UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
FELIPE SILVA SOUZA
A INSEGURANÇA JURÍDICA À LUZ DA RELTIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA
MATERIAL
Palhoça
2010
FELIPE SILVA SOUZA
A INSEGURANÇA JURÍDICA À LUZ DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA
MATERIAL
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Curso de graduação em Direito, da Universidade
do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial
para obtenção do título de Bacharel.
Orientador: Prof. João Batista Búrigo
Palhoça
2010
FELIPE SILVA SOUZA
A INSEGURANÇA JURÍDICA À LUZ DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA
MATERIAL
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado
adequado à obtenção do título de Bacharel em
Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso
de Direito, da Universidade do Sul de Santa
Catarina.
Palhoça (SC), __ de junho de 2010.
_________________________________________
Professor e Orientador João Batista Búrigo
Universidade do Sul de Santa Catarina
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Professora Eliane Becker
Universidade do Sul de Santa Catarina
__________________________________________
Professor Zênio Ventura
Universidade do Sul de Santa Catarina
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
A INSEGURANÇA JURÍDICA À LUZ DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA
MATERIAL
Declaro, para todos os fins de direito e que se fizerem necessários, que
assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao
presente trabalho, isentando a Universidade Sul de Santa Catarina, a Coordenação
do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo
acerta desta monografia.
Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente
em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.
Palhoça (SC), __ de junho de 2010.
________________________________
Felipe Silva Souza
Dedico este trabalho à minha família, em
especial, aos meus pais, aos meus
irmãos, e à Ana Paula.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por estar sempre iluminando o meu caminho, mesmo
nas horas em que eu esqueço que ele está comigo.
Aos meus pais, Itamar Souza e Marilda Silva Souza, obrigado por
acreditarem em mim, nos meu sonhos e investirem tanto na minha formação.
Obrigado por tudo que fizeram e fazem por mim, pela dedicação, compreensão,
apoio, companheirismo e por me ensinarem a ser um homem honesto, fiel e
consciente.
Aos meus irmãos, Leonardo Silva Souza e Vitor Silva Souza, à Caroline
Blatt Pereira, à Vera Lúcia Martins de Souza, por me aturarem nos momentos de
irritação, de falta de educação, pela presença, paciência, dedicação, incentivo,
conversas, companheirismo, pelo carinho e conforto nas horas que mais precisei.
Aos meus companheiros de trabalho, Gabriel Orlandi, Ricardo Uliano,
Tiago Elias Dadam, Rafael Garcia, Dino Adalberto, Maria Francisca, Luciano Dutra,
Guilherme Zattar, Leonardo Alvarez e ao ilustríssimo Desembargador Pedro Manoel
Abreu, por sempre me ajudarem e incentivarem meus estudos, meus trabalhos e por
sempre proporcionarem um ambiente harmonioso, intelectual e profissional para se
trabalhar.
Ao meu professore, orientador e amigo João Batista Búrigo, pelos
ensinamentos, pelo apoio, pelo incentivo, pela dedicação, por estar presente nos
momentos difíceis me aconselhando e pela orientação na realização deste trabalho.
Aos meus padrinhos que sempre me incentivaram a seguir na minha
escolha profissional.
Agradeço em especial à Ana Paula Koerich de Souza, a mulher da minha
vida, que está sempre ao meu lado, atura meus excessos, acalma meu ânimo,
revigora minhas esperanças, traduz minhas intenções e caminha comigo todos os
dias.
Aos meus amigos pelas palavras, pelos incentivos e por estenderem a
mão quando precisei. Agradeço de maneira especial à alguns que jamais poderei
esquecer: Elizane da Silva Silveira e Luana May, pelas inúmeras vezes que me
salvaram quando me faltava tempo para concluir meus trabalhos, quando precisei
das caronas para o Escritório Modelo (EMA), sem as quais dificilmente teria
conseguido concluir e participar das atividades extraclasses, aos queridos
companheiros de audiências e de vida Edson Senna e Felipe Wickert Flores, e ainda
ao amigo Guilherme Coelho que prestou grande ajuda para que eu pudesse finalizar
de maneira brilhante este Trabalho de Conclusão de Curso.
“O homem vem à terra para uma
permanência muito curta, para um fim que
ele mesmo ignora, embora, às vezes,
julgue sabê-lo." (Einstein)
RESUMO
A presente monografia, requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito
pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL - tem como enfoque a
relativização da coisa julgada material, com uma maior ênfase na discussão sobre a
insegurança jurídica que ela pode ocasionar. Para tanto é feita uma abordagem
sintética da coisa julgada, analisando seus aspectos históricos e gerais, seus limites
e suas peculiaridades. A seguir passa-se a uma análise sobre a relativização da
coisa julgada, estudando os aspectos gerais, os argumentos favoráveis a
relativização da coisa julgada, delimitando a natureza jurídica da coisa julgada no
sistema processual brasileiro, traçando a importância do instituto da coisa julgada
material. Aborda-se como a doutrina mundial enfrenta o tema da coisa julgada, os
casos paradigmáticos da relativização e os efeitos da decisão declaratória de
inconstitucionalidade em relação à coisa julgada material e, por fim, aborda-se com
maior foco o debate quanto a relativização da coisa julgada, trazendo os argumentos
favoráveis e contrários a relativização.
Palavras-chave:
Coisa
julgada
Relativização. Flexibilização
inconstitucional.
Coisa
julgada
material.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................11
2 DA COISA JULGADA............................................................................................14
2.1 NOÇÕES GERAIS ..............................................................................................14
2.2 DA IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DO HISTÓRICO ............................................15
2.3 DA HISTÓRIA DA COISA JULGADA ..................................................................17
2.3.1 A coisa julgada no direito romano................................................................17
2.3.2 A coisa julgada no direito italiano ................................................................19
2.3.3 A coisa julgada no direito brasileiro.............................................................21
2.4 LIMITES DA COISA JULGADA...........................................................................23
2.4.1 Limites objetivos ............................................................................................23
2.4.2 Limites subjetivos ..........................................................................................26
2.5 COISA JULGADA FORMAL................................................................................29
2.6 COISA JULGADA MATERIAL.............................................................................29
3 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA..............................................................32
3.1 NOÇÕES GERAIS ..............................................................................................32
3.2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA.......35
3.3 NATUREZA JURÍDICA DA COISA JULGADA NO SISTEMA PROCESSUAL....37
3.4 A IMPORTÂNCIA DA COISA JULGADA MATERIAL..........................................37
3.5 DOUTRINA MUNDIAL E A COISA JULGADA? ..................................................39
3.6 CASOS PARADIGMÁTICOS DA RELATIVIZAÇÃO ...........................................40
3.7 OS EFEITOS DA DECISÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE
EM RELAÇÃO À COISA JULGADA MATERIAL .......................................................41
4 DA (IN)SEGURANÇA JURÌDICA ..........................................................................47
4.1 EM DEFESA DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL ..............47
4.2 EM DEFESA DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA ...............................49
4.3 TENSÃO ENTRE SEGURANÇA E JUSTIÇA e QUAL DEVE PREVALECER
PARA O SISTEMA ....................................................................................................54
4.4 COMENTÁRIO À RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA, INSEGURANÇA
JURÍDICA E PRINCÍPIO DA RAZOAVEL DURAÇAO DO PROCESSO...................55
5 CONCLUSÃO ........................................................................................................59
REFERÊNCIAS.........................................................................................................61
1 INTRODUÇÃO
No Direito, como na vida, almejamos incessantemente a segurança. O
instituto da coisa julgada acarretou ao Direito a concepção de, mesmo após uma
discussão judicial extensa, atingirmos decisões imutáveis. Tendo em vista a
tradicional certeza jurídica acerca do tema da coisa julgada, este vem sendo
discutido pela comunidade jurídica no âmbito de sua relativização, pois sua
autoridade não pode ser presunçosa a ponto de afastar todos os outros princípios de
direito de menor relevância, já que estes devem ser sopesados conjuntamente à
coisa julgada para trazer justiça às decisões e ao mundo dos fatos. A letra da Lei
não exclui princípios, do contrário, reza que devemos segui-los e que não podem
jamais ser suprimidos pela Lei em si ou pelo arbítrio do juiz.
O ordenamento jurídico brasileiro oferece elementos para que seja eficaz
a decisão judicial transitada em julgado através do instituto da coisa julgada e sua
autoridade, proveniente da expressão latina res iudicata, que significa "coisa
julgada". As lides motivadas pelas partes em torno do bem da vida são resolvidos
pelos ilustres magistrados, e a iniciar-se do momento em que não mais são
passíveis de impugnações os assuntos atinentes ao objeto do processo, quando
este foi exaustivamente aventado em juízo, provém, por conseguinte, que não se
pode retroceder, ou seja, não se pode fazer com que o objeto do conflito seja campo
de novas discussões ou polêmicas, pela observância da autoridade da coisa julgada.
O que o foi decidido judicialmente está decidido em definitivo e não pode
vir a ser posto em discussão novamente. É o que preza o art. 467 do Código de
Processo Civil vigente, embora haja circunstâncias nas quais se permite seja
rescindida a decisão transitada em julgado.
A chamada relativização da coisa julgada material é um tema polêmico e
muito debatido, que voltou ao centro das discussões com a entrada em vigor da Lei
nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, a qual trouxe várias alterações ao Código de
Processo Civil Brasileiro, entre elas a previsão contida no §1º do art. 475-L.
Não é suficiente, para se ter a coisa julgada, a existência de uma solução
para a controvérsia debatida em juízo, visto que, na linguagem do direito processual
civil atual, a sentença somente adquire a autoridade da coisa julgada, quando não
mais comporta recurso algum, ou seja, assim, irrevogável. (THEODORO JR e
FARIA. 2003, p. 79)
O artigo supracitado prescreve, em resumo, que será inexigível o título
judicial fulcrado em Lei ou ato normativo inconstitucionais, ou fundado em aplicação
ou interpretação da Lei ou ato normativo tidas como conflitantes com a Constituição
Federal.
Desta feita, eclodiram questionamentos, nos últimos anos, acerca da
“relativização da coisa julgada material”, da possibilidade de haver a “relativização”
da coisa julgada material sem que esta ocorra via ação rescisória. A questão se
mostra intrinsecamente conectada ao princípio da segurança dos atos jurídicos,
alcançando a filosofia do direito, o que consiste em uma das principais discussões
do mundo jurídico sem qualquer solução ideal. Pode-se afirmar que se trata
diretamente da tensão entre a faticidade e a validade do direito; a tensão entre a
justiça e o direito, conforme elucida Habermas.
A segurança jurídica diz respeito à irretroatividade da lei e deve ocorrer de
maneira que as pessoas saibam qual é a forma de entendimento do judiciário. É
inaceitável conviver com a incerteza jurídica, tal como é a situação que predomina,
atualmente. O autor, ao ingressar com uma ação no judiciário, em que pese
pretender um fim específico, requerido na inicial, ignora o destino a ser seguido no
curso do processo judicial. Há decisões divergentes abordando casos idênticos. É o
que ocorre quando está ausente a segurança jurídica.
Hoje sobrevive o entendimento que está diretamente ligado ao conceito
de que: o Direito e a norma em concreto emanada pelo judiciário, tornam-se válidos
por serem proferidos pelo soberano e não somente porque são justos.
Afirmar sem qualquer precaução que apontada decisão é definitiva
puramente porque foi proferida pelo Estado-Juiz exterioriza o entendimento
despreocupado com as novas realidades. Contudo, apesar de se reconhecer o
primado, para que haja apenas uma decisão sobre o assunto, e não intermináveis
recursos, a mentalidade dos Tribunais tem sido, pois, acertadamente, no sentido da
excepcional relativização da coisa julgada. Destaca-se que o próprio ordenamento
pátrio traz hipóteses de relativização da coisa julgada mediante a ação rescisória.
Diante disso, faltam critérios seguros e concretos para a “relativização” da
coisa julgada material, pois a “desconsideração” da coisa julgada material pode
12
acarretar em um grande estado de incertezas e injustiças. A “desconsideração”
causaria uma situação insustentável.
Imaginemos o caos vivido por uma sociedade na qual se permite,
ininterruptamente, a revisão judicial das controvérsias advindas de um mesmo
conflito. Jamais seria positivada sentença judicial alguma, a não ser provisoriamente,
e se imortalizariam os conflitos desta feita. Seria o fim da segurança jurídica, a
desestabilização social, um verdadeiro caos nas relações humanas, ainda pior do
que a situação que conhecemos.
Como linha mestra de raciocínio tem-se que as regras constitucionais
devem ser seguidas à risca, sempre com o objetivo de encontrar a verdade real, o
direito justo sobre as formas processuais e preclusões. Extrai-se, deste pensamento,
que a sociedade atual exige um regramento no sentido de alterar o dogma da coisa
julgada, e ampliá-lo, excepcionalmente, em casos específicos cuidadosamente
analisados pelo magistrado.
Destarte, salienta-se que o presente ensaio não foi elaborado com a
pretensão de inovar a respeito do assunto, sobre o qual mestres honoráveis
destrincharam suas diversas possibilidades. Nem mesmo se pretende ser um
tratado, destilando conceitos formais. Em que pese a despretensão, quando vez ou
outra se fez necessária a remissão a algum texto consagrado, não me furtei a utilizálos.
13
2 DA COISA JULGADA
2.1 NOÇÕES GERAIS
Coisa julgada é a qualidade dos efeitos da sentença que põe um fim a um
litígio, ou seja, é a característica de imutabilidade que adquire a prestação
jurisdicional do Estado, quando entregue definitivamente. (WAMBIER, 2003, p. 225)
É entendimento certo e consolidado, nas jurisprudências e nos
posicionamentos doutrinários, de que a coisa julgada é a autoridade e a eficácia de
uma sentença judicial, de sorte que, quando não existem contra ela meios de
impugnação que permitam modificá-la. (NERY JUNIOR, 2004, p. 456)
É presumível que não haja, no mundo jurídico, instituto tão diretamente
conexo à segurança jurídica quanto o da coisa julgada. Tendo que o judiciário é a
ultima via encontrada pelos indivíduos se socorrerem para resolverem conflitos, a
prestação jurisdicional dota-se da qualidade constitucional da irrecorribilidade, de
forma a por um final às altercações atinentes á existência de direito e obrigações.
