolatada no processo em que há litisconsortes, a coisa julgada desempenhará sua autoridade sobre os litisconsortes, os quais compartilham a relação jurídica litigiosa (na qualidade de partes), haja vista que têm interesse jurídico. Necessita-se, portanto, analisar a expressão usada, “litisconsórcio necessário”, o que nos comporta dizer que naqueles eventos de litisconsórcio facultativo, a coisa julgada não desempenhará sua autoridade sobre terceiros interessados, os quais não tenham participado do processo. Necessita-se analisar a circunstância do assistente: O assistente fica em posição especial no tocante à coisa julgada formada no processo em que interveio. Embora seja parte nesse processo, ainda que secundária, a sentença não faz coisa julgada com relação ao assistente, a ele se aplicando a regra contida no artigo 55 do Código de Processo Civil [...]. (CINTRA, 2003, p. 320) Câmara ressalta (2006, p. 495) que “a afirmação contida no artigo 472 do CPC, segundo o qual a coisa julgada só atinge as partes, não beneficiando nem prejudicando terceiros, embora exata, é incapaz de explicar todos os fenômenos ligados à extensão subjetiva da res iudicata”. 27 Fux (2004, p. 833-834) constitui alguns exemplos em que terceiros, diferentes das partes, ficam sujeitos à autoridade da coisa julgada: (a) no caso dos sucessores e dos herdeiros da parte, desde que o direito sob litígio seja transmissível; (b) no caso do suprido na substituição processual, com base na alegação de que a legitimação extraordinária tem por finalidade melhor tutelar sua posição não pode ocasionar danos à parte contrária. Assinala o Ministro (FUX, 2004, p. 835) que “atual e elegante questão põe-se no âmbito dos ‘direitos supra-individuais’, portanto considerados os difusos, os interesses coletivos e os individuais homogêneos”. Em ajuste com a doutrina da “coisa julgada secundum eventum litis”, a res iudicata abrangeria a todos “quantos se encartassem na esfera do interesse difuso, julgando-se procedente ou improcedente o pedido, superando-se o risco de eventuais conluios entre o autor da ação e o réu3”. Pelo exposto artigo 473, “é defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão”. Pela que se pode extrair da redação do artigo retrotranscrito, proíbe-se à parte rediscutir, durante o procedimento processual, matérias preclusas que já tenham sido objeto de decisão interlocutória antecedente. A consumação da preclusão expressa o prejuízo da capacidade de desempenhar qualquer ato processual, o que é flagrantemente presumível de acontecer no tocante às decisões interlocutórias, porquanto em analogia a estas cabe o recurso de agravo, a ser interposto no prazo de dez dias (artigo 522, CPC). Daí não decorre, contudo, que ao juiz fique sempre vedado rever as decisões cuja rediscussão pela parte ficou preclusa. Importa distinguir, nesse ponto, dado que, por expressa disposição de lei, o juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não for proferida a sentença de mérito, das matérias referidas pelos incisos IV, V e VI do artigo 267 do Código de Processo Civil (Código de Processo Civil, artigo 267, parágrafo terceiro), do que resulta que, quanto a essas matérias, a preclusão não opera com relação ao juiz. Em conseqüência, quanto a essas matérias, apesar de não haver recurso da parte, o juiz está autorizado a rever suas decisões proferidas no curso do processo, redecidindo questões. (CINTRA, 2003, p. 322). 3 Ver artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). 28 Desta maneira, resta claro que a decisão será imutável em relação aos litisconsortes. O litisconsórcio institui-se em meio a todos os que são juridicamente interessados, para os restantes dos terceiros não existirá qualquer possibilidade de recorrer da decisão transitada em julgada, ainda que sofra prejuízos de fato. 2.5 COISA JULGADA FORMAL A coisa julgada formal é a prestação jurisdicional entregue pelo Estado, com traço de imutabilidade, dentro do processo, como alicerce de sua irrevogabilidade exterior do processo. Deste modo, a coisa julgada formal se constitui quando não é mais admissível interpor mais qualquer tipo de recurso, incidindo assim, sobre a sentença a qualidade imutável, pelo fato de se ter ocorrido à conhecida preclusão. Sobre a coisa julgada formal destacamos os ensinamento de Wambier: "Na doutrina aparece a expressão preclusão máxima para designar a coisa julgada formal, e isto significa que a coisa julgada formal se identifica de fato com o fim do processo, tendo lugar quando da decisão já que não caiba mais recurso algum (ou porque a parte terá deixado escoar in albis os prazos recursais ou porque terá interposto todos os recursos). Torna-se indiscutível a decisão naquele processo em que foi proferida, já que o processo acabou." (WAMBIER, 2003, p. 565) Nessa mesma ideologia, Santos avalia a coisa julgada formal: "Não mais suscetível de reforma por meio de recursos, a sentença transita em julgado, tornando-se firme, isto é, imutável dentro do processo. A sentença, como ato processual, adquiriu imutabilidade. E aí se tem o que se chama coisa julgada formal, que consiste no fenômeno da imutabilidade da sentença pela preclusão dos prazos para recursos." (SANTOS, 2003, p.43) Diante destes ensinamentos, podemos deduzir que não é aceitável deixar de pôr em discussão a questão de forma mais incisiva, de forma que as sentenças que acontecem em virtude do art. 267 do CPC apenas são alcançadas pela preclusão, uma vez que é uma sentença meramente terminativa. 2.6 COISA JULGADA MATERIAL 29 A coisa julgada material obsta novo exame do litígio que tornou-se irrecorrível, por qualquer juiz ou tribunal. A coisa julgada material é qualidade que exterioriza os efeitos do processo, não os limitando ao processo em questão e sim para sua causa de pedir já decidida. Nosso Código de Processo Civil traz a acepção da coisa julgada material de forma cristalina, afirmando a coisa julgada material como eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença irrecorrível (art. 301, §§ 1º, 2º e 3º e art. 467, ambos do CPC) E com a análise do art. 468 do CPC, podemos extrair que a coisa julgada possui força de Lei: “A sentença que julgar total, ou parcialmente a lide tem força de Lei nos limites de lide das questões decididas" Ao versar sobre o tema, ressalta Santos: "Em consequência da coisa julgada formal, pela qual a sentença não poderá ser reexaminada e, pois, modificada ou reformada no mesmo processo em que foi proferida, tornam-se imutáveis os seus efeitos (declaratório, ou condenatório, ou constitutivo). O comando emergente da sentença, como ato imperativo do Estado, torna-se definitivo, inatacável imutável, não podendo ser desconhecido fora do processo. E aí se tem que se chama coisa julgada material, ou coisa julgada substancial, que consiste no fenômeno pelo qual a imperatividade do comando emergente da sentença adquiri força de lei entre as partes." (SANTOS, 2003, p. 45) Temos o entendimento de Wambier: "A coisa julgada material, a seu turno, só se produz quando se tratar de sentença de mérito. Faz nascer a imutabilidade daquilo que tenha sido decidido para além dos limites do processo em que se produziu, ou seja, quando determinada decisão judicial passa a pesar autoridade de coisa julgada, não se pode mais discutir sobre aquilo que foi decido em outro processo." (WAMBIER, 2003, p. 551, grifo do autor) Dessa mesma forma, podemos contar com o entendimento de Santos: "Mas a qualidade da sentença se acrescenta uma outra, que lhe dá autoridade além do processo em que foi proferida. O comando emergente da sentença se reflete fora do processo em que foi proferida, pela imutabilidade do seus efeitos. A vontade da lei, que se contém no comando emergente da sentença, e que corresponde à expressão da vontade do Estado de imutável no mesmo ou em outro processo. O comando emergente da sentença, tornado imutável, adquire autoridade de coisa julgada, a impedir que a relação de direito material decidida, entre as mesmas partes, seja reexaminada e decidida, no mesmo processo ou em outro processo, pelo mesmo ou outro juiz ou tribunal, assim, fala-se em coisa julgada material, ou substancial, como autoridade da coisa julgada." (SANTOS, 2003, p. 44, grifo do autor) Como citado, em decorrência da lei a coisa julgada material possui força 30 obrigatória, não somente entre as partes como também em relação aos juízes, que deverão respeitá-la. Deste modo, ante a força vinculante da coisa julgada, este não teria capacidade de subsistir sozinho, motivo pela qual a coisa julgada formal é prévia condição para sua concepção. Assim sendo, enquanto a coisa julgada formal decorre a imutabilidade da sentença naquele processo, a coisa julgada material vem ampliar seus efeitos, dando-lhe autoridade para que não mais venha a ser discutida. De tal forma constatamos que só a parte da lide que tenha sido decidida fará coisa julgada. 