PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL D E JUSTIÇA D E SÃO PAULO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA
REGISTRADO(A) SOB N°
I imi um um um mu um um um nu m
ACÓRDÃO
•03310910*
Vistos, relatados e discutidos estes autos de
Apelação n° 994.07.180585-2, da Comarca de São Paulo,
em
que
PAULO
são
e
apelantes
JUÍZO
PREFEITURA
EX-OFFICIO
sendo
MUNICIPAL
apelado
DE
SAO
MINISTÉRIO
PUBLICO.
ACORDAM, em Câmara Reservada ao Meio Ambiente
do
Tribunal
seguinte
RECURSOS.
de
Justiça
decisão:
V.
de
"DERAM
U.",
de
São
Paulo,
PROVIMENTO
conformidade
EM
com
proferir
PARTE
o
voto
a
AOS
do
Relator(a), que integra este acórdão.
O
julgamento
Desembargadores
teve
ANTÔNIO
a
CELSO
participação
AGUILAR
dos
CORTEZ
(Presidente sem voto), EDUARDO BRAGA E ZÉLIA MARIA
ANTUNES ALVES.
São Paulo, 25 de novembro de 2010.
RENATO NALINI
RELATOR
PODER J U D I C I Á R I O
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO
CÂMARA RESERVADA A O MEIO AMBIENTE
VOTO N° 17.263
APELAÇÃO CÍVEL N° 994.07.180585-2 - SÃO PAULO
Apelante: PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO
Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrente: JUÍZO EXOFFICIO
ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM E
FALTA DE INTERESSE DE AGIR INADMISSIBILIDADE
MINISTÉRIO
PÚBLICO É ATOR LEGÍTIMO EM FEITOS A
ENVOLVER A TUTELA DOS DIREITOS
DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS, DENTRE OS QUAIS A
ORDEM
URBANÍSTICA
E
O
MEIO
AMBIENTE - BEM POR ISSO, PRESENTE O
INTERESSE DE AGIR - PRELIMINARES
REJEITADAS
ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DESCABIMENTO - MUNICÍPIO QUE TEM
PAPEL CENTRAL NA ORDEM URBANÍSTICA
- INTELIGÊNCIA DO ART. 30 DA C F / 8 8 E
DE TODO O ROL DE DETERMINAÇÕES
CONTIDOS NA LEI N° 10.257/01
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO COM OS
OCUPANTES
IRREGULARES
INOCORRÊNCIA
PRECEDENTES
JURISPRUDENCIAIS
PRELIMINAR
REJEITADA
INÉPCIA DA INICIAL - INOCORRÊNCIA VERSA
PROPRIAMENTE
SOBRE
O
DESCUMPRIMENTO DE CLÁUSULAS DE
TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA PEDIDOS QUE DECORREM LOGICAMENTE
DO FUNDAMENTO DA AÇÃO - PRELIMINAR
REJEITADA
APELAÇÃO CÍVEL N° 994.07.180585-2 - SÃO PAULO - VOTO N° 17.263
PODER J U D I C I Á R I O
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SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO
CÂMARA RESERVADA A O MEIO AMBIENTE
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - OCUPAÇÕES
IRREGULARES EM ÁREA DE RISCO DEVER DO MUNICÍPIO DE ALOJAMENTO
DOS
OCUPANTES DESCABIDA A
ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE RECURSOS,
NA MEDIDA EM QUE TAL NÃO RESTOU
COMPROVADO NO FEITO - RECURSOS
DESPROVIDOS NESTE PONTO
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - OCUPAÇÕES
IRREGULARES EM ÁREA DE RISCO DEVER DO MUNICÍPIO DE ALOJAMENTO
DOS
OCUPANTES
ALEGADA
PREVALÊNCIA DA DISCRICIONARIEDADE
ADMINISTRATIVA - INADMISSIBILIDADE CONCEITO DE INTERESSE PÚBLICO, NO
QUAL SE ERIGE A DISCRICIONARIEDADE,
QUE NÃO SE CONFUNDE COM INTERESSE
DO ESTADO - RECURSOS DESPROVIDOS
NESTE PONTO
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - OCUPAÇÕES
IRREGULARES EM ÁREA DE RISCO DEVER DO MUNICÍPIO DE ALOJAMENTO