(Dower, 2007, p. 314)
Melhor definição vem na lição de Wambier:
"Trata-se de instituto que tem em vista gerar segurança. A segurança, de fato,
é um valor que desde sempre tem desempenhado papel de um dos objetivos
do direito. O homem sempre esta a procura de segurança e o direito é um
instrumento que se presta, em grande parte, ao atingimento desse desejo
humano. Por meio do Direito procura-se a segurança no que diz respeito ao
ordenamento jurídico como um todo, quanto no que tange às relações
jurídicas individualizadas. É quanto a esta espécie de segurança que a coisa
julgada desempenha seu papel". (WAMBIER, 2003, p. 550)
A coisa julgada, no ordenamento jurídico pátrio, é amparada na
Constituição da República, no art. 5º, inciso XXXVI, instituído que: “A lei não
prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada e
infraconstitucional no Capítulo VIII, Secção II, do Código de Processo Civil".
De tal forma, os pedidos transitaram em julgado, onde há um vencedor e
um vencido, sentença totalmente procedente ou improcedente, é, para ambos os
litigantes, o fim do processo, fim das incertezas e expectativas que os integravam na
procura de uma solução. Assim, nasce da coisa julgada a segurança da
imutabilidade dos casos julgados, imutabilidade que é exigência de ordem pública e
14
do bem comum, com o intuito de que a tutela jurisdicional entregue torne-se imutável
e de total segurança.
Nelson Nery Junior (2004, p. 865) afiança:
"Por que o instrumento de pacificação social, quando há coisa julgada as
partes devem submeter-se à sua autoridade, qualquer que tenha sido o
resultado da sentença (inevitabilidade da jurisdição). Incide aqui o caráter
substitutivo da função jurisdicional, vale dizer, a vontade das partes é
substituída pela vontade do Estado-juiz, que prevalece, Caso seja proposta
ação idêntica, deduzindo-se a pretensão que já tenha sido acobertada pela
coisa julgada material, o destino desta segunda ação é extinção do processo
sem julgamento de mérito (CPC 267), pois a lide já foi julgada, nada mais
havendo para as partes discutirem em juízo. Ao réu cabe alegar a existência
da coisa julgada, como matéria preliminar de contestação (CPC 301 VI)"
(NERY JUNIOR, 2004, p. 865)
Diante deste quadro, conclui-se que o instituto da coisa julgada visa
assegurar a manutenção da imutabilidade das relações jurídicas, podendo, sem se
tratando de questão de ordem pública, ser reconhecida de ofício pelo juiz,
independente de argüição dos litigantes.
Dower (2007, p. 314) ensina:
O fundamento principal da coisa julgada tem por base o princípio da nãoeternização da demanda. Não fosse a existência da coisa julgada teríamos a
ameaça de um caos social, pois os litigantes seriam periodicamente
renovados. Assim podemos afirmar que a coisa julgada visa ao interesse
público. (DOWER 2007, p. 314)
Diante das lições dos doutrinadores supracitados, que com suas
contribuições nos deram meios para chegarmos até aqui, denota-se e torna-se
cristalino a importância da coisa julgada para nosso sistema jurídico pátrio, uma vez
que a função da coisa julgada é de buscar a paz social, com o fundamento de não
perpetualizar as lides.
2.2 DA IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DO HISTÓRICO
Inicialmente faz-se necessário ressaltar que os estudos históricos nas
ciências jurídicas têm alcançado um papel de derradeiro valor para a compreensão e
15
realização de estudos aprofundados, sendo um dos pilares para o sucesso de
estudos científicos o histórico progresso do tema a ser abordado.
Na ciência do direito, o estudo histórico evidencia a procedência e as
transformações que um instituto jurídico tenha sofrido. Na origem, podemos
encontrar o porquê da concepção do instituto e o motivo de sua existência. O estudo
sobre as inclinações e modificações sofridas pelo instituto compreende fatores de
natureza jurídica e fatores alheios à linhagem jurídica, sendo eles sociais, políticos,
financeiros, enfatizando a sua influência nas mudanças e os motivos pelos quais se
aspira a essas mudanças. (SOUSA, 2007).
Maximiliano demonstra de maneira incisiva a importância do estudo
histórico no direito:
Não é possível manejar com desembaraço, aprender a fundo
uma ciência que se relacione com a vida do homem em sociedade, sem
adquirir antes o preparo propedêutico indispensável. Deste faz parte o
estudo do histórico especial do povo a que se pretende aplicar o
mencionado ramo de conhecimentos, e também o da história geral,
principalmente político da humanidade. O direito inscreve-se na regra
enunciada, que aliás, não comporta exceções: para o conhecer bem,
cumpre familiarizar-se com os fastos da civilização, sobretudo daquela que
assimilamos diretamente: a européia em geral; a lusitana em particular.
Complete-se o cabedal de informações proveitosas com o estudo da
História do Brasil. (MAXIMILIANO, 1984, p.137)
Tucci e Azevedo destacam que o direito como ciência tem íntima
correlação com a história:
O estudo histórico é peça fundamental na ciência do direito. Sem que as
pessoas se dêem conta, verdade é que vivem elas, em grande parte, com o
auxílio da história: gregos e romanos foram historiógrafos por excelência,
assim demonstrando as obras de Herótodo e Tito Lívio. O Cristianismo é
uma religião de historiadores: partindo da expulsão do paraíso até o Juízo
Final, o destino da humanidade simboliza uma grande aventura que vai
desde o pecado até a redenção das almas. (AZEVEDO; TUCCI, 1996, p.
19)
Mesmo que talvez imperceptíveis superficialmente analisando, os
vínculos históricos se revelam no povo, nos indivíduos, dentro de hábitos
corriqueiros, como saudações, cumprimentos e na forma de vestir-se. (AZEVEDO;
TUCCI, 1996, p. 45)
Deste modo, o estudo da história de um instituto jurídico nos garante a
possibilidade de se confrontar o instituto na sua origem com o seu presente
16
conceito, que emana diretamente dos movimentos e necessidades da sociedade
sobre a qual sobrevenha, podendo-se analisar se tal instituto cumpre com sua
finalidade e, se pode ser influenciado, como novas vertentes poderão fazê-lo.
(MAXIMILIANO, 1984, P.137)
2.3 DA HISTÓRIA DA COISA JULGADA
2.3.1 A coisa julgada no direito romano
Percorrendo sintética visão histórica, vemos que no Direito Romano o
objetivo do processo era a atuação da vontade da lei em relação a denominado bem
da vida (res in iudicium deducta), pois “remonta à tradição romana a idéia de que a
sentença era a própria coisa julgada ou a coisa julgada era o próprio objeto litigioso
definitivamente decidido” (DELGADO, 2002, p. 11-40). E “Por razões práticas, os
romanos aceitavam a autoridade da coisa julgada. Visavam à certeza e segurança
no gozo dos bens da vida” (CHIOVENDA, 1998, p.183)
Assim, com o enfraquecimento do império romano do ocidente, resultado
das invasões dos bárbaros, ficou abalada a própria idéia de Estado e da lei como
expressão de sua vontade, refletindo diretamente no conceito de jurisdição que se
tinha na época. Como decorrência do enfraquecimento da soberania e das
formações dos feudos, houve a criação de multiplicidade de procedimentos
(canônicos, populares, feudais,...). Conseqüentemente a jurisdição adquiria caráter
privado, de cunho patrimonial, transmissível e alienável. E como implicação, não
mais se reservava à aplicação da lei, mas sim à resolução de contestações, com
base na implicação das evidências. O prelado da res iudicata – que sai, então, do
estrado da vontade para a lógica – altera-se numa presunção de verdade aplicada
as decisões judiciais. (CHIOVENDA, 1998, p.183)
A contar do período formulário, o Direito romano divide o processo em
duas etapas, in iure (como figura principal: o pretor) e in iudicio (em que o principal
era o iudex), em que se comprova o escopo do processo como especialização da lei:
a lei estabelecida para casos concretos que era consagrada aos fatos, ou seja,
17
na sententia aplicava a condenatio ou a absolutio, em ato. (DINAMARCO, 2001,
p.234)
Tem-se então, que todo o processo no direito romano girava em volta da
sentença, que se compreende em ato de vontade do estado, no qual concretizava a
vontade da lei.
Extrai-se então, a importância do conceito da coisa julgada no direito
romano (CHIOVENDA, 1998, p. 447), que era a res in iudicium deducta, o bem
jurídico concorrido pelos litigantes, em seguida a res (coisa) foi o iudicata (julgada),
isto é, reconhecida ou negada ao autor. (MIRANDA, 2000, arts. 444 a 475)
Da lição de Chiovenda, destaca-se a finalidade da coisa julgada no direito
romano:
Essa é a autoridade da coisa julgada. Os romanos a justificaram com
razões inteiramente práticas, de utilidade social. Para que a vida social se
desenvolva o mais possível segura e pacífica, é necessária imprimir certeza
ao gozo dos bens da vida, e garantir o resultado do processo: ne aliter
modus litium multiplicatus summam atque inexplicabilem faciat difficultatem,
maxime si diversa pronunciarentur (fr. 6, Dig. De except. Rei iud. 44,2).
Explicação tão simples, realística e chã, guarda perfeita coerência com a
própria concepção romana do escopo processual e da coisa julgada, que
difusamente analisamos nas observações históricas (n.º 32). Entendido o
processo como instituto público destinado à atuação da vontade da lei em
relação aos bens da vida por ela garantidos, culminate na emanação de um
ato de vontade (a pronuntiatio iudicis) que condena ou absolve, ou seja,
reconhece ou desconhece um bem da vida a uma das partes, a explicação
da coisa julgada só pode divisar na exigência social da segurança no gozo
dos bens. (CHIOVENDA, 1998, p. 460)
O marco romano dedicado à sentença compunha o ato final do processo,
cujo qual era plausível averiguar a absolvição ou a condenação, ou seja, o
acolhimento ou não dos pedidos da exordial.
Acreditavam, os romanos, que exclusivamente a sentença teria a
capacidade de por um fim ao litígio, processo, que unicamente a sentença conteria
força de por um fim a contestabilidade de um bem jurídico, “por isso, poder-se-ia
opor em subseqüente processo em que fosse contestado o mesmo bem, a res
iudicata (coisa julgada)” (CHIOVENDA, 1998, p. 352)
Diante da lição de Tucci e Azevedo, (PUGLIESI apud TUCCI; AZEVEDO,
1996, p. 107) referente à res iudicata no direito romano, que ratifica a segurança
jurídica que a trazia na época:
18
Se nos fosse permitido visualizar em termos modernos esse fenômeno,
diríamos que tal regra – seguindo ainda a esclarecedora opinião de
Pugliese – "atribui ao agere um efeito preclusivo, análogo àquele que os
juristas do século passado demonstraram como próprio da função negativa
da coisa julgada, uma vez que essa não só precluia uma nova ação de
eadem re, e, portanto, uma nova discussão e decisão da lide, mas também
derivava do simples fato da existência objetiva do processo,
independentemente de seu êxito.
Na verdade, a forma pela qual a regra foi conservada, parece mostrar que,
quando construída (entre o fim do III e o I século a.C.), não se vislumbrava
especificadamente um efeito próprio da sentença ou da re iudicata, mas era
ele relacionado ao desenvolvimento global do processo, e, em particular, ao
agere rem, que compreendia, antes de tudo, a atividade conjunta das
partes"; numa sociedade ainda incipiente, mesmo não individualizados os
elementos componentes da demanda, o aludido regramento já representava
um fato de inegável segurança jurídica para os cidadãos romanos. (TUCCI;
AZEVEDO, 1996, p. 107.)
Assim para os romanos, como para nós, rejeitadas raras exceções em
que uma norma expressa de lei dispõe diferentemente, o decisum se torna
incontroverso, ou seja, a parte a que se negou o bem da vida, não pode mais
reclamar; a vencedora, a quem se reconheceu, não só tem o direito de exercê-lo
praticamente, em face da outra, como não pode sofrer, por parte desta
(sucumbente), subseqüentes contendas a esse direito e esse gozo. (CHIOVENDA,
1998, p. 443)
2.3.2 A coisa julgada no direito italiano
É impossível falar-se sobre a coisa julgada no direito italiano sem
mencionar a disputa clássica travada por Liebman e Carnelutti referente ao conceito
da coisa julgada.
O início fatídico da discussão sobreveio com a publicação do
livro “Efficacia ed autorià della sentenza”, cujo qual Liebman asseverava que se a
domínio da coisa julgada atrela somente as partes, a eficácia da sentença a todos se
impõe e impõe-se prontamente, sem que seja necessária a investigação da sua
validade. (DINAMARCO, 2001, p. 293/294)
19
Liebman, reconhecendo os méritos da formulação de Chiovenda1,
almejou melhorá-la. Resolveu, primeiramente, por fazer a distinção da coisa julgada
dos efeitos da sentença, determinando, por imediato, a primeira como uma
característica que torna imutável o comando da sentença, tanto no seu conteúdo
como nos efeitos.2
Já o mestre Carnelutti instruía a coisa julgada como o dissoluto de litígios
controversos, e obsecrando que a sua imutabilidade recaia sobre o seu encargo
declaratório e não sobre seu caráter imperativo
A discordância entre os eméritos processualistas italianos foi assim
comentada por Dinamarco:
A discordância evidencia-se tão pouco verbal, quanto mais observamos que
os dois autores partiam de premissas diametralmente opostas, com
referência ao fundamento quesito metodológico da estrutura do
ordenamento jurídico: enquanto Liebman formado na escola De Chiovenda,
manifestava uma sólida base dualística (o ordenamento jurídico tem duas
ordens diversas de normas, substanciais e processuais, e estas nada têm a
ver com a produção do direito do caso concreto), fundava-se Carnelutti no
pressuposto de que o direito positivo substancial emana normas genéricas
incompletas, as quais só por obra da sentença se tornam um círculo
fechado, sendo ela um comando complementar (qualquer que seja esta,
menos dispositiva). Por isso, ele ensina que o juiz comanda para o caso
concreto como se fosse uma longa manus do legislador e louvava ao
legislador italiano a inclusão das normas referentes à coisa julgada no
Código Civil. Depois, afirmava que a imperatividade da sentença (coisa
julgada material) tem uma eficácia reflexa que atinge terceiros, estranhos à
relação processual em que esta foi pronunciada. (DINAMARCO, 2001, p.
