COISA JULGADA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA:
REFLEXÕES SOBRE A SÚMULA 239 DO STF
Cassio Scarpinella Bueno
Mestre, Doutor e Livre-docente em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da PUCSP.
Professor de Direito Processual Civil nos cursos de Graduação, Especialização, Mestrado e
Doutorado da Faculdade de Direito da PUCSP. Membro e Diretor de Relações Institucionais do
Instituto Brasileiro de Direito Processual. Membro do Instituto Iberoamericano de Direito
Processual e da Associação Internacional de Direito Processual. Integrou a Comissão Técnica de
Apoio à elaboração do relatório-geral na revisão do projeto do novo Código de Processo Civil no
âmbito do Senado Federal e participou dos Encontros de Trabalho de Juristas sobre o mesmo
Projeto no âmbito da Câmara dos Deputados. Advogado.
Áreas do Direito: Direito Tributário e Direito Processual Civil
*Resumo: O artigo discute as influências do direito material tributário no direito processual civil
na perspectiva da coisa julgada e da análise crítica da Sumula 239 do STF.
*Palavras-chave: Coisa julgada. Influência do direito material sobre o processual. Súmula 239 do
STF.
*Abstract: This article discusses the influences of Tax Law on Civil Procedure Law in the
perspective of res judicata and analyses the Precedent 239 of the Brazilian Supreme Court.
*Keywords: Res Judicata. Relations between Tax Law and Civil Procedure Law. Precedent 239
of Brazilian Supreme Court.
Sumário:
1. Considerações introdutórias: direito processual tributário e coisa julgada - 2. Coisa julgada no
atual CPC - 3. Limites temporais da coisa julgada - 4. Coisa julgada em matéria tributária: a
Súmula 239 do STF - 5. Ainda a Súmula 239 do STF - 6. Coisa julgada em “ações declaratórias” 7. Reflexão final - 8. Referências bibliográficas
1. Considerações introdutórias: direito processual tributário e coisa julgada
Na exata medida em que não há maiores dúvidas sobre a indispensabilidade de o direito
processual civil ser lido, interpretado, aplicado e sistematizado levando em conta o direito
material controvertido que, pelo processo, justifica a atuação do Estado-juiz, as peculiaridades dos
diversos ramos do direito material têm convidado os seus estudiosos e os do direito processual
civil a se voltarem a pesquisar os resultados de sua inevitável confluência e intersecção1.
Nesse contexto, o chamado “processo tributário” — ou o que parece ser mais correto,
“direito processual tributário” — nada mais é do que o direito processual civil estudado levando
em conta as peculiaridades do direito material tributário2.
São diversos os institutos do direito processual civil que encontram, no direito tributário,
algumas peculiaridades. É o que se dá, para o que interessa ao presente artigo, com relação à coisa
julgada.
2. Coisa julgada no atual CPC
O Código de Processo Civil de 1973 procurou ser rigoroso na relação entre mérito e coisa
julgada material. Só faz coisa julgada material a decisão de mérito, que, para o sistema do Código
em vigor, é sinônimo de lide. É o que dispõe, com clareza, o art. 468: “A sentença, que julgar total
ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”.
Assim sendo, somente as decisões que apreciam o mérito — a “lide”, de acordo com a
nomenclatura do atual Código de Processo Civil — fazem coisa julgada material. Não as demais3.
Por coisa julgada material deve ser entendida a qualidade de imutabilidade que se agrega ao
comandado da decisão. Isto é: a impossibilidade de rediscussão daquela mesma matéria em nova
demanda perante qualquer juízo (art. 467 do CPC). É o que considerável parcela da doutrina
1
. Bem ilustram a pertinência da afirmação os seguintes autores: Paulo Cesar Conrado, Processo tributário. São
Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 23/32 e 173/191; Cleide Previtalli Cais, O processo tributário. 7ª edição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2011, p. 177/188 e James Marins, Direito processual tributário brasileiro (administrativo e
judicial). 7ª edição. São Paulo: Dialética, 2014, p. 9/23. Do autor deste artigo, v. seu Curso sistematizado de direito
processual civil, vol. 1. 8ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 81/83.
2
. São diversos os estudos que adotam essa premissa. Apenas para fins ilustrativos, cabe destacar os de Cleide
Previtalli Cais, O processo tributário, atualmente na 7ª edição pela Editora Revista dos Tribunais, e o de James
Marins, Direito processual tributário brasileiro (administrativo e judicial), atualmente na 7ª edição pela Editora
Dialética. Do autor deste artigo, Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 1. 8ª edição. São Paulo: Saraiva,
2014, p. 70.
3
. O regime da coisa julgada no Projeto de novo Código de Processo Civil, no que interessa ao desenvolvimento deste
artigo, não traz nenhuma novidade. Para essa demonstração, v., do autor, Projetos de novo Código de Processo Civil:
comparados e anotados. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 258/260.
2
chama de “efeito negativo da coisa julgada”, verdadeiro pressuposto processual que impede nova
discussão do que já foi soberanamente julgado pelo Estado-juiz.
Sentenças que julgam o mérito são aquelas arroladas no art. 269 do Código de Processo
Civil. De maior interesse para o estudo presente é a do inciso I: “quando o juiz acolher ou rejeitar
o pedido do autor”. Diferentemente, todas as sentenças que tenham como conteúdo uma das
matérias do art. 267 extinguem o processo sem resolução de mérito, vale dizer, sem apreciação da
lide. Não fazem, destarte, coisa julgada material.
Uma vez decidido o mérito de dada demanda e havendo trânsito em julgado — e é
indiferente, no particular, se o pedido foi acolhido ou rejeitado, no todo ou em parte — não há
mais possibilidade de a mesma questão vir a ser reapreciada perante o Estado-juiz. Ultrapassado o
prazo de dois anos para a propositura de eventual ação rescisória (o que é condicionado, de
qualquer sorte, à ocorrência de uma ou mais de uma das hipóteses do art. 485 do CPC), fecha-se,
por completo, a possibilidade de rediscussão daquela pretensão. Essa impossibilidade de
rediscussão da matéria perante qualquer juízo por intermédio de qualquer ação é o que caracteriza
a coisa julgada material, nítida decisão política de não permitir a indefinição da solução dos
litígios4.
Para saber o que transitou em julgado, importa pesquisar, com precisão, qual o tema
controvertido no processo. A coisa julgada opera, justamente, a partir do pedido, tal qual
formulado pelo autor na petição inicial. A decisão jurisdicional que julga o mérito é,
tecnicamente, a resposta do Poder Judiciário ao pedido formulado pelo autor. É sobre isto que
recai a coisa julgada e o seu regime jurídico característico de imutabilidade5.