31 3 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA 3.1 NOÇÕES GERAIS A teoria da coisa julgada inconstitucional foi aceita pelo legislador brasileiro que, compassivo às manifestações de consistentes processualistas pátrios, resultou por inserir em nosso direito positivo a idéia da relativização da coisa julgada, por meio da inserção de um parágrafo único ao art. 741 do CPC, através da Medida Provisória nº 2.180-35/2001, acrescido com a conseqüente redação: "Para efeito do disposto no inciso II deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidos por incompatíveis com a Constituição Federal". Tal relevante mudança na legislação, com o intuito de harmonizar os postulados de segurança e justiça, por meio da relativização da coisa julgada, não teve, categoricamente, o intuito de extinguir o instituto, tenha vista a sua irretorquível relevância para o sistema processual brasileiro, muito menos o intuito de amainar a aparência de definitividade das decisões judiciais que transitaram em julgado, mas, de modo contrário, procurou colaborar para o aprimoramento da sistemática abraçada. Por fim, a intangibilidade conforma simples contorno de retórica, já que coisa alguma pode afrontar a Constituição Federal, sob o risco de danificar o Estado de Direito. Destarte, em conformidade com a nova sistemática abraçada, a relativização da coisa julgada obtém espaço quando o título executivo judicial estiver constituído em: a) lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal; ou b) aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal. O aproveitamento do primeiro caso, por sua limpidez e objetividade, não apresenta grandes obstáculos, sendo suficiente que a sentença ou o acórdão exeqüendo seja fundado em lei ou outro ato normativo declarado inconstitucional pela Suprema Corte - em sede de controle tanto concentrado, quanto difuso - para que o juiz, denegando-lhe exigibilidade, professe a nulidade da execução, à luz do 32 art. 741, inc. II, parágrafo único, do CPC. A segunda proposição, não obstante, proporciona grande complexidade, visto que o título executivo não possui a sua inconstitucionalidade livremente observada pelo juiz que julga dos embargos, tornando-se mister a preexistência de uma declaração da Suprema Corte. Com efeito. Em objeto de controle de constitucionalidade, o STF justapõe a metodologia da cognominada interpretação de acordo com ou sem diminuição parcial de texto "(...) utilizável quando a norma impugnada admite, dentre as várias interpretações possíveis, uma que a compatibilize com a Carta Magna, e não quando o sentido da norma é unívoco". De acordo com o ilustre constitucionalista Morais (2004, p. 254), para que ocorra um satisfatória interpretação conforme a Constituição: "(...) o intérprete poderá declarar a inconstitucionalidade parcial do texto impugnado, no que se denomina interpretação conforme com redução de texto, ou, ainda, conceder ou excluir da norma impugnada determinada interpretação, a fim de compatibilizá-la com o texto constitucional. Essa hipótese é denominada interpretação conforme sem redução do texto”. (MORAIS, 2004, p.254) Em tal obra, o autor enxerga três hipóteses: “a) interpretação conforme com redução do texto; b) interpretação conforme sem redução do texto, conferindo à norma impugnada uma determinada interpretação que lhe preserve a constitucionalidade e c) interpretação conforme sem redução do texto, excluindo da norma impugnada uma interpretação que lhe acarretaria a inconstitucionalidade.”. (MORAIS, 2004, p.265) Assim sendo, para que o juiz dos embargos perfilhe a inexigibilidade do título judicial constituído em aplicação ou interpretação entendidas por conflitantes com a Constituição Federal, igualmente se faz imperativo a declaração prévia da Suprema Corte. Este é a inteligência de Assis (2006, p. 1049), em anotações ao novo parágrafo único do art. 741 do CPC. Em sentido semelhante, Talamini assim ensina "é indispensável que a consideração de inconstitucionalidade funda-se em pronunciamento do STF" (TALAMINI, 2002, p. 57). O conceituado processualista Theodoro Júnior e Faria, no entanto, alimenta a idéia absolutamente oposta, sob o contexto de que "a exegese, porém, é 33 excessivamente restritiva e não se compatibiliza com a idéia de inconstitucionalidade", portanto ampliando sua inteligência argumentativa: "Da desconformidade do ato público, qualquer que seja ele, com a ordem constitucional decorre uma invalidade. O ato apresenta-se absolutamente nulo, de sorte que, a qualquer tempo e em qualquer juízo, essa nulidade poderá ser perquirida e declarada". "(...) No bojo dos embargos à execução, portanto, o juiz, mesmo sem prévio pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, está credenciado a recusar execução à sentença que contraria preceito constitucional, ainda que o trânsito em julgado já se tenha verificado". "(...) Na segunda parte do dispositivo em exame, destarte, a inexigibilidade não se reporta a prévio pronunciamento do STF, mas decorre de constatação feita diretamente pelo juiz dos embargos sobre o teor do título executivo judicial". (THEODORO JÚNIOR e FARIA, 2002, p. 98-99), Data vênia, é de se divergir do entendimento do conceituado processualista, haja vista que tal interpretação pode desvirtuar a conjunturas absurdas, envolvendo toda a norma processual. Com efeito. Tenha-se, como exemplo, uma ação de cobrança julgada improcedente na 1ª instância, sob o argumento de ter o autor entrado no serviço público sem antecedente concurso público, contrariando, dessarte, o art. 37, inc. II, da CF. Suponha-se que em grau recursal, o tribunal competente, ainda que perfilhando a nulidade do liame, tenha condenado o ente público estatal no pagamento dos salários retidos, diferenças salariais, etc., com baldrame no princípio que proíbe o enriquecimento ilícito. Faz-se a seguinte pergunta: Poderia o juiz de 1º grau, vindo a julgar embargos na fase executiva, acatar argüição de que o título judicial (acórdão) se baseara em aplicação ou interpretação conflitantes com o texto constitucional (2ª hipótese), com base no art. 741, inc.II, parágrafo único, do CPC. Em se perfilhando à inteligência do conceituado processualista, a resposta seguramente seria afirmativa. No entanto, sem que haja uma declaração antecedente do STF de que esse entendimento seria desconforme com o texto constitucional, aceitar-se tal probabilidade importaria em uma real subversão do ordenamento jurídico processual, com o juiz inferior re-analisando sentenças do tribunal superior, apreciando outra vez a mesma lide, estabelecendo-se, sem qualquer de equívoco, a desordem processual e a eternização de demanda. Daí ao certo do entendimento doutrinário de Assis e Talamini, 34 supracitados. 3.2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA No contexto nacional, a teoria da relativização começou a auferir fôlego pelo ano de 2000 em diante, inicialmente com a base da estrutura teórica decorrente de alguns doutrinadores, como: Ministro José Augusto Delgado, Humberto Theodoro Junior, Ivo Dantas, Cândido Rangel Dinamarco, Carlos Valder do Nascimento, dentre outros. (DINAMARCO, 2001, p. 59) O primeiro desbravador da tese a percorrer o Brasil foi o Ministro José Augusto Delgado, membro do Superior Tribunal de Justiça, o qual alavancou, com sustentáculo na coisa julgada inconstitucional, ou seja, que todo provimento jurisdicional carece de preservar consonância com a Constituição, sob o infortúnio de se estabelecer uma não decisão. (DINAMARCO, 2001, p. 62) A decisão se finda como conseqüência da uma função do Estado, exteriorizando a sua vontade, carecendo, deste modo, ser pronunciada de ajuste com a justiça e equidade. (DELGADO, 2002, p. 73) A justiça é o caminho para a hegemonia da Constituição e, com efeito, todos os princípios constitucionais se sujeitam a ela. Não é aceitável, nem suportável ter um sistema processual em que uma decisão inconstitucional, de carga lesiva não possua caminhos para ser revertida. (MARINONI, 2004, p. 97) O processo não pode ser entendido com uma mera peça retórica e o dogma da coisa julgada que deturpa ou desconfigura a realidade, não pode mais subsistir, eis que como afirma Delgado (2002, p. 52) “sentença que ofende a Constituição nunca terá força de coisa julgada” Por esse aspecto, a coisa julgada não será absoluta, seu regramento encontra-se abaixo da Constituição e os efeitos da coisa julgada resultam diminuídos ante aos princípios da moralidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, da legalidade e do justo, como acentua Delgado (2002, p. 52). Na visão de Dinamarco (2001, p. 160), a sentença extraordinariamente lesiva não há de ser considerada sentença e, dessa maneira jamais alcançaria o transito em julgado. 