DIFERENTES OLHARES E CONCEPÇÕES SOBRE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM FRONER1, Carolina Miara – UEPG [email protected] PINTO2, Juliana da Silva – UEPG [email protected] Resumo A tarefa de ensinar exige do profissional a compreensão da multiplicidade de fatores que interferem na construção de uma prática pedagógica que garanta a todos os alunos uma aprendizagem significativa. Exige conhecimentos que o ajudem a entender o que ocorre em sala de aula. Um dos conhecimentos que certamente orientam o trabalho dos educadores junto aos alunos, possibilitando uma melhor compreensão das necessidades das crianças, são as teorias do desenvolvimento. A partir das observações realizadas em três escolas da rede municipal do município de Ponta Grossa-Pr., constatamos inúmeras problemáticas que permeiam a prática pedagógica, foi possível verificar também, que as professoras se deparam constantemente com situações problemas referentes à aprendizagem, revelando os diferentes níveis de desenvolvimento numa mesma classe. Esta questão que se revela no trabalho pedagógico, nos chamou atenção de tal forma que optamos por aprofundar nossos conhecimentos teóricos acerca do tema: desenvolvimento e aprendizagem. Sendo assim, nosso principal objetivo neste trabalho, é buscar refletir sobre as relações entre desenvolvimento e aprendizagem. Pretendemos também, à luz das teorias, analisar algumas intervenções das professoras, cujas práticas observamos, bem como buscar apontar alguns caminhos viáveis para um trabalho significativo de aprendizagem, considerando os diferentes níveis de desenvolvimento cognitivo dos alunos. O estudo mostrou, que para que se consiga desenvolver uma prática pedagógica de qualidade, é preciso valorizar a diversidade dos alunos, suas diferenças, seus variados modos de aprender. Assim, para que isso aconteça é necessário que o educador compreenda e se utilize dos diversos métodos de ensino, não deve eleger apenas um, pois aprender é um processo complexo e múltiplo. Existem numeras formas de ensinar e de aprender, e o professor deve então, usar uma generalidade de métodos possíveis, reconhecendo as singularidades dos alunos. Palavras-chave: Concepções de desenvolvimento e aprendizagem; Práticas pedagógicas; Heterogeneidade na sala de aula. A escola, e mais especificamente a sala de aula é um ambiente social em que emergem claramente diferenças entre as pessoas e entre grupos de pessoas. 1 Licenciada em Pedagogia e Especialista em Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental pela Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG. 2 Licenciada em Pedagogia e Especialista em Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental pela Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG. 1426 Podemos afirmar que a heterogeneidade é uma característica presente em qualquer sala de aula. Verificamos facilmente essa característica em nossas observações nas escolas: diferentes comportamentos, ritmos de aprendizagem, experiências, valores, diferentes necessidades e estratégias de pensamento e ação marcam a dinâmica do cotidiano escolar. A maneira como o professor trabalha e ajuda o aluno a crescer intelectualmente, depende muito da forma como ele “olha” a complexidade da sala de aula e especialmente, de como percebe cada um de seus alunos. O trabalho docente é embasado por princípios que o educador adota, consciente ou inconscientemente. Isto quer dizer que a sua prática não é neutra, ao contrário, carrega suas concepções, valores, crenças. Dessa forma, podemos dizer que todo ato de ensinar traz consigo, embora nem sempre percebido pelos profissionais, concepções referentes ao processo de desenvolvimento e aprendizagem, as quais norteiam o trabalho de ensino desempenhado pelos professores. Assim, pode-se afirmar que diferentes posturas profissionais revelam diferentes concepções acerca do processo de desenvolvimento e aprendizagem. Para avançar nas reflexões sobre o tema escolhido, vamos abordar quatro importantes pressupostos teóricos sobre as relações entre desenvolvimento e aprendizagem: abordagem inatista, behaviorista, construtivista e sociocultural. Procuramos ainda, ao longo do trabalho, estar trazendo e analisando alguns posicionamentos das professoras, cujas salas observamos. Abordagem inatista Esta abordagem de desenvolvimento parte do principio de que fatores biológicos (hereditariedade e maturação) desempenham um papel central no desenvolvimento humano e tem importância maior do que os fatores que se relacionam à experiência e a aprendizagem do sujeito. Segundo os inatistas, as aptidões individuais