291)
Por intermédio do artigo divulgado na Rivista (italiana) de 1935, intitulado
de “Eficacia autorità e immutabilità della sentenza”, Carnelutti respondeu de maneira
1
Ob. Cit., p. 11: “A importante contribuição de Chiovenda (...) consistiu principalmente em depurar o
conceito e o fenômeno da coisa julgada de conceitos e fenômenos afins, isto é, em separar o seu
conteúdo propriamente jurídico de suas justificações político-sociais; em distinguir, daí, a autoridade
da coisa julgada (substancial) do fato processual da irrecorribilidade de uma sentença ou de um
despacho interlocutório (coisa julgada formal); em limitar, por isso, a autoridade da coisa julgada à
decisão que decide o mérito da ação, para declará-la procedente ou improcedente; em subtrair, por
fim, tôda a atividade puramente lógica desenvolvida pelo juiz no processo, do campo de ação da
coisa julgada, religando esta última ao ato de vontade ditado na sentença pelo acórdão judiciário e
acentuando energicamente a sua finalidade prática e o seu caráter publicístico.”
2
Ob. Cit., p. 50/51. Após demonstrar que as diversas eficácias da sentença podem se manifestar
independente da autoridade da coisa julgada, e que, portanto, eficácia da sentença e autoridade da
coisa julgada são coisas distintas, Liebman - sem entrar no mérito do problema da natureza volitiva
ou intelectiva da atividade judicial - destaca que da sentença emerge um comando. A eficácia de uma
sentença, por si só, não pode impedir que um juiz, investido da mesma competência daquele que
decidiu anteriormente o caso, reexamine o caso e decida de forma diferente. Então, segundo o autor,
“uma razão de utilidade pública e social intervém para evitar essa possibilidade, tornando o comando
imutável.
20
usualmente áspero e pungente, com referências pessoais ao jovem Liebman,
afirmando que o jovem colega, com quatro erros crassos, acabara por empreender
uma heresia, ante a qual esquadrinharia ele (Carnelutti) demonstrar compreensão,
comportando-se com paciência, em vez de se tomar pela cólera.
Em 1936 surge a resposta. Liebman, no artigo denominado “Ancora sulla
sentenza e sulla cosa giudicata”, a convite do próprio CARNELUTTI. Em tal artigo
LIEBMAN deplora a nuança agressiva do antagonista e a sua incompreensão com
uma teoria que tinha como o único pecado, discordar da sua.
Carnelutti, mais uma vez vem à carga, dizendo que das teses do
adversário, umas eram inócuas e outras ele agora via que não eram senão as suas
próprias teorias, apresentadas com palavras diferentes. (SOUSA, 2007)
2.3.3 A coisa julgada no direito brasileiro
No Brasil, o desenvolvimento legislativo da coisa julgada está manifesto
quanto se colaciona o Código de Processo Civil de 1939 com o de 1973.
Neste sentido tem-se a lição do mestre MIRANDA:
º
A herança foi boa, porque, na Introdução ao Código civil (Lei n.º 3.071, 1 de
janeiro de 1916), art. 3º, §3º, veio a definição: "Chama-se coisa julgada, ou
caso julgado, a decisão judicial de que já não cabe recurso". Aliás não era
assunto para o direito civil, o que proveio da influência francesa. O direito
processual é que estabeleceu a coisa julgada a que os outros recursos
jurídicos inclusive o direito constitucional, podem remeter (e.g., Constituição
de 1967, com a Emenda n.º 1, art. 153, §3º in fine). No Código de 1939, art.
288, infelizmente se disse: Não terão efeito de coisa julgada os despachos
meramente interlocutórios e as sentenças proferidas em processos de
jurisdição voluntária e graciosa, preventivos e preparatórios e de desquite
por mútuo consentimento." Hoje, o código de 1973, art. 469, usou outra
frase: em vez de "não terão efeito de coisa julgada", diz "não fazem coisa
julgada". E riscou as menções inadequadas. (MIRANDA, 2000, arts. 444 a
475)
O artigo 287 do Código de 39 determinava que: “a sentença que decidir
total ou parcialmente a lide terá força de lei nos limites das questões decididas”.
Reproduzira o artigo 290 do Projeto de Código de Processo Civil organizado pela
21
Comissão presidida por Ludovico Mortara, em 1926 para a Itália; só que no original
fazia parte nos limites das questões decididas.
O legislador de 1973 continuou fiel à ascendência inspiradora do
dispositivo comprimido no artigo 468, traduzindo-o impecavelmente da versão
italiana.
Silva evidencia a altercação jurídica ocasionada pela deficiência da
palavra lide no código de 1939:
O raciocínio poderia ser construído assim: dispondo o original italiano que a
sentença teria força de lei "nos limites da lide" e nos "limites das questões
decididas"; e havendo o legislador brasileiro suprimido a locução nos limites
da lide, então é porque lhe pareceu melhor permitir que a sentença
extravasasse os limites da respectiva lide posta pelo demandante para
atingir as premissas necessárias, ou as questões prejudiciais. Interpretando,
pois, com maior precisão, o pensamento de Buzaid, quando ele escreveu
que a redação do artigo 287 "faz supor que a coisa julgada recaia
unicamente sobre as questões decididas", devemos entender que a redação
do artigo 287, segundo a doutrina que sobre ele se formou, no Brasil,
sugeria que a sentença abrangesse não unicamente as questões decididas,
mas todas "as questões decidias", fossem elas pertinentes à lide, ou não o
fosse, desde que significassem premissas necessárias da decisão.
Estariam, pois abertas as portas para a expansão da eficácia da sentença
até as questões relativas à lide prejudicial. (SILVA, 1995, p. 139)
O Código de 1973, prevê que "a sentença que julgar total ou parcialmente
a lide tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.”.
Silva comenta a referida alteração:
Para situarmo-nos no problema, recordemos que o legislador de 73,
perfeitamente ciente das restrições e críticas feitas pela generalidade da
doutrina ao artigo 287 do velho Código, e apesar delas, o transpôs para o
Código novo, apenas corrigindo a versão que se mostrava incompleta na lei
revogada, incluindo agora, a palavra lide, inexistente na citada disposição
do artigo 287.
O professor Alfredo Buzaid (Do Agravo de petição, p. 112, 2ª edição, 1956)
era de opinião que a redação do indicado artigo 287 era obscura "porque,
excluindo a palavra ‘lide’ (grifo no original), faz supor que a coisa julgada
recaia unicamente sobre as questões decididas", impondo-se, então,
segundo o eminente autor do Projeto de nosso atual Código de Processo
Civil, uma construção legal dessa norma de modo a restabelecer o
verdadeiro sentido original que ela continha no projeto italiano. (SILVA,
1995, pp.138/139)
Portanto, em decorrência da referida alteração, comentada por Silva, temse que a coisa julgada adquiriu força de Lei nos limites tangentes à lide e a questões
debatidas entre as partes.
22
2.4 LIMITES DA COISA JULGADA
Do que foi mencionado acima, pode-se concluir que como é no item
dispositivo da sentença que se deparará o contento decisório do magistrado, é sobre
este contento que incide o império da coisa julgada; em outros termos: é o
dispositivo da sentença que gera coisa julgada. Tal arremate é mais bem concebido
a partir do estudo dos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada.
Assim sendo, a contar da formulação da conseqüente questão é que se
começa o estudo dos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada: qual é a parte
da sentença que transita em julgado?
2.4.1 Limites objetivos
Aconselha Rezende Filho (1951, p. 70-72) que os processualistas aceitam
que, “em tese, só passa em julgado o arremate ou dispositivo da sentença,
acolhendo, poderem, o alcance da coisa julgada ao pretexto que verdadeiramente
for componente imperativo e constitutivo da relação jurídica decidida”. E
complementa:
Devemos, porém, dar à expressão conclusão um sentido substancial e não
formalístico, como bem diz LIEBMAN [...], de modo a abranger não sòmente
a fase final da sentença, mas ainda qualquer outro ponto em que o juiz
eventualmente haja provido sôbre os pedidos das partes.
As premissas da sentença não têm fôrça de coisa julgada, ensina
EDUARDO COUTURE [...], mas adquirem, excepcionalmente, essa força
quando o dispositivo a elas aludir de modo expresso, e ainda no caso de
constituírem um antecedente lógico absolutamente inseparável (questão
prejudicial) do dispositivo. (REZENDO FILHO, 1951, p. 70-72)
O artigo 287 do Código de Processo Civil de 1939 consentia este
entendimento. Senão, vejamos a redação do referido dispositivo:
Artigo 287. A sentença que decidir total ou parcialmente a lide terá fôrça de
lei nos limites das questões decididas.
Parágrafo único. Considerar-se-ão decididas todas as questões que
constituam premissa necessária da conclusão. (BRASIL, 1939)
23
O Código de Processo Civil de 1973 eliminou o parágrafo único (de
temperamento esclarecedor) e conservou o caput, deste modo constituindo em seu
artigo 468: “a sentença que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos
limites da lide e das questões decididas”.
Da leitura de tal dispositivo, compreende-se que a sentença apresentará
força de lei dentro dos limites da lide e das questões resolvidas, isto é, o comando
da coisa julgada está objetivamente atrelado à solicitação que a sentença reconhece
existente ou não. Observa o professor Cintra (2003, p. 311-312) que o julgamento
total ou parcial da lide deve ser compreendido, não na definição de se possibilitar ao
juiz proferir sentença citra petita, e sim que o juiz pode pronunciar sentença que
decida, ou não, o mérito da causa, concedendo ou denegando, total ou
parcialmente, o pedido do autor.
O artigo é bem explicito ao dizer que “a coisa julgada adstringe-se ao
julgamento do pedido e das questões decididas”, de maneira que “se o pedido não
foi apreciado pela sentença e o autor não” interpôs um recurso de embargo de
declaração, “não se formou coisa julgada, podendo o demandante propor nova ação
com o mesmo objeto” (FUX, 2004, p. 828).
A partir da aula de Câmara (2006, pp. 490-491), mais bem temos a
capacidade conceber a inteligência do artigo: “a sentença faz coisa julgada nos
limites do objeto do processo, o que significa dizer, nos limites do pedido”; ao que
completa: “o que não tiver sido objeto do pedido, por não integrar o objeto do
processo, não será alcançado pelo manto da coisa julgada”; e conclui: “apenas
aquilo que foi deduzido no processo e, por conseguinte, objeto de cognição judicial,
é alcançado pela autoridade de coisa julgada”.
Não obstante o legislador ter explicitado os limites objetivos da
coisa julgada, adstringindo-os ao pedido com sua correspondente causa de
pedir, posto que a causa petendi com outro pedido ou o mesmo pedido com
outra causa de pedir diferencie as ações, ainda visou esclarecer ao alcance
da mesma, no artigo 469 do CPC, ao “retirar do âmbito da coisa julgada” os
motivos (não a motivação integral da sentença onde se encarta a causa de
pedir) importantes e determinantes da parte dispositiva da sentença, a
verdade dos fatos estabelecida como fundamento da sentença e a
apreciação da questão prejudicial decidida incidentemente no processo.
(FUX, 2004, p. 828).
24
Merece observação, por fim, a expressão “força de lei”: o que o artigo
quer dizer com “a sentença terá força de lei”? Na declaração de Machado
Guimarães, “‘força de lei’ traduz uma clara noção da função prática da coisa julgada
substancial” (GUIMARÃES apud CINTRA, 2003, p. 313). Alterando-se vocábulos no
esclarecimento, podemos articular que a “sentença terá força normativa”, a qual vira
incidir sobre os limites da lide e das questões decididas.
O artigo 469 do CPC prescreve que:
Não fazem coisa julgada:
I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte
dispositiva da sentença;
II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença;
III – a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no
processo.
Com apoio neste artigo articula-se ainda mais a inteligência de que é a
parte dispositiva da sentença que transita em julgado, tendo em vista que
fundamentos, ainda que imprescindíveis para determinar o contorno da parte
dispositiva da sentença não fazem coisa julgada.
O artigo 470 do Código Processual Civil tem a ulterior composição: “faz,
todavia, coisa julgada a resolução da questão prejudicial, se a parte o requerer
(artigos 5º e 325), o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto
necessário para o julgamento da lide”. Como bem ressaltado pelo artigo
antecedente, a exame crítico do ponto prejudicial só não contrairá autoridade de
coisa julgada quando resolvida incidenter tantum, ou seja, somente integrará a
fundamentação da sentença.
No entanto, instituem os artigos 5º e 325 que à demanda prejudicial pode
ser oferecida uma posição de objeto principal do processo, mediante a chamada
ação declaratória incidental. Mas é imprescindível, igualmente, que se consintam os
requisitos legais previstos no artigo: (i) a parte deve demandar, ou seja, ajuizar a
ação declaratória incidental; (ii) o juiz da demanda anteriormente ajuizada deve ser
competente para julgar a matéria da ação declaratória incidental; (iii) a questão deve
se compor como hipótese indispensável para o julgamento da lide anterior.
25
Instrui Câmara (2004, p. 491) que o sistema dos limites objetivos da coisa
julgada se conclui com os artigos 469 e 470, de forma que,
[...] com base nestes dispositivos se pode afirmar que apenas o dispositivo
da sentença transita em julgado. O relatório, que obviamente não contém
qualquer elemento decisório, não transita em julgado. Quanto à motivação
da sentença, esta não é alcançada pela coisa julgada, como se verifica pela
leitura do art. 469 do CPC. (Câmara 2004, p. 491).
Assim sendo, fica cristalino e evidente que os limites objetivo da coisa
julgada são atinentes aos resultados, ou seja, a parte decisória ou dispositiva da
sentença não a do relatório e da motivação.
2.4.2 Limites subjetivos
Nesta ocasião o mote é em quem e quais indivíduos a que a coisa julgada
tem abarcamento.
Exclusivamente os membros da relação jurídica processual são
alcançados pela coisa julgada. O art. 472 do CPC dispõe:
A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não
beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado
de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio
necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em
relação a terceiros.
Vale ressaltar a lição do Ministro Fux (2004, p. 832):
A situação de conflito submetida ao Judiciário tem os seus protagonistas, e
a decisão, a fortiori, seus destinatários. Outrossim, a sentença não vive
isolada no mundo jurídico, ressoando possível que uma decisão reste por
atingir a esfera jurídica de pessoas que não participaram do processo.