35 Humberto Theodoro Junior e Juliana Cordeiro de Faria (2003, p. 89-90) entendem que, ao contrário de não-sentença, a decisão transitada em julgado em manifesto desacordo com a Constituição, sofrendo, assim, de vício de inconstitucionalidade, é nula e não inexistente, havendo aparência de coisa julgada. Em sendo assim, os doutrinadores aludidos somente discrepam se a decisão é inexistente, sequer se constituindo coisa julgada (postura Delgado e Dinamarco), ou se é nula, inválida, porém existente (posição de Humberto e Juliana). Entretanto, as duas correntes afluem para a justaposição da justiça, com apoio nos princípios constitucionais da moralidade, razoabilidade e proporcionalidade, na acepção de se “relativizar a coisa julgada” que se posta na legislação infraconstitucional e que não tem como ser preservada, buscando a justiça, atacando e modificando a coisa julgada inconstitucional. Se o justo é a passagem, não interessam os caminhos processuais, para se alcançar a relativização e, com isso, obtém-se a magnitude alojada pelo Prof. Candido Dinamarco (2001, p. 162-163), o qual completa que pode ser relativizada por “simples petição nos autos, via ação rescisória, embargos à execução, objeção/exceção de executividade, querela nullitatis”, ou seja, por qualquer meio processual que se alcance a extensão ética do processo. Nessa seara, não se deve impor prazo para a relativização da coisa julgada, forma ou impor rol de matérias, por isso, o Ministro José Delgado (2003, p. 50-52) em seu escrito acerca do assunto sugere 34 (trinta e quatro) exemplos de não-sentenças que não contraem o ânimo da coisa julgada, como a que evita alguém de associar-se ou a que rejeita o direito de herança ou a que não concede aposentadoria ao trabalhador ou férias, ou a que afronta a soberania estatal e por aí segue... Finda-se esse primário aspecto com a passagem de Theodoro Junior (1999, p. 119-137) para nossa ponderação, que leciona que a justiça é anterior ao Direito e é em seu nome que historicamente se forjaram os ordenamentos jurídicos. Que é um dado ético antes que jurídico. Daí que, sob o feitio de princípio, o justo adentra todo o sistema jurídico e, assim, se faz presente como a maior força dominante sobre os métodos e critérios de interpretação e aplicação das normas jurídicas. 36 3.3 NATUREZA JURÍDICA DA COISA JULGADA NO SISTEMA PROCESSUAL Os relativistas a introduzem no âmbito infraconstitucional, em função das lavas do diploma processual civil (art. 467 e ss). Refletir, dessa maneira, é denegar o devido processo que é, nas pertinentes expressões de Nery Junior (2004, p. 60) o “princípio fundamental do processo civil.” Só existe o devido processo legal, quando mesclado à coisa julgada, dentro do elemento da constitucionalidade democrática. O devido processo constitucional precisa da coisa julgada, é aí que se encontra o grande fundamento do inciso XXXVI do art. 5º da CF/88, quanto à coisa julgada. O binômio da coisa julgada/devido processo é abordado por Leal (2005, p. 04-08), com quem aquiescemos. O calibre do assunto da natureza jurídica da coisa julgada adquire dimensão ainda maior quando se ressalta que, nas linhas do Texto Constitucional, essa entidade é um direito fundamental e, nesse norte, se posta como uma cláusula pétrea, em consonância com o §4º do art. 60 da CF/88. Destarte, existe a necessidade de serem admitidas as afirmações de Marinoni (2004, p. 162-163), Nery Junior (2004, p. 38), Wambier e Medina (2003, p. 22), no âmbito de que a coisa julgada material é propriedade do Estado Democrático de Direito, sendo um de seus importantes elementos de existência. O alicerce da República Federativa do Brasil é o Estado Democrático de Direito, expresso no art. 1º da CF/88, e ele se revela à luz da coisa julgada. Porfiando, em conseguinte, a coisa julgada funda norma-princípio constitucional e não simples norma-regra do compêndio processual civil pátrio, como cerne que irradia e magnetiza todo o ordenamento jurídico, sendo a sua relativização fator de exceção, que deve estar categoricamente conjeturado no sistema. Sendo assim, entende-se que a coisa julgada é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, força matriz e motriz para a sua realização. 3.4 A IMPORTÂNCIA DA COISA JULGADA MATERIAL 37 A coisa julgada material se distingue por tornar os dizeres e comandos inseridos na sentença definitivos e imutáveis. Não há como olvidar-se do por que a jurisdição foi, por longo tempo, marcada pela coisa julgada material. Quando se afirma que a coisa julgada material não deve ser entendida como característica basilar da jurisdição, imputam-se considerações que, ainda que não contenham carga declaratória hábil a fazer surgir coisa julgada material, são essenciais para a efetiva proteção dos direitos, como aquele que encerra o processo cautelar. Entretanto, nota-se mister “entender que a coisa julgada material não é característica da jurisdição não é o mesmo do que dizer que a jurisdição não deva zelar pela coisa julgada material.”. (MARINONI, 2004, p. 150-151) A coisa julgada é apreciada como qualidade imprescindível ao Estado Democrático de Direito e à efetividade do direito constitucional de acesso ao Poder Judiciário – de modo óbvio quando se reflete no processo de conhecimento. Em sentido semelhante vem a lição de Marinoni, que defende a idéia de que “de nada adianta falar em direito de acesso à justiça sem dar ao cidadão o direito de ver seu conflito solucionado definitivamente” (MARINONI, 2004, p. 145-146). Por isso, se a definitividade intrínseca à coisa julgada pode, em certos casos, ocasionar acontecimentos indesejáveis para o próprio sistema jurídico, não seria certo aceitar que, em função deste fato, ela meramente possa ser desconsiderada. Nessa acepção, não parece que a mera declaração de que o Poder Judiciário não pode proferir decisões antagônicas à justiça, à veracidade dos fatos e à lei, possa ser entendida como um acertado alicerce para o que se almeja ver com relativização da coisa julgada. Ora, o próprio sistema enceta do conceito de que o juiz não deve proferir decisões dessa forma, mas não ignora que isso possa ser feito. Tanto é que antevê a ação rescisória, admissível em casos inseridos no texto legal. O que se sucedeu, perante a forçosa probabilidade de comportamentos indesejados pelo sistema, foi manifesta acepção das hipóteses em que a coisa julgada pode ser rescindida. Com isso, objetivou-se, oferecer cautela a certas situações redondamente divergente do dever jurisdicional, porém sem extinguir a segurança de indiscutibilidade e imutabilidade, intrínsecos ao poder estabelecido para dar solução às lides, com também indispensável à efetividade do direito de ingresso aos tribunais e à segurança e à estabilidade da vida da população em 38 geral. Ainda sem entrar em discussão de complicados tópicos da filosofia do direito, pode-se com lógica asseverar que as teses da “relativização” não ministram nenhuma resposta para a questão da correção da decisão que supriria a decisão classificada pela coisa julgada. Ora, aceitar que o Estado-Juiz cometeu erro no julgamento que se consolidou, de modo óbvio provoca em acolher que o Estado-Juiz pode errar também no segundo julgamento, quando o conceito de relativizar a coisa julgada não acarretaria nenhum melhoramento ou situação de justiça. 3.5 DOUTRINA MUNDIAL E A COISA JULGADA? É amplamente bem reputada. Discrepam somente se é qualidade ou efeito da sentença. Na primeira corrente, encontra-se Theodoro Junior (1996, p. 41) e, como conseqüência, à modo de ilustração, Celso Neves (1971, p. 443). Ao passo que, para a teoria alemã, a coisa julgada é uma eficácia da declaração, no âmbito dos efeitos da sentença (JAUERING, 2002, p. 335). Salienta-se somente que Barbosa Moreira (1984, p. 113) possui um entendimento característico do que seja a coisa julgada, sendo que, para o mesmo: “não se expressa de modo feliz a natureza da coisa julgada, ao nosso ver, afirmando que ela é um efeito da sentença, ou um efeito da declaração nesta contida. Mas tampouco se amolda bem à realidade, tal como a enxergamos, a concepção da coisa julgada como uma qualidade dos efeitos sentenciais, ou mesmo da própria sentença. Mais exato parece dizer que a coisa julgada é uma situação jurídica: precisamente a situação que se forma no momento em que a sentença se converte de instável em estável. É a essa estabilidade, característica da nova situação jurídica, que a linguagem jurídica se refere, segundo pensamos, quando fala da ‘autoridade da coisa julgada”. ( Barbosa Moreira, 1984, p. 113) Não interessa a linha de raciocínio teórica, mas juntos eles aquiescem que a coisa julgada material é o resultado imprescindível do exercício do direito de ação por meio do processo. 