O que prevalece para o sistema processual civil hoje vigente, em função, até mesmo, do
princípio da segurança jurídica, é a coisa julgada, garantia constitucional (art. 5º, XXXVI, da
Constituição Federal), que se forma sobre a parte dispositiva do quanto julgado6-7.
4
. A lição, dentre tantos outras, é uma das consagradoras de Enrico Tullio Liebman nas letras do direito processual
civil mundial: “... a eficácia de uma sentença não pode por si só impedir o juiz posterior, investido também ele da
plenitude dos poderes exercidos pelo juiz que prolatou a sentença, de reexaminar o caso decidido e julgá-lo de modo
diferente. Somente uma razão de utilidade política e social — o que já foi lembrado — intervém para evitar esta
possibilidade, tornando o comando imutável quando o processo tenha chegado à sua conclusão, com a
preclusão dos recursos contra a sentença nele pronunciada.” (Eficácia e autoridade da sentença. 3ª edição. Rio de
Janeiro: Forense, 1984, p. 53/54, sem os destaques). A lição é acolhida expressamente pelo autor deste artigo como se
pode ver de seu Mandado de segurança. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009 p. 185/186 e de seu Curso sistematizado
de direito processual civil, vol. 2, tomo I. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 377/382.
5
. Assim, v.g., Egas Moniz de Aragão, Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: AIDE, 1992, p. 244.
6
. “Destina-se a realizar a segurança extrínseca das relações jurídicas, e subordina-se ao princípio da congruência
entre a pretensão e a jurisdição exercidas” (Celso Neves, Coisa julgada civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971,
p. 504).
3
Não obstante, embora o sistema brasileiro não admita, como regra, o trânsito em julgado
dos motivos da sentença (art. 469, I, do CPC), não é menos verdade que, após o trânsito em
julgado, é vedado às partes valerem-se de qualquer alegação ou fato que poderiam ter se valido
anteriormente mas que não o fizeram (art. 474 do CPC) 8. Não é dado para o direito brasileiro que
se pretenda rediscutir os fundamentos jurídicos da decisão acobertada pela coisa julgada visando à
sua modificação9.
3. Limites temporais da coisa julgada
Tema menos discutido em doutrina, embora de inegável importância para todos os fins,
inclusive para o desenvolvimento do presente artigo, é o relativo aos limites temporais da coisa
julgada, isto é: como a qualidade de imutabilidade que se agrega àquilo que foi decidido pelo
Estado-juiz em determinadas hipóteses (limites objetivos da coisa julgada) comporta-se ao longo
do tempo.
Eduardo Talamini é um dos monografistas que se dedicou especificamente ao tema. De
suas lições, cabe transcrever o seguinte trecho:
“Alude-se a ‘limites temporais’ da coisa julgada para designar a delimitação
do momento em que ela opera. Trata-se de definir quais fatos, no curso do tempo,
estão abrangidos pela causa de pedir e o pedido postos em juízo e, consequentemente,
7
. “Limita-se, objetiva e subjetivamente, à relação jurídica deduzida em juízo e objeto do decisum, sem cobrir o
esquema lógico da sentença, nem a verdade aí atribuída aos fatos” (Celso Neves, Coisa julgada civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1971, p. 505).
8
. “Por essa razão, ao invés de estabelecer os limites da coisa julgada com fundamento nas questões discutidas,
convém lembrar que o que a coisa julgada deve assegurar, é o resultado prático e concreto do processo (ou, em outras
palavras, o seu efeito), e nada mais que isso; e é, pelo contrário, irrelevante a amplitude da matéria lógica discutida e
examinada. Pode esta ter ultrapassado os limites da questão que foi deduzida no processo como seu objeto, ou
pode também ter-se restringido mais do que ela poderia ter comportado, sem que por isso se altere o âmbito
em que se opera a coisa julgada. E para identificar o objeto (sentido técnico) do processo e, em conseqüência,
da coisa julgada, é necessário considerar que a sentença representa a resposta do juiz aos pedidos das partes e
que por isso (prescindindo da hipótese excepcional de decisão extra petita) tem ela os mesmos limites desses
pedidos, que ministram, assim, o mais seguro critério para estabelecer os limites da coisa julgada. Em
conclusão, é exato dizer que a coisa julgada se restringe à parte dispositiva da sentença; a essa expressão,
todavia, deve dar-se um sentido substancial e não formalístico, de modo a que não abranja só a fase final da
sentença, mas também qualquer outro ponto em que tenha eventualmente provido sobre os pedidos das partes.
Excluem-se, por isso, da coisa julgada, os motivos, mas são eles mesmos um elemento indispensável para
determinar com exatidão a significação e o alcance do dispositivo” (Ada Pellegrini Grinover, nota em Enrico
Tullio Liebman, Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. 3ª edição. Rio de Janeiro:
Forense, 1984, p. 57/58, sem os destaques).
9
. “A eficácia preclusiva da coisa julgada não interfere na extensão da matéria imunizada pela coisa julgada. A
imutabilidade não se estenderá aos argumentos dedutivos ou dedutíveis. A eficácia preclusiva em realidade impede
a propositura de demandas incompatíveis com a situação jurídica definida na sentença transitada em julgado,
na exata medida da incompatibilidade e sem haver a extensão dos limites objetivos da coisa julgada à situação
jurídica incompatível.”. (Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, Limites objetivos e eficácia preclusiva da coisa julgada.
São Paulo: Saraiva, 2012, p. 135, sem os destaques).
4
pela coisa julgada que se formar. A rigor, tal investigação concerne aos próprios limites
objetivos da coisa julgada, razão por que a expressão ‘limite temporal’ é por muitos
considerada inadequada. O tema comporta dois enfoques.”10.
O art. 471 do Código de Processo Civil aplica a regra dos limites objetivos da coisa julgada
ao longo do tempo, apresentando os contornos do tema: não se rediscutem mais as “questões já
decididas relativas à mesma lide”, isto é, as questões sobre as quais operou-se a coisa julgada
(material) em outros processos. Trata-se, nesta perspectiva, da chamada “função negativa da coisa
julgada”, isto é, sua concepção como verdadeiro pressuposto processual negativo. A coisa
julgada, pela sua própria razão de ser, tende a projetar o caráter de imutabilidade do que foi
decidido ao longo do tempo impedindo que outro processo entre as mesmas partes, com o mesmo
pedido e a mesma causa de pedir seja instaurado11.