DOS OCUPANTES - DIREITO À MORADIA
DIGNA QUE FOI ERIGIDO COMO DIREITO
FUNDAMENTAL
PODER
PÚBLICO
MUNICIPAL QUE POSSUI PAPEL CENTRAL
NA GARANTIA DESTE DIREITO, QUE
POSSUI APLICAÇÃO IMEDIATA, A TEOR DO
ART. 5 o , § I o , DA C F / 8 8 - RECURSOS
DESPROVIDOS NESTE PONTO
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - OCUPAÇÕES
IRREGULARES EM ÁREA DE RISCO DEVER DO MUNICÍPIO DE ALOJAMENTO
DOS OCUPANTES - CONDENAÇÃO AO
PAGAMENTO
DE
HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO DESCABIMENTO - RECURSOS PROVIDOS
NESTE PONTO
APELAÇÃO CÍVEL N° 994.07.180585-2 - SÃO PAULO - VOTO N° 17.263
PODER J U D I C I Á R I O
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SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO
CÂMARA RESERVADA A O MEIO AMBIENTE
Recursos oficial e voluntário
confere parcial provimento.
aos quais
se
Vistos etc.
A sentença da Juíza MARIA GABRIELLA
PAVLÓPOULOS SACCHI julgou procedente o pedido
deduzido n a Ação Civil Pública movida pelo MINISTÉRIO
PÚBLICO contra a PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO
PAULO. Ficou a vencida condenada ao pagamento das
custas processuais e honorários advocatícios, fixados em
10% sobre o valor atualizado da causa 1 .
Ao recurso oficial, somou-se apelo do
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, a aduzir, preliminarmente, a
ilegitimidade passiva e ativa do MINISTÉRIO PÚBLICO, a
inépcia da petição inicial, a ausência de interesse de agir
e a generalidade da ordem contida n a sentença. No
mérito, sustenta a prevalência da discricionariedade
administrativa e a inexistência de recursos disponíveis
para a execução de obras para solucionar o problema
habitacional do Município. Alega ser inexistente o dever
de alojamento. Afirma ser impossível a imposição de
multa diária e a condenação ao pagamento de honorários
advocatícios ao Ministério Público. Pugna
pelo
acolhimento
das
preliminares
suscitadas,
com
conseqüente declaração de nulidade da sentença, ou pelo
provimento, no mérito, do apelo, para vê-la reformada
nos pontos combatidos 2 .
O Município embargou de declaração 3 , o que
restou rejeitado 4 .
1
Sentença às fls. 823/827 dos autos.
Razões de apelo às fls. 832/859 dos autos.
3
Embargos declaratórios às fls. 862/863 dos autos.
4
Decisão à fl. 864 e verso dos autos.
2
^
••. \
APELAÇÃO CÍVEL N° 994.07.180585-2 - SÃO PAULO - VOTO N° 17.263
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Contra-razões no sentido da preservação da
sentença . No mesmo sentido foi o parecer da
Procuradoria Geral de Justiça 6 .
Distribuídos aos 12 de abril de 2007 ao Exmo.
Des. LUIZ GANZERLA, com assento n a 1 1 a Câmara de
Direito Público 7 , foram os autos remetidos a esta Câmara
Reservada ao Meio Ambiente, por Acórdão, aos 01 de
março de 20IO 8 .
É u m a síntese do necessário.
5
Trata-se de Ação Civil Pública movida pelo
parquet com a finalidade de ver determinado à
Municipalidade de São Paulo a remoção dos moradores
de áreas com iminente risco de deslizamentos,
localizadas na Favela Vila Nova Galvão, com conseqüente
alojamento das famílias deslocadas, e a determinação de
monitoramento
das
áreas
por
profissionais
especializados.
