EXPERIÊNCIAS .&/*/04%&36" $3*"/«"4&+07&/4 1305"(0/*45"406 &41&$5"%03&4%044&64 1 %*3&*504 Por Liliana Azevedo, Gestora de Projectos na ACEP – Associação para a Cooperação Entre os Povos e membro da Direcção da Plataforma Portuguesa das ONGD. Infância e juventude são categorias recentes, construídas social e historicamente, que foram variando no tempo e espaço. O nosso olhar sobre as crianças e jovens foi mudando ao longo dos séculos e nos diferentes contextos sociais e geográficos. Nos últimos dois séculos, assistimos a uma crescente tomada de consciência acerca das especificidades, necessidades, culturas e direitos próprios à infância e à juventude. Com Rousseau e Pestalozzi, surgiram vozes defensoras de uma educação centrada nos interesses da criança e da sua participação na construção da sua autonomia. Esta nova concepção sobre a criança incorpora a necessidade de uma protecção jurídica especial devido à sua debilidade física e imaturidade e levará à adopção das primeiras leis limitando o trabalho infantil e à implementação da escolaridade como principal “ofício” da criança. Pouco a pouco, a condição infantil evoluiu nas mentalidades, nas práticas educativas bem como nos planos da protecção social e jurídica. O século XX ficou marcado pela adopção de um conjunto 2 de normas jurídico-legais , das quais são de destacar: a Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança (1924); a Declaração dos Direitos da Criança (1959) e a Convenção dos Direitos da Criança (CDC) aprovada pela Assembleia Geral na ONU em 19893. A CDC alargou o leque de direitos reconhecidos à criança e abriu espaço a uma compreensão mais alargada da sociedade acerca da infância. Veio possibilitar à criança ser uma peça fundamental na sua própria vida – pois estabelece o seu envolvimento no processo de tomada de decisão em matérias que lhe digam respeito, de acordo com a sua maturidade e atribui-lhe ainda direitos como o de exprimir opiniões, de se associar ou a liberdade religiosa – e contribuir para a mudança de mentalidades. Também as ciências sociais, entre as quais a Sociologia da Infância, contribuíram para mudar o olhar sobre as relações criança/adulto, desconstruindo a imagem da criança como um ser que somente tem necessidades e abrindo pistas para a sua compreensão como actor social, sujeito de direitos. As organizações da sociedade civil têm também desempenhado um papel determinante quer na defesa e promoção dos direitos das crianças e jovens, quer na sua formulação, quer na criação de condições para que as crianças possam usufruir dos seus direitos, sobretudo quando as famílias e as instituições do Estado falham no seu papel de provedores e protectores. Um papel fulcral, porquanto a defesa e promoção dos direitos das crianças e dos jovens se insere numa perspectiva de bem-estar colectivo e social. Os direitos de participação tornaram-se um chavão do Desenvolvimento, no entanto é difícil vê-los concretizarem-se no quotidiano das crianças e jovens e muito resta ainda por fazer para que saltem do discurso para a prática. O projecto “Meninos de Rua: Inclusão e Inserção”, desenvolvido no quadro da CPLP, começou por juntar organizações de três países de língua oficial portuguesa da Costa Ocidental de África – a AMIC na Guiné-Bissau, a Fundação Novo Futuro em São Tomé e Príncipe, a Okutiuka em Angola – e uma organização portuguesa (ACEP). Juntaram-se depois três organizações, de horizontes tão distantes e distintos como a ACRIDES em Cabo Verde, a Meninos de Moçambique e o Centro Miguel Magone em Timor-Leste. Intervindo em contextos diferentes, com culturas e abordagens diferentes, todas trabalham em prol dos direitos das crianças e apoiam, em regime aberto, semi-aberto ou fechado, crianças e jovens em situação de vulnerabilidade socioeconómica (crianças órfãs, crianças de/na rua, em conflito com a lei, entre outras). O objectivo é reforçar a sua auto-estima, dando-lhes voz e criando oportunidades para se expressarem e serem ouvidos. No início, recolheram-se experiências de outros projectos, nomeadamente no Brasil, para depois testar metodologias de inserção social participativas e inovadoras, recorrendo a abordagens artísticas (desenho, pintura, fotografia, teatro), adaptadas localmente a cada contexto. Deste processo resultou a publicação de dois livros intitulados “Vozes de Nós”, com histórias de vida de crianças e jovens ilustradas pelos próprios que, para além de serem co-autores, têm também participado na sua divulgação junto de professores, animadores, responsáveis políticos, etc.. Fazem assim ouvir a sua voz em espaços que não lhes estariam acessíveis de outra forma, e um blogue (http://vozes-de-nos.blogspot.pt), diário de bordo desta rede em permanente (re)construção que abarca múltiplas geografias. A percepção que se tem das crianças (quaisquer que sejam os seus contextos) é constituída de ideias pré-concebidas e alimentada por clichés. Valeria a pena discutir a forma como o olhar de cada um é moldado, por exemplo, pelas imagens veiculadas pelos media ou pelas campanhas de angariação de fundos das ONG. Mas antes disso, é necessário deixar de considerar as crianças como seres em construção (becoming) e olhá-las pelo que realmente são (being). Só assim poderão passar de espectadoras e protagonistas dos seus direitos. 1. Este artigo não foi redigido segundo o novo Acordo Ortográfico. 2. Para um levantamento completo do conjunto de instrumentos internacionais relativos aos direitos da criança, consultar: UNICEF (2009), Situação Mundial da Infância, Edição Especial: Celebrando 20 Anos da Convenção sobre os Direitos da Criança, disponível em www.unicef.pt/18/sowc_20anoscdc.pdf 3. A CDC foi ratificada por todos os países, com excepção da Somália e Estados Unidos, e reveste uma especial importância pelo facto de vincular juridicamente os Estados signatários contrariamente às declarações. 34 | .13 | J/ 2013