Educação ambiental: contextualização ... EDUCAÇÃO AMBIENTAL: CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA PARA UMA REFLEXÃO INICIAL CAMILA GUIMARÃES DE SOUZA1 GILBERTO DE SOUZA PEREIRA2 BRUNO BOF CAMPOS3 JOSÉ PAULO DE SOUZA4 1. Licenciada em Ciências Agrícolas-UFRRJ e-mail: [email protected]; 2. Discente do Curso de Ciências Biológicas-UFRuralRJ; 3. Discente do Curso de Engenharia Florestal-UFRRJ; 4. Professor Doutor Extensão Rural DLCS-ICHS-UFRuralRJ. RESUMO: SOUZA, C. G.; PEREIRA, G. S.; CAMPOS, B. B.; SOUZA, J. P. Educação ambiental: contextualização histórica para uma reflexão inicial. Revista Universidade Rural: Série Ciências Humanas, Seropédica, RJ: EDUR, v.26, n.1-2, p. 94-99, jan.- dez., 2004. A elaboração e a implantação de projetos educativos direcionados à melhoria da qualidade de vida, associados à conservação do ambiente, requerem uma reflexão inicial acerca dos objetivos e pressupostos básicos da educação ambiental. Entretanto, para que estes projetos possam ser realizados com sucesso é necessário que estes estejam efetivamente inseridos na realidade local, baseado na necessidade de um referencial teórico que possa levar a uma reflexão inicial sobre as bases da educação ambiental. O presente trabalho vem, através de uma contextualização histórica, expor a importância da integração dos conhecimentos teórico-práticos com a realidade local, para uma efetiva transformação social. Palavras-chave: Legado Histórico, Participação, Percepção da Realidade. ABSTRACT: SOUZA, C. G.; PEREIRA, G. S.; CAMPOS, B. B.; SOUZA, J. P. Environmental education: historic context for an initial reflection. Revista Universidade Rural: Série Ciências da Vida, Seropédica, RJ: EDUR, v.26, n.1, p. 94-99, jan.-dez., 2004. The elaboration and implantation of educational projects returned for the improvement of the life quality, associates to the conservation of the environment, request an initial reflection concerning the objectives and basic presuppositions of the environmental education. However, so that these projects can be accomplished with success is necessary that these are indeed inserted in the local reality, based on the need of a theoretical referential that can take to an initial reflection on the bases of the environmental education. The present work comes through a historical context, to expose the importance of the integration of the theoretical-practical knowledge with the local reality, for an effective social transformation. Key words: Historical legacy, Participation, Perception of Reality. INTRODUÇÃO As estratégias escolhidas e aplicadas para atingir os objetivos da Educação Ambiental, são as mais variadas possíveis, cabendo a cada professor, dentro da sua realidade e possibilidade, escolher a que mais se encaixe as suas necessidades, adaptando-a, se necessário (TELLES, 2002). Deste modo, o prévio conhecimento sobre educação ambiental e como tornar possível aplica-la na realidade local é fundamental. Segundo PEREIRA et. al (2004) o desafio de se buscar e se trabalhar com dados de uma realidade local, utilizando argumentos ou exemplos de conhecimento comum, e possibilitando um processo contínuo e inserido à realidade local, torna-se primordial para o desenvolvimento de qualquer projeto de educação ambiental. Com isso, FREIRE (1987) afirma que não se deve esperar bons resultados em projetos desenvolvidos sem que haja respeito a visão de mundo da população, Rev. Univ. Rural, Sér. Ciências Humanas. Seropédica, RJ, EDUR, v. 26, n. 1-2, jan.- dez., 2004. p. 94-99. Souza, C. G., et al. constituindo-se estas ações numa verdadeira invasão cultural, mesmo que feita com as melhores intenções. O presente trabalho tem como objetivo realizar uma revisão histórica sobre a educação ambiental e apresentar argumentos sobre a importância do conhecimento da realidade local para o sucesso de projetos que visem à melhoria na qualidade de vida. MATERIAIS E MÉTODOS Com o intuito de apresentar um referencial teórico sobre o histórico da educação ambiental e discutir a importância do conhecimento contextualizado da realidade, foi desenvolvida uma metodologia apoiada na revisão bibliográfica de literatura e discussões entre autores. RESULTADOS E DISCUSSÕES Contextualização Histórica: Durante a década de 60, tornou-se mundialmente reconhecida à necessidade de se ter uma educação voltada para o ambiente, sendo essa necessidade inicialmente suprida durante a Conferencia da Unesco sobre a Biosfera, em 1968, com a sugestão e criação de um programa integrado, contínuo e permanente de educação ambiental (GUERRA, 2000). Durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972, foi ressaltada a importância de se trabalhar a vinculação entre ambiente e educação (LOUREIRO, 2004). Entretanto, o principal marco da educação ambiental ocorre durante o Seminário de Educação Ambiental realizado em 1975 na cidade de Belgrado, Iugoslávia, onde foi lançado o Programa Internacional de Educação Ambiental (PIEA) pela Unesco, em colaboração com o Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (GUERRA, 