Sobreveio sentença, favorável ao pedido inicial.
Com ela não concorda o Município, que apela.
Razão parcial lhe assiste.
Preliminarmente, é inadmissível sustentar a
ilegitimidade passiva do Município. Nesse sentido, a
doutrina é cristalina em asseverar que "o pressuposto da
disciplina do art. 2o do Estatuto da Cidade [que
regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal
de 1988, g.n.] é a existência, para o Poder Público, dos
deveres
de ordenar e controlar o emprego
(uso,
parcelamento, ocupação e edificação) do solo (incisos VI,
XIII, XIV e XV) e de proteger o patrimônio coletivo (inciso
XII). O Município, nesses termos, tem papel central n a
5
Contrarrazões às fls. 887/888 dos autos.
Parecer às fls. 897/913 dos autos.
7
Fl. 895 dos autos.
8 Acórdão às fls. 922/927 dos autos.
6
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\
Vv)
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política urbana, cuja ênfase "não pode ser um amontado
de intervenções sem rumo. Ela tem uma direção global
nítida: 'ordenar o pleno desenvolvimento
das Junções
sociais da cidade e da propriedade urbana' (art. 2o, caput),
de modo a garantir o 'direito a cidades
sustentáveis'
9
(incisos I, V, VIII eX)" .
A questão ê singela e as implicações jurídicas
evidentes, n a medida em que o Município o principal
responsável pela ocupação do solo urbano. Os ocupantes
não dispõem dessa autonomia de vontade para a prática
de ilicitude, com o direito a não serem molestados pela
Administração. O que caracteriza o Estado de Direito é
justamente a possibilidade de atuação conforme a lei.
Assim, de rigor a responsabilização da Municipalidade,
no feito, pela flagrante omissão em fiscalizar a área.
O Município, desde 1988, é ente federativo e
tudo aquilo que lhe pertine é atribuição que a
Constituição lhe reserva. O eloqüente rol dos incisos
apostos ao artigo 30 da Carta Federal contém o início de
sua responsabilidade no presente processo.
Há jurisprudência consolidada nos tribunais
superiores
a
respeito
da
responsabilidade
da
Municipalidade. Veja-se:
"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
REGULARIZAÇÃO
DO
SOLO
URBANO.
LOTEAMENTO. ART. 40 DA LEI N. 6.766/79.
MUNICÍPIO. LEGITIMIDADE PASSIVA.
Nos termos da Constituição Federal, em seu
artigo 30, inciso VIII, compete aos Municípios
"promover,
no
que
couber,
adequado
ordenamento territorial, mediante
planejamento
9
SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais. In.
DALLARI, Adilson de Abreu e FERRAZ, Sérgio (orgs.). Estatuto da Cidade
(Comentários à Lei Federal 10.257/2001). 3 a ed. São Paulo: Malheiros Editoresf
2010, pp. 53-54.
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e controle do uso, do parcelamento
ocupação do solo urbano."
e
da
Cumpre, pois, ao Município regularizar o
parcelamento, as edificações, o uso e a ocupação
do solo, sendo pacífico nesta
Corte o
entendimento segundo o qual esta competência é
vinculada.
Dessarte, "se o Município omite-se no dever de
controlar loteamentos e parcelamentos de terras,
o Poder Judiciário
pode
compeli-lo
ao
10
cumprimento de tal dever" .
O caso em questão, ademais, não comporta
litisconsórcio necessário dos ocupantes irregulares. Há
jurisprudência neste E. TJSP nesse sentido:
"Não é o caso de litisconsórcio necessário (caput
do artigo 47 do Código de Processo Civil) com os
moradores
na área.
