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Cumprimento de sentença.
Problemas surgidos com a Lei nº 11.232/06
Hélder B. Paulo de Oliveira*
Por primeiro, questiona-se: afinal de contas, a multa prevista pelo artigo 475-J
incide automaticamente? Se não, quem deve ser intimado para a constituição da mora: o
executado, ou o seu advogado? A multa de 10% incorre mesmo havendo recurso com efeito
meramente devolutivo? Existem honorários advocatícios no cumprimento de sentença?
Ainda, se o processo já se iniciou sob a lei antiga, aplicam-se-lhe as disposições da lei
nova, inclusive a multa? São dúvidas que a jurisprudência certamente solucionará mas,
enquanto tal ainda não sobrevém, curiosos no assunto, ousaremos algumas pinceladas sobre
os temas.
Para um dos eminentes juristas autores do anteprojeto que culminou na Lei nº
11.232/06, Athos Gusmão Carneiro - no que é acompanhado por Theodoro Júnior -, a multa
é automática. Visa a "compelir o devedor ao pagamento, desestimulando as usuais
demoras" [01].
Entretanto, ponderam outros, se o devedor reside em cidadezinha do interior
paulista e o acórdão transita em julgado na capital, será lícito deduzir que a simples
publicação do aresto sirva como constituição de mora? Nesse sentido, dentre outros, está
Nelson Nery Júnior, para quem o advogado do devedor é quem deve ser intimado na
imprensa oficial e por conseguinte "intimar o executado de que tem o prazo de 15 dias para
pagar". [02]
Maria Berenice Dias, por outro lado, obtempera que o devedor deve ser intimado,
por carta registrada, a fim de ser cientificado do prazo de 15 dias para pagar, presumindo-se
a validade da comunicação dirigida ao endereço constante do processo (CPC, 238 parágrafo
único). [03]
Embora pareça que a letra "nua e crua da lei" leve à conclusão de que a multa
incide, de fato, automaticamente, isso resultaria em inúmeros problemas logísticos, como o
exemplo mencionado no parágrafo anterior. De outra parte, criar para o advogado a
obrigação de "intimar" o cliente para que este pague no prazo de 15 dias sob pena de multa
também não aparenta ser a melhor solução, pois esse último poderá deduzir que "não paga
a multa porque o causídico não o informou" e isso transforma o advogado em devedor
solidário do cliente.
Intimar o executado por carta, presumindo-o ciente desde que a carta seja
endereçada para o endereço constante do processo (art. 238, parágrafo único) pode ser a
melhor solução, s.m.j., mas isso talvez traga de volta os devedores "fantasmas" com
"múltiplos domicílios". Voltaremos o tema, no final.
A nosso ver, a multa só incide depois da sentença transitada em julgado. Sendo
execução provisória, não cabe multa, porque quem recorre pretende algum proveito, nem
que seja temporal, e não está ainda "condenado" como exige o artigo 475-J. [04] Não é de
se confundir multa por litigância de má-fé com multa em que se exige condenação
sepultada sob o manto da "res judicata".
Afirma-se que os honorários advocatícios no cumprimento da sentença não mais
persistem, porque esse é uma mera fase do processo de conhecimento. Nos exatos termos
de Athos Gusmão Carneiro, toda a reforma processual para cobrança de sentença efetivouse com base no brocardo "sententia habet paratam executionem". [05] Consequentemente,
no processo de conhecimento já foram fixados honorários para o vencedor; logo,
"inexistindo nova relação processual, não há que se falar em honorários, sob pena do bis in
idem". Já se defendeu que os honorários, agora, são a própria multa de 10% sobre o valor
da condenação [06].
Ao se interpretar a lei restritivamente, conclui-se que os honorários no cumprimento
da sentença, para o advogado do exeqüente-credor, de fato não mais existem, não seriam
devidos no cumprimento da sentença com base no artigo 20, § 4º, do CPC, porque que não
há mais "execução" de título judicial. Deixemos o tema dos honorários por derradeiro, para
ser tratado na análise da intimação (ou citação) do executado para que pague. Lógico é que,
se a impugnação é procedente, cabem honorários de sucumbência contra o impugnado,
mesmo porque nesse caso cuida-se de sentença.