39 3.6 CASOS PARADIGMÁTICOS DA RELATIVIZAÇÃO Os dois casos digno de ser chamados de paradigmáticos da relativização foram o da desapropriação em São Paulo e o dos exames de DNA. O da desapropriação com um valor de indenização completamente ilusório (muito mais do que o justo valor) provocou para os relativistas a adotar uma posição de desconsideração da coisa julgada, visto que a sentença transitada em julgado afrontava cristalinamente o princípio da moralidade administrativa. (MARINONI, 2004, p. 156) O dos exames de DNA, assim do descobrimento do avanço tecnológico, instigaram a possibilidade dos filhos de perquirirem a investigação de paternidade, com a finalidade de descobrirem seus verdadeiros vínculos de filiação, não podendo aceitar-se trânsito em julgado, quando não é justo, razoável e proporcional na norma afastar-se da mundo real e do fato de quem é o verdadeiro pai. (MARINONI, 2004, p. 120) Nessa mesma estirpe, a relativização passou a ser introduzida via princípios da moralidade administrativa, cujo benefício cristalino é em favor da Administração Pública; razoabilidade e proporcionalidade que são meios de interpretação no cerne da abertura do ordenamento e do justo que se compõe num valor ideal, completamente absorto e sem nenhum critério de definição. (MARINONI, 2004, p. 223) Ao contrário, percebe-se que não é admissível, nem adequado para o ordenamento processual civil a relativização e, muito menos, tem em seu poder argüição compatível com a teoria geral da prova, onde nela encontra-se patenteada a idéia de que não existe espaço de absoluta verdade e, como decorrência, de justiça também absoluta. Calamandrei (1999, p.273) diz que: “A coisa julgada não cria nem uma presunção nem uma ficção de verdade: a coisa julgada só cria a irrevogabilidade jurídica do mandato, sem se cuidar em distinguir se as premissas psicológicas das quais esse mandato tem nascido, são premissas de verdade ou somente de verossimilitude.” (CALAMNDREI, 1999, p.273) Como se pode retornar aos pilares do “mandato”, na nomenclatura de 40 Calamandrei, se sua determinação se deu, em decorrência de premissas psicológicas do julgador? A quem caberia a reanálise: ao mesmo juízo, ao tribunal? Em que consistem as características a serem consideradas? Em virtude de que o discurso judicial decisório tem por finalidade a absorção da insegurança, esta juntamente com a incerteza não podem jamais acontecer para o caminho da tutela jurisdicional, encerrando-se, assim, as questões geradoras de conflitos. (FERRAZ JUNIOR, 2003, p. 344-347). Como atenta o ilustre douto Marinoni (2004, p. 163), a relativização não consegue elucidar que se o Estado-juiz falhou no julgamento que se consolidou, logicamente implica acolher que o Estado-Juiz conseqüente pode incorrer em erro no julgamento posterior, quando o conceito de relativizar a coisa julgada não acarretaria qualquer benefício ou situação de justiça. 3.7 OS EFEITOS DA DECISÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM RELAÇÃO À COISA JULGADA MATERIAL O sistema pátrio não guarda somente ao Supremo Tribunal Federal a julgamento de inconstitucionalidade da lei. Como já é sabido, tanto os juízos de primeiro grau, tanto os de segundo grau podem também fazer esse controle, no decurso de qualquer processo, como demanda incidental ao julgamento do mérito. (CLÉVE, 2000, p. 163). O conceito de que a declaração de inconstitucionalidade de lei pelo Supremo Tribunal Federal torna nula a sentença (transitada em julgado) que nela se constituiu, provoca algo que poderia denominar-se de “controle da constitucionalidade da sentença transitada em julgado.” (MARINONI, 2010, p.4) Ou melhor, a idéia seria de retroatividade da decisão de inconstitucionalidade para chegar à coisa julgada. Isso seria a mesma coisa do que recepcionar que a sentença que se instituiu em lei considerada constitucional, e foi proferida em processo que analisou todas as garantias processuais das partes, pode ser declarada nula por decisão do Supremo Tribunal Federal que, tempos depois, afirme a mesma lei inconstitucional. Como está cristalino, o que é importante saber é 41 se a sentença que declarou a inconstitucionalidade, emitida pelo Supremo Tribunal Federal, pode retroceder a fim de atingir a coisa julgada material. (MENDES, 1990, n. 11) Não paira suspeita que, no direito pátrio, infere-se, sem grandes debates, que a decisão de inconstitucionalidade resulta efeitos ex tunc, e, portanto retrocede até o tempo da edição da lei. Afiança-se, em sentido semelhante, que essa decisão não há carga desconstitutiva, e sendo assim não somente revoga a lei. A natureza de tal decisão é declaratória, pois reconhece a nulidade da lei, insta salientar, um estado já existente (CLÉVE, 2000, p. 163). Sucede que essa questão, pertinente a retroatividade dos efeitos, necessita ser analisada com precaução, uma vez que não há sentido em aceitar que uma teoria, apenas porque idônea em "determinado sentido", possa ser aceita como adequada em "outro" apenas para que o seu arcabouço lógico-formal não seja abalado. Esse "outro sentido", de que se explana, remete exatamente àquelas circunstâncias que não merecem ser abrangidas pela declaração de inconstitucionalidade. Em sentido semelhante, o Supremo Tribunal Federal, em voto da lavra do Ministro Leitão de Abreu, destacou a necessidade de se adubar a tese da retroatividade da declaração de inconstitucionalidade para se deixar livres as situações jurídicas instituídas em ato praticado de boa fé (RTJ, v. 97, p. 1369.). Aliás, mesmo nos Estados Unidos, país em que a expressão "lei inconstitucional" chegou a ser ponderada como uma incoerência em termos diante da expressiva afirmação de que “the inconstitutional statute is not law at al”, ou seja, que o instituto inconstitucional não é lei afinal de contas (MENDES, 1990, n. 11), permanecem sinais de atenuação da força da teoria da eficácia ex tunc. (MARINONI, 2004, n. 448). Recentemente, a Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1.999 - que "dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal" –, estabeleceu no seu art. 27 que: 42 "ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento em que venha a ser fixado" (MENDES, 1990, n. 6). Existe quem afiance, todavia, que "o vício da inconstitucionalidade gera invalidade do ato público, seja legislativo, executivo ou judiciário", e assim uma "sentença nula de pleno direito", que pode assim ser reconhecida "a qualquer tempo e em qualquer procedimento", por ser "insanável" o vício contido nela. (THEODORO JÚNIOR e FARIA, 2002, p. 558). Tal inteligência deve conjeturar que a coisa julgada sempre pôde sofrer os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou, em melhor hipótese, que a coisa julgada poderá ser alcançada assim que a decisão declaratória de inconstitucionalidade não a ressalvar, nos termos do referido art. 27 da Lei 9.868/99. Sucede que a coisa julgada não se sujeita aos efeitos ex tunc da declaração de inconstitucionalidade e, deste modo, antes mesmo do art. 27 da Lei 9.868/99 – que, na realidade, com ela não tem qualquer relação -, já era livre a tais efeitos. Clève, em livro publicado em 2000, já dizia que "a coisa julgada consiste num importante limite à eficácia da decisão declaratória de inconstitucionalidade" (CLÈVE, 2000. 169.), enquanto que Mendes, ressaltou que o sistema de controle da constitucionalidade brasileiro considera: "uma ressalva expressa a essa doutrina da retroatividade: a coisa julgada. Embora a doutrina não se refira a essa peculiaridade, tem-se por certo que a pronúncia de inconstitucionalidade não faz tabula rasa da coisa julgada erigida pelo constituinte em garantia constitucional (CF, art. 153, §3o). Ainda que não se possa cogitar de direito adquirido ou de ato jurídico perfeito, fundado em lei inconstitucional, afigura-se evidente que a nulidade ex tunc não afeta a norma concreta contida na sentença ou acórdão". (MENDES 1990, p. 280.) É possível que, depois da edição do art. 27 da Lei 9.868/99, qualquer um seria capaz afirma que a coisa julgada passaria a ser atingida pelos efeitos ex tunc se não fosse claramente ressalvada na decisão que viesse a declarar a inconstitucionalidade. 