Cupolillo, A. V., et al.
REPENSANDO A FORMAÇÃO DE PROFESSORES A PARTIR DA
EPISTEMOLOGIA DA COMPLEXIDADE
AMPARO VILLA CUPOLILLO¹
LANA CLÁUDIA DE SOUZA FONSECA²
1- Professora Assistente IV do IE/DTPE/UFRRJ e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF
2- Professora da Universidade Estácio de Sá e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF
RESUMO: CUPÓLILLO, A. V., FONSECA, L. C. S. Repensando a formação de professores a partir da
epistemologia da complexidade. Revista Universidade Rural: Série Ciências Humanas, Seropédica,
RJ: EDUR, v.26, n.1-2, p. 01-04, jan.- dez., 2004. Este trabalho tem por objetivo discutir a formação de
professores, repensando a fragmentação na qual as licenciaturas vêm historicamente sendo organizadas.
Procuramos estabelecer um diálogo com a epistemologia da complexidade de forma a contribuir com uma
perspectiva que dê conta da superação da dicotomia teoria/prática. Propomos um desenho curricular e uma
prática pedagógica que permita a incorporação de outras perspectivas da construção do conhecimento aos
cursos de formação de professores.
Palavras-chave: educador, licenciatura, pensamento complexo, conhecimento.
ABSTRACT: CUPÓLILLO, A. V., FONSECA, L. C. S. Rethinking the teachers’ formation from the complexity epistemology. Revista Universidade Rural: Série Ciências da Vida, Seropédica, RJ: EDUR, v.26,
n.1, p. 01-04, jan.- jun., 2003. The objective of this paper is to discuss the teacher’s education, rethinking the
fragmentary way undergraduate courses had been historically organized. We tried to establish a dialogue with
the complexity epistemology, in oder to contribute to a perspective that overcomes the dichotomy theory/practice. We also proposed a curriculum design and a pedagogical practice that would allow the incorporation of
other views of building knowledge to the teacher’s education courses.
Key words: educator, degree, complex thought, knowlegde.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos os embates acerca
dos cursos de formação de educadores
têm se acirrado e levantado questionamentos bastante significativos. Um desses pontos diz respeito à dicotomia entre teoria e
prática e ao enorme abismo existente entre
a parte específica e a pedagógica do currículo. Percebemos que a visão de professor
hegemônica em nossa sociedade é ainda
a de um mero transmissor de conteúdos,
o que se reflete no desenho curricular de
nossos cursos de licenciatura. Outra conseqüência, não menos importante, é o distanciamento entre a formação e o cotidiano
escolar e seus desafios ao professor. Na
verdade, prevalece em nossas Instituições,
durante a formação inicial, discussões e
reflexões sobre uma realidade abstrata,
o que dificulta o envolvimento e comprometimento do aluno com seu campo de
trabalho. Os estudos da epistemologia da
complexidade, que tem em Edgar Morin
seu protagonista, podem contribuir para
um redimensionamento das teorias de construção de conhecimento que embasam os
cursos de formação de professores. Neste
sentido, cabe realizarmos uma análise
crítica acerca das raízes positivas que
formataram os desenhos curriculares das
licenciaturas brasileiras.
DISCUSSÃO TEÓRICO-METODOLÓ-
Rev. Univ. Rural, Sér. Ciências Humanas. Seropédica, RJ, EDUR, v. 26, n. 1-2, jan.- dez., 2004. p. 01-04.
Repensando a formação de professores ...
GICA
As raízes da fragmentação na formação
de professores
Ao nos reportarmos a história, observamos que a fragmentação está posta na
formação de professores desde a criação
dos cursos de licenciatura no Brasil. Pereira (1998) aponta que esses cursos foram
criados na década de 30, sob a fórmula “3
+ 1”, ou seja, três anos de curso dedicados
às disciplinas específicas e, após o término
deste período, mais um ano para as disciplinas de natureza pedagógica. Este desenho
curricular tem origem na visão de cunho
positivista da ciência. Esta visão tende à
especialização dos saberes, fragmentando
o conhecimento. Em função da hegemonia
da lógica positivista, as várias reformulações sofridas ao longo das décadas subsequentes, não superaram a fragmentação,
mantendo sérias dificuldades em organizar
e desenvolver um modelo curricular que
vá além desta dicotomia. Atualmente a fórmula “3 + 1” não é mais aplicada, porém o
problema persiste, visto que as disciplinas
específicas ficam a cargo dos departamentos e/ou institutos de origem do curso e as
de cunho pedagógico sob responsabilidade
dos departamentos e/ou institutos de educação, sem que, necessariamente, estas
duas instâncias da formação tenham uma
articulação curricular e pedagógica. Frente
a estes dilemas, faz-se importante discutir,
repensar e experimentar novas soluções na
tentativa de superá-los e, assim, proporcionar uma formação que ofereça condições
de responder aos desafios, tão complexos,
vividos por nossos atuais sistemas de educação. Estas soluções não se efetivam a
curto prazo. Porém o movimento histórico é
dinâmico e concretiza-se, também, a partir
de pequenas ações que, ao serem divulgadas e compartilhadas, podem proporcionar
transformações significativas.
dade como método
Morin (1980, 1991, 1996, 2000a, 2000b)
questiona o paradigma moderno simplificador baseado nos princípios da disjunção,
redução e abstração que permeiam toda
a construção do conhecimento na sociedade moderna. Para ele, esta forma de
conhecer do sujeito é mutiladora e incapaz
de compreender a complexidade do real.