(FUX, 2004, p. 832)
Cintra (2003, p. 318) oportunamente adverte: “a parte inicial da disposição
em exame enuncia a regra fundamental relativa aos limites subjetivos da autoridade
da coisa julgada”, ou seja, tal autoridade só incide sobre as partes (as quais
constituem um dos elementos da lide – sujeitos da relação litigiosa –, justamente o
26
elemento subjetivo), não atingindo terceiros, quer seja para favorecer, quer seja para
depreciar. E ainda:
[...] o bom entendimento da disposição em exame decorre da distinção
formulada por Carnelutti entre parte em sentido material e parte em sentido
formal, o que nada tem de surpreendente, diante da influência exercida por
Carnelutti na elaboração do anteprojeto do Código de Processo Civil
brasileiro. Esse entendimento permite a aplicação, sem maiores
dificuldades, da regra explicitada no artigo 472, à coisa julgada formada
tanto nos casos de legitimação ordinária como naqueles de legitimação
extraordinária. Realmente, assim se explica porque, no caso de substituição
processual, o substituído fica sujeito à coisa julgada formada em processo
de que não participou.
Naturalmente, a autoridade da coisa julgada se impõe aos sucessores das
partes, a título universal ou singular. Isto não constitui exceção à regra, mas
o resultado da operação normal da sucessão, pela qual o sucessor toma o
lugar do sucedido, assumindo os direitos e obrigações atinentes à posição
ou relação jurídica em que este se encontrava. (CINTRA, 2003, p. 138)
Já a segunda parte do referido dispositivo especifica a regra subentendida
na primeira parte, porque é evidente que a sentença prolatada no processo em que
há litisconsortes, a coisa julgada desempenhará sua autoridade sobre os
litisconsortes, os quais compartilham a relação jurídica litigiosa (na qualidade de
partes), haja vista que têm interesse jurídico. Necessita-se, portanto, analisar a
expressão usada, “litisconsórcio necessário”, o que nos comporta dizer que
naqueles eventos de litisconsórcio facultativo, a coisa julgada não desempenhará
sua autoridade sobre terceiros interessados, os quais não tenham participado do
processo.
Necessita-se analisar a circunstância do assistente:
O assistente fica em posição especial no tocante à coisa julgada formada no
processo em que interveio. Embora seja parte nesse processo, ainda que
secundária, a sentença não faz coisa julgada com relação ao assistente, a
ele se aplicando a regra contida no artigo 55 do Código de Processo Civil
[...]. (CINTRA, 2003, p. 320)
Câmara ressalta (2006, p. 495) que “a afirmação contida no artigo 472 do
CPC, segundo o qual a coisa julgada só atinge as partes, não beneficiando nem
prejudicando terceiros, embora exata, é incapaz de explicar todos os fenômenos
ligados à extensão subjetiva da res iudicata”.
27
Fux (2004, p. 833-834) constitui alguns exemplos em que terceiros,
diferentes das partes, ficam sujeitos à autoridade da coisa julgada: (a) no caso dos
sucessores e dos herdeiros da parte, desde que o direito sob litígio seja
transmissível; (b) no caso do suprido na substituição processual, com base na
alegação de que a legitimação extraordinária tem por finalidade melhor tutelar sua
posição não pode ocasionar danos à parte contrária.
Assinala o Ministro (FUX, 2004, p. 835) que “atual e elegante questão
põe-se no âmbito dos ‘direitos supra-individuais’, portanto considerados os difusos,
os interesses coletivos e os individuais homogêneos”. Em ajuste com a doutrina da
“coisa julgada secundum eventum litis”, a res iudicata abrangeria a todos “quantos
se encartassem na esfera do interesse difuso, julgando-se procedente ou
improcedente o pedido, superando-se o risco de eventuais conluios entre o autor da
ação e o réu3”.
Pelo exposto artigo 473, “é defeso à parte discutir, no curso do processo,
as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão”. Pela que se pode
extrair da redação do artigo retrotranscrito, proíbe-se à parte rediscutir, durante o
procedimento processual, matérias preclusas que já tenham sido objeto de decisão
interlocutória antecedente. A consumação da preclusão expressa o prejuízo da
capacidade de desempenhar qualquer ato processual, o que é flagrantemente
presumível de acontecer no tocante às decisões interlocutórias, porquanto em
analogia a estas cabe o recurso de agravo, a ser interposto no prazo de dez dias
(artigo 522, CPC).
Daí não decorre, contudo, que ao juiz fique sempre vedado rever as
decisões cuja rediscussão pela parte ficou preclusa. Importa distinguir,
nesse ponto, dado que, por expressa disposição de lei, o juiz conhecerá de
ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não for proferida a
sentença de mérito, das matérias referidas pelos incisos IV, V e VI do artigo
267 do Código de Processo Civil (Código de Processo Civil, artigo 267,
parágrafo terceiro), do que resulta que, quanto a essas matérias, a
preclusão não opera com relação ao juiz. Em conseqüência, quanto a essas
matérias, apesar de não haver recurso da parte, o juiz está autorizado a
rever suas decisões proferidas no curso do processo, redecidindo questões.
(CINTRA, 2003, p. 322).
3
Ver artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
28
Desta maneira, resta claro que a decisão será imutável em relação aos
litisconsortes. O litisconsórcio institui-se em meio a todos os que são juridicamente
interessados, para os restantes dos terceiros não existirá qualquer possibilidade de
recorrer da decisão transitada em julgada, ainda que sofra prejuízos de fato.
2.5 COISA JULGADA FORMAL
A coisa julgada formal é a prestação jurisdicional entregue pelo Estado,
com traço de imutabilidade, dentro do processo, como alicerce de sua
irrevogabilidade exterior do processo. Deste modo, a coisa julgada formal se
constitui quando não é mais admissível interpor mais qualquer tipo de recurso,
incidindo assim, sobre a sentença a qualidade imutável, pelo fato de se ter ocorrido
à conhecida preclusão.
Sobre a coisa julgada formal destacamos os ensinamento de Wambier:
"Na doutrina aparece a expressão preclusão máxima para designar a coisa
julgada formal, e isto significa que a coisa julgada formal se identifica de fato
com o fim do processo, tendo lugar quando da decisão já que não caiba mais
recurso algum (ou porque a parte terá deixado escoar in albis os prazos
recursais ou porque terá interposto todos os recursos). Torna-se indiscutível a
decisão naquele processo em que foi proferida, já que o processo acabou."
(WAMBIER, 2003, p. 565)
Nessa mesma ideologia, Santos avalia a coisa julgada formal:
"Não mais suscetível de reforma por meio de recursos, a sentença transita
em julgado, tornando-se firme, isto é, imutável dentro do processo. A
sentença, como ato processual, adquiriu imutabilidade. E aí se tem o que se
chama coisa julgada formal, que consiste no fenômeno da imutabilidade da
sentença pela preclusão dos prazos para recursos." (SANTOS, 2003, p.43)
Diante destes ensinamentos, podemos deduzir que não é aceitável deixar
de pôr em discussão a questão de forma mais incisiva, de forma que as sentenças
que acontecem em virtude do art. 267 do CPC apenas são alcançadas pela
preclusão, uma vez que é uma sentença meramente terminativa.
2.6 COISA JULGADA MATERIAL
29
A coisa julgada material obsta novo exame do litígio que tornou-se
irrecorrível, por qualquer juiz ou tribunal. A coisa julgada material é qualidade que
exterioriza os efeitos do processo, não os limitando ao processo em questão e sim
para sua causa de pedir já decidida.
Nosso Código de Processo Civil traz a acepção da coisa julgada material
de forma cristalina, afirmando a coisa julgada material como eficácia que torna
imutável e indiscutível a sentença irrecorrível (art. 301, §§ 1º, 2º e 3º e art. 467,
ambos do CPC)
E com a análise do art. 468 do CPC, podemos extrair que a coisa julgada
possui força de Lei: “A sentença que julgar total, ou parcialmente a lide tem força de
Lei nos limites de lide das questões decididas"
Ao versar sobre o tema, ressalta Santos:
"Em consequência da coisa julgada formal, pela qual a sentença não poderá
ser reexaminada e, pois, modificada ou reformada no mesmo processo em
que foi proferida, tornam-se imutáveis os seus efeitos (declaratório, ou
condenatório, ou constitutivo). O comando emergente da sentença, como
ato imperativo do Estado, torna-se definitivo, inatacável imutável, não
podendo ser desconhecido fora do processo. E aí se tem que se chama
coisa julgada material, ou coisa julgada substancial, que consiste no
fenômeno pelo qual a imperatividade do comando emergente da sentença
adquiri força de lei entre as partes." (SANTOS, 2003, p. 45)
Temos o entendimento de Wambier:
"A coisa julgada material, a seu turno, só se produz quando se tratar de
sentença de mérito. Faz nascer a imutabilidade daquilo que tenha sido
decidido para além dos limites do processo em que se produziu, ou seja,
quando determinada decisão judicial passa a pesar autoridade de coisa
julgada, não se pode mais discutir sobre aquilo que foi decido em outro
processo." (WAMBIER, 2003, p. 551, grifo do autor)
Dessa mesma forma, podemos contar com o entendimento de Santos:
"Mas a qualidade da sentença se acrescenta uma outra, que lhe dá
autoridade além do processo em que foi proferida. O comando emergente
da sentença se reflete fora do processo em que foi proferida, pela
imutabilidade do seus efeitos. A vontade da lei, que se contém no comando
emergente da sentença, e que corresponde à expressão da vontade do
Estado de imutável no mesmo ou em outro processo. O comando
emergente da sentença, tornado imutável, adquire autoridade de coisa
julgada, a impedir que a relação de direito material decidida, entre as
mesmas partes, seja reexaminada e decidida, no mesmo processo ou em
outro processo, pelo mesmo ou outro juiz ou tribunal, assim, fala-se em
coisa julgada material, ou substancial, como autoridade da coisa julgada."
(SANTOS, 2003, p. 44, grifo do autor)
Como citado, em decorrência da lei a coisa julgada material possui força
30
obrigatória, não somente entre as partes como também em relação aos juízes, que
deverão respeitá-la. Deste modo, ante a força vinculante da coisa julgada, este não
teria capacidade de subsistir sozinho, motivo pela qual a coisa julgada formal é
prévia condição para sua concepção.
Assim sendo, enquanto a coisa julgada formal decorre a imutabilidade da
sentença naquele processo, a coisa julgada material vem ampliar seus efeitos,
dando-lhe autoridade para que não mais venha a ser discutida. De tal forma
constatamos que só a parte da lide que tenha sido decidida fará coisa julgada.
31
3 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA
3.1 NOÇÕES GERAIS
A teoria da coisa julgada inconstitucional foi aceita pelo legislador
brasileiro que, compassivo às manifestações de consistentes processualistas
pátrios, resultou por inserir em nosso direito positivo a idéia da relativização da coisa
julgada, por meio da inserção de um parágrafo único ao art. 741 do CPC, através da
Medida Provisória nº 2.180-35/2001, acrescido com a conseqüente redação:
"Para efeito do disposto no inciso II deste artigo, considera-se também
inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados
inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou
interpretação tidos por incompatíveis com a Constituição Federal".
Tal relevante mudança na legislação, com o intuito de harmonizar os
postulados de segurança e justiça, por meio da relativização da coisa julgada, não
teve, categoricamente, o intuito de extinguir o instituto, tenha vista a sua irretorquível
relevância para o sistema processual brasileiro, muito menos o intuito de amainar a
aparência de definitividade das decisões judiciais que transitaram em julgado, mas,
de modo contrário, procurou colaborar para o aprimoramento da sistemática
abraçada. Por fim, a intangibilidade conforma simples contorno de retórica, já que
coisa alguma pode afrontar a Constituição Federal, sob o risco de danificar o Estado
de Direito.
Destarte, em conformidade com a nova sistemática abraçada, a
relativização da coisa julgada obtém espaço quando o título executivo judicial estiver
constituído em: a) lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo
Tribunal Federal; ou b) aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a
Constituição Federal.
O aproveitamento do primeiro caso, por sua limpidez e objetividade, não
apresenta grandes obstáculos, sendo suficiente que a sentença ou o acórdão
exeqüendo seja fundado em lei ou outro ato normativo declarado inconstitucional
pela Suprema Corte - em sede de controle tanto concentrado, quanto difuso - para
que o juiz, denegando-lhe exigibilidade, professe a nulidade da execução, à luz do
32
art. 741, inc. II, parágrafo único, do CPC.
A segunda proposição, não obstante, proporciona grande complexidade,
visto que o título executivo não possui a sua inconstitucionalidade livremente
observada pelo juiz que julga dos embargos, tornando-se mister a preexistência de
uma declaração da Suprema Corte.
Com efeito. Em objeto de controle de constitucionalidade, o STF justapõe
a metodologia da cognominada interpretação de acordo com ou sem diminuição
parcial de texto "(...) utilizável quando a norma impugnada admite, dentre as várias
interpretações possíveis, uma que a compatibilize com a Carta Magna, e não
quando o sentido da norma é unívoco".
De acordo com o ilustre constitucionalista Morais (2004, p. 254), para que
ocorra um satisfatória interpretação conforme a Constituição:
"(...) o intérprete poderá declarar a inconstitucionalidade parcial do texto
impugnado, no que se denomina interpretação conforme com redução
de texto, ou, ainda, conceder ou excluir da norma impugnada
determinada interpretação, a fim de compatibilizá-la com o texto
constitucional. Essa hipótese é denominada interpretação conforme sem
redução do texto”. (MORAIS, 2004, p.254)
Em tal obra, o autor enxerga três hipóteses: “a) interpretação conforme
com redução do texto; b) interpretação conforme sem redução do texto, conferindo à
norma
impugnada
uma
determinada
interpretação
que
lhe
preserve
a
constitucionalidade e c) interpretação conforme sem redução do texto, excluindo da
norma impugnada uma interpretação que lhe acarretaria a inconstitucionalidade.”.
(MORAIS, 2004, p.265)
Assim sendo, para que o juiz dos embargos perfilhe a inexigibilidade do
título judicial constituído em aplicação ou interpretação entendidas por conflitantes
com a Constituição Federal, igualmente se faz imperativo a declaração prévia da
Suprema Corte.
Este é a inteligência de Assis (2006, p. 1049), em anotações ao novo
parágrafo único do art. 741 do CPC. Em sentido semelhante, Talamini assim ensina
"é indispensável que a consideração de inconstitucionalidade funda-se em
pronunciamento do STF" (TALAMINI, 2002, p. 57).
O conceituado processualista Theodoro Júnior e Faria, no entanto,
alimenta a idéia absolutamente oposta, sob o contexto de que "a exegese, porém, é
33
excessivamente
restritiva
e
não
se
compatibiliza
com
a
idéia
de
inconstitucionalidade", portanto ampliando sua inteligência argumentativa:
"Da desconformidade do ato público, qualquer que seja ele, com a ordem
constitucional decorre uma invalidade. O ato apresenta-se absolutamente
nulo, de sorte que, a qualquer tempo e em qualquer juízo, essa nulidade
poderá ser perquirida e declarada".