2000). Segundo a Unesco, citado por LOUREIRO (2004), no ano de 1976 ocorre em Chosica, Peru, o Taller Subregional de Educación Ambiental para Educación Secundária, que foi o primeiro encontro regional sobre educação ambiental e evidenciou a necessidade metodológica da educação ambiental ser participativa, permanente, interdisciplinar, construída a partir da realidade cotidiana, com implicações sobre o formato curricular no ensino formal. A partir do ano de 1977, com a Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental, realizada em Tbilisi, Gerorgia/ CEI, foram definidos objetivos, princípios, estratégias e as recomendações para o desenvolvimento da educação ambiental no mundo (TELLES et al., 2002). Em agosto de 1987, após 10 anos da Conferência de Tbilisi, foi realizada a Conferencia Internacional da UNESCOPNUMA, na cidade de Moscou, onde se avaliou as conquistas e dificuldades na área de educação ambiental. Sendo marcante neste encontro o reconhecimento da importância da inclusão da educação ambiental nos sistemas educacionais dos diversos países (TELLES et al., 2002). As idéias a respeito da educação ambiental refletiram-se no Brasil, em uma maior extensão, durante a década de 80, quando a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 colocou como competência do poder público promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para preservação do meio ambiente (GUERRA, 2000). Durante a RIO/92 foram assinados importantes documentos relacionados à conservação ambiental e ao desenvolvimento sustentável. Dentre eles encontrase a Agenda 21, assinada por 170 países, que recomenda, em seu capítulo 36: “Promoção do ensino, da conscientização e do treinamento”, ações de educação Rev. Univ. Rural, Sér. Ciências Humanas. Seropédica, RJ, EDUR, v. 26, n. 1-2, jan.- dez., 2004. p. 94-99. Educação ambiental: contextualização ... ambiental formuladas 15 anos antes, em Tbilisi. Assim foi formalizada a Carta Brasileira para Educação Ambiental e o Tratado de Educação Ambiental para a Sociedades Sustentáveis, destacando a necessidade de um compromisso real do poder público federal, estadual e municipal para a construção de um modelo mais humano e harmônico de desenvolvimento (GUERRA, 2000; TELLES et. al., 2002). Nos anos seguintes são aprovados, no Brasil, o Programa Nacional de Educação Ambiental (Pronea) e os novos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que definem linhas de ação para educação ambiental e que trata o meio ambiente como tema transversal em todas as disciplinas, respectivamente (PADUA & TABANEZ, 1997). De acordo com a Lei 9795/99, que dispõe sobre a educação ambiental e instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental, esta é vista como um comprometimento essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada em todos os níveis e modalidades do processo educativo (ROCCO, 2002; MEDAUAR, 2003). Esta mesma lei em seu artigo 1º define Educação Ambiental como “processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”. Segundo SANTOS & RUFFINO (2003) ela é um processo no qual são trabalhados compromissos e conhecimentos capazes de levar o indivíduo a repensar sua relação com o meio, de forma a garantir mudanças de atitudes em prol da melhoria da qualidade de vida da sociedade na qual está inserido, bem como reverter situações que possam comprometer a sobrevivência das espécies vegetais e animais e, conseqüentemente, a manutenção da vida no planeta. Estas definições remetem à necessidade de uma inter-relação de conhecimentos, valores, habilidades e experiências capazes de tornar cidadãos aptos a agir, individual ou coletivamente, e resolver problemas ambientais (TELLES et.al., 2002). Contudo, MORIN (1997) afirma que “nossa educação nos ensinou a separar e a isolar as coisas. Separamos os objetos de seus contextos, separamos as realidades em disciplinas compartimentadas umas das outras. Mas, como a realidade é feita de interações, nosso conhecimento é incapaz de perceber o complexus – o tecido que junta o todo”. Dessa forma, baseado nas diversas discussões e visando um pensamento holístico para tratar das questões ambientais, com base na Educação Ambiental desde as orientações propostas em Tbilisi, redefinidas e documentadas durante a RIO/92 e materializadas no Brasil com a aprovação do Programa Nacional de Educação Ambiental e dos novos PCNs, buscou-se a idéia do trabalho multidisciplinar, ou seja, composta por conhecimentos de várias áreas; interdisciplinar, ou seja, uma inter-relação entre as disciplinas curriculares; e transdisciplinar, ou seja, as diferentes disciplinas em prol de um projeto; fornecendo assim um aprendizado não segmentado, como um processo contínuo, permanente, tanto dentro quanto fora da escola. CARNEIRO (1992) afirma que não há uma disciplina específica sobre a qual se fundamente o desenvolvimento da Educação Ambiental: ela é multi e interdisciplinar. Todos os professores podem inserir e desenvolver a temática ambiental em suas disciplinas. A esse respeito MADUREIRA (1997) indica que a Educação Ambiental não pode estar associada a uma disciplina específica ou à hierarquização do saber, mas à construção de um pensamento crítico, associando a ciência crítica à realidade, e não apenas transmitindo conhecimento. Rev. Univ. Rural, Sér. Ciências Humanas. Seropédica, RJ, EDUR, v. 26, n. 1-2, jan.