e a inteligência são características herdadas dos pais, e, portanto já estariam pré-determinadas ao nascimento do indivíduo. Para eles, a influência do meio social, em que podemos situar a escola e o ensino, no desenvolvimento do ser humano, é mínima. Esta abordagem considera que o patrimônio biologicamente herdado é que determina o desenvolvimento dos sujeitos. Assim, “... a aprendizagem depende do desenvolvimento. Ou seja, o que a criança é capaz ou não de aprender é determinado pelo nível de maturação de 1427 suas habilidades e do seu pensamento ou, ainda, pelo seu nível de inteligência.” (FONTANA & CRUZ, 1997. p. 20). Dentro desta perspectiva, a influência do meio social, e aqui destacamos a influência da escola, reduzir-se-ia a facilitar ou dificultar a manifestação de algo que, potencialmente, já estaria determinado para acontecer. Desta forma, a intervenção pedagógica fica prejudicada, devido essa crença de que o aluno dispõe ou não as condições para a aprendizagem, de acordo com suas características hereditárias. A concepção inatista aparece freqüentemente em nossas escolas. O depoimento de uma professora de uma classe de oito anos revela seu posicionamento: “Aquele menino lá não tem jeito mesmo, não adianta perder tempo com ele, porque ele nem fez o pré, já passou pela classe de sete anos empurrado, e agora estamos quase no meio do ano e ele não aprendeu nada”. Infelizmente, existem ainda muitos profissionais que trabalham nas escolas, com essa visão acerca do processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Acreditam que não há nada a se fazer, e que é até mesmo uma perda de tempo insistir com determinados alunos, pois, afinal de contas, “pau que nasce torto, morre torto”. Há também a crença de que a criança “não está pronta” para aprender alimentando uma idéia de que existe uma idade precisa para a aprendizagem de certos conteúdos. Destacam noções como maturidade, prontidão e aptidão. Pensando assim, diversos professores, cruzam os braços usando do discurso da acomodação, da aceitação de impossibilidade de mudança, tirando dos próprios ombros a sua parcela de responsabilidade no que se refere à aprendizagem de determinados alunos. Abordagem Behaviorista Esta abordagem defende que as ações e as habilidades próprias de cada sujeito são determinadas por suas experiências com o meio social em que se encontram. Os Behavioristas enfatizam a importância da influência dos fatores externos (ambiente e experiência) no comportamento do sujeito. Não negam a existência de fatores internos no desenvolvimento do indivíduo, porém não levam em conta. Julgam que estes processos não são passíveis de serem conhecidos, e, portanto, não podem ser comprovados. Os adeptos desta abordagem consideram que a aprendizagem é igual a desenvolvimento. “Aquilo que chamamos de desenvolvimento nada mais é do que o resultado 1428 das aprendizagens acumuladas no decorrer da vida do indivíduo. Por isso, os dois processos não se distinguem.” (FONTANA & CRUZ, 1997, p. 31). Esta concepção influenciou, ou melhor, ainda têm influenciado o ambiente escolar. O trabalho de ensino planejado passo a passo e seguido rigorosamente, modelando o comportamento dos alunos com o uso de reforçadores positivos ou negativos, são algumas marcas deixadas pelo behaviorismo nas práticas docentes. Abordagem Piagetiana Diferentemente das duas concepções já abordadas, esta afirma que a formação do sujeito não resulta apenas da experiência com o meio social, como defende a concepção behaviorista, nem é fruto somente da herança biológica, como enfatiza a abordagem inatista. A concepção piagetiana defende que o sujeito se forma na interação como o meio ambiente, através do processo de assimilação (tentativa do sujeito de resolver uma determinada situação utilizando uma estrutura mental já existente) e acomodação (modificação de esquemas de ação para incorporar os elementos com que interage), necessários para que haja a equilibração. O processo de desenvolvimento cognitivo depende, na perspectiva piagetiana de fatores ligados à maturação, experiência física e lógica-matemática, aprendizagem social e tendência ao equilíbrio. Todos nós herdamos um organismo que amadurece biologicamente e psicologicamente ao interagir com o ambiente. Os ambientes social e físico são fatores que influenciam significativamente no desenvolvimento cognitivo, porque cada pessoa herda a capacidade para a aprendizagem, mas a realização dessa capacidade depende das condições que o meio ambiente oferece. Tanto o ambiente físico quanto o social oferecem variados estímulos às crianças, e a riqueza ou a