"(...) No bojo dos embargos à execução, portanto, o juiz, mesmo sem prévio
pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, está credenciado a recusar
execução à sentença que contraria preceito constitucional, ainda que o
trânsito em julgado já se tenha verificado".
"(...) Na segunda parte do dispositivo em exame, destarte, a inexigibilidade
não se reporta a prévio pronunciamento do STF, mas decorre de
constatação feita diretamente pelo juiz dos embargos sobre o teor do título
executivo judicial". (THEODORO JÚNIOR e FARIA, 2002, p. 98-99),
Data vênia, é de se divergir do entendimento do conceituado
processualista, haja vista que tal interpretação pode desvirtuar a conjunturas
absurdas, envolvendo toda a norma processual.
Com efeito. Tenha-se, como exemplo, uma ação de cobrança julgada
improcedente na 1ª instância, sob o argumento de ter o autor entrado no serviço
público sem antecedente concurso público, contrariando, dessarte, o art. 37, inc. II,
da CF. Suponha-se que em grau recursal, o tribunal competente, ainda que
perfilhando a nulidade do liame, tenha condenado o ente público estatal no
pagamento dos salários retidos, diferenças salariais, etc., com baldrame no princípio
que proíbe o enriquecimento ilícito.
Faz-se a seguinte pergunta: Poderia o juiz de 1º grau, vindo a julgar
embargos na fase executiva, acatar argüição de que o título judicial (acórdão) se
baseara em aplicação ou interpretação conflitantes com o texto constitucional (2ª
hipótese), com base no art. 741, inc.II, parágrafo único, do CPC.
Em se perfilhando à inteligência do conceituado processualista, a
resposta seguramente seria afirmativa.
No entanto, sem que haja uma declaração antecedente do STF de que
esse entendimento seria desconforme com o texto constitucional, aceitar-se tal
probabilidade importaria em uma real subversão do ordenamento jurídico
processual, com o juiz inferior re-analisando sentenças do tribunal superior,
apreciando outra vez a mesma lide, estabelecendo-se, sem qualquer de equívoco, a
desordem processual e a eternização de demanda.
Daí ao certo do entendimento doutrinário de Assis e Talamini,
34
supracitados.
3.2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA
No contexto nacional, a teoria da relativização começou a auferir fôlego
pelo ano de 2000 em diante, inicialmente com a base da estrutura teórica decorrente
de alguns doutrinadores, como: Ministro José Augusto Delgado, Humberto Theodoro
Junior, Ivo Dantas, Cândido Rangel Dinamarco, Carlos Valder do Nascimento, dentre
outros. (DINAMARCO, 2001, p. 59)
O primeiro desbravador da tese a percorrer o Brasil foi o Ministro José
Augusto Delgado, membro do Superior Tribunal de Justiça, o qual alavancou, com
sustentáculo na coisa julgada inconstitucional, ou seja, que todo provimento
jurisdicional carece de preservar consonância com a Constituição, sob o infortúnio
de se estabelecer uma não decisão. (DINAMARCO, 2001, p. 62)
A decisão se finda como conseqüência da uma função do Estado,
exteriorizando a sua vontade, carecendo, deste modo, ser pronunciada de ajuste
com a justiça e equidade. (DELGADO, 2002, p. 73)
A justiça é o caminho para a hegemonia da Constituição e, com efeito,
todos os princípios constitucionais se sujeitam a ela. Não é aceitável, nem suportável
ter um sistema processual em que uma decisão inconstitucional, de carga lesiva não
possua caminhos para ser revertida. (MARINONI, 2004, p. 97)
O processo não pode ser entendido com uma mera peça retórica e o
dogma da coisa julgada que deturpa ou desconfigura a realidade, não pode mais
subsistir, eis que como afirma Delgado (2002, p. 52) “sentença que ofende a
Constituição nunca terá força de coisa julgada”
Por esse aspecto, a coisa julgada não será absoluta, seu regramento
encontra-se abaixo da Constituição e os efeitos da coisa julgada resultam diminuídos
ante aos princípios da moralidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, da
legalidade e do justo, como acentua Delgado (2002, p. 52).
Na visão de Dinamarco (2001, p. 160), a sentença extraordinariamente
lesiva não há de ser considerada sentença e, dessa maneira jamais alcançaria o
transito em julgado.
35
Humberto Theodoro Junior e Juliana Cordeiro de Faria (2003, p. 89-90)
entendem que, ao contrário de não-sentença, a decisão transitada em julgado em
manifesto
desacordo
com
a
Constituição,
sofrendo,
assim,
de
vício
de
inconstitucionalidade, é nula e não inexistente, havendo aparência de coisa julgada.
Em sendo assim, os doutrinadores aludidos somente discrepam se a
decisão é inexistente, sequer se constituindo coisa julgada (postura Delgado e
Dinamarco), ou se é nula, inválida, porém existente (posição de Humberto e
Juliana). Entretanto, as duas correntes afluem para a justaposição da justiça, com
apoio
nos
princípios
constitucionais
da
moralidade,
razoabilidade
e
proporcionalidade, na acepção de se “relativizar a coisa julgada” que se posta na
legislação infraconstitucional e que não tem como ser preservada, buscando a
justiça, atacando e modificando a coisa julgada inconstitucional.
Se o justo é a passagem, não interessam os caminhos processuais, para
se alcançar a relativização e, com isso, obtém-se a magnitude alojada pelo Prof.
Candido Dinamarco (2001, p. 162-163), o qual completa que pode ser relativizada
por “simples petição nos autos, via ação rescisória, embargos à execução,
objeção/exceção de executividade, querela nullitatis”, ou seja, por qualquer meio
processual que se alcance a extensão ética do processo.
Nessa seara, não se deve impor prazo para a relativização da coisa
julgada, forma ou impor rol de matérias, por isso, o Ministro José Delgado (2003, p.
50-52) em seu escrito acerca do assunto sugere 34 (trinta e quatro) exemplos de
não-sentenças que não contraem o ânimo da coisa julgada, como a que evita
alguém de associar-se ou a que rejeita o direito de herança ou a que não concede
aposentadoria ao trabalhador ou férias, ou a que afronta a soberania estatal e por aí
segue...
Finda-se esse primário aspecto com a passagem de Theodoro Junior
(1999, p. 119-137) para nossa ponderação, que leciona que a justiça é anterior ao
Direito e é em seu nome que historicamente se forjaram os ordenamentos jurídicos.
Que é um dado ético antes que jurídico. Daí que, sob o feitio de princípio, o justo
adentra todo o sistema jurídico e, assim, se faz presente como a maior força
dominante sobre os métodos e critérios de interpretação e aplicação das normas
jurídicas.
36
3.3 NATUREZA JURÍDICA DA COISA JULGADA NO SISTEMA PROCESSUAL
Os relativistas a introduzem no âmbito infraconstitucional, em função das
lavas do diploma processual civil (art. 467 e ss).
Refletir, dessa maneira, é denegar o devido processo que é, nas
pertinentes expressões de Nery Junior (2004, p. 60) o “princípio fundamental do
processo civil.” Só existe o devido processo legal, quando mesclado à coisa julgada,
dentro do elemento da constitucionalidade democrática. O devido processo
constitucional precisa da coisa julgada, é aí que se encontra o grande fundamento
do inciso XXXVI do art. 5º da CF/88, quanto à coisa julgada.
O binômio da coisa julgada/devido processo é abordado por Leal (2005,
p. 04-08), com quem aquiescemos. O calibre do assunto da natureza jurídica da
coisa julgada adquire dimensão ainda maior quando se ressalta que, nas linhas do
Texto Constitucional, essa entidade é um direito fundamental e, nesse norte, se
posta como uma cláusula pétrea, em consonância com o §4º do art. 60 da CF/88.
Destarte, existe a necessidade de serem admitidas as afirmações de
Marinoni (2004, p. 162-163), Nery Junior (2004, p. 38), Wambier e Medina (2003, p.
22), no âmbito de que a coisa julgada material é propriedade do Estado Democrático
de Direito, sendo um de seus importantes elementos de existência.
O alicerce da República Federativa do Brasil é o Estado Democrático de
Direito, expresso no art. 1º da CF/88, e ele se revela à luz da coisa julgada.
Porfiando, em conseguinte, a coisa julgada funda norma-princípio
constitucional e não simples norma-regra do compêndio processual civil pátrio, como
cerne que irradia e magnetiza todo o ordenamento jurídico, sendo a sua
relativização fator de exceção, que deve estar categoricamente conjeturado no
sistema.
Sendo assim, entende-se que a coisa julgada é um dos pilares do Estado
Democrático de Direito, força matriz e motriz para a sua realização.
3.4 A IMPORTÂNCIA DA COISA JULGADA MATERIAL
37
A coisa julgada material se distingue por tornar os dizeres e comandos
inseridos na sentença definitivos e imutáveis. Não há como olvidar-se do por que a
jurisdição foi, por longo tempo, marcada pela coisa julgada material. Quando se
afirma que a coisa julgada material não deve ser entendida como característica
basilar da jurisdição, imputam-se considerações que, ainda que não contenham
carga declaratória hábil a fazer surgir coisa julgada material, são essenciais para a
efetiva proteção dos direitos, como aquele que encerra o processo cautelar.
Entretanto, nota-se mister “entender que a coisa julgada material não é característica
da jurisdição não é o mesmo do que dizer que a jurisdição não deva zelar pela coisa
julgada material.”. (MARINONI, 2004, p. 150-151)
A coisa julgada é apreciada como qualidade imprescindível ao Estado
Democrático de Direito e à efetividade do direito constitucional de acesso ao Poder
Judiciário – de modo óbvio quando se reflete no processo de conhecimento. Em
sentido semelhante vem a lição de Marinoni, que defende a idéia de que “de nada
adianta falar em direito de acesso à justiça sem dar ao cidadão o direito de ver seu
conflito solucionado definitivamente” (MARINONI, 2004, p. 145-146). Por isso, se a
definitividade intrínseca à coisa julgada pode, em certos casos, ocasionar
acontecimentos indesejáveis para o próprio sistema jurídico, não seria certo aceitar
que, em função deste fato, ela meramente possa ser desconsiderada.
Nessa acepção, não parece que a mera declaração de que o Poder
Judiciário não pode proferir decisões antagônicas à justiça, à veracidade dos fatos e
à lei, possa ser entendida como um acertado alicerce para o que se almeja ver com
relativização da coisa julgada. Ora, o próprio sistema enceta do conceito de que o
juiz não deve proferir decisões dessa forma, mas não ignora que isso possa ser
feito. Tanto é que antevê a ação rescisória, admissível em casos inseridos no texto
legal.
O que se sucedeu, perante a forçosa probabilidade de comportamentos
indesejados pelo sistema, foi manifesta acepção das hipóteses em que a coisa
julgada pode ser rescindida. Com isso, objetivou-se, oferecer cautela a certas
situações redondamente divergente do dever jurisdicional, porém sem extinguir a
segurança de indiscutibilidade e imutabilidade, intrínsecos ao poder estabelecido
para dar solução às lides, com também indispensável à efetividade do direito de
ingresso aos tribunais e à segurança e à estabilidade da vida da população em
38
geral.
Ainda sem entrar em discussão de complicados tópicos da filosofia do
direito, pode-se com lógica asseverar que as teses da “relativização” não ministram
nenhuma resposta para a questão da correção da decisão que supriria a decisão
classificada pela coisa julgada. Ora, aceitar que o Estado-Juiz cometeu erro no
julgamento que se consolidou, de modo óbvio provoca em acolher que o Estado-Juiz
pode errar também no segundo julgamento, quando o conceito de relativizar a coisa
julgada não acarretaria nenhum melhoramento ou situação de justiça.
3.5 DOUTRINA MUNDIAL E A COISA JULGADA?
É amplamente bem reputada. Discrepam somente se é qualidade ou
efeito da sentença. Na primeira corrente, encontra-se Theodoro Junior (1996, p. 41)
e, como conseqüência, à modo de ilustração, Celso Neves (1971, p. 443).
Ao passo que, para a teoria alemã, a coisa julgada é uma eficácia da
declaração, no âmbito dos efeitos da sentença (JAUERING, 2002, p. 335).
Salienta-se somente que Barbosa Moreira (1984, p. 113) possui um
entendimento característico do que seja a coisa julgada, sendo que, para o mesmo:
“não se expressa de modo feliz a natureza da coisa julgada, ao nosso
ver, afirmando que ela é um efeito da sentença, ou um efeito da
declaração nesta contida. Mas tampouco se amolda bem à realidade, tal
como a enxergamos, a concepção da coisa julgada como uma qualidade
dos efeitos sentenciais, ou mesmo da própria sentença. Mais exato
parece dizer que a coisa julgada é uma situação jurídica: precisamente a
situação que se forma no momento em que a sentença se converte de
instável em estável. É a essa estabilidade, característica da nova
situação jurídica, que a linguagem jurídica se refere, segundo
pensamos, quando fala da ‘autoridade da coisa julgada”. ( Barbosa
Moreira, 1984, p. 113)
Não interessa a linha de raciocínio teórica, mas juntos eles aquiescem
que a coisa julgada material é o resultado imprescindível do exercício do direito de
ação por meio do processo.
39
3.6 CASOS PARADIGMÁTICOS DA RELATIVIZAÇÃO
Os dois casos digno de ser chamados de paradigmáticos da relativização
foram o da desapropriação em São Paulo e o dos exames de DNA.
O da desapropriação com um valor de indenização completamente
ilusório (muito mais do que o justo valor) provocou para os relativistas a adotar uma
posição de desconsideração da coisa julgada, visto que a sentença transitada em
julgado afrontava cristalinamente o princípio da moralidade administrativa.
(MARINONI, 2004, p. 156)
O dos exames de DNA, assim do descobrimento do avanço tecnológico,
instigaram a possibilidade dos filhos de perquirirem a investigação de paternidade,
com a finalidade de descobrirem seus verdadeiros vínculos de filiação, não podendo
aceitar-se trânsito em julgado, quando não é justo, razoável e proporcional na norma
afastar-se da mundo real e do fato de quem é o verdadeiro pai. (MARINONI, 2004, p.