O pedido
não é
reivindicatório, nem possessório,
relativamente
aos terrenos por eles ocupados, mas de
obrigação de fazer, com preceito e cominação
dirigidos tão-só à Municipalidade."11
Nem se diga haver ilegitimidade ativa do
Ministério Público. O Parquet foi o autor da Ação Civil
Pública Ambiental em que o Município restou vencido. A
titularidade da propositura dessa ação tem fundamento
constitucional. Foi o pacto republicano que atribuiu ao
Ministério Público a função institucional de ajuizar ação
coletiva
com
vistas
à
tutela
de
interesses
metaindividuais. Mesmo a temática afeita ao direito
urbanístico, por seu conteúdo nitidamente vinculado aos
10
Superior Tribunal de Justiça. REsp 292.846/SP, Rei. Min. Humberto Gomes
deBarros, DJ 15.04.2002
11
Apelação Cível n° 249.316-5/7-00. 7 a Câmara de Direito Público. Rei. Des.
Barreto Fonseca. DJ: 28.02.2005, v.u.
\
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direitos sociais - e a moradia digna é u m direito social - é
merecedora de atenção deste órgão.
Frise-se, ademais, que a Lei Federal n°
10.257/01 - o Estatuto da Cidade - foi claro em incluir o
direito à cidade como elemento de u m a ordem
urbanística passível de tutela judicial coletiva, através do
instrumento do qual lançou mão o parquet.
Da mesma forma, reveste-se de legítimo
interesse de agir. Viu-se obrigado a acionar o Estado-juiz
para compelir a Administração local a fazer aquilo que é
seu dever de ofício. O instrumento de que se valeu o
Parquet está previsto no ordenamento como a via
adequada à obtenção do bem da vida de interesse de toda
a comunidade.
Nem se fale em inépcia da inicial. O autor
ponderou, como causa de pedir n a Ação Civil Pública, a
ocupação desordenada das áreas de risco enquanto
decorrência do descaso da Municipalidade. Não versa
propriamente sobre o descumprimento de cláusulas de
Termo de Ajustamento de Conduta. Desse fundamento,
decorrem logicamente os pedidos descritos n a inicial:
condenação à obrigação de fazer, consistente em remover
os moradores das áreas sujeitas a alto risco, com
alojamento das famílias em abrigos temporários e
posterior recolocação em habitação condigna. E a
sentença, ao acolher este pedido, não delineou seus
comandos de maneira genérica.
Rejeita-se, portanto, a matéria preliminar.
No mérito, à exceção da descabida condenação
ao pagamento de honorários advocatícios, melhor sorte
não assiste ao Município.
Em primeiro lugar, o conceito de interesse
público, cristalizado no argumento da discricionariedade
esposado pelo Município, merece comportar leitura
menos vinculada a antigos standards jurídicos, comuns a';
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manuais de cientificidade duvidosa. Não pode ser
confundido com o "interesse da administração pública", a
permitir que o Poder Público manipule seu conteúdo
semântico conforme seu exclusivo interesse.
De acordo com Gustavo Binenbojm, "o melhor
interesse público só pode ser obtido a partir de um
procedimento
racional
que
envolve
a
disciplina
constitucional
de interesses
individuais
e coletivos
específicos, bem como um juízo de ponderação que permita
a realização de todos eles na maior extensão possível O
instrumento desse raciocínio ponderativo é o postulado da
proporcionalidade ".
Pretende-se, com isso, afastar a aplicação
indiscriminada da atualíssima regra principiológica que
orienta a preferência pelo interesse público, n a medida
em que este "por ser um conceito jurídico indeterminado,
só é aferível após juízos de ponderação entre direitos
individuais e metas ou interesses coletivos feitos à luz de
circunstâncias concretas", a evidenciar que é o "postulado
da proporcionalidade que, na verdade, explica como se
define o que é interesse público em cada caso. O problema
teórico verdadeiro não é a prevalência, mas o conteúdo do
que deve prevalecer"'-.