pobreza de estímulos irão interferir no processo de desenvolvimento cognitivo. O desenvolvimento, segundo Piaget, é fundamentalmente um processo de equilibrações (por meio dos quais a criança se mantém num estado de equilíbrio ou de adaptação em relação ao meio) sucessivas que conduzem as maneiras de agir e de pensar cada vez mais complexas e elaboradas. Processo este que apresenta estágios que vão do sensóriomotor, passando pelo pré-operatório, operatório concreto até o operatório formal. Esta abordagem considera que a aprendizagem depende do desenvolvimento, ou seja, a aprendizagem vai depender do nível de desenvolvimento que a criança já alcançou, de forma que, o desenvolvimento vem antes da aprendizagem, e é o desenvolvimento que cria as 1429 condições para a aprendizagem. Assim, o ensino deve seguir o desenvolvimento, pois a criança só irá aprender a partir do amadurecimento de suas funções cognitivas, compatíveis como nível de aprendizagem. A abordagem piagetiana / construtivista ressalta o papel ativo da criança no processo de construção de conhecimento e a importância da relação entre professor e aluno, em que o professor assume um papel de facilitador e desafiador do processo de aprender. Abordagem Sociocultural Esta abordagem, que tem Vygotsky como o principal representante, defende que é na interação com outros sujeitos que o ser humano se constituiu. Vygotsky ressalta que o ser humano vai constituindo suas características, seu modo peculiar de pensar, sentir e agir como sua visão de mundo e seus conhecimentos, na medida em que interage com outras pessoas mais experientes. A partir da interação com o outro, a criança começa a reorganizar internamente todas as significações e formas de agir com ela compartilhadas. Essa reconstrução interna das operações psicológicas externas, Vygotsky denominou internalização. De acordo com Vygotsky, o desenvolvimento é um longo processo de internalização das formas culturalmente construídas. Neste processo de internalização, as atividades externas, interpessoais, são transformadas para construir o funcionamento interno, intrapessoal. Assim, o processo de desenvolvimento vai do social para o individual. É importante destacar que o processo de internalização é um processo de transformação, pelo qual os sujeitos reconstroem de maneira própria as significações fornecidas pela cultura. Não se trata de uma simples cópia da realidade externa, na qual o indivíduo se mantém passivo, mas ao contrário. Nessa perspectiva, a construção de conhecimentos passa a ser uma atividade compartilhada, já que é através das ações sobre o ambiente físico e das interações com o mundo social, onde a linguagem desempenha um papel central, que se processa o desenvolvimento e a aprendizagem dos homens. Sendo assim, a relação que o indivíduo estabelece com o meio externo não é direta, mas é uma relação fundamentalmente mediada. Embora aponte diferenças entre desenvolvimento e aprendizagem, Vygotsky considera que esses dois processos são interdependentes. Ele afirma que o desenvolvimento cognitivo interage constantemente com a aprendizagem. 1430 Desenvolvimento e aprendizagem são uma unidade, sendo que a aprendizagem tem a função de estimular e desencadear avanços do desenvolvimento para um nível superior, mais complexo. O bom ensino, portanto, é aquele que se adianta ao desenvolvimento, acreditando que a aprendizagem puxa o desenvolvimento do sujeito, de maneira a permitir novas aprendizagens. Nesta abordagem, fica claro que o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem são processos indissociáveis, e que o desenvolvimento depende das condições oferecidas pelo meio social, e das relações com os outros indivíduos. Assim, é colocado em destaque o papel que o “outro” desempenha, no desenvolvimento dos sujeitos. Isso permite colocar em destaque a relação entre professor e aluno e as interações que ocorrem em sala de aula. Ressaltando a intervenção do professor no processo de aprendizagem, como alguém que possui mais experiências, que possui um conhecimento maior e as próprias relações de partilha entre as crianças. De acordo com Vygotsky, a aprendizagem só ocorre na interação social, na relação entre aquele que aprende e aquele que ensina. Vygotsky chama a atenção para o fato do sujeito apresentar dois níveis de desenvolvimento, um que ele chama de nível real, que diz respeito à capacidade que o indivíduo já alcançou de desenvolver atividades de forma independente. Esse nível caracteriza o desenvolvimento de etapas já conquistadas pelos indivíduos. Na escola, é evidenciado quando o aluno realiza sozinho, corretamente