43 Senão observemos que o art. 282, §4, da Constituição da República Portuguesa foi grande inspiração para o artigo da Lei supracitada. Inspiração que foi ressaltada por Streck (2002, p. 543): “que é assim redigido: Quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos ns. 1 e 2. A semelhança entre as duas normas é indisfarçável”. (STRECK, 2002, p. 543.) Embora o art. 27 da lei brasileira acena a "razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social", a cláusula da Constituição portuguesa fala expressamente em "segurança jurídica" e em "razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo". Deixe-se límpido que a Constituição portuguesa acolhe a eficácia ex tunc da decisão de inconstitucionalidade (art. 282º, §1). No entanto, e como se faz óbvio, a Constituição portuguesa, quando traz que o Tribunal Constitucional pode restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade "quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo" o exigirem, não parte da idéia de que a coisa julgada material, para ser observada, depende de a decisão de inconstitucionalidade ter restringido os seus efeitos em relação a ela. Na realidade, o sistema da Constituição portuguesa é expresso no norte de que os efeitos da decisão de inconstitucionalidade não alcançam a coisa julgada, o que exclusivamente pode ocorrer em casos tido como excepcionais, quando a própria decisão de inconstitucionalidade assim afirmar. Com efeito, segundo o art. 282º, § 3, da Constituição portuguesa, "ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao argüido". (Miranda, 2000, p. 258 e ss.). Ou seja, com relação à coisa julgada os seus efeitos não retrocedem, o que pode ocorrer exclusivamente em hipóteses singulares, expressamente declaradas pelo Tribunal Constitucional. Como explica Canotilho: 44 "quando a Constituição (art. 282º, §3) estabelece a ressalva dos casos julgados isso significa a imperturbabilidade das sentenças proferidas com fundamento na lei inconstitucional. Deste modo, pode dizer-se que elas não são nulas nem reversíveis em conseqüência da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. Mais: a declaração de inconstitucionalidade não impede sequer, por via de princípio, que as sentenças adquiram força de caso julgado. Daqui se pode concluir também que a declaração de inconstitucionalidade não tem efeito constitutivo da intangibilidade do caso julgado (...) Em sede do Estado de direito, o princípio da intangibilidade do caso julgado é ele próprio um princípio densificador dos princípios da garantia da confiança e da segurança inerentes ao Estado de Direito" (CANOTILHO, 2002, p. 1004). No direito português, o art. 282º, §3 da Constituição portuguesa constitui uma ressalva ao princípio da intangibilidade da coisa julgada, conforme leciona Canotilho: "Nas hipóteses de casos julgados em matérias de ilícito penal, ilícito disciplinar e ilícito de mera ordenação social, a exceção à ressalva do caso julgado pode justificar-se em nome do tratamento mais favorável aos indivíduos que foram sujeitos a medidas sancionatórias penais, disciplinares ou contra-ordenacionais. A exceção à regra consistiria, portanto, no seguinte: a declaração de inconstitucionalidade tem efeitos retroativos mesmo em relação aos casos julgados se da revisão retroativa das decisões transitadas em julgado resultar um regime mais favorável aos cidadãos condenados por ilícito criminal, ilícito disciplinar ou ilícito contraordenacional. Note-se que esta exceção ao princípio da intangibilidade do caso julgado não opera automaticamente como mero corolário lógico da declaração de inconstitucionalidade. A revisão de sentenças transitadas em julgado deve ser expressamente decidida pelo Tribunal em que se declare a inconstitucionalidade da norma” (CANOTILHO, 2002, p. 1005.). Informa-se, contudo, que, no direito pátrio, a doutrina constitucional semelhante que ressalvava a coisa julgada em face da eficácia da decisão declaratória de inconstitucionalidade, afastava desse temperamento a coisa julgada das sentenças penais baseadas em norma penal desfavorável. (CLÈVE, 2000, p. 169). Em lado diverso, e agora em outra extensão, é necessário ressaltar que, na suposição de efeito retroativo da decisão de inconstitucionalidade em relação à coisa julgada, o objeto abordado não seria o texto legal, mas sim, a própria decisão judicial ou a norma do caso concreto. Na realidade, a tese da retroatividade em relação à coisa julgada deixa que a decisão judicial transitada em julgado não seja 45 uma simples lei - que pode ser denegada por ser declarada nula -, “mas sim o resultado da interpretação judicial que se fez autônoma ao se desprender do texto legal, dando origem à norma jurídica do caso concreto.”. (MARINONI, 2010, p. 7) 46 4 DA (IN)SEGURANÇA JURÌDICA 4.1 EM DEFESA DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL Recentemente vêm sendo analisadas significativas manifestações de consideradas doutrinas e jurisprudências no sentido de se relativizar a coisa julgada material por decisão subseqüente em causa nova. “O argumento preponderante dos que militam em prol da relativização da coisa julgada é o nobre primado da justiça. Segundo essa corrente, o valor da segurança jurídica não é um valor absoluto no ordenamento jurídico, dado que deve conviver com um valor de primeiríssima grandeza, qual seja o da justiça das decisões emanadas pelo judiciário”. (DINAMARCO, 2001, p.12) Os que nessa acompanham essa tendência não ambicionam cravar de insignificância o princípio da segurança jurídica, mas sim harmonizar-lo a outros princípios que percebam ser de igual ou maior relevância, dado que os princípios não compõem um final em si mesmo, mas constituem parte de todos, sendo que esse pretexto pelo qual devem ser analisados. “A posição dos tribunais e dos autores americanos, como se vê, é de uma consciente e equilibrada relativização da coisa julgada, cujo efeitos imunizante ele condicionam à compatibilidade com certos valores tão elevados quanto o da definitividade das decisões. Evitar a propagação de litígios, sim, mas evitá-la sem prejuízo a esses valores.”.( DINAMARCO, 2001, P. 22) “Uma coisa resta certa depois dessa longa pesquisa, a saber, a relatividade da coisa julgada como valor inerente à ordem constitucional processual, dado o convívio com outros valores de igual ou maior grandeza e necessidade de harmonizá-los. Tomo a liberdade de, ainda uma vez, enfatizar a imperiosidade de equilibrar as exigências da segurança jurídica e de justiça nos resultados de experiências processuais, o que constitui o mote central do presente estudo e foi anunciado desde suas primeiras linhas.”. (DINAMARCO, 2001, p. 23-24) Delgado, em um julgamento mais drástico, concebe que o princípio da segurança jurídica está abaixo de valores distintos que julga absolutos: 47 “Os valores absolutos de legalidade, moralidade e justiça estão acima do valor da segurança jurídica. Aqueles são pilares, entre outros, que sustentam o regime democrático, de natureza constitucional, enquanto esse é valor infra-constitucional oriunda de regramento processual.”. (DELGADO, 2003, p. 51) O professor Dinamarco, que defende a ilegitimidade de se perpetuar injustiças sob o pretexto de evitar a eternização de incertezas, traz em seu estudo a respeito do assunto algumas situações em que se impõe a relativização da coisa julgada material, situações essas que serviram de base de observação para a formulação de sua tese, obtida por meio de uma metodologia indutiva. A autoridade da coisa julgada não se deve sobrepor aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O fundamento é que as sentenças abusivas, cujo enunciado proclame efeitos juridicamente impossíveis, em verdade não produzem efeito algum e, por via de conseqüência, não há formação de coisa julgada material. “Ora, como a coisa julgada não é em si mesma um efeito e não tem dimensão própria, mas a dimensão dos efeitos substanciais da sentença sobre a qual incida, é natural que ela não se imponha quando os efeitos programados na sentença não tiverem condições de impor-se.”. (DINAMARCO, 2001, p. 29-30) “Onde quer que se tenha uma decisão aberrante de valores, princípios, garantias ou normas superiores, ali ter-se-ão efeitos juridicamente impossíveis e portanto não incidirá a autoridade da coisa julgada material – porque, como sempre, não se concebe imunizar efeitos cuja efetivação agrida a ordem jurídico-constitucional.”. (DINAMARCO, 2001, p. 29-30). Delgado assevera que “há de prevalecer o manto sagrado da coisa julgada quando esta for determinada em decorrência de caminhos percorridos com absoluta normalidade na aplicação do direito material e do direito formal.”. (DELGADO, 2003, p. 51). Couture (apud DINAMARCO, 2001, p. 17) mostra-se inquieto quanto à perpetuação da fraude processual gravada sobre a situação jurídica das pessoas, conseguida pela base da coisa julgada material, de acordo com as palavras a seguir transcritas: 48 “Disse, a propósito desse elegante tema, que ‘a consagração da fraude é o desprestígio máximo e a negação do direito, fonte incessante de descontentamento do povo e burla à lei’. Maneja o sugestivo conceito de coisa julgada delinqüente e diz que, se fecharmos o caminho para desconstituição das sentenças passadas em julgado, acabaremos por outorgar uma carta de cidadania e legitimidade à fraude processual e às formas delituosas do processo.’. (COUTURE apud DINAMARCO, 2001, p. 17). Dinamarco esquematiza todos os casos em que seria justificável a relativização da coisa julgada na subseqüente passagem: “não é lícito entrincheirarse comodamente detrás da barreira da coisa julgada e, em nome desta, sistematicamente assegurar a eternização de injustiças, de absurdos, de fraudes ou de inconstitucionalidades.”