Não comprova o Município que não dispõe de
numerário suficiente para o cumprimento das ordens
emanadas na sentença, das quais não pode se escusar
com o argumento retórico da reserva do possível. Não se
pode olvidar que a Norma Fundante não é u m texto
composto de promessas inatingíveis. É u m a Constituição
Dirigente, com um preâmbulo que delineiam e vinculam
a atuação de todas as esferas da Administração Pública.
E, compreendido o direito à moradia digna como direito
fundamental, h á que se atender à regra de art. 5 o , § I o ,
12
BINENBOJM, Gustavo. Temas de Direito Administrativo e Constitucional
artigos e pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 09.
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para o qual "As normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata".
Dessa maneira compreendida, a controvérsia
funda-se no princípio da dignidade da pessoa h u m a n a ,
fundamento da República Federativa do Brasil (art. I o ,
III, da CF/88). República que tem como propósito, entre
outros, "promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação" (art. 3, IV, da CF/88).
Essa a matriz hermenêutica de todo o
ordenamento jurídico.
Do contrário se teria u m menoscabo em
relação ao conteúdo da Carta Magna, prática que deve
ser extirpada do dia-a-dia dos Tribunais Pátrios. Pois, de
acordo com Lenio Luiz Streck, "Não se deve olvidar que o
direito constitucional tem sido relegado a um plano
secundário em nosso pais. Isto ocorre porque a nossa
cultura jurídica positivista, permeada
e calcada no
paradigma liberal-individualista-normativista,
concebe a
Constituição apenas como um marco, entendendo que a
dimensão dos direitos fundamentais se resume a um leque
de direitos subjetivos de liberdades voltados para a defesa
contra a (indevida) ingerência do Estado (g.n). Enfim,
trabalha-se ainda com a concepção de que o Direito é
ordenador, o que, à evidência, caminha na direção oposta
de um direito promovedor-transformador do Estado Social
e Democrático de Direito"13.
A emergência da desordem n a s grandes
metrópoles do mundo fez erigir o direito à moradia digna
como u m direito humano fundamental, a merecer,
inclusive, especial muito atenção do
legislador
13 STRECK, Lenio Luiz. Constituição ou barbárie? A Lei como possibilidade
emancipatôria a partir do Estado Democrático de Direito. Disponível em:
http://www.ihi.org.br/poa/professores/Professores 02.pdf.
Acesso
em:
01.10.2010.
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V
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W
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constituinte e de organismos multilaterais internacionais,
como a Organização das Nações Unidas, além de
inúmeros documentos, dos quais se destacam ao menos
os dois últimos planos nacionais de Direitos Humanos
(PNDHs) do Brasil.
Afinal, é n a cidade em que vive mais de 70% da
população brasileira e mundial. É nela em que se
estabelecem as formas de relação social, o trabalho e a
cultura. Por isso, não é demais pontuar que as formas de
reprodução das relações sociais e da própria vida n a polis
é elemento constitutivo da personalidade e do
comportamento dos indivíduos que a compõem.
Uma cidade agressiva ao cidadão, em que se
observam índices alarmantes de poluição sonora, visual e
ambiental, uma cidade que desrespeita o direito
fundamental à moradia digna e inúmeros outros direitos
hierarquicamente análogos, u m a cidade que não preserva
seu patrimônio histórico e ambiental, enfim, u m a cidade
incompatível com o reconhecimento das dimensões da
dignidade da pessoa h u m a n a não pode esperar a
contrapartida da civilidade do citadino.
É nesse contexto de injustiça que a violência
urbana, a depredação do patrimônio público, a
degradação e o descaso com os imóveis e o desrespeito
aos equipamentos públicos proliferam. Realidade cara a
São Paulo, cidade pródiga em exemplos dos problemas
supracitados e capaz de articulá-los de forma que
problemas de habitação rapidamente se convertem em
problemas de ordem ambiental, a merecer especial
atenção do Poder Judiciário.