e sem dificuldades as suas tarefas; e outro, denominado nível potencial, que caracteriza a capacidade do indivíduo em desenvolver atividades com o auxílio do “outro”. A partir desses dois níveis de desenvolvimento (real e potencial) é que Vygotsky define a Zona de Desenvolvimento Proximal como “a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes”. (VYGOTSKY 1984 apud OLIVEIRA, 1997, p. 60). A partir das considerações de Vygotsky podemos evidenciar a importância da escola no desenvolvimento do ser humano. Fica claro que as ações pedagógicas provocam avanços nas crianças, que não aconteceriam de maneira espontânea, as ações intencionais que ocorrem na escola são essenciais na construção de processos psicológicos superiores nos sujeitos. Dessa forma, destacamos a importância do trabalho intencional do professor. Ele é o mediador, que vai fazer as articulações dos alunos com os conteúdos, que vai organizar as 1431 atividades para que o aluno aprenda e produza conhecimentos. É ele que tem a tarefa de planejar situações educativas de maneira a permitir que os alunos interajam, negociando pontos de vista diferentes, negociando significados a fim de solucionar coletivamente situações problemas. Observando as práticas das professoras em sala de aula, pudemos verificar duas práticas bem distintas. Em uma das salas de aula os alunos são livres para se movimentar dentro da sala, a professora incentiva, estimula a interação entre os alunos, e a interajuda entre todos. Assim, os próprios alunos trabalham para ajudar os colegas de classe. A aprendizagem acontece como quer esta abordagem, a construção do conhecimento não se dá apenas no nível individual, mas no coletivo, na interação. Aquelas crianças que tem dificuldades trabalham junto com as que não tem dificuldades e com o professor até o momento em que consigam realizar sozinhas as atividades. A sala de aula não é, necessariamente, um ambiente silencioso, porém, é disciplinado. Existem ainda muitos profissionais da educação que entendem disciplina como um ambiente silencioso, onde os alunos permanecem todos sentados, apenas ouvindo o professor falar. Uma prática docente que exemplifica esta questão acima foi observada em uma outra classe, na qual a professora exige que os alunos permaneçam sentados e em silêncio, não permitindo ainda que as crianças levantem das suas carteiras para auxiliar os colegas. Ressaltamos que, não que o silêncio não seja importante e necessário para a concentração e o desenvolvimento de algumas atividades, mas entendemos aqui, como disciplina, não um ambiente onde se mantém constantemente o silêncio, mas um espaço organizado, com atividades que envolvam os alunos como um todo, de modo a possibilitar o processo de construção de conhecimentos, e onde exista o respeito mútuo entre todos. É o que acontece na primeira classe mencionada, na qual os alunos movimentam-se, conversam, partilham idéias e se entreajudam. A professora dá esta abertura para que se sintam livres, mas responsáveis pelo cumprimento das atividades propostas. De acordo com Vygotsky os seres humanos constroem seus modos de pensar, de sentir, agir, constroem seus conhecimentos através da interação com o meio social, ou seja, com as pessoas que nos rodeiam, com os professores e também com os colegas. Dessa forma, é essencial que no espaço escolar haja essa abertura para a partilha de idéias, de conhecimentos, é essencial que a sala de aula seja um espaço privilegiado de interações entre professor-alunos e aluno-aluno, onde cada um, com suas experiências e saberes podem contribuir para o crescimento de todo grupo. 1432 Ainda na perspectiva sociocultural, cabe destacar que “aprender é mais do que memorizar. Envolve, além da memorização de conteúdos significativos para os alunos, o raciocínio, a capacidade de fazer relações entre o que se aprende na escola e o que se vive fora dela e entre os próprios conteúdos.” (GOMES, 2002, p. 49). Portanto, é fundamental o professor estar apontando para o aluno a importância de se aprender determinadas coisas, estar mostrando em que vai utilizar o conhecimento, ou seja, em quais situações de vida utilizará aquele conhecimento que estão construindo no momento em sala de aula. Rubem Alves (2001) bem coloca que a aprendizagem é como um “escorregador de macarrão”, aquilo que eu não sei para que serve, deixo passar, esqueço, porém, aquilo que é significante, que se sabe a utilidade para a vida, permanece. Daí a importância de se estar continuamente trabalhando para que se promova a interação entre os conteúdos curriculares e a realidade concreta dos alunos. Não