. (DINAMARCO, 2001, p. 37) Como se adverte, os ensinamentos da relativização da coisa julgada material arquitetam seu entendimento tendo como idéia basilar que o apropriado bom emprego da ordem jurídica (suas garantias, seu valores, seus princípios e suas normas) se manifesta em dogma inatingível e que deve plainar acima até da segurança jurídica das relações jurídicas4. Não que esta doutrina deseje esvaziar de sentido o princípio da segurança jurídica, pelo contrário5, mas crêem na justiça das decisões um valor maior a ser resguardado. 4.2 EM DEFESA DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA Não devemos dizer que argumentar o princípio da justiça como idéia fundamental do direito, atribuindo-se, em decorrência dele, uma relativização da 4 José Augusto Delgado (2003) diz que: “A segurança jurídica da coisa julgada impõe certeza, esta não se apresenta devidamente caracterizada no mundo jurídico quando não ostentar, na mensagem sentencial, a qualidade do que é certo, o conhecimento verdadeiro das coisas, uma convicção sem qualquer dúvida.”. 5 Cândido Rangel Dinamarco (2001, 36) ressalta que não está “a postular a sistemática desvalorização da auctorias rei judicate mas apenas o cuidado para situações extraordinárias e raras, a serem tratadas mediante critérios extraodrinários. Cabe aos juízes de todos os graus jurisdicionais a tarefa de descoberta das extraordinariedades que devem conduzir a flexibilizar a garantia da coisa julgada, recusando a flexibilizá-la sempre que o caso não seja portador de absurdos, injustiças graves, transgressões, constitucionais etc.”. 49 coisa julgada, seja deposto de racionalidade, em oposto, esse intenso argumento estabelece aos que defendem a intangibilidade da coisa julgada material uma maior fundamentação de suas razoes, especialmente no que dizer respeito à natureza de garantia fundamental que é. Gonçalves afirma que: “A coisa julgada situa-se no plano da garantia essencial à jurisdição eficaz e do perfazimento da noção de Processo Justo. Ora, se o acesso à jurisdição é um direito constitucional do cidaddão; se o processo judicial é um instrumento garantidor do exercício desse direito; a coisa julgada é, por seu turno, garantia essencial de que esse direito exercitado no processo se fará eficaz fora dele. Tal não se dando tem-se uma anomalia que resulta na insegurança jurídica.”. (GONÇALVES, 2004, p. 163) Morello (MORELLO, Apud, GONÇALVES, 2004, p. 72.) enxerga a segurança jurídica como sendo um dos principais fundamentais do ordenamento jurídico. O professor Fredie (DIDIER JR., 2007, p. 509), assim fundamenta o seu ponto de vista: “Não se pode teorizar o absurdo casuístico e pontual. Explico: o movimento da relativização da coisa julgada surgiu da necessidade de revisão de algumas sentenças, que revelam situações específicas marcadas pela desproporcionalidade. Situações particulares absurdas não podem gerar teorizações, que são sempre abstratas, exatamente porque são excepcionais. Pergunto: vale a pena, por que o absurdo pode acontecer, criar, abstratamente, a possibilidade de revisão atípica da coisa julgada? Não é correto criar uma regra geral por indução, partindo-se de uma situação absurda. Admitimos a criação de regras gerais por indução (a partir do caso concreto), o que, aliás, está ratificado pela previsão constitucional da "súmula vinculante" (art. 103-A, CF/88) e pela força normativa que se vem emprestando aos precedentes judiciais. Mas a regra geral induzida parte de uma situação-tipo, padrão, comum, trivial, prosaica; não de uma situação excepcional. A coisa julgada é instituto construído ao longo dos séculos e reflete a necessidade humana de segurança. Ruim com ela, muito pior sem ela. Relativizar a coisa julgada por critério atípico é exterminá-la. Não se discute, porém, a necessidade de repensar o instituto, notadamente em razão das inovações científicas, de que serve de exemplo o exame genético para a identificação da filiação biológica. Esse "repensar", todavia, tem de ser feito com bastante cuidado - passe o truísmo -, e com base em critérios racionais e objetivos, de preferência previstos em texto legal expresso. De um modo geral, concordamos com o pensamento de Marinoni, Ovídio e Nelson Nery.: a) as hipóteses de ação rescisória devem ser revistas, tanto aquelas relacionadas a errores in procedendo como aquelas que objetivam corrigir injustiças (p. ex.: inciso IX do art. 485 do CPC); b) a querela nuilitatis (ação imprescritível de nulidade da sentença) deve ser mais bem sistematizada, para que se admita a impugnação de 50 decisões judiciais com gravíssimos vícios formais; c) não se pode permitir a revisão atípica dos julgados por critérios de justiça, o que levaria a um problema sem solução: quem garantiria a justiça da segunda decisão, que reviu a primeira? Sempre que uma idéia possa servir para diminuir os direitos do cidadão e dar ensejo ao cometimento de arbitrariedades, é preciso estar atento, para estudá-la profundamente.” (DIDIER JR., 2007, p. 509) Leonardo Greco ampara a natureza de garantia constitucional da coisa julgada e, como tal, o entende como “verdadeiro direito fundamental”, imprescindível à concreta eficácia do direito de segurança6, expressamente antevisto no prefácio e no caput do art. 5º de nosso texto constitucional em vigência. Aquiescemos com o ilustre professor quando afiança que como direito fundamental, “sua preservação é um valor humanitário que mereça ser preservado em igualdade de condições com todos os demais constitucionalmente assegurados”. A coisa julgada trata-se, portanto, de “uma garantia essencial do direito fundamental à segurança jurídica”. (GRECO, 2002, p. 5) Prosseguindo em sua explanação, Greco, fazendo citação, até mesmo, à jurisprudência da Corte Européia de Direitos Humanos que adotou a coisa julgada como imprescindível à tutela jurisdicional concreta, articulou, em sua palavras: “Àquele a quem a Justiça reconheceu a existência de um direito, por decisão não mais sujeita a qualquer recurso no processo em que foi proferia, o Estado deve assegurar a sua plena e definitiva fruição, sem mais poder ser molestado pelo adversário. Se o estado não oferecer essa garantia, a jurisdição nunca assegurará em definitivo a eficácia concreta dos direitos dos cidadãos.” (GRECO, 2002, p. 5) A coisa julgada é garantia constitucional ao direito fundamental de segurança jurídica, segurança essa imperiosa à calmaria social, dado que permite o planejamento futuro de acordo com os efeitos da sentença e dá certeza do passado. A coisa julgada material não só afiança a segurança nas relações jurídicas como também se compõe um instrumento fundamental para a eficaz tutela jurisdicional, haja vista que garante constância aos efeitos da sentença fora do processo. O ilustre doutor Paulo de Barros Carvalho, que entende o princípio da segurança justiça como uma diretriz soberana, apreende que este primado só se 6 Já na epígrafe do presente trabalho de conclusão do curso trouxemos o entendimento de Leonardo Greco a respeito do que seja o direto de segurança, entendimentos esse que pedimos vênia para voltarmos a transcrever: “A segurança não é apenas a proteção da vida, da incolumidade física ou do patrimônio, mas também e principalmente a segurança jurídica”. (ob.cit, p. 4) 51 concretiza se implementados outros princípios, ou seja, trata-se de um “sobreprincípio” (CARVALHO, 2002, p. 144). Em meio aos princípios que comporiam um todo competente de concretizar o primado da justiça, Carvalho abaliza o da segurança jurídica, de acordo a fiel transcrição que se sucede: “Desnecessário encarecer que a segurança das relações jurídicas é indissociável do valor justiça, e sua realização concreta se traduz numa conquista paulatinamente perseguida pelo povos cultos”. (CARVALHO, 2002, p. 144). Como é possível notar, a coisa julgada não se constitui um mero instrumento jurídico processual de origem infraconstitucional, como afirma Delgado (trecho supracitado), mas uma garantia constitucional do direito de segurança jurídica afiançado pela carta magna; não é por menos que o constituinte de 1998 introduziu a coisa julgada no ementário de direito e garantias fundamentais da nova ordem democrática constitucional (art. 5º, inc. XXXVI da CRFB/88). Muito aquém de estar abaixo do valor de justiça, é um dos pré-requisitos imperativos, como asseverado por Carvalho, à implementação desse primado. Tal é a seriedade de se reverenciar situações jurídicas já solidificadas, que o ordenamento positivo brasileiro7 possibilita ao Supremo Tribunal Federal, ao declarar a inconstitucionalidade de uma norma, “e tendo em vistas as razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público”, estabelecer a ocasião a partir da qual essa nova afirmação passará a emanar seus efeitos. O professor Greco apresenta, além disso, o arquétipo de outros países (Estados Unidos Itália, Alemanha, Portugal e Espanha), em que são seguidas advertências aos efeitos ex tunc da declaração de inconstitucionalidade de suas respectivas cortes constitucionais (Greco, 2002. p.8) Uma declaração não específica de inconstitucionalidade não possui força de molestar a coisa julgada material auferida em caso concreto. A coisa julgada material trata-se de uma garantia do direito fundamental de segurança atinente às relações jurídicas, necessitando ser observado e resguardado como tal. 7 BRASIL, Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Art. 27, in verbis: “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista as razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeito daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado [grifo nosso].” 