A exclusão urbana é problema que grassa n a
grande metrópole brasileira. E produz efeitos nefastos. De
acordo com a urbanista brasileira Raquel Rolnik,
Relatora Especial para o Direito à Moradia Digna da
ONU, "este conceito que relaciona a acumulação d&
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deficiências de várias ordens à vulnerabilidade — tem
sido progressivamente utilizado em políticas públicas e
pode ser entendido como a negação (ou o desrespeito) dos
direitos que garantem ao cidadão um padrão mínimo de
vida, assim como a participação em redes de instituições
sociais e profissionais (Castel, 1995; Paugam, 1996). A
exclusão social é vista como uma forma de analisar como e
por que indivíduos e grupos não conseguem ter acesso ou
beneficiar-se
das
possibilidades
oferecidas
pelas
sociedades e economias. A noção de exclusão considera
tanto os direitos sociais quanto aspectos
materiais,
abrangendo, portanto, não só a falta de acesso a bens e
serviços que significam a satisfação de
necessidades
básicas, mas também a ausência de acesso a segurança,
justiça, cidadania e representação política
(Rodgers,
14
1995)" .
J á se passaram quase 10 anos da edição do
Estatuto da Cidade, formulado a partir de intensa
pressão social, que regulamentou os arts. 182 e 183 da
CF/88 e ofereceu inúmeros mecanismos de gestão e
planejamento urbano. É dever da Municipalidade se
adaptar a essa nova realidade e concentrar esforços para
efetivar seu conteúdo, inclusive no incentivo à necessária
e desejável democracia participativa n a gestão das
cidades, a envolver todos os seus moradores, através de
suas entidades representativas (associações de bairro,
entidades
profissionais,
movimentos
sociais)
na
formulação de políticas públicas e n a construção do
espaço urbano como espaço privilegiado das relações
sociais.
Como bem pontuou MARIA PAULA DALLARI
BUCCI, "A plena realização da gestão democrática é, na
verdade, a única garantia de que os instrumentos
de
14
ROLNIK, Raquel. Exclusão territorial e violência.
Perspectiva, vol.13 no. 4. São Paulo, out/dez 1999.
In. São Paulo
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política
urbana
introduzidos,
regulamentados
ou
sistematizados
pelo Estatuto da Cidade (tais como o
direito de preempção, o direito de construir, as operações
consorciadas etc.) não serão meras ferramentas a serviço
de concepções
tecnocráticas,
mas,
ao
contrário,
verdadeiros instrumentos de promoção do direito à cidade
para todos, sem exclusões"15.
Assim, a persistir o quadro dos autos,
persistirão os inúmeros problemas sociais decorrentes do
histórico descaso do Estado, ao mesmo tempo omisso, n a
promoção de políticas públicas de habitação, e presente,
no momento em que cumpre u m a ordem de reintegração
de posse.
Por fim, não se revela excessivo o valor da
multa cominada. Trata-se de condenação pecuniária com
finalidade
precípua de obter do réu o efetivo
cumprimento da obrigação. Lamenta-se, apenas, que seja
cominada à Administração Pública, que deveria dar o
exemplo de zelo à normatividade. Frise-se que a não
imposição de multa, nesse sentido, tornaria inócuo o que
restou decidido, no que esta deve prevalecer.
A sentença só merece reforma no ponto em que
condenou o Município ao pagamento de honorários
advocatícios ao Ministério Público, o que se afigura
manifestamente
inadmissível,
conforme
ponderou,
inclusive, a Douta Procuradoria Geral de Justiça.
No mais, merece ser preservada in totum.
Por estes fundamentos, confere-se parcial
provimento aos recursos.
v
RENATO NALINI
Relator
15
BUCCI, Maria Paula Dallari. Gestão Democrática da Cidade. In. DALLARI,
Adilson de Abreu e FERRAZ, Sérgio. Op. Cit, p. 337.
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