120)
Nessa mesma estirpe, a relativização passou a ser introduzida via
princípios da moralidade administrativa, cujo benefício cristalino é em favor da
Administração Pública; razoabilidade e proporcionalidade que são meios de
interpretação no cerne da abertura do ordenamento e do justo que se compõe num
valor ideal, completamente absorto e sem nenhum critério de definição. (MARINONI,
2004, p. 223)
Ao contrário, percebe-se que não é admissível, nem adequado para o
ordenamento processual civil a relativização e, muito menos, tem em seu poder
argüição compatível com a teoria geral da prova, onde nela encontra-se patenteada
a idéia de que não existe espaço de absoluta verdade e, como decorrência, de
justiça também absoluta.
Calamandrei (1999, p.273) diz que:
“A coisa julgada não cria nem uma presunção nem uma ficção de verdade:
a coisa julgada só cria a irrevogabilidade jurídica do mandato, sem se cuidar
em distinguir se as premissas psicológicas das quais esse mandato tem
nascido, são premissas de verdade ou somente de verossimilitude.”
(CALAMNDREI, 1999, p.273)
Como se pode retornar aos pilares do “mandato”, na nomenclatura de
40
Calamandrei, se sua determinação se deu, em decorrência de premissas
psicológicas do julgador? A quem caberia a reanálise: ao mesmo juízo, ao tribunal?
Em que consistem as características a serem consideradas?
Em virtude de que o discurso judicial decisório tem por finalidade a
absorção da insegurança, esta juntamente com a incerteza não podem jamais
acontecer para o caminho da tutela jurisdicional, encerrando-se, assim, as questões
geradoras de conflitos. (FERRAZ JUNIOR, 2003, p. 344-347).
Como atenta o ilustre douto Marinoni (2004, p. 163), a relativização não
consegue elucidar que se o Estado-juiz falhou no julgamento que se consolidou,
logicamente implica acolher que o Estado-Juiz conseqüente pode incorrer em erro
no julgamento posterior, quando o conceito de relativizar a coisa julgada não
acarretaria qualquer benefício ou situação de justiça.
3.7 OS EFEITOS DA DECISÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE
EM RELAÇÃO À COISA JULGADA MATERIAL
O sistema pátrio não guarda somente ao Supremo Tribunal Federal a
julgamento de inconstitucionalidade da lei. Como já é sabido, tanto os juízos de
primeiro grau, tanto os de segundo grau podem também fazer esse controle, no
decurso de qualquer processo, como demanda incidental ao julgamento do mérito.
(CLÉVE, 2000, p. 163).
O conceito de que a declaração de inconstitucionalidade de lei pelo
Supremo Tribunal Federal torna nula a sentença (transitada em julgado) que nela se
constituiu,
provoca
algo
que
poderia
denominar-se
de
“controle
da
constitucionalidade da sentença transitada em julgado.” (MARINONI, 2010, p.4)
Ou
melhor,
a
idéia
seria
de
retroatividade
da
decisão
de
inconstitucionalidade para chegar à coisa julgada. Isso seria a mesma coisa do que
recepcionar que a sentença que se instituiu em lei considerada constitucional, e foi
proferida em processo que analisou todas as garantias processuais das partes, pode
ser declarada nula por decisão do Supremo Tribunal Federal que, tempos depois,
afirme a mesma lei inconstitucional. Como está cristalino, o que é importante saber é
41
se a sentença que declarou a inconstitucionalidade, emitida pelo Supremo Tribunal
Federal, pode retroceder a fim de atingir a coisa julgada material. (MENDES, 1990,
n. 11)
Não paira suspeita que, no direito pátrio, infere-se, sem grandes debates,
que a decisão de inconstitucionalidade resulta efeitos ex tunc, e, portanto retrocede
até o tempo da edição da lei. Afiança-se, em sentido semelhante, que essa decisão
não há carga desconstitutiva, e sendo assim não somente revoga a lei. A natureza
de tal decisão é declaratória, pois reconhece a nulidade da lei, insta salientar, um
estado já existente (CLÉVE, 2000, p. 163).
Sucede que essa questão, pertinente a retroatividade dos efeitos,
necessita ser analisada com precaução, uma vez que não há sentido em aceitar que
uma teoria, apenas porque idônea em "determinado sentido", possa ser aceita como
adequada em "outro" apenas para que o seu arcabouço lógico-formal não seja
abalado. Esse "outro sentido", de que se explana, remete exatamente àquelas
circunstâncias
que
não
merecem
ser
abrangidas
pela
declaração
de
inconstitucionalidade.
Em sentido semelhante, o Supremo Tribunal Federal, em voto da lavra do
Ministro Leitão de Abreu, destacou a necessidade de se adubar a tese da
retroatividade da declaração de inconstitucionalidade para se deixar livres as
situações jurídicas instituídas em ato praticado de boa fé (RTJ, v. 97, p. 1369.).
Aliás, mesmo nos Estados Unidos, país em que a expressão "lei inconstitucional"
chegou a ser ponderada como uma incoerência em termos diante da expressiva
afirmação de que “the inconstitutional statute is not law at al”, ou seja, que o instituto
inconstitucional não é lei afinal de contas (MENDES, 1990, n. 11), permanecem
sinais de atenuação da força da teoria da eficácia ex tunc. (MARINONI, 2004, n.
448).
Recentemente, a Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1.999 - que "dispõe
sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação
declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal" –,
estabeleceu no seu art. 27 que:
42
"ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em
vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social,
poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus
membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só
tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento em
que venha a ser fixado" (MENDES, 1990, n. 6).
Existe quem afiance, todavia, que "o vício da inconstitucionalidade gera
invalidade do ato público, seja legislativo, executivo ou judiciário", e assim uma
"sentença nula de pleno direito", que pode assim ser reconhecida "a qualquer tempo
e em qualquer procedimento", por ser "insanável" o vício contido nela. (THEODORO
JÚNIOR e FARIA, 2002, p. 558).
Tal inteligência deve conjeturar que a coisa julgada sempre pôde sofrer
os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou, em melhor hipótese, que a
coisa julgada poderá ser alcançada assim que a decisão declaratória de
inconstitucionalidade não a ressalvar, nos termos do referido art. 27 da Lei 9.868/99.
Sucede que a coisa julgada não se sujeita aos efeitos ex tunc da
declaração de inconstitucionalidade e, deste modo, antes mesmo do art. 27 da Lei
9.868/99 – que, na realidade, com ela não tem qualquer relação -, já era livre a tais
efeitos. Clève, em livro publicado em 2000, já dizia que "a coisa julgada consiste
num importante limite à eficácia da decisão declaratória de inconstitucionalidade"
(CLÈVE, 2000. 169.), enquanto que Mendes, ressaltou que o sistema de controle da
constitucionalidade brasileiro considera:
"uma ressalva expressa a essa doutrina da retroatividade: a coisa julgada.
Embora a doutrina não se refira a essa peculiaridade, tem-se por certo que
a pronúncia de inconstitucionalidade não faz tabula rasa da coisa julgada
erigida pelo constituinte em garantia constitucional (CF, art. 153, §3o). Ainda
que não se possa cogitar de direito adquirido ou de ato jurídico perfeito,
fundado em lei inconstitucional, afigura-se evidente que a nulidade ex tunc
não afeta a norma concreta contida na sentença ou acórdão". (MENDES
1990, p. 280.)
É possível que, depois da edição do art. 27 da Lei 9.868/99, qualquer um
seria capaz afirma que a coisa julgada passaria a ser atingida pelos efeitos ex tunc
se não fosse claramente ressalvada na decisão que viesse a declarar a
inconstitucionalidade.
43
Senão observemos que o art. 282, §4, da Constituição da República
Portuguesa foi grande inspiração para o artigo da Lei supracitada. Inspiração que foi
ressaltada por Streck (2002, p. 543):
“que é assim redigido: Quando a segurança jurídica, razões de equidade ou
interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o
exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da
inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o
previsto nos ns. 1 e 2. A semelhança entre as duas normas é indisfarçável”.
(STRECK, 2002, p. 543.)
Embora o art. 27 da lei brasileira acena a "razões de segurança jurídica
ou de excepcional interesse social", a cláusula da Constituição portuguesa fala
expressamente em "segurança jurídica" e em "razões de equidade ou interesse
público de excepcional relevo".
Deixe-se límpido que a Constituição portuguesa acolhe a eficácia ex tunc
da decisão de inconstitucionalidade (art. 282º, §1). No entanto, e como se faz óbvio,
a Constituição portuguesa, quando traz que o Tribunal Constitucional pode restringir
os efeitos da declaração de inconstitucionalidade "quando a segurança jurídica,
razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo" o exigirem, não
parte da idéia de que a coisa julgada material, para ser observada, depende de a
decisão de inconstitucionalidade ter restringido os seus efeitos em relação a ela. Na
realidade, o sistema da Constituição portuguesa é expresso no norte de que os
efeitos da decisão de inconstitucionalidade não alcançam a coisa julgada, o que
exclusivamente pode ocorrer em casos tido como excepcionais, quando a própria
decisão de inconstitucionalidade assim afirmar. Com efeito, segundo o art. 282º, § 3,
da Constituição portuguesa, "ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em
contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal,
disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável
ao argüido". (Miranda, 2000, p. 258 e ss.).
Ou seja, com relação à coisa julgada os seus efeitos não retrocedem, o
que pode ocorrer exclusivamente em hipóteses singulares, expressamente
declaradas pelo Tribunal Constitucional. Como explica Canotilho:
44
"quando a Constituição (art. 282º, §3) estabelece a ressalva dos casos
julgados isso significa a imperturbabilidade das sentenças proferidas com
fundamento na lei inconstitucional. Deste modo, pode dizer-se que elas não
são nulas nem reversíveis em conseqüência da declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral. Mais: a declaração de
inconstitucionalidade não impede sequer, por via de princípio, que as
sentenças adquiram força de caso julgado. Daqui se pode concluir também
que a declaração de inconstitucionalidade não tem efeito constitutivo da
intangibilidade do caso julgado (...) Em sede do Estado de direito, o
princípio da intangibilidade do caso julgado é ele próprio um princípio
densificador dos princípios da garantia da confiança e da segurança
inerentes ao Estado de Direito" (CANOTILHO, 2002, p. 1004).
No direito português, o art. 282º, §3 da Constituição portuguesa constitui
uma ressalva ao princípio da intangibilidade da coisa julgada, conforme leciona
Canotilho:
"Nas hipóteses de casos julgados em matérias de ilícito penal, ilícito
disciplinar e ilícito de mera ordenação social, a exceção à ressalva do caso
julgado pode justificar-se em nome do tratamento mais favorável aos
indivíduos que foram sujeitos a medidas sancionatórias penais, disciplinares
ou contra-ordenacionais. A exceção à regra consistiria, portanto, no
seguinte: a declaração de inconstitucionalidade tem efeitos retroativos
mesmo em relação aos casos julgados se da revisão retroativa das
decisões transitadas em julgado resultar um regime mais favorável aos
cidadãos condenados por ilícito criminal, ilícito disciplinar ou ilícito contraordenacional. Note-se que esta exceção ao princípio da intangibilidade do
caso julgado não opera automaticamente como mero corolário lógico da
declaração de inconstitucionalidade. A revisão de sentenças transitadas em
julgado deve ser expressamente decidida pelo Tribunal em que se declare a
inconstitucionalidade da norma” (CANOTILHO, 2002, p. 1005.).
Informa-se, contudo, que, no direito pátrio, a doutrina constitucional
semelhante que ressalvava a coisa julgada em face da eficácia da decisão
declaratória de inconstitucionalidade, afastava desse temperamento a coisa julgada
das sentenças penais baseadas em norma penal desfavorável. (CLÈVE, 2000, p.
169).
Em lado diverso, e agora em outra extensão, é necessário ressaltar que,
na suposição de efeito retroativo da decisão de inconstitucionalidade em relação à
coisa julgada, o objeto abordado não seria o texto legal, mas sim, a própria decisão
judicial ou a norma do caso concreto. Na realidade, a tese da retroatividade em
relação à coisa julgada deixa que a decisão judicial transitada em julgado não seja
45
uma simples lei - que pode ser denegada por ser declarada nula -, “mas sim o
resultado da interpretação judicial que se fez autônoma ao se desprender do texto
legal, dando origem à norma jurídica do caso concreto.”. (MARINONI, 2010, p. 7)
46
4 DA (IN)SEGURANÇA JURÌDICA
4.1 EM DEFESA DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL
Recentemente vêm sendo analisadas significativas manifestações de
consideradas doutrinas e jurisprudências no sentido de se relativizar a coisa julgada
material por decisão subseqüente em causa nova.
“O argumento preponderante dos que militam em prol da relativização da
coisa julgada é o nobre primado da justiça. Segundo essa corrente, o valor
da segurança jurídica não é um valor absoluto no ordenamento jurídico,
dado que deve conviver com um valor de primeiríssima grandeza, qual seja
o da justiça das decisões emanadas pelo judiciário”. (DINAMARCO, 2001,
p.12)
Os que nessa acompanham essa tendência não ambicionam cravar de
insignificância o princípio da segurança jurídica, mas sim harmonizar-lo a outros
princípios que percebam ser de igual ou maior relevância, dado que os princípios
não compõem um final em si mesmo, mas constituem parte de todos, sendo que
esse pretexto pelo qual devem ser analisados.
“A posição dos tribunais e dos autores americanos, como se vê, é de uma
consciente e equilibrada relativização da coisa julgada, cujo efeitos
imunizante ele condicionam à compatibilidade com certos valores tão
elevados quanto o da definitividade das decisões. Evitar a propagação de
litígios, sim, mas evitá-la sem prejuízo a esses valores.”.( DINAMARCO,
2001, P. 22)
“Uma coisa resta certa depois dessa longa pesquisa, a saber, a relatividade
da coisa julgada como valor inerente à ordem constitucional processual,
dado o convívio com outros valores de igual ou maior grandeza e
necessidade de harmonizá-los. Tomo a liberdade de, ainda uma vez,
enfatizar a imperiosidade de equilibrar as exigências da segurança jurídica e
de justiça nos resultados de experiências processuais, o que constitui o
mote central do presente estudo e foi anunciado desde suas primeiras
linhas.”. (DINAMARCO, 2001, p. 23-24)
Delgado, em um julgamento mais drástico, concebe que o princípio da
segurança jurídica está abaixo de valores distintos que julga absolutos:
47
“Os valores absolutos de legalidade, moralidade e justiça estão acima do
valor da segurança jurídica. Aqueles são pilares, entre outros, que
sustentam o regime democrático, de natureza constitucional, enquanto esse
é valor infra-constitucional oriunda de regramento processual.”. (DELGADO,
2003, p. 51)
O professor Dinamarco, que defende a ilegitimidade de se perpetuar
injustiças sob o pretexto de evitar a eternização de incertezas, traz em seu estudo a
respeito do assunto algumas situações em que se impõe a relativização da coisa
julgada material, situações essas que serviram de base de observação para a
formulação de sua tese, obtida por meio de uma metodologia indutiva.