O autor deste artigo teve a oportunidade de enfrentar a questão em sede doutrinária,
quando escreveu o seguinte:
“Pode ocorrer, contudo, que haja motivos para decidir novamente o que já foi
objeto de decisão, mesmo quando ela esteja acobertada pela coisa julgada. Aqui, uma
vez mais, é verificar se e em que situações há razões de política legislativa que
mitiguem o instituto, prevalecendo sobre a ‘segurança jurídica’ por força de outros
valores, igualmente tutelados pela Constituição Federal.
Os incisos do art. 471 ocupam-se de casos em que o legislador expressamente
fez esta eleição.
No inciso I, é possível ao juiz voltar a decidir, a despeito da coisa julgada
anterior, quando houver modificações no estado de fato ou de direito das chamadas
‘relações jurídicas continuativas’. O que caracteriza tais relações jurídicas é a sua
duração ao longo do tempo. O exemplo clássico é o da prestação alimentícia. A obrigação
de prestar alimentos desenvolve-se ao longo do tempo e as mais diversas ocorrências
podem interferir na continuidade daquela prestação. É supor que o devedor de alimentos
seja despedido e não tenha mais condições de manter os padrões da prestação à qual estava
obrigado ou, inversamente, de ele passar a ter um salário melhor. Estes fatos, que ocorrem,
10
. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 87, sem os destaques.
. É o que decorre de maneira muito clara dos §§ 1º a 3º do art. 301 do Código de Processo Civil, que têm,
respectivamente, a seguinte redação: “§ 1º. Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada, quando se reproduz ação
anteriormente ajuizada. § 2º. Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o
mesmo pedido. § 3º. Há litispendência, quando se repete ação, que está em curso; há coisa julgada, quando se repete
ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso.”.
11
5
todos, no plano material, interferem, necessariamente, no que já foi julgado (no plano do
processo) e, por força do dispositivo em análise, é permitida uma nova decisão.
É bastante comum a afirmação da doutrina de que na hipótese ventilada, de ‘ação
de alimentos’, não há coisa julgada. Pelas razões até aqui desenvolvidas, não há como
concordar com a afirmação. Coisa julgada há. O que existe, contudo, é expressa previsão
legislativa para que o que foi decidido anteriormente à luz de uma específica situação de
fato ou de direito seja reexaminado por força da alteração destes fatos ou do direito. A
coisa julgada opera nestes casos rebus sic stantibus, isto é, ela prevalece enquanto a
situação a ela subjacente permanecer igual.
À mesma conclusão é possível chegar tendo presente que a alteração dos fatos ou
do direito é, por si só, suficiente para alterar a causa de pedir e, neste sentido, viabilizar o
início de um novo processo, porque qualitativamente diverso do anterior, em cuja decisão
recaiu a coisa julgada. O mesmo raciocínio deve ser empregado para os casos em que
houver alteração do pedido ou das partes sobre as quais operou-se a coisa julgada anterior.
Em todas estas situações, porque de nova ‘demanda’ se trata, não há como entender que a
coisa julgada anterior seja óbice a uma nova e diversa manifestação do Estado-juiz12.
De uma forma ou de outra, contudo, o que releva é destacar a existência de uma
prévia coisa julgada que, pelas necessárias comunicações dos planos material e processual,
mesmo ao longo do tempo, pode vir a ser mitigada.
(...)
O art. 471, II, refere-se a ‘outros casos previstos em lei’ para admitir que em
quaisquer situações em que as características daquilo que for julgado forem mutáveis
haja novo julgamento sem que isto acarrete qualquer ofensa à coisa julgada. É o que
se dá, por exemplo, com determinadas relações jurídicas regidas pelo direito
tributário, que se renovam a cada exercício fiscal, na linha do que dispõe a Súmula
239 do STF: ‘Decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado
exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores’”13.
12
. “Na situação descrita no art. 471, I, a peculiaridade não reside na coisa julgada, mas na natureza da relação jurídica
‘continuativa’, que, em vista de seu caráter dinâmico e sua duração continuada no tempo, dá ensejo à constituição de
novas causas de pedir no seu próprio curso.” (Eduardo Talamini, Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005, p. 90).
13
. Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 2, tomo I. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 385/387,
sem os destaques.
6
A menção à Súmula 239 do Supremo Tribunal Federal naquela sede é pertinentíssima para
o desenvolvimento do presente artigo. É que ela permite a conjugação dos dois temas aqui
apresentados, tendo em vista a circunstância de a espécie merecer ser examinada na perspectiva
do “direito processual tributário”.
Por isto, cabe abrir um item especialmente dedicado a ela.
4. Coisa julgada em matéria tributária: a Súmula 239 do STF.
Como quer destacar o n. 1, supra, as vicissitudes do direito material trazem peculiaridades
dignas de destaque ao direito processual civil. É o que ocorre com relação à Súmula 239 do
Supremo Tribunal Federal, enunciada da seguinte maneira:
“Decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício
não faz coisa julgada em relação aos posteriores”.
O enunciado da Súmula, tal qual redigido, sugere uma interpretação restritiva de seu
alcance. Não obstante, é pertinente extrair do devido exame dos julgados que deram origem a ela,
isto é de seus precedentes, tanto quanto de sua aplicação ao longo do tempo pelo Supremo
Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, uma interpretação ampliativa que, em rigor,
afasta a sua incidência literal a diversos casos que não podem e não devem ser alcançadas por ela
porque estranhos à sua hipótese de incidência.
Em um sistema de direito processual civil em que é relevantíssimo, fundamental mesmo,
verificar quando se está diante de um entendimento sumulado dos mais variados Tribunais, em
que a existência de uma súmula tem aptidão de levar o magistrado, mesmo o do primeiro grau de
jurisdição, a adotar modificações procedimentais — julgando monocraticamente recursos,
deixando de recebê-los, julgando improcedente uma demanda antes independentemente da citação
do réu, etc. —, tudo isto conduz a uma sempre (e injustificável) adiada compreensão adequada de
como se deve operar a interpretação e aplicação da jurisprudência como um todo e, em especial,
das Súmulas dos Tribunais, tenham, ou não, força vinculante.
O que releva para cá é que os precedentes da Súmula 239 do Supremo Tribunal Federal,
diferentemente do que sugere seu enunciado, não autorizam sua aplicação indistinta a qualquer
caso de coisa julgada em matéria tributária. É o que demostram, com clareza, o exame de seus
precedentes a começar pelo primeiro deles, os Embargos no Agravo de Petição n. 11.227,
julgados em 1944 com acórdão publicado no Diário da Justiça de 10 de fevereiro de 1945.