Se o processo já se iniciou e houve citação, segue o rito da lei revogada. Esta é a
lição de Theodoro Júnior, para quem "a ação de execução de sentença iniciada antes da
vigência da Lei nº 11.232/06 prossegue até o final regida pela lei revogada. Se já houve
citação pela lei anterior segue-se essa; as sentenças anteriores que não chegaram a provocar
a instauração de ação autônoma submetem-se ao rito da nova lei". Mas, e se o processo se
iniciou, mas não houve citação, segue-se a lei antiga ou a nova? Em caso de um executado
revel, ou que não foi validamente citado, seja porque não encontrado, ou por outro motivo,
vale qual rito? Se o processo está pendente (sem citação), é de se aplicar a regra do artigo
1211 do CPC. Se estiver pendente, mas já houver citação para a execução, incide a regra
antiga, com os embargos e sem multa. Ainda há aquela questão: a execução se inicia com a
propositura (protocolo do pedido) ou com a citação? Cremos que com a citação, pois antes
dela ainda não se instaura a relação jurídico-processual.
Finalmente, o tema da citação em cumprimento de sentença é irmão dileto de haver
ou não intimação para pagamento da multa e na pessoa de quem. Para Pierpaolo Cruz
Bettini, " em havendo um único processo, a citação para o início do processo de execução
fica dispensada, pois o réu participou de todas as etapas processuais anteriores (do processo
de conhecimento), exercendo o contraditório e a ampla defesa, ou seja, já tem ciência da
existência da lide e pode ser instado a cumprir ordem judicial mediante intimação na pessoa
do advogado" [07]. No mesmo tom, Guilherme Luis D. B. Santos, o qual alude: "a citação
pessoal do executado não é mais exigida, salvo nas execuções do parágrafo único do artigo
475-N. Exige-se apenas a intimação do advogado pela imprensa oficial" [08] Tal atitude
legislativa levou Carlos Alberto Carmona a ponderar: "a responsabilidade dos advogados
fica, claro, aumentada com a recente reforma, pois o devedor deve ser intimado para ‘na
pessoa do advogado pagar em 15 dias sob pena de multa’" [09]
E se um magistrado resolver mandar citar o executado para cumprir a sentença no
prazo de 15 dias, sob pena de multa, estaria louco ou tão errado assim? Seria uma volta ao
pesadelo de outrora, instalando-se um novo processo com toda a fase cognitiva que havia
nos sepultados embargos do devedor contra título judicial?
Para responder à pergunta, nossa idéia é fazer um paralelo entre o cumprimento de
sentença por título judicial e a execução por título extrajudicial. Todo mundo sabe que,
antes, em uma como em outra, o devedor era citado para "no prazo de 24 horas pagar ou
nomear bens à penhora". Atualmente, na execução por título extrajudicial com as alterações
da Lei nº 11.382/06, o devedor é citado para pagar em 03 dias e, caso não pague, terá seus
bens penhorados e, se for encontrado pessoalmente, é intimado no momento da constrição.
Em dez dias da intimação da penhora, pode pedir substituição do bem e, em dez dias
contados da juntada do mandado citatório, poderá oferecer embargos (arts. 652, 668 e 738
do CPC).