A autoridade da coisa julgada não se deve sobrepor aos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade. O fundamento é que as sentenças abusivas,
cujo enunciado proclame efeitos juridicamente impossíveis, em verdade não
produzem efeito algum e, por via de conseqüência, não há formação de coisa
julgada material.
“Ora, como a coisa julgada não é em si mesma um efeito e não tem
dimensão própria, mas a dimensão dos efeitos substanciais da sentença
sobre a qual incida, é natural que ela não se imponha quando os efeitos
programados na sentença não tiverem condições de impor-se.”.
(DINAMARCO, 2001, p. 29-30)
“Onde quer que se tenha uma decisão aberrante de valores, princípios,
garantias ou normas superiores, ali ter-se-ão efeitos juridicamente
impossíveis e portanto não incidirá a autoridade da coisa julgada material –
porque, como sempre, não se concebe imunizar efeitos cuja efetivação
agrida a ordem jurídico-constitucional.”. (DINAMARCO, 2001, p. 29-30).
Delgado assevera que “há de prevalecer o manto sagrado da coisa
julgada quando esta for determinada em decorrência de caminhos percorridos com
absoluta normalidade na aplicação do direito material e do direito formal.”.
(DELGADO, 2003, p. 51).
Couture (apud DINAMARCO, 2001, p. 17) mostra-se inquieto quanto à
perpetuação da fraude processual gravada sobre a situação jurídica das pessoas,
conseguida pela base da coisa julgada material, de acordo com as palavras a seguir
transcritas:
48
“Disse, a propósito desse elegante tema, que ‘a consagração da fraude é o
desprestígio máximo e a negação do direito, fonte incessante de
descontentamento do povo e burla à lei’. Maneja o sugestivo conceito de
coisa julgada delinqüente e diz que, se fecharmos o caminho para
desconstituição das sentenças passadas em julgado, acabaremos por
outorgar uma carta de cidadania e legitimidade à fraude processual e às
formas delituosas do processo.’. (COUTURE apud DINAMARCO, 2001, p.
17).
Dinamarco esquematiza todos os casos em que seria justificável a
relativização da coisa julgada na subseqüente passagem: “não é lícito entrincheirarse comodamente detrás da barreira da coisa julgada e, em nome desta,
sistematicamente assegurar a eternização de injustiças, de absurdos, de fraudes ou
de inconstitucionalidades.”. (DINAMARCO, 2001, p. 37)
Como se adverte, os ensinamentos da relativização da coisa julgada
material arquitetam seu entendimento tendo como idéia basilar que o apropriado
bom emprego da ordem jurídica (suas garantias, seu valores, seus princípios e suas
normas) se manifesta em dogma inatingível e que deve plainar acima até da
segurança jurídica das relações jurídicas4. Não que esta doutrina deseje esvaziar de
sentido o princípio da segurança jurídica, pelo contrário5, mas crêem na justiça das
decisões um valor maior a ser resguardado.
4.2 EM DEFESA DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
Não devemos dizer que argumentar o princípio da justiça como idéia
fundamental do direito, atribuindo-se, em decorrência dele, uma relativização da
4
José Augusto Delgado (2003) diz que: “A segurança jurídica da coisa julgada impõe certeza, esta
não se apresenta devidamente caracterizada no mundo jurídico quando não ostentar, na mensagem
sentencial, a qualidade do que é certo, o conhecimento verdadeiro das coisas, uma convicção sem
qualquer dúvida.”.
5
Cândido Rangel Dinamarco (2001, 36) ressalta que não está “a postular a sistemática
desvalorização da auctorias rei judicate mas apenas o cuidado para situações extraordinárias e raras,
a serem tratadas mediante critérios extraodrinários. Cabe aos juízes de todos os graus jurisdicionais
a tarefa de descoberta das extraordinariedades que devem conduzir a flexibilizar a garantia da coisa
julgada, recusando a flexibilizá-la sempre que o caso não seja portador de absurdos, injustiças
graves, transgressões, constitucionais etc.”.
49
coisa julgada, seja deposto de racionalidade, em oposto, esse intenso argumento
estabelece aos que defendem a intangibilidade da coisa julgada material uma maior
fundamentação de suas razoes, especialmente no que dizer respeito à natureza de
garantia fundamental que é.
Gonçalves afirma que:
“A coisa julgada situa-se no plano da garantia essencial à jurisdição eficaz e
do perfazimento da noção de Processo Justo. Ora, se o acesso à jurisdição
é um direito constitucional do cidaddão; se o processo judicial é um
instrumento garantidor do exercício desse direito; a coisa julgada é, por seu
turno, garantia essencial de que esse direito exercitado no processo se fará
eficaz fora dele. Tal não se dando tem-se uma anomalia que resulta na
insegurança jurídica.”. (GONÇALVES, 2004, p. 163)
Morello (MORELLO, Apud, GONÇALVES, 2004, p. 72.) enxerga a
segurança jurídica como sendo um dos principais fundamentais do ordenamento
jurídico.
O professor Fredie (DIDIER JR., 2007, p. 509), assim fundamenta o seu
ponto de vista:
“Não se pode teorizar o absurdo casuístico e pontual. Explico: o movimento
da relativização da coisa julgada surgiu da necessidade de revisão de
algumas sentenças, que revelam situações específicas marcadas pela
desproporcionalidade. Situações particulares absurdas não podem gerar
teorizações, que são sempre abstratas, exatamente porque são
excepcionais. Pergunto: vale a pena, por que o absurdo pode acontecer,
criar, abstratamente, a possibilidade de revisão atípica da coisa julgada?
Não é correto criar uma regra geral por indução, partindo-se de uma
situação absurda. Admitimos a criação de regras gerais por indução (a partir
do caso concreto), o que, aliás, está ratificado pela previsão constitucional
da "súmula vinculante" (art. 103-A, CF/88) e pela força normativa que se
vem emprestando aos precedentes judiciais. Mas a regra geral induzida
parte de uma situação-tipo, padrão, comum, trivial, prosaica; não de uma
situação excepcional. A coisa julgada é instituto construído ao longo dos
séculos e reflete a necessidade humana de segurança. Ruim com ela, muito
pior sem ela. Relativizar a coisa julgada por critério atípico é exterminá-la.
Não se discute, porém, a necessidade de repensar o instituto, notadamente
em razão das inovações científicas, de que serve de exemplo o exame
genético para a identificação da filiação biológica. Esse "repensar", todavia,
tem de ser feito com bastante cuidado - passe o truísmo -, e com base em
critérios racionais e objetivos, de preferência previstos em texto legal
expresso. De um modo geral, concordamos com o pensamento de Marinoni,
Ovídio e Nelson Nery.: a) as hipóteses de ação rescisória devem ser
revistas,
tanto aquelas relacionadas a errores in procedendo como
aquelas que objetivam corrigir injustiças (p. ex.: inciso IX do art. 485 do
CPC); b) a querela nuilitatis (ação imprescritível de nulidade da sentença)
deve ser mais bem sistematizada, para que se admita a impugnação de
50
decisões judiciais com gravíssimos vícios formais; c) não se pode permitir a
revisão atípica dos julgados por critérios de justiça, o que levaria a um
problema sem solução: quem garantiria a justiça da segunda decisão, que
reviu a primeira? Sempre que uma idéia possa servir para diminuir os
direitos do cidadão e dar ensejo ao cometimento de arbitrariedades, é
preciso estar atento, para estudá-la profundamente.” (DIDIER JR., 2007, p.
509)
Leonardo Greco ampara a natureza de garantia constitucional da coisa
julgada e, como tal, o entende como “verdadeiro direito fundamental”, imprescindível
à concreta eficácia do direito de segurança6, expressamente antevisto no prefácio e
no caput do art. 5º de nosso texto constitucional em vigência. Aquiescemos com o
ilustre professor quando afiança que como direito fundamental, “sua preservação é
um valor humanitário que mereça ser preservado em igualdade de condições com
todos os demais constitucionalmente assegurados”. A coisa julgada trata-se,
portanto, de “uma garantia essencial do direito fundamental à segurança jurídica”.
(GRECO, 2002, p. 5)
Prosseguindo em sua explanação, Greco, fazendo citação, até mesmo, à
jurisprudência da Corte Européia de Direitos Humanos que adotou a coisa julgada
como imprescindível à tutela jurisdicional concreta, articulou, em sua palavras:
“Àquele a quem a Justiça reconheceu a existência de um direito, por
decisão não mais sujeita a qualquer recurso no processo em que foi
proferia, o Estado deve assegurar a sua plena e definitiva fruição, sem mais
poder ser molestado pelo adversário. Se o estado não oferecer essa
garantia, a jurisdição nunca assegurará em definitivo a eficácia concreta dos
direitos dos cidadãos.” (GRECO, 2002, p. 5)
A coisa julgada é garantia constitucional ao direito fundamental de
segurança jurídica, segurança essa imperiosa à calmaria social, dado que permite o
planejamento futuro de acordo com os efeitos da sentença e dá certeza do passado.
A coisa julgada material não só afiança a segurança nas relações jurídicas como
também se compõe um instrumento fundamental para a eficaz tutela jurisdicional,
haja vista que garante constância aos efeitos da sentença fora do processo.
O ilustre doutor Paulo de Barros Carvalho, que entende o princípio da
segurança justiça como uma diretriz soberana, apreende que este primado só se
6
Já na epígrafe do presente trabalho de conclusão do curso trouxemos o entendimento de Leonardo
Greco a respeito do que seja o direto de segurança, entendimentos esse que pedimos vênia para
voltarmos a transcrever: “A segurança não é apenas a proteção da vida, da incolumidade física ou do
patrimônio, mas também e principalmente a segurança jurídica”. (ob.cit, p. 4)
51
concretiza se implementados outros
princípios, ou seja, trata-se de um
“sobreprincípio” (CARVALHO, 2002, p. 144). Em meio aos princípios que comporiam
um todo competente de concretizar o primado da justiça, Carvalho abaliza o da
segurança jurídica, de acordo a fiel transcrição que se sucede: “Desnecessário
encarecer que a segurança das relações jurídicas é indissociável do valor justiça, e
sua realização concreta se traduz numa conquista paulatinamente perseguida pelo
povos cultos”. (CARVALHO, 2002, p. 144).
Como é possível notar, a coisa julgada não se constitui um mero
instrumento jurídico processual de origem infraconstitucional, como afirma Delgado
(trecho supracitado), mas uma garantia constitucional do direito de segurança
jurídica afiançado pela carta magna; não é por menos que o constituinte de 1998
introduziu a coisa julgada no ementário de direito e garantias fundamentais da nova
ordem democrática constitucional (art. 5º, inc. XXXVI da CRFB/88). Muito aquém de
estar abaixo do valor de justiça, é um dos pré-requisitos imperativos, como
asseverado por Carvalho, à implementação desse primado.
Tal é a seriedade de se reverenciar situações jurídicas já solidificadas,
que o ordenamento positivo brasileiro7 possibilita ao Supremo Tribunal Federal, ao
declarar a inconstitucionalidade de uma norma, “e tendo em vistas as razões de
segurança jurídica ou de excepcional interesse público”, estabelecer a ocasião a
partir da qual essa nova afirmação passará a emanar seus efeitos.
O professor Greco apresenta, além disso, o arquétipo de outros países
(Estados Unidos Itália, Alemanha, Portugal e Espanha), em que são seguidas
advertências aos efeitos ex tunc da declaração de inconstitucionalidade de suas
respectivas cortes constitucionais (Greco, 2002. p.8)
Uma declaração não específica de inconstitucionalidade não possui força
de molestar a coisa julgada material auferida em caso concreto.
A coisa julgada material trata-se de uma garantia do direito fundamental
de segurança atinente às relações jurídicas, necessitando ser observado e
resguardado como tal.
7
BRASIL, Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de
inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Art.
27, in verbis: “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista as razões de
segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois
terços de seus membros, restringir os efeito daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir
de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado [grifo nosso].”
52
De outra forma, se, em certos casos, a coisa julgada material constitui a
perpetuação de injustiças, como se referem os defensores da relativização, o que
seria capaz de afiançar que uma revisão do julgado ocasionaria uma decisão justa
mais justa que a anterior?
Como assevera Greco (GRECO, 2002, p.1), motivados por um sublime
anseio por justiça, os intérpretes poderiam ser impelidos a afrontar o problema
emocionalmente, entusiasmados por uma antecedente e particular valoração do que
seria justo ou injusto.
Machado botou em discussão a justiça de uma futura decisão, conforme
transcrição que se segue:
“Embora se admita que a coisa julgada preserve a segurança, não se pode
dizer que o faz em detrimento da justiça, [...], é certo que não se pode dizer,
em princípio, afirmar que o julgado proferido em reexame da questão seria
mais justo que o anterior. Poderia até, em certos casos, ser menos justo”.
(MACHADO apud TESHEINER, 2001, p. 239)
“Flexibilizar” a garantia fundamental da coisa julgada material para alem
dos casos já elencados pelo legislador (situações resguardadas no ordenamento
pátrio para ação rescisória e a querela nulitatis) não é capaz de trazer a certeza de
que uma nova decisão retificará a suposta injustiça ou aberração da decisão
anterior, pelo contrário, poderá trazer um mal ainda maior, que se trata da incerteza
do futuro e do passado daquela relação jurídica.
Não
seria
coerente
deixar
de
mencionar
algumas
decorrências
prejudiciais que provavelmente sobreviriam da relativização da coisa julgada
material: insegurança jurídica que viria a causar intranqüilidade social e angústia das
partes processuais; a ampliação da demanda processual equivaleria a um efeito de
curto prazo, ocasionando uma elevação da demora da prestação jurisdicional; o
aumento da procrastinação ao cumprimento de decisões judiciais; a anuência da
relativização para uns e para outros não8·; etc.