7
O que se decidiu para “sumular” e que consta do enunciado 239 — e isso só ocorreu
praticamente vinte anos mais tarde daquele leading case, em sessão Plenária do STF realizada em
13 de dezembro de 1963 —, é que naqueles casos em que um específico ato de lançamento
tributário é questionado e é ele, aquele específico ato, anulado ou declarado nulo em juízo, o que
foi decidido com relação àquele específico ato não tem o condão de vincular o que será decidido
com relação a atos futuros, mesmo que similares. Não há coisa julgada para atos diversos, mesmo
que eles possam ser assimiláveis, verdadeiramente idênticos, ao já julgado e repelido pelo Estadojuiz. É para tais situações (e só para elas) que a Súmula 239 deve incidir. Trata-se, nessa
perspectiva, de uma interpretação restritiva da Súmula, presa à letra de seu enunciado.
Para confirmar o acerto das afirmações feitas pelos parágrafos anteriores, cabe dar voz ao
Relator do citado precedente que, de acordo com a jurisprudência do próprio Supremo Tribunal
Federal, é o seu leading case:
“(...) Mas o que é anual é o lançamento, não o imposto em si mesmo. É o
lançamento (em se tratando de impostos diretos) que se renova anualmente: de modo que
uma questão sobre irregularidades verificadas num dado lançamento é restrita ao
exercício, não alcançando a sentença nela proferida aos exercícios posteriores em que o
lançamento poderá não ter os mesmos vícios.
O lançamento em si mesmo é uma questão de fato, uma operação ou complexo de
operações destinadas a fixar a dívida individual do imposto em função de elementos
variáveis de caso para caso.
Mas pode ocorrer que a impugnação de dado lançamento envolva matéria de
direito, como no caso em que se conteste um dado critério que tenha sido adotado em
contrario à lei.
É então, nesses casos, que o problema se complica e divide as opiniões,
entendendo alguns que, não obstante o problema jurídico ou a solução dada à questão de
direito, deve subsistir a autonomia do lançamento com a sua renovação anual ou periódica,
envolvendo a questão de direito com ele relacionada.
Assim é que o próprio Pugliese, acima citado, é dessa opinião, entendendo que as
questões de direito vinculadas ao lançamento seguem a sorte deste, podendo ser renovados
relativamente aos exercícios seguintes; embora acrescento que, se é essa teoricamente a
solução, na Itália a administração considera, em regra, o caso encerrado, não insistindo no
critério adotado (obr.cit., pag. 237).
8
(...)
O que é possível dizer, sem sair aliás dos princípios que governam a coisa
julgada, é que esta se terá de limitar aos termos da controvérsia. Se o objeto da
questão é um dado lançamento que se houve por nulo em certo exercício, claro que
na renovação do lançamento no exercício seguinte não estará obstada pelo julgado. É
a lição dos expositores acima citados.
Do mesmo modo, para exemplificar com outra hipótese que não precludirá nova
controvérsia: a prescrição do imposto referente a um dado exercício, que estará prescrito, e
assim terá sido julgado, sem que, todavia, a administração fiscal fique impedida de lançar
o mesmo contribuinte em períodos subsequentes, que não estarão prescritos nem terão sido
objeto do litígio anterior.
Mas se os tribunais estatuiram sobre o imposto em si mesmo, se o declararam
indevido, se isentaram o contribuinte por interpretação, da lei ou de cláusula
contratual, se houveram o tributo por ilegítimo, porque não assente em lei a sua
criação ou por inconstitucional a lei que o criou em qualquer desses casos o
pronunciamento judicial poderá ser rescindindo pelo meio próprio, mas enquanto
subsistir será um obstáculo à cobrança, que, admitida sob a razão especiona (sic) de
que a soma exigida é diversa, importaria particularmente em suprimir a garantia
jurisdicional do contribuinte que teria tido, ganhando a demanda a que o arrastara o
Fisco, uma verdadeira vitória de Pyrrho.
Ora, no caso dos autos, o mesmo contribuinte novamente lançado para pagar
imposto de renda sobre juros de apólices já obtivera o reconhecimento judicial do seu
direito de não pagar o imposto sobre tal renda.
Não importa que haja julgados posteriores em outras espécies sufragando
entendimento diverso, aliás com o meu voto. Nem impressiona o argumento de que, o caso
julgado fere a regra da igualdade tributária, por isso que, em qualquer matéria, essa
desigualdade de tratamento, fiscal ou não, é uma consequência necessária da intervenção
do judiciário, que só age por provocação da parte e não decide senão em espécie.
Pelo exposto, rejeito os embargos.”14.
14
. A ementa daquele acórdão é a seguinte: “Executivo fiscal – Impôsto de renda sobre juros de apólices – Coisa
julgada em matéria fiscal. É admissível em executivo fiscal a defesa fundada em ‘coisa julgada’ para ser apreciada
pela sentença final. Não alcança os efeitos da coisa julgada em matéria fiscal, o pronunciamento judicial sobre
nulidade do lançamento do impôsto ou da sua prescrição referente a um determinado exercício, que não obsta o
9
Em outra oportunidade, já sob a égide da Súmula 239, a 1ª Turma do Supremo Tribunal
Federal, retomando o debate, também entendeu ser fundamental distinguir duas diferentes
hipóteses: a de haver decisão transitada em julgado que diz respeito a um específico ato tributário
praticado em dado exercício ou de a decisão favorável ao contribuinte não conter nenhuma
limitação temporal, tal qual se dá em casos de reconhecimento judicial de imunidade tributária ou,
mais amplamente, em casos em que o contribuinte busca, do Estado-juiz, provimento que o afaste
da matriz de incidência tributária.
A ementa então lavrada tem o seguinte teor:
“Imunidade tributária. Instituição de assistência social. Art. 31, V, b, da CF/1946.
Imposto de renda. Coisa Julgada.
1 – O melhor entendimento é o de que a imunidade tributária conferida pelo art.
31, V, b da Constituição de 1946 às instituições de educação e assistência social, era
compreensiva do imposto de renda e estava condicionada tão somente à aplicação de seus
rendimentos, no País, e para os fins institucionais.
2 – A coisa julgada declaratória da imunidade não tem eficácia restrita ao
exercício financeiro, nos termos da Súmula 239, não sendo afetada por fato posterior
impertinente aos pressupostos do instituto.