- dez., 2004. p. 94-99. Souza, C. G., et al. GUIMARÃES (2003) levanta um questionamento sobre qual proposta de Educação poderá contribuir para uma sociedade sustentável. Será uma educação baseada nos paradigmas tradicionais? Aquela aonde o professor transmite as informações corretas e disso se espera mudanças de comportamentos? FREIRE (1987) considera que a educação é um enfoque crítico da realidade, e DIAS (1992) cita que a educação ambiental se concretiza por incorporar as dimensões socioeconômicas, políticas, cultural e histórica, não podendo basear-se em pautas rígidas e de aplicação universal, devendo considerar as condições e estágio de cada país, região e comunidade, sob uma perspectiva histórica. Portanto, o enfoque crítico e o espírito criativo são fundamentais para o processo de tomada de consciência a cerca do meio ambiente (GUERRA, 2000), objetivando a construção de uma nova visão das relações do homem com seu meio, e adoção de novas posturas individuais e coletivas em relação ao ambiente (TELLES, 2002). Essa formação crítica e questionadora permite um resgate do valor do ambiente em que se vive, trazendo para o cidadão comum, uma responsabilidade em relação à preservação do ambiente onde vive, a fim de garantir o bem estar presente e futuro. Todavia, deve-se ter clara a idéia de que não podemos achar que apenas a Educação Ambiental será responsável por interromper o processo de degradação ambiental pelo qual passa o nosso planeta, porém certamente ela é um dos melhores instrumentos que possuímos atualmente para colocar em prática as mudanças de comportamento, que irão contribuir para a preservação do meio ambiente e manter a qualidade de vida (TELLES, 2002). Inserção na Realidade Local: A construção do conhecimento e percepção a cerca da realidade, dando ênfase a processos participativos, deve- rá ser a base da proposta da educação ambiental. Com isso, a própria realidade que nos cerca construirá a cidadania (COSTA, 2001). Esse processo deve estar estruturado de forma a superar a visão compartimentada da realidade através da construção e reconstrução do conhecimento sobre ela, num processo de ação e reflexão, de modo dialógico com os sujeitos envolvidos; respeitar a pluralidade e diversidade cultural; fortalecer a ação coletiva e organizada; articular aportes de diferentes saberes e fazeres; proporcionar a compreensão da problemática ambiental em toda sua complexidade e garantir as condições necessárias ao dialogo com as áreas disciplinares e com os diferentes atores sociais envolvidos com a gestão ambiental (ZITZKE, 2002). Cada indivíduo percebe, reage e responde diferentemente diante das questões sobre o ambiente, esta “variação de respostas” é resultado da percepção de cada um. (SANTOS & RUFFINO, 2003). Com isso, a compreensão do ambiente como uma realidade complexa baseia-se na interconexão do que está fora e dentro da escola, na realidade local e global, no social e no ambiental (GUIMARÃES, 2003) Equívocos graves podem ser evitados quando se conhece a realidade local. Propostas equivocadas como campanhas publicitárias através de folhetos e cartazes em localidades onde a maioria é analfabeto ou movimentos para a criação de unidades de conservação sem o esclarecimento e envolvimento comunitário, são alguns exemplos que podem ser citados. Isso muitas vezes gera a criação de um sentimento de inferioridade por parte dos moradores da região, estabelecendo uma distância entre projeto e realidade, fazendo com que, muitas das vezes, estes nem comece (BUNCH, 1994). Rev. Univ. Rural, Sér. Ciências Humanas. Seropédica, RJ, EDUR, v. 26, n. 1-2, jan.- dez., 2004. p. 94-99. Educação ambiental: contextualização ... CONCLUSÃO Hidrográficas – uma estratégia para educação ambiental. São Carlos-SP, RiMa, 2003. Tendo como base o referencial teórico sobre o histórico da educação ambiental, fica evidente a necessidade da criação e desenvolvimento de projetos integrados as realidades locais onde serão aplicados, uma vez que se busca a melhoria na qualidade de vida da comunidade, bem como a conservação do meio ambiente. Dessa forma torna-se necessária a implantação de projetos de “releituras” sobre as características sociais e sua inter-relação com os diferentes biomas que se chama BRASIL. MADUREIRA, M. S. P. Educação ambiental não formal em unidades de conservação federais na zona costeira brasileira: uma análise crítica – Brasília, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, 1997. 116p. (Série Meio Ambiente em Debate; 16). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA MEDAUAR, O. Coletânea de Legislação de Direito Ambiental. 2º Ed. atualizada – Revistas dos Tribunais, 2003, 983p. BUNCH, R. 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