O termo complexidade pode, a princípio,
dar-nos uma idéia de confusão, desordem,
incerteza, afinal nossa estrutura mental
foi construída e consolidada para uma
compreensão ordenada do mundo, sob os
moldes da especialização e da fragmentação contínua dos saberes. No entanto,
SANTOS (2002) indica que a contemporaneidade apresenta-nos questões que
se remetem ‘a problemáticas impossíveis
de serem solucionadas através dos paradigmas modernos. Assim, a complexidade
apresenta-se como um caminho epistemológico capaz de permitir o repensar da
ciência a partir de sua própria crise paradigmática. Neste sentido, entendemos que
a visão simplificadora do conhecimento
acabou por limitar o próprio conhecimento,
visto que os problemas modernos não são
disciplinares, mas, polidisciplinares, multidimensionais e planetários. No que tange
à educação, o paradigma simplificador
contribuiu historicamente para uma visão
de educador como simples transmissor
de um conteúdo científico acumulado pela
humanidade e compreendido como único
e verdadeiro conhecimento humano. Este
aspecto é recorrente nos modelos curriculares das licenciaturas, como vimos
anteriormente. Porém, pensamos que a
epistemologia da complexidade pode, a
partir de seus princípios básicos (a dialogicidade, a recursão organizacional e o
princípio hologramático)1 , redimensionar
os aspectos ligados à construção do conhecimento, ampliando-os e permitindo
uma visão baseada na superação da dico-
O olhar da epistemologia da complexi1
Para aprofundamento dos princípios básicos da complexidade ver MORIN (1991).
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tomia unidade/multiplicidade dos saberes,
reconfigurando a relação teoria/prática.
Incorporando a epistemologia da complexidade para repensar a formação de
professores
Para este repensar da formação de professores torna-se fundamental, do nosso
ponto de vista, uma primeira discussão
acerca da construção do conhecimento.
Bachelard (1985, p.39) afirma que “o
pensamento científico é um pensamento
comprometido. Sem cessar põe em jogo
sua própria constituição.” Ou seja, devemos pensar a construção do conhecimento
questionando o próprio conhecimento, num
movimento dinâmico e incessante. Neste
sentido, pensamos que uma reformulação do desenho curricular da formação
de professores deva envolver tanto uma
discussão epistemológica acerca dos
conteúdos ditos específicos, como da
própria constituição destes conteúdos.
Lopes (1999, p. 113) nos auxilia à reflexão
ao afirmar que “a ciência não reproduz
uma verdade (...) cada ciência produz sua
verdade e organiza os critérios de análise
da veracidade de um conhecimento. Mas
a lógica da verdade atual da ciência não
é a lógica da verdade de sempre: as verdades são sempre provisórias.” Por outro
lado, além da discussão epistemológica
faz-se necessária uma discussão pedagógica que envolva novas concepções
de sujeito, subjetividade e construção de
conhecimento. As teorias de construção
de conhecimento que embassam grande
parte dos cursos de formação de professores são provenientes de uma concepção
positivista de ser humano, que se refletem
nas práticas pedagógicas. O pensar complexo nos remete à compreensão de que
não há possibilidades de transmissão de
conhecimento único, verdadeiro e imutável
como a constituição do pensamento científico moderno nos fez crer. A relação professor/aluno mediada pelo conhecimento é,
por si só, uma relação entre subjetividades
complexas e em permanente reconstrução
do real. Maturana (2001) sintetiza esta
idéia quando afirma que viver é conhecer.
Portanto, para repensar uma formação de
professores que incorpore a perspectiva
de uma construção de conhecimento como
fator fundamental do próprio processo de
viver do ser humano é fundamental que
pensemos esta formação a partir do pensamento complexo.
CONCLUSÕES
Diante das inúmeras crises pelas quais
os sistemas educacionais vêm passando,
redimensionar a formação de professores
torna-se uma discussão crucial. Pensar na
formação de professores é também pensar
nos sistemas de ensino e nos processos
pedagógicos que se efetivam no cotidiano
escolar. Os modelos curriculares desta
formação requerem, portanto, adequações
urgentes que incluam não só as questões
teórico-metodológicas específicas, como,
fundamentalmente, questões epistemológicas que permitam o repensar deste conhecimento e seus reflexos nos sistemas de
ensino. O pensamento complexo encontra
sua entrada na formação de professores
justamente na brecha deixada pelas
teorias que historicamente fizeram com
que os processos pedagógicos escolares
envolvessem, quase exclusivamente, os
sentidos auditivos e visuais na construção
do conhecimento dos alunos. Estas teorias acabaram por privilegiar o modelo de
transmissão/recepção, como basilar para
as práticas pedagógicas. Entendemos que
o paradigma da complexidade, ao dialogar
com as práticas curriculares utilizadas nos
cursos de formação de professores, pode
oferecer grandes contribuições para que,
tanto professores, quanto alunos possam
rever a construção do conhecimento. Como
nos fala Santos (2003, p. 33) “a transformação começa com a mudança destes
princípios, a mudança no olhar do docente.
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Ao questionar os conceitos que conformam
o modo de ensinar e ao elaborar novas
respostas para velhas interrogações (...)
o professor verá o mundo de outro modo.”
Apesar do momento histórico confuso e,
muitas vezes, interpretado como caótico
pelos sujeitos que atualmente integram o
cotidiano escolar de nossos sistemas de
ensino, nos identificamos com o que diz
Santos (2002, p. 23) acerca das possibilidades de mudanças. Para ele “ a tarefa
da teoria consiste precisamente em definir
e avaliar a natureza e o âmbito das alternativas ao que está empiricamente dado.
A análise crítica do que existe assenta no
pressuposto de que a existência não esgota as possibilidades da existência e que
portanto há alternativas susceptíveis de
superar o que é criticável no que existe.”
MORIN, Edgar, LE MOIGNE, Jean-Louis.
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Peirópolis, 2000b.
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MORIN, Edgar. O método 2. A vida da
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Paulo: Bertrand Brasil, 1996.
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