3 – Recurso extraordinário conhecido e provido.”15.
Do voto então proferido pelo Relator, Ministro Rafael Mayer, colhem-se os seguintes
trechos extremamente elucidativos das peculiaridades que devem ser levadas em conta para
identificar o alcance da coisa julgada favorável ao contribuinte, para o que não é óbice o
enunciado da Súmula 239 do STF:
“Entretanto, o melhor exame dos autos do recurso extraordinário levou-me ao
convencimento, quanto à questão pertinente à coisa julgada, da inaplicabilidade da Súmula
239, ao contrário do que me parecera quando da apreciação do agravo de instrumento.
procedimento fiscal nos exercícios subseqüentes.” (STF, Pleno, AI 11.227/Embargos, rel. Min. Castro Nunes, j.m.v.
5.6.1944, DJ 10.2.1945, p. 816).
15
. STF, 1ª Turma, RE 100.437/SP, rel. Min. Rafael Mayer, j.un. 15.6.1984, DJ 29.6.1984, p. 753. Os destaques são da
transcrição. Anteriormente, aquela Turma já havia chegado a idêntica conclusão em acórdão assim ementado: “Taxa
de licença para localização e funcionamento. Imposto sobre serviços. Lei municipal n 989/66-SP. – Ilegitimidade da
taxa de licença para localização e funcionamento em face do disposto nos artigos 77 e 78 do CTN. Precedentes do
STF. – Não incidência. Coisa julgada. Súmula 239 (interpretação restritiva). Inaplicação da Súmula 239 à hipótese,
dado que o reconhecimento da inexistência do débito tributário, ajuizado pelas mesmas partes, e declarado
inconstitucional, faz coisa julgada material. Recurso Extraordinário provido” (STF, 1ª Turma, RE 93.048/SP, rel.
Min. Rafael Mayer, j.un. 16.6.1981, DJ 14.8.1981, p. 17.716).
10
Entendo que a Súmula, que é orientada no sentido de que não faz coisa julgada a
decisão que julga indevido tributo em exercícios ulteriores, inclusive pelo advento de nova
lei, não destoa desse outro entendimento de que fazem coisa julgada as decisões
relativas à isenção ou imunidade.
Assim mencionei, como relator do RE 97.603, a doutrina de Pontes de
Miranda, para quem a declaração de imunidade ‘faz coisa julgada e pode ser oposta
a objeção em qualquer ação que a Fazenda Pública intente, por impostos, contra a
entidade imune” (Comentários/1946/II/292). Igual é o entendimento subjacente no
julgado do Pleno, no ERE 83.225, de que Relator o eminente Ministro Xavier de
Albuquerque.
Ora, é indubitável que o Egrégio Tribunal Federal de Recursos, ao julgar em
25.11.1957, o AMS 4.954, anteriormente portanto aos exercícios fiscais em cobrança,
confirmado a concessão de segurança, reconheceu a imunidade da Recorrente ao
imposto de renda, com fulcro no questionado dispositivo da Constituição de 1946.
Não é, portanto, legitimo, que decisão posterior, à guisa de interpretação do
mesmo dispositivo legal, e com relação à mesma entidade imune, cuide menos
abrangente a norma imunizante, para dela excluir a contemplação do mesmo tributo.
É certo que o voto do Relator, no referido julgado, ressalvou ao fisco, ‘como é
óbvio, o direito de fiscalizar, a qualquer tempo, a existência dos pressupostos
constitucionais para a imunidade tributária de que se cogita’ (fls. 38). Mas em falando de
pressupostos constitucionais, daí não se há de dessumir a justificativa para a
superação da coisa julgada e a desconsideração de imunidade, por uma razão
extrínseca ao inequívoco e amplo conceito do art. 31, V, b, da Constituição de 1946, e
a pretexto de dar aplicação do Decreto-lei 5.844 e ao Decreto n. 24.239, um anterior,
outro posterior à Carta Magna, que não poderiam afetar uma norma tida, então, por
auto-aplicável.
Entendo, assim, que o acórdão recorrido ofendeu a coisa julgada.
(...)
Pelo exposto, conheço do recurso e dou provimento para julgar procedentes os
embargos do executado, condenada a União ao pagamento de honorários em 10% sobre
valor da execução fiscal.” (os destaques são da transcrição).
11
Assim, importa discernir, em cada caso concreto, o que efetivamente transitou em julgado.
Se, por hipótese, reconhece-se, como no caso que se acabou de transcrever, determinada
imunidade tributária em favor do contribuinte, há coisa julgada sobre esta decisão. Se não há
alteração nos fatos e no direito subjacente àquela decisão, subsiste a imunidade. A hipótese, em
tais condições, não é regida pela Súmula 239 do Supremo Tribunal Federal, não é por ela
alcançada. E quem o diz é o histórico dos casos que a aplicam do próprio Supremo Tribunal
Federal.
As necessárias distinções entre as duas hipóteses feitas nos acórdão acima destacadas são
levadas em conta e valoradas também em sede doutrinária.
“O pensamento do STF, criador e inspirador da Súmula, a ela subjacente, é o
seguinte: ‘Segundo se lê dos precedentes de que se originou o verbete transcrito [refere-se
à Súmula-STF 239], a restrição da eficácia da coisa julgada a determinado exercício
decorre do caráter anual do lançamento dos impostos diretos, pois nestes a dívida
individual do contribuinte é fixada periódica ou anualmente. Assim, malgrado a nulidade
declarada por sentença relativamente ao exercício anterior, nada obsta a renovação do
lançamento quanto aos exercícios os seguintes’ (tirado de trecho do voto Min. Carlos
Madeira, na Ação Rescisória n. 1.239-9-MG, p. 2, fl. 31).
Talvez o único reparo que se possa fazer em relação ao trecho do voto citado de
que não se trata de ‘restrição da coisa julgada’, senão que, por ter sido o pedido
circunscrito a uma cobrança, situada num exercício, disto se segue que o juiz não julga —
e, não pode julgar — além desse pedido; nada mais. O Juiz julga sobre esse pedido e sobre
essa decisão pesará a autoridade de coisa julgada.
Por isso mesmo, o enunciado da Súmula 239 nunca poderia ser outro, pois se
os pedidos numa execução, ou seja, nas execuções fiscais, ao qual se contrapõem
embargos do devedor dizem respeito a essa cobrança, em determinado exercício, os
embargos são decididos com esse âmbito, porque essa é a execução e nos embargos há
oposição a esse pedido; a mesma coisa se passa com uma ação anulatória.