8
Essa é uma preocupação trazida pelo próprio Cândido Dinamarco (2001, p. 41-42), defensor de uma
relativização para excepcionalidade, mais especificamente em relação ao Estado, citando como
exemplos casos reais analisados pelo Superior Tribunal de Justiça, em que uma turma relativizou a
coisa julgada em favor do estado e, em outra turma, radicalizou a autoridade da coisa julgada em
relação a um particular.
53
4.3 TENSÃO ENTRE SEGURANÇA E JUSTIÇA e QUAL DEVE PREVALECER
PARA O SISTEMA
A discussão que se sucede no âmbito da Filosofia do direito é ponderada
em Habermas – é o exemplar de conflito vivente entre a facticidade e validade. A
segurança concebe a validade e a facticidade representa a justiça. (HABERMAS,
2003).
No Direito, a lei do caso concreto emanada pelo Poder Judiciário é
legitima, por que é justa ou porque é afirmada pelo soberano? Tem validade porque
é procedente do Estado-Juiz.
O justo integral, como apetecem aos relativistas, pode ser considerado
como o justo quimérico ou utópico - a justiça do caso real deve sobrepor-se à
insegurança geral? Até mesmo colocando em perigo o próprio Estado Democrático
de Direito? (CLÉVE, 2000, p. 163).
A justiça é considerada um valor para os não relativistas, pois o Estado
Democrático de Direito brasileiro optou por ele, mas sim pelo justo plausível, como
base de segurança jurídica com a coisa julgada. Conforme o art. 5º, caput da
constituição prevê, o direito a segurança é inviolável e, portanto vislumbra-se como
direito fundamental. (HABERMAS, 2003).
Essa é, por conseguinte, a tal justiça realizável. A justiça que se
concretiza não é a abstrata do justo do ideal, sem qualquer plataforma de indicação
que ela representa.
O conceito de relativização obtempera a coisa julgada ao valor da justiça,
mas não determina o que é justiça. A justiça pelo senso comum, como lecionava
Calamandrei9, não possui consistência.
O professor Marinoni (2004, p.182) enfatiza que a relativização peca pela
falta de concepção pertinente de justiça.
Achamos melhor ter a justiça possível da coisa julgada, nosso patamar de
segurança jurídica, que impulsiona o Estado Democrático de Direto.
Relacionado a essas compreensões temos a capacidade de assegurar
que a injustiça só pode ser tolerável se for para obstar a propagação de uma
injustiça ainda maior.
9
Calamandrei afirmava a justiça conceituada pelo uomo della strada. Direito Processual Civil. Vol. I.
Campinas: Bookseller, 1999.
54
Entre o valor abstrato e o valor que se concretiza em princípios e regras,
permanece-se com o segundo e foi que o legislador brasileiro fez. O justo utópico
está desacompanhado, o Brasil ficou com o justo viável, que se distende no Estado
Democrático de Direito, por meio da segurança jurídica concernente ao instituto da
coisa julgada, com as suas regras traças pelo sistema processual. Nos deparamos
com o modelo de Estado Kelseniano,onde as exceções são legisladas, como a
prevista nos embargos à execução do parágrafo único do art. 741 do Código de
Processo Civil e ação rescisória (capítulo dos arts. 485 a 495 do CPC) e a revisão
criminal (artigo 622 do CPP)
4.4
COMENTÁRIO
INSEGURANÇA JURÍDICA E
À
RELATIVIZAÇÃO
PRINCÍPIO
DA
COISA
JULGADA,
DA RAZOAVEL DURAÇAO
DO
PROCESSO
A coisa julgada tem previsão constitucional no art. 5º, XXXVI e nada mais
é do que uma das vigas mestras do Estado Democrático de Direito, conforme já
explanado anteriormente.
Em que pese exista inteligências discrepantes, prevalece o entendimento
na concepção de ser a coisa julgada uma garantia constitucional e tendo como
instrumento principal de ataque, se a sentença for inconstitucional, a Ação
Rescisória, nos moldes do art. 485 do CPC, ação responsável por boa parte das
coisas julgadas relativizadas.
A relativização da coisa julgada é questão que vem sendo muito
controvertida na esfera do Direito e tem proporcionado diversas opiniões conflitantes
de diversos renomados autores. Recentemente, tem-se observado discussões sobre
a possibilidade de relativização da coisa julgada material, isoladamente do uso da
ação rescisória e prazo estabelecido legalmente, o que está diretamente conectado
ao princípio da segurança dos atos jurisdicionais.
Para Nery Jr., Porto e outros, a coisa julgada tem embasamento
constitucional (art. 5.º, XXXVI, e art. 1.º, CF), é cláusula pétrea, e, portanto, não
existe a possibilidade de ser alterada nem por emenda constitucional (art. 60, § 4.º, I
55
e IV, CF). Já para Theodoro Jr., Wambier, Medina e outros, ela tem alicerce
infraconstitucional, é elemento processual e a Constituição Federal só estabelece a
inteligência de irretroatividade de lei.
Nesse sentindo recentemente o STJ proferiu acórdão em favor da coisa
julgada sob o baldrame que sua relativização seria ofensa ao direito vigente (REsp
432.108-MG, DJ 19/12/2002. REsp 435.102-MG).
Os doutrinadores que se posicionam favoráveis à revitalização da coisa
julgada, defendem sua não constituição em caso de vícios graves, ou nos casos de
coisa julgada inconstitucional, acolhendo sua desconstituição a qualquer tempo,
grau de jurisdição e por qualquer via, com ampla interpretação, ou nova redação ao
art. 485 do CPC. Já a inteligência contrária dissente da submissão da coisa julgada,
amparando a decisão justa "provável" com advertência ao atual momento históricoprocessual (celeridade, instrumentalidade, efetividade). (DINAMARCO, 2001, p. 154)
Toda via, o intérprete do direito não pode amparar uma relativização da
coisa julgada de qualquer modo ou a qualquer custo, tendo em vista que se dessa
forma agir, poderá fissurar e banalizar o instituto da coisa julgada, insultando o
princípio da segurança jurídica, fundamentado na Constituição Federal como
cláusula pétrea. Parece que mais apropriado é o entendimento daquela doutrina que
ambiciona por alterações legislativas, no viés de admitir mais uma hipótese de coisa
julgada secundum eventum probationis, situação em que não se estaria aventando
de relativizar o instituto da coisa julgada de lege lata, mas, de lege ferenda, de
maneira a legalizar o instituto. (BATISTA, 2004, p. 62)
Desta forma, pode-se assegurar que nem todas as decisões transitadas
em julgado possuem a possibilidade ser relativizadas, sob risco de incorrer sob sua
desconsideração, como recomenda Marinoni:
“(...) a falta de critérios seguros e racionais para a relativização da coisa
julgada material pode, na verdade, conduzir à sua desconsideração,
estabelecendo um estado de grande incerteza e injustiça. Essa
desconsideração geraria uma situação insustentável”. (MARINONI, 2004, p.
21).
São sólidos os argumentos de Ovídio Baptista (BATISTA, 2004, p. 34),
pois, tem-se conhecimento de que a coisa julgada é um instituto ligado ao Estado de
Direito e não possui ligação nenhuma com a justiça da decisão aguardada pelos
jurisdicionados. A justiça que se procura no judiciário é passível de falha uma vez
56
que é humana. A posição que prevalece é ligada ao conceito de que o Direito e a
norma do caso concreto dita pelo Judiciário são apropriados porque foram
emanados pelo Estado Soberano e, não simplesmente porque é justo. Óbvio é que
se avaliam os ideais de segurança e justiça, de modo a conciliá-los e evidenciar sua
importância no alcance das metas constitucionais.
Em sentido semelhante é a inteligência da jurisprudência estrangeira, pela
segurança da coisa julgada como uma determinação do direito à efetiva tutela
jurisdicional.
Diante dos argumentos expostos, o entendimento é de que a relativização
da coisa julgada faz germinar insegurança jurídica não exclusivamente no sistema
como um todo, mas no coração dos seres humanos com a possibilidade de
eternização das lides.
Necessita-se analisar, no entanto, que não se adere às perpetuações de
injustiças e sim, que a relativização não pode ser feita de qualquer maneira, pois se
assim fosse restaria atingida a composição da coisa julgada, patrocinadora do
princípio da segurança jurídica que dá manutenção ao Estado Democrático de
Direito.
Para tanto, há de se ser feito avaliação de interesses com fulcro na
proporcionalidade, tendo que a coisa julgada não modula o sistema, entretanto as
vias
para
ocorrer
sua
desconsideração
necessitam
estar
introduzidas
expressamente e não na esfera subjetiva, abstrata, ou seja, existe a obrigação de
legislar sobre o tema no sistema para que ocorra pauta de motivação, com o intuito
de se impedir a insegurança jurídica.
No entanto, não é de bom alvitre esquecer, que a coisa julgada material é
qualidade imprescindível ao Estado Democrático de Direito e à efetividade do direito
de acesso ao Poder Judiciário. (MARINONI, 2004, p. 29)
Não faz sentido, ter o direito de acesso a justiça sem que seja
possibilitado ao cidadão o direto de ver seu conflito solucionado categoricamente.
Em virtude disso, se a característica de definitividade que reveste a coisa julgada
pode, em certos momentos, acarretar circunstâncias não desejadas ao próprio
sistema, não é certo conceber que, desta forma, ele possa ser relativizada
facilmente.
Reitera-se por adequado, que a concepção de se conceder ao juiz a
57
capacidade de comparar um direito com a coisa julgada material suprime a essência
da coisa julgada como princípio assegurador da segurança jurídica, passando a
estabelecer um sistema aberto.
Além disso, a probabilidade de desconsideração da coisa julgada perante
determinado caso concreto tranqüilamente instigará a eternização dos conflitos e
contribuirá para o agravamento, morosidade judiciária, percorrendo assim, caminho
antagônico ao cobiçado pela doutrina processual hodierna.
A sociedade brasileira almejou por transformações, contudo necessita-se
impedir de abrir exceções e, por conseguinte precedentes, com o escopo de
relativizar a coisa julgada a todo custo. Neste entendimento, mesmo que se faça
uma análise empírica da jurisdição, parece que não será apropriado aplacar a coisa
julgada sem que haja previsão legal que socorra essa teoria, pois se abraçarmos
essa Inteligência ficaremos vulneráveis à rediscussão eterna do processo, o que fere
diametralmente o princípio constitucional da razoável duração do processo e a
insegurança das relações jurídico-sociais.
Provavelmente, ao se abraçar a tese da relativização, a morosidade já
afeta a justiça piorará, já que se admitirá a reabertura de diversos litígios finalizados,
o que poderá ocasionar desordem no judiciário e consequentemente nos cartórios
de registro.
O princípio da duração razoável do processo não se conforma com a
relativização da coisa julgada, eis que em tais eventos o processo ficará resolvido
sem prazo; disseminando assim, dúvidas, disparidades e desequilíbrio social,
constituindo aos litigantes e aos seus sucessores um estado de absoluta incerteza e
injustiça.
58
5 CONCLUSÃO
Está evidente que as teorias que vem se disseminando a favor da
relativização da coisa julgada não podem ser aceitas em sua totalidade. As soluções
que são trazidas são superficiais para merecerem guarida extensa, especialmente
no atual estágio em que se encontra a ciência do Direito e na absoluta ausência de
fórmula racionalmente justificável que faça prevalecer, em todos os casos,
determinada teoria da justiça.
Com uma conjectura quase que sensacionalista, almeja-se fazer entender
que os juristas jamais se incomodaram com a justiça das decisões jurisdicionais, ao
mesmo tempo em que se busca encobrir que o problema sempre foi alvo de
reflexão.
A tese da “relativização” obtempera a coisa julgada material ao valor
justiça, mas admiravelmente não articula o que se entende por “justiça” e sequer
procura asilo em uma das contemporâneas contribuições da filosofia do direito sobre
o tema. Visivelmente inicia-se de uma noção de justiça como senso comum, capaz
de ser entendido por qualquer cidadão médio, o que a faz inútil a sua finalidade, por
sofrer de manifesta incongruência.
Há tempos atrás já se recriminava a contradição que sobrevém da
carência de uma concepção ajustada de justiça, quando articulava que a matéria da
vida social não pode ficar entregue, como é óbvio, às mil e uma opiniões dos
homens que a compõem nas suas mútuas relações. Pelo fato de tais homens
apresentarem ou poderem ter julgamentos e crenças contrárias, é que a vida social
tem fundamentalmente de ser disciplinada de uma maneira invariável por uma força
que se ache colocada acima dos indivíduos.
É claro que uma teoria que alcançasse completar com que todos os
processos acabassem com um julgamento justo seria a ideal. Mas, na sua ausência,
não existe dúvida de que se deve sustentar a hodierna concepção de coisa julgada
material, sob pena de serem empreendidas injustiças muito maiores dos que as
exatas e raras trazidas pela doutrina.
O problema da carência de justiça não atormenta exclusivamente o
59
sistema jurídico. Outros sistemas sociais demonstram injustiças evidentes, mas é
equivocado, em qualquer lugar, aniquilar baldrames quando não se tem a
capacidade de sugerir um alicerce melhor ou mais sólido.
Por tudo isso, o momento atual é extremamente adequado para se
ressaltar a analogia entre o instituto da coisa julgada material e o princípio da
segurança dos atos jurisdicionais.
Defende-se que a conservação da coisa julgada representa a garantia da
segurança jurídica, valor constitucionalmente antevisto e fundamental para a paz
social. Aceitar excessivas conjecturas de rescisão da coisa julgada material
acarretaria
decorrências
catastróficas
à
ordem
jurídica
e
à
sociedade.
No entanto, a perpetuação de decisões que comprovadamente vão de encontro aos
comandos constitucionais, direitos e garantias individuais ou coletivas, importaria em
um golpe “fatal” na Justiça.
Conclui-se que a revitalização da coisa julgada deve ser abraçada em
casos excepcionalíssimos, após posterior e prudente análise e com a garantia de
que a nova decisão iria indiscutivelmente corrigir evidenciada injustiça cometida pela
decisão inicial.
Porém, se a nulidade for arrazoada em tempo cabível, nada teríamos que
debater acerca da relativização da coisa julgada. Se o poder judiciário trabalhasse
de tal forma que as nulidades não sobreviessem, seria o ideal. Se os advogados,
Magistrados e o Ministério Público atentassem impecavelmente aos achaques
processuais, o processo seria íntegro. Se os membros da relação processual não
jogassem de maneira desleal, nada disso ocorreria.
Porém, são somente utopias. E, tristemente, sendo só utopias, teremos
de coexistir com todo essa aglomerado de enigmas jurídicos por muitos e muitos
anos.
60
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