tem sentido trabalhar conteúdos desconectados das vivências, da realidade social das crianças. O ponto de partida de todo processo de aprendizagem deve ser as questões vivenciadas pelos envolvidos, rompendo definitivamente com o ensino de conteúdos estanques, desconectados da vida real. Pensamos que o professor deve buscar construir conhecimentos cognitivos significativos, estabelecendo conexões com a realidade, propondo o contato com o mundo, ajudando assim, os alunos a compreenderem o meio social em que vivem e realizarem-se como pessoas. E nesse contexto, necessário também se faz aproveitar as experiências e os conhecimentos que os alunos já possuem, procurando desenvolver ações que respondam suas curiosidades e necessidades, mas também sem deixar de abordar os conteúdos curriculares. Porém, a prática de uma das professoras demonstra que ela não construir conhecimentos significativos, pois as atividades que propõe não estabelecem conexões com a realidade dos alunos. Nas atividades de matemática, a professora passa contas soltas, sem nenhuma relação com o cotidiano das crianças, nenhuma situação desafiadora, que estimule o raciocínio dos alunos. Buscando caminhos... Buscar caminhos para uma aprendizagem significativa, envolvendo todos os alunos, não é uma tarefa simples nem fácil, principalmente considerando as diferenças existentes, a heterogeneidade que há em toda e qualquer sala de aula. Entretanto, esta é uma tarefa do educador. 1433 É seu dever buscar continuamente desenvolver um trabalho pedagógico de qualidade, que promova a todos os alunos uma verdadeira aprendizagem. Cabe ressaltar ainda, que esta tarefa não é do professor sozinho, o sucesso da escola depende, necessariamente, da participação e do comprometimento de todos o membros da equipe escolar. Porém, o trabalho só acontece efetivamente se o professor coloca-lo em prática na sala de aula, pois de nada adianta ter belas idéias, belos planos compartilhados, se não existem belos compromissos e ações efetivas. As idéias podem até abrir possibilidades, caminhos para uma mudança, mas o que muda uma realidade é a prática. Sendo assim, reafirmamos a importância do trabalho do professor na sala de aula, para a construção do sucesso da escola. Como foi dito anteriormente, a tarefa do educador não é fácil, especialmente levando em conta tantos alunos diferentes entre si, numa mesma classe. Para que se consiga, desenvolver uma prática pedagógica de qualidade, é preciso valorizar a diversidade dos alunos, suas diferenças, seus variados modos de aprender, pois na diferença é que são possíveis as negociações de significados, que há efetivas interações. PERRENOUD, citado por ANDRÉ & PASSOS (1997, P. 116), afirma a importância do ensino diferenciado, argumentando: Que toda situação didática proposta ou imposta de maneira uniforme a todos os alunos será fatalmente inadequada para um grupo deles. Para alguns, fácil demais; para outros, difícil demais. Mesmo que a situação esteja adequada ao nível de desenvolvimento cognitivo dos alunos, ela pode parecer sem sentido para uns, sem valor ou sem interesse para outros, a ponto de não engendrar nenhuma atividade intelectual notável e, portanto, não promover a construção de conhecimentos novos. Segundo ele, diferenciar não é condenar a uniformidade de conteúdos, “diferenciação não é sinônimo de individualização do ensino”. É claro que para trabalhar de maneira diversificada, considerando as singularidades dos alunos e suas formas de aprender, o professor terá que usar diferentes estratégias para que todos os alunos sejam atendidos, e isso faz com que o atendimento individualizado seja necessário. Porém, não significa que se vai trabalhar sempre individualmente. Necessário se faz promover trabalhos coletivos, em grupos, onde há interações, onde os alunos negociam entendimentos, partilham saberes e resolvem atividades que, sozinhos não conseguiriam. Além disso, é preciso que o educador use diversos métodos de ensino, não deve eleger apenas um, pois aprender é um processo complexo e múltiplo. Existem numeras formas de 1434 ensinar e de aprender, e o professor deve então, usar uma generalidade de métodos possíveis, reconhecendo as singularidades dos alunos. Perrenoud argumenta também, que para que exista a diferenciação é necessário vencer preconceitos e resistências. Vencer as idéias deterministas de que alguns alunos são mais, ou menos capazes do que outros. Acreditar, ao contrário, que todos os alunos podem aprender, desde de que lhes sejam fornecidas adequadas condições de aprendizagem. É preciso superar a visão determinista que diz que