O MPF e as novas
(e velhas) formas de
escravidão.
SERGIO GARDENGHI SUIAMA
Escola Superior do MPU
Brasília, março de 2004.
“[A escravidão] não significa somente a relação do
escravo para com o senhor; significa muito mais: a soma
do poderio, influência, capital e clientela dos senhores
todos; o feudalismo estabelecido no interior; a
dependência em que o comércio, a religião, a pobreza, a
indústria, o Parlamento, a Coroa, o Estado, enfim, se
acham perante o poder agregado da minoria aristocrática,
em cujas senzalas, centenas de milhares de entes humanos
vivem embrutecidos e moralmente mutilados pelo próprio
regime a que estão sujeitos; e por último, o espírito,
princípio vital que anima a instituição toda, sobretudo no
momento em que ela entra a recear pela posse imemorial
em que se acha investida, espírito que há sido em toda a
história dos países de escravos a causa do seu atraso e da
sua ruína”.
Joaquim Nabuco, O Abolicionismo (1883)
Brasil Profundo (1)
“Ministério do Trabalho liberta 35
em fazenda no Pará” (Boletim Carta
Maior, 02.02.04)
“Meninas mantidas como escravas em
Jundiaí” (O Estado de S. Paulo,
05.02.04)
“Cidades que exportam escravos somam
159. Maranhão é o Estado campeão”
(Diário de São Paulo, 09.02.04)
“Impunidade mantém o trabalho
escravo” (Folha de S. Paulo,
01.02.04)
Brasil Profundo (2)
“Fiscais libertam escravos em
fazenda de senador” (O Globo,
13.02.04)
“Assassinados 3 Fiscais do Trabalho
em Minas Gerais” (Folha de S.
Paulo, 29.01.04)
“Bolivianos são encontrados
trabalhando em regime de escravidão
no interior de MT” (Agência Globo,
04.09.03)
Alguns números...
• Estimativa de brasileiros em situação
análoga à de escravos: 25 mil.
• Trabalhadores libertados pelo GMF/MTE
em 2002: 2.306.
• Trabalhadores libertados pelo GMF/MTE
em 2003: 4.932.
Conceito-Chave:
“Trabalho Forçado”
O QUE É?
Convenção 29 da OIT (art. 2º, 1): “Todo
trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob
a ameaça de sanção* e para o qual não se tenha
oferecido espontaneamente”.
* sanção = não apenas punições físicas mas
também perda de direitos
Principais formas de
trabalho forçado no Brasil:
•
•
•
•
•
Servidão por dívidas;
Tráfico e trabalho irregular de estrangeiros;
Tráfico de brasileiros para o exterior;
“Cooperativas” de trabalhadores;
Prostituição infantil e tráfico de mulheres.
Principais Causas (1)
Pretéritas:
• Brasil foi o último país do continente a abolir
oficialmente a escravidão.
• Abolição não significou destruição da ordem
tradicional. “Sente-se a presença de uma realidade já
muito antiga que até nos admira de aí achar e que
não é senão aquele passado colonial” (Caio Prado
Jr., Formação do Brasil Contemporâneo).
- estrutura social hierarquizada;
- desvalorização do trabalho manual;
- exploração predatória do território;
- poder quase absoluto dos proprietários de terras.
Principais Causas (2)
Presentes:
• Expansão da fronteira agrícola  gado e madeira.
• Globalização econômica provocou “precarização”
das relações de trabalho.
- 185 milhões de pessoas estão sem emprego no
mundo (6,2% da força de trabalho);
- no Brasil, índice de desemprego é de 11,7%;
- crescimento do subemprego: 48,5% dos
trabalhadores brasileiros não estão registrados.
Principais Causas (3)
Presentes:
• Crescimento das desigualdades regionais. Na
década de 60, renda per capita das nações mais
pobres era de US$ 212; nos países mais ricos era
de US$ 11.417. Em 2002, cifras eram de US$ 267
(+ 26%) e US$ 32.339 (+ 183,3%).
Servidão por Dívidas
É o “estado ou a condição resultante do fato de que
um devedor se haja comprometido a fornecer, em
garantia de uma dívida, seus serviços pessoais ou os
de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor
desses serviços não for eqüitativamente avaliado no
ato da liquidação da dívida ou se a duração desses
serviços não for limitada, nem sua natureza
definida” .
(Convenção Suplementar sobre a Abolição da
Escravatura - ONU - 1956)
Servidão por Dívidas
Maior incidência: Pará, Tocantins, Rondônia,
Maranhão, Bahia e Mato Grosso. Há casos
também em São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa
Catarina e Minas Gerais.
Servidão por Dívidas
Organização Criminosa
Proprietário da Fazenda
Gerente
Aliciador ("Gato") Capangas armados
Vítima
Vítima
Vítima
Servidão por Dívidas
Apresentando um caso:
Tráfico de estrangeiros:
o caso dos bolivianos (1)
• Na Bolívia, traficantes de seres humanos
arregimentam trabalhadores com promessas de
bons salários no Brasil;
• Imigrantes pagam passagem e despesas para
traficante.
• Entrada no Brasil ocorre em Corumbá ou Foz do
Iguaçu.
• Destino principal  metrópoles da região sudeste.
Tráfico de estrangeiros:
o caso dos bolivianos (2)
• Coreanos e outros bolivianos arregimentam mãode-obra imigrante para o trabalho em oficinas de
costura.