Não obstante, alguns artigos do Código nos chamaram a atenção, pelo que dizemos
que talvez seja mais acertado mandar citar o devedor para cumprir a sentença, por ser a
medida mais eficaz e justa. Sabemos que toda a reforma foi no sentido de extirpar a citação
no cumprimento de sentença. Mas a redação do artigo 475-J insinua que se o devedor não
pagar no prazo de 15 dias (silencia de quando corre tal prazo), o montante da condenação é
acrescido em 10% e, observado o artigo 614, II, expedir-se-á mandado de penhora e
avaliação. Interessant, sehr interessant. O "caput" do artigo 614 possui a seguinte redação:
"Cumpre ao credor, ao requerer a execução, pedir a citação do devedor e instruir a petição
inicial com (II) o demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação,
quando se tratar de execução por quantia certa. E o que dizer , ainda, do artigo 475-R, que
manda aplicar, subsidiariamente, ao cumprimento de sentença "as normas que regem o
processo de execução de título extrajudicial"? E o artigo 222, que exige citação pessoal nos
processo de execução? Se a citação tem que ser pessoal, "a fortiori", não se pode admitir
que a intimação seja por carta. Accessio cedit principali.
Manifestada a razoabilidade de citar-se o executado, cumpre solucionar agora a
desastrosa conseqüência de o devedor não ser citado, por qualquer motivo que seja. Editais,
hora certa, revelia? Não. Acresce-se 10% da multa e efetiva-se a penhora intimando-se
(aqui sim) o advogado constituído nos autos da constrição. O devedor fica com 15 dias para
pagar sob pena de multa, mas deve ser citado (pessoalmente) para tanto. Verificando-se
ocultação, a multa é a penalidade. A questão de ser intimado por carta resulta em que "se o
executado não tem mais sequer domicílio na comarca, terá por acaso algum bem?". Melhor
providência seria mandar citar o devedor para que pague. Assim, não se responsabiliza nem
o advogado nem o carteiro pelo acréscimo da multa.
A objeção que se pode fazer para citação pessoal em cumprimento de sentença
repousa no fato de o artigo 614 referir-se a citação em "processo de execução", logo
direcionar-se-ia apenas para a execução de título extrajudicial, mesmo porque o
cumprimento da sentença é de ser calculado (caso não haja liquidação) na forma do artigo
475-B. Assim, o cumprimento de sentença (por não ser processo autônomo) não se
encaixaria no termo "execução", do mesmo modo que os honorários advocatícios são
indevidos porque o artigo 20 § 4º do CPC fala tão somente "em execuções, embargadas, ou
não".
A própria Lei nº 11.232/06, que modificou o CPC, oferece solução. Alude em mais
de uma oportunidade ao verbete "execução". Assim se manifestam, verbi gratia, os
parágrafos 1º e 2º do atual artigo 475, I; o 475-J parágrafo primeiro ("executado") e
parágrafo terceiro ("exeqüente") e quinto ("execução"). Ora, se a lei menciona exeqüente e
executado é porque o cumprimento de sentença é execução, e, como tanto, precisa nos
exatos limites do artigo 614 que exista citação. Assim resolve-se, igualmente, o problema
dos honorários, os quais, como já se decidiu, "devem ser fixados a título provisório",
porque se o executado pagar no prazo de 15 dias, é de ser-lhe deferido o direito de redução
da verba honorária pela metade, aplicando-se ao cumprimento de sentença a norma do
artigo 652-A, parágrafo único.
-------------------------------------------------------------------------------Notas
01 Athos Gusmão Carneiro, Revista do Advogado, Maio de 2006, pg. 85.
02 Código de Processo Civil Comentado, edição 2006, ed. RT.
03 RP 146/118.
04 CPC, artigo 475, § 1º ( "...É definitiva a execução da sentença transitada em
julgado e provisória quando se tratar de sentença impugnada mediante recurso ao qual não
foi atribuído efeito suspensivo").
05 Ob. Cit., pg. 16.
06 Guilherme Luis Q. B. dos Santos, RP 145/204.
07 RP 143/284.
08 Ob. cit ( RP 145/204).
09 RP 143/116.
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Nota do Editor: O presente artigo contém teses que podem não representar a posição
defendida pela maioria dos estudiosos da matéria.
*Advogado em Campinas (SP)
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10025>. Acesso em:
19 jun. 2007.
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