enquanto a sociedade, o país, o sistema não mudar, eu como professor, nada posso fazer. Diferenciar é dispor-se a encontrar estratégias para trabalhar com os alunos mais difíceis. Se o arranjo da classe, os materiais didáticos, as atividades planejadas não funcionam com esses alunos, é preciso modificá-las, inventar novas formas, experimentar, assumir o risco de errar e dispor-se a corrigir. Diferenciar é, sobretudo, aceitar o desafio de que não há receitas, nem soluções únicas; é aceitar as incertezas próprias das pedagogias ativas que dependem grandemente da negociação, da improvisação, da personalidade e das iniciativas dos seus atores. (ANDRÉ & PASSOS, 1997. p. 117-118). É necessário o educador buscar continuamente novas maneiras de desenvolver o seu trabalho. Um professor não pode aceitar passivamente resultados negativos, como se não tivesse participação e responsabilidade nenhuma com a aprendizagem dos seus alunos. É preciso que os educadores repensem a cada dia suas ações e decisões tomadas no ambiente escolar, identificando os pontos positivos e negativos de sua prática pedagógica, para assim ter possibilidades de transformação. O primeiro passo para fazer da prática docente, uma prática reflexiva, é inserir-se na temática que reflete, ou seja, é questionar seu próprio trabalho, é deixar de apontar os outros como os responsáveis pelo insucesso de sua prática. É indagar, refletir sobre si mesmo, sobre as próprias atitudes a fim de compreender o trabalho e reconstruí-lo constantemente na medida em que procura superar os diversos problemas que surgem na prática educativa. Para que se desenvolva um bom trabalho junto aos alunos, é preciso, enfim que o professor questione sua forma de atuação, suas concepções e coloque-se disposto a experimentar, a correr riscos, a transformar. Temos que considerar que muitas vezes o aluno não aprende, não porque não tem preguiça, ou porque não está “pronto”, não é capaz, ou ainda devido as suas precárias condições de vida, mas porque o trabalho que o professor desenvolve não é de qualidade ou não é o mais adequado a esses alunos. 1435 “É possível supor que a escola erra de três maneiras diferentes: por desconhecimento das características gerais do funcionamento mental humano nas várias fases do desenvolvimento; por desconhecimento dos conteúdos do segmento cultural que contextua os seus aprendizes concretos; e por desconhecimento das histórias de vida próprias a cada um.” (PINTO, H.D. de S., 1997. p. 72). No processo de aprendizagem, alguns princípios são fundamentais. É preciso que o professor tenha conhecimentos acerca do desenvolvimento do seu humano, e de como se dá o processo de aprender, para que assim possa organizar e desenvolver ações pedagógicas adequadas. Também é necessário que se considere a história pessoal de cada aluno, no processo de ensino. Tão necessário quanto conhecer o aluno, é conhecer o seu meio social, não é possível compreender o aluno nem realizar aprendizagens significativas (que implica articulações com a realidade concreta) sem considerar o ambiente social e cultural no qual se encontra inserido. Por fim, ressaltamos que também, uma das principais funções do educador, é levar o aluno a querer aprender. O desejo de querer aprender não nasce com as pessoas, não se constrói automaticamente. Querer aprender é um valor que não surge espontaneamente, é preciso aprender, é preciso que seja despertado nas pessoas. É tarefa do professor despertar em seus alunos o desejo de aprender. Mas para isso, é necessário também o professor querer ensinar. “Só desperta a paixão de aprender quem tem paixão de ensinar.” (RAÍZES E ASAS, v.5, p. 27). REFERÊNCIAS ALVES, R. A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. s. ed. Campinas: Papirus, 2001. 120p. ANDRÉ, M.E.D.A.; PASSOS, L.F. Para além do fracasso escolar: uma redefinição das práticas avaliativas. In: AQUINO, J.G. (org). Erro e fracasso na escola: alternativas teóricas e práticas. 2 ed. São Paulo: Summus, 1997. p. 111-123. FONTANA, R.; CRUZ, N. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997. GOMES, M. de F. C. Relações entre desenvolvimento e aprendizagem: conseqüências na sala de aula. Presença pedagógica, São Paulo, v. 8, n. 45, p. 38-49, maio/jun. 2002. OLIVEIRA, M. K. de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento um processo histórico. São Paulo: Scipione, 1997. p. 58-62. 1436 PINTO, H. D. de S. As fontes do erro. In: AQUINO, J. G. (org). Erro e fracasso na escola: alternativas teóricas e práticas. 2 ed. São Paulo: Summus, 1997. p. 63-72. RAÍZES E ASAS. Ensinar e aprender. São Paulo: CENPEC, 1995.