• Estatuto do Estrangeiro proíbe trabalho.
• Proibição cria “pacto” de silêncio entre explorador
e vítima, favorecendo superexploração.
Tráfico de estrangeiros:
o caso dos bolivianos (3)
•
•
•
•
•
Conseqüências:
Jornadas de trabalho superiores a 15 horas;
Pagamento é feito por peça costurada (de R$ 0,30 a
0,70).
Direitos trabalhistas inexistentes (hora-extra, férias,
licença-gestante).
Em alguns casos houve retenção de documentos e
ameaças.
Vítimas moram e recebem alimentação na própria
oficina de costura. Condições são subumanas.
Mau cheiro
Fiscalização em Oficina de Costura (1)
Mau cheiro
Fiscalização em Oficina de Costura (2)
Mau cheiro
Fiscalização em Oficina de Costura (3)
Mau cheiro
Fiscalização em Oficina de Costura (4)
Mau cheiro
Fiscalização em Oficina de Costura (5)
O que o MPF tem a ver com isso? (1)
Competência da Justiça Federal para processar
e julgar “os crimes contra a organização do
trabalho” e “os crimes previstos em tratado ou
convenção internacional, quando, iniciada a
execução no País, o resultado tenha ou devesse
ter ocorrido no estrangeiro, ou
reciprocamente”.
O que o MPF tem a ver com isso? (2)
Competência da Justiça Federal
X
Súmula 115 do TFR*
* “Compete à Justiça Federal processar e julgar os
crimes contra a organização do trabalho, quando
tenham por objeto a organização geral do trabalho
ou direitos dos trabalhadores considerados
coletivamente”.
O que o MPF tem a ver com isso? (3)
• Sistema de Justiça, em alguns Estados da
Federação, não tem necessária independência,
nem possui estrutura suficiente;
• Fiscalização do trabalho é atribuição federal;
• Necessidade de atuação conjunta com
Ministério Público do Trabalho.
O que o MPF tem a ver com isso? (4)
Estratégia para fixar competência do MPF é
associação da conduta a outros crimes de
competência da Justiça Federal (crimes
previdenciários, crimes contra a ordem
tributária, delitos previstos no Estatuto do
Estrangeiro).
O que o MPF tem a ver com isso? (5)
Atuação da tutela coletiva, nos temas que não
são da competência exclusiva do Ministério
Público do Trabalho, de preferência em
conjunto com este.
Legislação (1)
Principais tratados internacionais ratificados
pelo Brasil:
– Convenção n.º 29 (OIT, 1930);
– Convenção Suplementar sobre Abolição da
Escravatura (ONU, 1956);
– Convenção n.º 105 (OIT, 1957);
– Pacto de Direitos Civis e Políticos (ONU,
1966);
– Convenção Americana de Direitos Humanos
(1969).
Legislação (2)
• Nova redação do artigo 149 do CP (Lei
10.803/03):
“Reduzir alguém a condição análoga à de escravo,
quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a
jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições
degradantes de trabalho, quer restringindo, por
qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida
contraída com o empregador ou preposto.
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além
da pena correspondente à violência.
Legislação (3)
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte
por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no
local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de
trabalho ou se apodera de documentos ou objetos
pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no
local de trabalho.
Legislação (4)
Frustração de direito assegurado por lei
trabalhista
Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência,
direito assegurado pela legislação do trabalho:
Pena - detenção de um a dois anos, e multa, além
da pena correspondente à violência.
Legislação (5)
§ 1º Na mesma pena incorre quem:
I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de
determinado estabelecimento, para impossibilitar o
desligamento do serviço em virtude de dívida;
II - impede alguém de se desligar de serviços de
qualquer natureza, mediante coação ou por meio
da retenção de seus documentos pessoais ou
contratuais.
Legislação (6)
Aliciamento para o fim de emigração
Art. 206 - Recrutar trabalhadores, mediante
fraude, com o fim de levá-los para território
estrangeiro.
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.
Legislação (7)
Aliciamento de trabalhadores de um local para
outro do território nacional
Art. 207 - Aliciar trabalhadores, com o fim de leválos de uma para outra localidade do território
nacional:
Pena - detenção de um a três anos, e multa.
§ 1º Incorre na mesma pena quem recrutar
trabalhadores fora da localidade de execução do
trabalho, dentro do território nacional, mediante
fraude ou cobrança de qualquer quantia do
trabalhador, ou ainda, não assegurar condições do
seu retorno ao local de origem.
Legislação (8)
Art. 125, XII, da Lei 6.815/80:
“Introduzir estrangeiro clandestinamente ou ocultar
clandestino ou irregular.
Pena - detenção de um a três anos e, se o infrator
for estrangeiro, expulsão.”
Principais Parceiros
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Ministério do Trabalho e DRTs;
Ministério Público do Trabalho;
OIT;
Pastoral da Terra e Pastoral do Migrante;
ONGs.
Que MPF queremos?
Endereços Úteis
• Ministério do Trabalho: www.mte.gov.br
• OIT - Brasil:
www.oit.org/public/portugue/region/ampro/bra
silia/index.htm
• Comissão Pastoral da Terra:
www.cptnac.com.br
Contato:
Sergio Gardenghi Suiama
Procuradoria da República - SP
(11) 3269-5091
[email protected]
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