PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO -^^^^^r ACÓRDÃO/DECISÃO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes SOBN c autos de APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n° 7 58.284-5/6-00, da Comarca de SÃO PAULO-FAZ PUBLICA, em que é apelante MARCOS APARECIDO GOMES sendo apelado FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO: ACORDAM, Tribunal de em Justiça Sexta do Câmara Estado de de Direito Público do São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O Desembargadores julgamento SIDNEY teve ROMANO a DOS participação REIS (Presidente, voto), ISRAEL GÓES DOS ANJOS e JOSÉ HABICE. São "Paulo, 22 de setembro de 2008. CARLOS EDUARDO PACHI Relator dos sem 1 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Voto n° 3 853 Apelação Cível n° 758.284.5/6-00 Comarca de São Paulo Apelante: MARCOS APARECIDO GOMES (AJ) Apelada: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO OBRIGAÇÃO DE FAZER - Fazenda Pública Internação médica a portador de transtorno mental - Existência de vários relatórios médicos apresentados por instituições de saúde a favor de sua alta - Medida aplicável somente em casos excepcionais a teor da Lei 10.216/01. Sentença mantida Recurso i m p r o v i d o . Vistos. Trata-se de apelação tempestivamente deduzida pelo Autor, contra a r. sentença de fls. 135/137, que julgou improcedente ação para garantir tratamento médico a portador de distúrbio mental, com fundamento em recebimento de alta médica da instituição em que estava internado, uma vez não apresentada contraprova a corroborar o na inicial. Apelação Cível n° 758.284-5/6-00 - voto n°3.853 2 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Pretende a manutenção da internação do Autor com base em seu histórico médico de esquizofrenia crônica. A melhor opção, segundo afirma, é seu envio para residência terapêutica, de forma a garantir tratamento adequado. Aponta direito constitucional ao pleiteado (fls. 140/156). Contra-razões da Ré (fls. 158/165), pelo Público, pelo improvimento do recurso. Processados, subiram os autos. Manifestação do Ministério improvimento co recurso (fls. 171/174). É o relatório. O reclamo não merece vingar. O acesso à saúde, previsto constitucionalmente pelo artigo 196, é matéria de competência concorrente, sendo responsabilidade da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, indistintamente, a sua garantia, conforme se depreende do artigo 23, II. Apelação Cível n° 758.284-5/6-00 - voto n°3.853 3 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Destarte, nenhum dos entes federativos pode se eximir da obrigação. Sendo assim, cabe às autoridades estatais competentes garantir o bem-estar, a saúde e a vida dos cidadãos. Verifica-se, por conseguinte, que constitui imperativo constitucional e legal o direito à saúde. A Lei n° 8.080/90, instituidora do Sistema Único de Saúde (SUS) também explicita, como objetivo básico, a assistência médica e tratamento integral da saúde. Em seu artigo 3 o , parágrafo único, referido diploma é enfático ao determinar ações de saúde voltadas ao bem-estar físico, mental e social. Por sua vez, especificamente a respeito da saúde mental, o artigo 3 o da Lei 10.216/01, preconiza: "Art 3o E desenvolvimento responsabilidade da política do Estado o de saúde mental a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, asnm entendidas as instituições ou unidades que oferçç, Apelação Cível ti0 758.284-5/6-00 - voto n° 3.853 4 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais. " Contudo, em uma leitura, dessa Lei, norteada pelo respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento da Constituição Cidadã consagrado no artigo 3 o , I, é possível afirmar que a internação é medida excepcional. Com efeito, a própria Lei confere as ferramentas ao intérprete, elencando uma série de medidas direcionadas ao bem-estar e apreço à dignidade de pessoas que sofrem de transtornos mentais, dentre as quais se nota o caráter subsidiário e extremo da internação. Os comandos insertos no artigo 2 o , VIII e IX, são enfáticos ao estabelecer o direito das pessoas nessa situação de serem tratadas preferencialmente em serviços comunitários de saúde mental, pelos meios menos invasivos possíveis. Mais adiante, no artigo 4 o , caput, a referida Lei proclama ser a internação indicada apenas quando os recursos extrahospitalares se mostrarem insuficientes. Ademais, no parágrafo I o do mesmo dispositivo determina que o tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio. Apelação Cível n° 758.284-5/6-00 - voto n°3.853 ê 5 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Todas essas circunstâncias vão ao encontro da regra plasmada no arligo 2o, II, que garante à pessoa portadora de transtorno mental, como é o caso do ora Apelante, o direito a ser tratada com humanidade e respeito, no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando a alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade. Ora, um dos fundamentais objetivos do aparato normativo em comento é claro: implementar medidas no interesse exclusivo do bem-estar da pessoa acometida por esses transtornos, em respeito à sua dignidade. Diversos relatórios médicos juntados aos autos (fls. 70, 73, 80, 86, 121, 122) encontram-se em sintonia quanto à solução a ser dada ao caso, ou seja, a desnecessidade de internação e possibilidade de continuidade do tratamento em unidades ambulatoriais. Sendo a internação medida extrema, caberia ao ora Apelante a demonstração robusta de sua imprescindível adoção, o que não ocorreu. Pelo contrário, as provas documentais caminham em sentido diametralmente oposto, razão pela qual inviável o acolhimento do apelo. /T\i / Vx Apelação Cível n° 758.284-5/6-00 - voto n" 3.853 — 6 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Dessa forma, visa-se a preservar a dignidade do paciente. Trata-se de axioma de largo uso hodiernamente, mas que possui aplicação precisa no vertente caso. Lição corrente, nessa seara, é a ofertada por Immanuel Kant, na qual o homem, ou a pessoa, deve ser visto como um fim em si mesmo. Segundo a jurista fluminense Ana Paula de Barcelos, 11 de uma forma bastante simplificada, pode-se dizer que, para Kant, o homem é um fm em si mesmo - e não uma função do Estado, da sociedade ou da nação - dispondo de uma dignidade ontológica O Direito e o Estado, ao contrário, é que deverão estar organizados em beneficio dos indivíduos Assim é que Kant sustenta a necessidade da separação dos poderes e da generalização do princípio da legalidade como forma de assegurar aos homens a liberdade de perseguirem seus projetos individuais. " (A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Ed. Renovar. 2a ed., p. 124) Dessarte, se a internação não é recomendável ao portador do transtorno mental, ao Estado cumpre respeitá-lo por si, como ser humano, ministrando-lhe o melhor tratamento a seu estado de saúde,, de forma a reintegrá-lo à convivência social, como se afeiçoa verossímil\ Apelação Cível n° 758.284-5/6-00-voto n°3.853 V. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo-se os termos da r. sentença. CARLOS EDUARDO PACHI Relator Apelação Cível n° 758.284-5/6-00 - voto n°3.853