Ainda aduza-se o seguinte pensamento do STF, na esteira do que imediatamente se
acabou de afirmar: ‘O que é possível dizer, sem sair, aliás, dos princípios que governam a
coisa julgada, é que esta terá de limitar aos termos da controvérsia. Se o objeto da questão
é um dado lançamento que se houve por nulo em certo exercício, claro que a renovação do
lançamento no exercício seguinte não estará obstada pelo julgado. É a lição dos
12
expositores acima citados’ (ainda do trecho do voto do Min. Carlos Madeira, em que
transcreve voto do Min. Castro Nunes, na Ação Rescisória n. 1.239-9-MG, p. 2, f. 31).
Deve-se sublinhar, em relação à opinião do Min. Castro Nunes, quando diz
que a solução dada ocorre ‘sem sair, aliás, dos princípios que governam a coisa
julgada, é que esta se terá de limitar aos termos da controvérsia’, que estes dizeres
são perfeitos, pois, efetivamente, isso é o que ocorre, havendo de anotar-se que a
chamada posição restritiva, apenas o é, em relação à outra, posição, que, por cuidar
de decisão sobre o imposto, em si mesmo considerado, é havida como não restritiva.
Diferentemente — para a hipótese mais ampla — é justamente o âmbito do pedido
que é maior, mais profundo e exauriente. Se o pedido feito não disse respeito a um
tributo situado num exercício, mas, com esse pedido se pretende, por exemplo, a
inconstitucionalidade do tributo, ou que aquele que pede está imune ou que é
beneficiário de isenção, é certo ser incogitável submeter os efeitos dessa decisão e
respectiva coisa julgada ao enunciado da Súmula-STF de n. 239, pois a tanto não
autorizariam os mesmos textos legais. O pedido aqui situa-se fora de qualquer
exercício e não diz respeito a cobrança alguma. O pedido pretende comprometer o
tributo, em si mesmo (inconstitucionalidade), ou que esse não pode atingir o
administrado (porque a Constituição lhe garante imunidade), ou, então, que atingiria
o que pede, mas há norma que o dispensa de pagamento (isenção). É certo que este
pedido é — tem que ser, necessariamente — mais amplo do que o âmbito da defesa
possível (=embargos do devedor) num executivo fiscal, ou é necessariamente mais
largo que se faz numa ação anulatória de débito fiscal (em relação a um determinado
e individualizado lançamento).”16.
“Em relação ao tema da coisa julgada envolvendo relações tributárias são
extremamente válidos e atuais os ensinamentos de Rubens Gomes de Sousa, que tentava
encontrar um meio termo entre aqueles que postulavam uma limitação claustrofóbica da
coisa julgada em matéria de tributos e aqueles que não queriam ver qualquer tipo de
balizamento nessa seara. A propósito disso, dizia o eminente professor que ‘a solução
exata estaria em distinguir, em cada caso julgado, entre as decisões que tenham
pronunciado sobre os elementos permanentes e imutáveis da relação jurídica, como a
constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do tributo, a sua incidência ou não16
. Arruda Alvim, “Anotações sobre a chamada coisa julgada tributária”. Revista de Processo vol. 92. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1998, p. 10/11. Os destaques são da transcrição.
13
incidência na hipótese materialmente considerada, a existência ou inexistência de
isenção legal ou contratual e o seu alcance, a vigência da lei tributária substantiva ou
sua revogação, etc. — e as que tenham pronunciado sobre elementos temporários ou
mutáveis da relação jurídica, como a avaliação de bens, as condições personalíssimas do
contribuinte em seus reflexos tributários e outras da mesma natureza; à coisa julgada das
decisões do primeiro tipo há que atribuir uma eficácia permanente; à das segundas,
uma eficácia circunscrita ao caso específico em que foram proferidas’. Com base nisso,
Rubens Gomes de Sousa concluiu que ‘quando a sentença, cuja coisa julgada se
invoque tenha decidido quanto a elementos permanentes, constantes e imutáveis da
própria relação jurídica debatida, tais elementos não serão meras questões
prejudiciais, ou simples antecedentes lógicos da decisão, mas constituirão a própria
tese jurídica decidida, ou seja, representarão o próprio objeto da decisão’. A solução
preconizada pelo ilustra juristributarista parece ser efetivamente a mais correta e resume
bem as conclusões a que se quer chegar nesse texto.
(...)
“... a correta intelecção dessa Súmula [239 do STF] reforça os argumentos
acima utilizados e comprovam que os limites da coisa julgada deverão ser
compreendidos sempre em função do objeto do processo individualizado pela causa
de pedir e pelo pedido. Essa interpretação do enunciado decorre da pura e simples
análise dos seus precedentes, o que é essencial quando se pretende interpretar
corretamente uma súmula.
(...)
Como se depreende da análise da farta doutrina e jurisprudência acerca da
Súmula 239 do STF, continua em voga a distinção entre as discussões que versem
‘elementos permanentes e imutáveis da relação jurídica’ e as que tratam de
‘elementos temporários e mutáveis dessa mesma relação. Esse é, de fato, o grande
critério de delimitação temporal da coisa julgada tributária, sobretudo porque
encontra respaldo no Código de Processo Civil, na medida em que delimita a res
judicata a partir do objeto da ação.”17.
Assim, o que é correto é o entendimento de que, a depender do objeto da demanda — um
objeto amplo, que se volta a questionar toda a matriz tributária sem quaisquer limitações como se
17
. Gustavo Sampaio Valverde, Coisa julgada em matéria tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 214, 222 e
228/229. Os destaques são da transcrição.
14
dá, por exemplo, em hipóteses onde se pleiteia o reconhecimento judicial de imunidade tributária
— o trânsito em julgado da decisão favorável ao contribuinte obstará novos questionamentos do
tributo enquanto não houver alteração nas normas jurídicas definidoras da matriz tributária ou nos
fatos justificadores da incidência tributária. Tratando-se de relação tributária permanente, a coisa
julgada obsta os questionamentos ao longo na repetição dos eventos enquanto não houver
alteração do fato ou do direito levados em conta na decisão trânsita em julgado. São situações,
destarte, estranhas à Súmula 239 do STF e que, por isso, afastam a sua incidência.
Nesse preciso sentido, cabe dar destaque à lição de Eduardo Alvim:
“Assim, em linha de principio, é possível fixar, desde logo, a conclusão de que a
coisa julgada, em mandado de segurança ou não, não pode abranger relações futuras, ainda
não instauradas.