52 De outra forma, se, em certos casos, a coisa julgada material constitui a perpetuação de injustiças, como se referem os defensores da relativização, o que seria capaz de afiançar que uma revisão do julgado ocasionaria uma decisão justa mais justa que a anterior? Como assevera Greco (GRECO, 2002, p.1), motivados por um sublime anseio por justiça, os intérpretes poderiam ser impelidos a afrontar o problema emocionalmente, entusiasmados por uma antecedente e particular valoração do que seria justo ou injusto. Machado botou em discussão a justiça de uma futura decisão, conforme transcrição que se segue: “Embora se admita que a coisa julgada preserve a segurança, não se pode dizer que o faz em detrimento da justiça, [...], é certo que não se pode dizer, em princípio, afirmar que o julgado proferido em reexame da questão seria mais justo que o anterior. Poderia até, em certos casos, ser menos justo”. (MACHADO apud TESHEINER, 2001, p. 239) “Flexibilizar” a garantia fundamental da coisa julgada material para alem dos casos já elencados pelo legislador (situações resguardadas no ordenamento pátrio para ação rescisória e a querela nulitatis) não é capaz de trazer a certeza de que uma nova decisão retificará a suposta injustiça ou aberração da decisão anterior, pelo contrário, poderá trazer um mal ainda maior, que se trata da incerteza do futuro e do passado daquela relação jurídica. Não seria coerente deixar de mencionar algumas decorrências prejudiciais que provavelmente sobreviriam da relativização da coisa julgada material: insegurança jurídica que viria a causar intranqüilidade social e angústia das partes processuais; a ampliação da demanda processual equivaleria a um efeito de curto prazo, ocasionando uma elevação da demora da prestação jurisdicional; o aumento da procrastinação ao cumprimento de decisões judiciais; a anuência da relativização para uns e para outros não8·; etc. 8 Essa é uma preocupação trazida pelo próprio Cândido Dinamarco (2001, p. 41-42), defensor de uma relativização para excepcionalidade, mais especificamente em relação ao Estado, citando como exemplos casos reais analisados pelo Superior Tribunal de Justiça, em que uma turma relativizou a coisa julgada em favor do estado e, em outra turma, radicalizou a autoridade da coisa julgada em relação a um particular. 53 4.3 TENSÃO ENTRE SEGURANÇA E JUSTIÇA e QUAL DEVE PREVALECER PARA O SISTEMA A discussão que se sucede no âmbito da Filosofia do direito é ponderada em Habermas – é o exemplar de conflito vivente entre a facticidade e validade. A segurança concebe a validade e a facticidade representa a justiça. (HABERMAS, 2003). No Direito, a lei do caso concreto emanada pelo Poder Judiciário é legitima, por que é justa ou porque é afirmada pelo soberano? Tem validade porque é procedente do Estado-Juiz. O justo integral, como apetecem aos relativistas, pode ser considerado como o justo quimérico ou utópico - a justiça do caso real deve sobrepor-se à insegurança geral? Até mesmo colocando em perigo o próprio Estado Democrático de Direito? (CLÉVE, 2000, p. 163). A justiça é considerada um valor para os não relativistas, pois o Estado Democrático de Direito brasileiro optou por ele, mas sim pelo justo plausível, como base de segurança jurídica com a coisa julgada. Conforme o art. 5º, caput da constituição prevê, o direito a segurança é inviolável e, portanto vislumbra-se como direito fundamental. (HABERMAS, 2003). Essa é, por conseguinte, a tal justiça realizável. A justiça que se concretiza não é a abstrata do justo do ideal, sem qualquer plataforma de indicação que ela representa. O conceito de relativização obtempera a coisa julgada ao valor da justiça, mas não determina o que é justiça. A justiça pelo senso comum, como lecionava Calamandrei9, não possui consistência. O professor Marinoni (2004, p.182) enfatiza que a relativização peca pela falta de concepção pertinente de justiça. Achamos melhor ter a justiça possível da coisa julgada, nosso patamar de segurança jurídica, que impulsiona o Estado Democrático de Direto. Relacionado a essas compreensões temos a capacidade de assegurar que a injustiça só pode ser tolerável se for para obstar a propagação de uma injustiça ainda maior. 9 Calamandrei afirmava a justiça conceituada pelo uomo della strada. Direito Processual Civil. Vol. I. Campinas: Bookseller, 1999. 54 Entre o valor abstrato e o valor que se concretiza em princípios e regras, permanece-se com o segundo e foi que o legislador brasileiro fez. O justo utópico está desacompanhado, o Brasil ficou com o justo viável, que se distende no Estado Democrático de Direito, por meio da segurança jurídica concernente ao instituto da coisa julgada, com as suas regras traças pelo sistema processual. Nos deparamos com o modelo de Estado Kelseniano,onde as exceções são legisladas, como a prevista nos embargos à execução do parágrafo único do art. 741 do Código de Processo Civil e ação rescisória (capítulo dos arts. 485 a 495 do CPC) e a revisão criminal (artigo 622 do CPP) 4.4 COMENTÁRIO INSEGURANÇA JURÍDICA E À RELATIVIZAÇÃO PRINCÍPIO DA COISA JULGADA, DA RAZOAVEL DURAÇAO DO PROCESSO A coisa julgada tem previsão constitucional no art. 5º, XXXVI e nada mais é do que uma das vigas mestras do Estado Democrático de Direito, conforme já explanado anteriormente. Em que pese exista inteligências discrepantes, prevalece o entendimento na concepção de ser a coisa julgada uma garantia constitucional e tendo como instrumento principal de ataque, se a sentença for inconstitucional, a Ação Rescisória, nos moldes do art. 485 do CPC, ação responsável por boa parte das coisas julgadas relativizadas. A relativização da coisa julgada é questão que vem sendo muito controvertida na esfera do Direito e tem proporcionado diversas opiniões conflitantes de diversos renomados autores. Recentemente, tem-se observado discussões sobre a possibilidade de relativização da coisa julgada material, isoladamente do uso da ação rescisória e prazo estabelecido legalmente, o que está diretamente conectado ao princípio da segurança dos atos jurisdicionais. Para Nery Jr., Porto e outros, a coisa julgada tem embasamento constitucional (art. 5.º, XXXVI, e art. 1.º, CF), é cláusula pétrea, e, portanto, não existe a possibilidade de ser alterada nem por emenda constitucional (art. 60, § 4.º, I 55 e IV, CF). Já para Theodoro Jr., Wambier, Medina e outros, ela tem alicerce infraconstitucional, é elemento processual e a Constituição Federal só estabelece a inteligência de irretroatividade de lei. Nesse sentindo recentemente o STJ proferiu acórdão em favor da coisa julgada sob o baldrame que sua relativização seria ofensa ao direito vigente (REsp 432.108-MG, DJ 19/12/2002. REsp 435.102-MG). Os doutrinadores que se posicionam favoráveis à revitalização da coisa julgada, defendem sua não constituição em caso de vícios graves, ou nos casos de coisa julgada inconstitucional, acolhendo sua desconstituição a qualquer tempo, grau de jurisdição e por qualquer via, com ampla interpretação, ou nova redação ao art. 485 do CPC. Já a inteligência contrária dissente da submissão da coisa julgada, amparando a decisão justa "provável" com advertência ao atual momento históricoprocessual (celeridade, instrumentalidade, efetividade). (DINAMARCO, 2001, p. 154) Toda via, o intérprete do direito não pode amparar uma relativização da coisa julgada de qualquer modo ou a qualquer custo, tendo em vista que se dessa forma agir, poderá fissurar e banalizar o instituto da coisa julgada, insultando o princípio da segurança jurídica, fundamentado na Constituição Federal como cláusula pétrea. Parece que mais apropriado é o entendimento daquela doutrina que ambiciona por alterações legislativas, no viés de admitir mais uma hipótese de coisa julgada secundum eventum probationis, situação em que não se estaria aventando de relativizar o instituto da coisa julgada de lege lata, mas, de lege ferenda, de maneira a legalizar o instituto. (BATISTA, 2004, p. 62) Desta forma, pode-se assegurar que nem todas as decisões transitadas em julgado possuem a possibilidade ser relativizadas, sob risco de incorrer sob sua desconsideração, como recomenda