Vejamos como essa conclusão se projeta sobre a questão referente às relações
tributarias continuativas. O problema está em identificarmos o que consiste uma relação
tributária continuativa, para verificar quais as consequências que daí podem ser extraídas.
Pode-se entender por continuativa a relação tributária.
Essa, com efeito, a pedra de toque do problema. Deveras, em uma relação tributária
continuativa, como a que sucede entre o Fisco e o contribuinte de ICMS (existe até um
cadastro próprio dos contribuintes desse tributo, a confirmar o quanto dizemos), é possível
que o contribuinte, v.g., impetre mandado de segurança contra a autoridade fiscal estadual
objetivando que esta se abstenha de exigir-lhe agora e para adiante o tributo até que seja
editada lei que o permita, porque a exigência fiscal, tal como está sendo feita, não tem o
indispensável supedâneo legal (CF/88, art. 150, inc. I).
Transitada em julgado a sentença concessiva da ordem pleiteada, projetará a
coisa julgada, inegavelmente, efeitos para futuro. Toda vez que configura-se uma
situação de fato (fato imponível, na terminologia de Geraldo Ataliba) que devesse ensejar,
segundo o entendedor do Fisco, a incidência do ICMS, esta estará obstada pela sentença
concessiva da ordem até que seja sanada a ilegalidade.
É que, quando se está em face de uma relação tributária continuativa, não há falarse em relação futura, como bem pondera Hugo de Brito Machado: ‘O que não nos parece
correto, data máxima vênia, é considerar-se futura uma relação continuativa já instaurada.’
Da mesma opinião, Ruy Barbosa Nogueira, em parecer extremamente bem fundamentado.
15
É que, conforme percucientemente distinguiu Hugo de Brito Machado, se, de um
lado, é correto afirma-se que a coisa julgada não se pode projetar indefinidamente
para situação futuras, deve-se ter presente, de outro, que uma relação tributária
continuativa já instaurada não pode ser confundida com uma situação futura. O
cadastro de contribuinte de ICMS, por exemplo, é um elemento a indicar claramente que,
na verdade, a relação tributária do contribuinte de ICMS para com o Fisco estadual é a
mesma, renovada a cada período de apuração.”18.
Para mostrar o grau de convicção do autor deste artigo acerca das afirmações até aqui
feitas, cabe transcrever breve trecho de trabalho doutrinário seu:
“O que transita em julgado é, sem dúvida alguma, aquilo que foi decidido e não as
razões pelas quais se decidiu. Mas, e é isto que deve ser enfatizado nesta sede, a
compreensão exata do que foi decidido depende do exame do que se pediu. E o que se
pediu, muitas vezes, depende das razões pelas quais se pediu. É esta a distinção que deve
ser feita para a interpretação e a aplicação correta da Súmula 239 do STF: o enunciado
não autoriza que ‘qualquer decisão jurisdicional relativa a tributos’ deixe de fazer
coisa julgada para exercícios fiscais futuros ou para casos futuros. O que o enunciado
quer significar é que naqueles casos, em que um específico ato tributário é decidido em
juízo, aquilo que foi decidido com relação àquele específico ato tributário (um específico
lançamento; uma certidão de dívida ativa, uma específica operação tributária, por
exemplo) não vincula o que se pode decidir a respeito de atos similares ou, até mesmo,
idênticos, mas, de qualquer sorte, outros atos, atos diversos, não albergados pela ação já
julgada.
Diferentemente, quando se questiona em juízo a própria ‘matriz de incidência
tributária’, não há como negar que aquilo que for decidido, seja para reconhecer sua
juridicidade, seja para negá-la, prevalecerá nos exercícios seguintes, enquanto
persistirem as mesmas razões de fato e de direito. É o que se dá com bastante
frequência nos casos que a doutrina do direito tributário chama, comumente, de
‘relações continuativas ou sucessivas ou repetidas’.
A coisa julgada adere, necessariamente, ao que foi pedido em juízo. Se se pede o
afastamento de determinada exação tributária para determinado período, não há como
recusar que eventual acolhimento de um tal pedido é também restritivo, limitado àquele
18
. Eduardo Arruda Alvim, Mandado de segurança. 2ª edição. Rio de Janeiro: GZ, 2010, p. 304/306. Os destaques são
da transcrição.
16
mesmo período. Caso contrário, na hipótese de não haver qualquer restrição no
pedido, limitando-se a pedir em juízo o afastamento de dada exação tributária em
função da inconstitucionalidade ou ilegalidade de sua regra matriz de incidência, é
correto o entendimento de que a concessão da segurança, tanto quanto aquilo que
transita em julgado, não fica sujeita a qualquer restrição. É este o melhor
entendimento para a Súmula 239 do Supremo Tribunal Federal.”19.
Assim, na hipótese de ser pleiteada em juízo — e concedida — imunidade tributária, a
decisão, uma vez transita em julgado, prevalece até que haja ulterior modificação fática ou
jurídica, afastando, por isso mesmo, o que a literalidade da referida Súmula 239 do STF poderia
sugerir20. É correto compreender que, em casos como tais, o que se questiona em juízo é a própria
matriz de incidência tributária. Fosse a hipótese de haver questionamento em juízo de um
específico ato tributário, de um específico lançamento ou de uma específica cobrança do Fisco, e
o entendimento seria diverso, harmonicamente, aliás, com a restrição do pedido formulado ao
Estado-juiz e, coerentemente, à própria causa de pedir que lhe quer dar fundamento.
Assim, supondo o trânsito em julgado de decisão judicial que reconhece a imunidade
tributária a um dado imóvel, a inalteração fática ou jurídica subjacente àquele fato é o bastante
para afastar a incidência da Súmula 239 do STF. Não é porque a cobrança do IPTU sobre aquele
imóvel renova-se ano a ano, isto é, o imposto é lançado anualmente que a decisão transitada em
julgado pode ser desconsiderada21. Isto porque a imunidade tributária tem contornos
exclusivamente constitucionais e, nessa medida, a ruptura do que transitou em julgado pressuporia
alteração constitucional. A imunidade, insista-se, tem berço constitucional e seu significado é,
justamente, o de inibir o exercício de qualquer competência tributária em desfavor do
contribuinte:
“A imunidade tributária, então, pode ser definida como a exoneração, fixada
constitucionalmente, traduzida em norma expressa impeditiva da atribuição de
competência tributária ou extraível, necessariamente, de um ou mais princípios
19
. Mandado de segurança. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 186/188. Os destaques são da transcrição.