Marinoni: “(...) a falta de critérios seguros e racionais para a relativização da coisa julgada material pode, na verdade, conduzir à sua desconsideração, estabelecendo um estado de grande incerteza e injustiça. Essa desconsideração geraria uma situação insustentável”. (MARINONI, 2004, p. 21). São sólidos os argumentos de Ovídio Baptista (BATISTA, 2004, p. 34), pois, tem-se conhecimento de que a coisa julgada é um instituto ligado ao Estado de Direito e não possui ligação nenhuma com a justiça da decisão aguardada pelos jurisdicionados. A justiça que se procura no judiciário é passível de falha uma vez 56 que é humana. A posição que prevalece é ligada ao conceito de que o Direito e a norma do caso concreto dita pelo Judiciário são apropriados porque foram emanados pelo Estado Soberano e, não simplesmente porque é justo. Óbvio é que se avaliam os ideais de segurança e justiça, de modo a conciliá-los e evidenciar sua importância no alcance das metas constitucionais. Em sentido semelhante é a inteligência da jurisprudência estrangeira, pela segurança da coisa julgada como uma determinação do direito à efetiva tutela jurisdicional. Diante dos argumentos expostos, o entendimento é de que a relativização da coisa julgada faz germinar insegurança jurídica não exclusivamente no sistema como um todo, mas no coração dos seres humanos com a possibilidade de eternização das lides. Necessita-se analisar, no entanto, que não se adere às perpetuações de injustiças e sim, que a relativização não pode ser feita de qualquer maneira, pois se assim fosse restaria atingida a composição da coisa julgada, patrocinadora do princípio da segurança jurídica que dá manutenção ao Estado Democrático de Direito. Para tanto, há de se ser feito avaliação de interesses com fulcro na proporcionalidade, tendo que a coisa julgada não modula o sistema, entretanto as vias para ocorrer sua desconsideração necessitam estar introduzidas expressamente e não na esfera subjetiva, abstrata, ou seja, existe a obrigação de legislar sobre o tema no sistema para que ocorra pauta de motivação, com o intuito de se impedir a insegurança jurídica. No entanto, não é de bom alvitre esquecer, que a coisa julgada material é qualidade imprescindível ao Estado Democrático de Direito e à efetividade do direito de acesso ao Poder Judiciário. (MARINONI, 2004, p. 29) Não faz sentido, ter o direito de acesso a justiça sem que seja possibilitado ao cidadão o direto de ver seu conflito solucionado categoricamente. Em virtude disso, se a característica de definitividade que reveste a coisa julgada pode, em certos momentos, acarretar circunstâncias não desejadas ao próprio sistema, não é certo conceber que, desta forma, ele possa ser relativizada facilmente. Reitera-se por adequado, que a concepção de se conceder ao juiz a 57 capacidade de comparar um direito com a coisa julgada material suprime a essência da coisa julgada como princípio assegurador da segurança jurídica, passando a estabelecer um sistema aberto. Além disso, a probabilidade de desconsideração da coisa julgada perante determinado caso concreto tranqüilamente instigará a eternização dos conflitos e contribuirá para o agravamento, morosidade judiciária, percorrendo assim, caminho antagônico ao cobiçado pela doutrina processual hodierna. A sociedade brasileira almejou por transformações, contudo necessita-se impedir de abrir exceções e, por conseguinte precedentes, com o escopo de relativizar a coisa julgada a todo custo. Neste entendimento, mesmo que se faça uma análise empírica da jurisdição, parece que não será apropriado aplacar a coisa julgada sem que haja previsão legal que socorra essa teoria, pois se abraçarmos essa Inteligência ficaremos vulneráveis à rediscussão eterna do processo, o que fere diametralmente o princípio constitucional da razoável duração do processo e a insegurança das relações jurídico-sociais. Provavelmente, ao se abraçar a tese da relativização, a morosidade já afeta a justiça piorará, já que se admitirá a reabertura de diversos litígios finalizados, o que poderá ocasionar desordem no judiciário e consequentemente nos cartórios de registro. O princípio da duração razoável do processo não se conforma com a relativização da coisa julgada, eis que em tais eventos o processo ficará resolvido sem prazo; disseminando assim, dúvidas, disparidades e desequilíbrio social, constituindo aos litigantes e aos seus sucessores um estado de absoluta incerteza e injustiça. 58 5 CONCLUSÃO Está evidente que as teorias que vem se disseminando a favor da relativização da coisa julgada não podem ser aceitas em sua totalidade. As soluções que são trazidas são superficiais para merecerem guarida extensa, especialmente no atual estágio em que se encontra a ciência do Direito e na absoluta ausência de fórmula racionalmente justificável que faça prevalecer, em todos os casos, determinada teoria da justiça. Com uma conjectura quase que sensacionalista, almeja-se fazer entender que os juristas jamais se incomodaram com a justiça das decisões jurisdicionais, ao mesmo tempo em que se busca encobrir que o problema sempre foi alvo de reflexão. A tese da “relativização” obtempera a coisa julgada material ao valor justiça, mas admiravelmente não articula o que se entende por “justiça” e sequer procura asilo em uma das contemporâneas contribuições da filosofia do direito sobre o tema. Visivelmente inicia-se de uma noção de justiça como senso comum, capaz de ser entendido por qualquer cidadão médio, o que a faz inútil a sua finalidade, por sofrer de manifesta incongruência. Há tempos atrás já se recriminava a contradição que sobrevém da carência de uma concepção ajustada de justiça, quando articulava que a matéria da vida social não pode ficar entregue, como é óbvio, às mil e uma opiniões dos homens que a compõem nas suas mútuas relações. Pelo fato de tais homens apresentarem ou poderem ter julgamentos e crenças contrárias, é que a vida social tem fundamentalmente de ser disciplinada de uma maneira invariável por uma força que se ache colocada acima dos indivíduos. É claro que uma teoria que alcançasse completar com que todos os processos acabassem com um julgamento justo seria a ideal. Mas, na sua ausência, não existe dúvida de que se deve sustentar a hodierna concepção de coisa julgada material, sob pena de serem empreendidas injustiças muito maiores dos que as exatas e raras trazidas pela doutrina. O problema da carência de justiça não atormenta exclusivamente o 59 sistema jurídico. Outros sistemas sociais demonstram injustiças evidentes, mas é equivocado, em qualquer lugar, aniquilar baldrames quando não se tem a capacidade de sugerir um alicerce melhor ou mais sólido. Por tudo isso, o momento atual é extremamente adequado para se ressaltar a analogia entre o instituto da coisa julgada material e o princípio da segurança dos atos jurisdicionais. Defende-se que a conservação da coisa julgada representa a garantia da segurança jurídica, valor constitucionalmente antevisto e fundamental para a paz social. Aceitar excessivas conjecturas de rescisão da coisa julgada material acarretaria decorrências catastróficas à ordem jurídica e à sociedade. No entanto, a perpetuação de decisões que comprovadamente vão de encontro aos comandos constitucionais, direitos e garantias individuais ou coletivas, importaria em um golpe “fatal” na Justiça. Conclui-se que a revitalização da coisa julgada deve ser abraçada em casos excepcionalíssimos, após posterior e prudente análise e com a garantia de que a nova decisão iria indiscutivelmente corrigir evidenciada injustiça cometida pela decisão inicial. Porém, se a nulidade for arrazoada em tempo cabível, nada teríamos que debater acerca da relativização da coisa julgada. Se o poder judiciário trabalhasse de tal forma que as nulidades não sobreviessem, seria o ideal. Se os advogados, Magistrados e o Ministério Público atentassem impecavelmente aos achaques processuais, o processo seria íntegro. Se os membros da relação processual não jogassem de maneira desleal, nada disso ocorreria. Porém, são somente utopias. E, tristemente, sendo só utopias, teremos de coexistir com todo essa aglomerado de enigmas jurídicos por muitos e muitos anos. 60 REFERÊNCIAS APPIO, Eduardo Fernando. Interpretação conforme a Constituição. Curitiba: Juruá, 2002. ASSIS, Araken de. Eficácia da coisa julgada inconstitucional. Porto Alegre: Revista Jurídica, 2002. 301 v. __________. Manual da execução. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999. 5 v. __________. Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. In Temas de Direito Processual. 3a série. São Paulo: Saraiva, 1984. __________. Revista Dialética de Direito Processual. Considerações sobre a chamada “relativização da coisa julgada material.” São Paulo: Dialética, 2005. n. 22. BATISTA, Diocleciano. 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