. “A imunidade tributária é um fenômeno de natureza constitucional. As normas constitucionais que, direta ou
indiretamente, tratam do assunto fixam, por assim dizer, a incompetência das entidades tributantes para
onerar, com exações, certas pessoas, seja em função de sua natureza jurídica, seja porque coligadas a
determinados fatos, bens ou situações.” (Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário. 18ª
edição. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 623, sem os destaques).
21
. É o que a doutrina do direito tributário denomina de “fato gerador continuado”, por se reportarem a situações
duradouras. Assim, v.g., a lição de Regina Helena Costa, Curso de direito tributário. 2ª edição. São Paulo: Saraiva,
2012, p. 205, nota 65, e 402 quando trata do aspecto temporal da hipótese de incidência do IPTU.
20
17
constitucionais, que confere direito público subjetivo a certas pessoas, nos termos por
ela delimitados, de não se sujeitarem à tributação.”22.
É fundamental atentar devidamente ao que se acabou de destacar: mercê da compreensão
do instituto da imunidade tributária — e de sua matriz constitucional — é que a conclusão aqui
propugnada mereceria ser prestigiada ainda que se pretendesse entender que a relação tributária
relativa ao IPTU fosse renovada a cada novo ano. Ainda assim, o status de imunidade tributária
estaria mantido: é vedado ao Município instituir aquele tributo sobre imóvel que teve, em decisão
transita em julgado, reconhecida sua imunidade. Seja ele continuado, seja ele renovado a cada
ano. O IPTU incide sobre a propriedade imobiliária titularizada no dia 1º de janeiro de cada ano.
Enquanto for o proprietário do imóvel o beneficiário da decisão transita em julgado, a imunidade
constitucional a ele reconhecida está assegurada. É nisso que reside o que acima foi denominado
de “relação permanente” ou “relação continuativa”23.
A imunidade, insista-se, graças a seus contornos constitucionais, impede a atuação
municipal em uma e em outra hipótese24.
Na mais recente jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo há dois
acórdãos que bem aplicaram as considerações aqui desenvolvidas. Constatando que decisão
anterior, transitada em julgado, reconhecia a determinado Sindicato imunidade tributária, julgou
procedente mandado de segurança impetrado contra lançamento de IPTU.
São as seguintes as suas ementas:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Contradição Existência de ação declaratória
com trânsito em julgado em 1992 que estendeu para os exercícios futuros a imunidade
tributária em favor do embargante, a afastar o entendimento contido na Súmula 239 do
STF mencionado no acórdão embargado Contradição que leva a efeito modificativo do
22
. Regina Helena Costa, Imunidades tributárias: teoria e análise da jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros,
2011, p. 53/54, sem os destaques.
23
. Não interfere na conclusão constante do texto, a importante discussão doutrinária sobre a abrangência do aspecto
temporal da hipótese de incidência tributária. Mesmo na lição de Paulo de Barros Carvalho (assim, v.g. em seu Teoria
da norma tributária. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 133/142) seguida por Geraldo Ataliba (Hipótese de
incidência tributária. 5ª edição, 4ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 90/91) a conclusão do texto conserva-se
porque o aspecto material da hipótese de incidência tributária na decisão que favorece o contribuinte no exemplo
fornecido mantém-se incólume.
24
. “A relação entre a competência tributária e a norma imunizante é tanto mais destacada quando se observa que esta
impede a existência daquela na situação que expressa ou implicitamente aponta. (...) Sendo a imunidade o reverso da
atribuição de competência tributária, verificamos que ambos os institutos são paralelos, revestindo-se aquelas das
mesmas qualidades que esta apresenta.” (Regina Helena Costa, Imunidades tributárias: teoria e análise da
jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 58).
18
julgado com a concessão da segurança, sob tal fundamento Embargos conhecidos e
providos para esse fim.”25.
“APELAÇÃO Mandado de segurança IPTU Imunidade - Sindicato Imóvel onde
funciona a colônia de férias do apelante Reconhecimento, para o exercício de 1989, em
anterior apelação julgada por este Tribunal de Justiça Imóvel que mantém a mesma
finalidade Inaplicabilidade da Súmula 239 do S.T.F. Deram provimento ao recurso para
conceder a segurança na forma pleiteada.”26.
5. Ainda a Súmula 239 do STF
É importante, para corroborar o acerto das conclusões do item anterior, voltar, uma vez
mais, à Súmula 239 do STF e à necessária distinção de hipóteses decisivas para justificar a sua
aplicação ou não.
Alguns excertos doutrinários demonstram a pertinência desta afirmação:
“Deve-se interpretar com cuidado a Súm. 239 do Supremo Tribunal Federal:
‘Decisão que declara indevida a cobrança de imposto em determinado exercício não faz
coisa julgada em relação aos posteriores’. Esse enunciado não proíbe a formulação de
uma demanda e, conseqüentemente, a emissão de um julgado que vá além de um
exercício fiscal ou de uma operação, ou grupo de operações, já ocorridos. Nele,
apenas se reafirma a limitação da autoridade da coisa julgada ao decisum (art. 469):
se o dispositivo restringiu-se a um dado exercício, é irrelevante que os fundamentos
da sentença sejam aproveitáveis para os exercícios subseqüentes, pois os motivos, em
si mesmos, não fazem coisa julgada.”.27
“Como se depreende da análise da farta doutrina e jurisprudência acerca da Súmula
239 do STF, continua em voga a distinção entre as discussões sobre ‘elementos
permanentes e imutáveis da relação jurídica’ e as que tratam de ‘elementos
temporários e mutáveis’ dessa mesma relação. Esse é, de fato, o grande critério de
delimitação temporal da coisa julgada tributária, sobretudo porque encontra
25
. TJSP, 15ª Câmara de Direito Público, Embargos de Declaração n. 0009665-50.2012.8.26.0477/50000, rel. Des.
Rezende Silveira, j.un. 28.11.2013, DJe 10.12.2013.
26
. TJSP, 18ª Câmara de Direito Público, Apelação Cível n. 0028447-08.2012.8.26.0477, rel. Des. Osvaldo Capraro,
j.un. 13.2.2014, DJe 26.2.2014.
27
. Eduardo Talamini, Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 92, sem os destaques.
19
respaldo no Código de Processo Civil, na medida em que delimita a res judicata a
partir do objeto da ação.”.28
“Se, portanto, um determinado pedido concedido pelo Tribunal foi para que a
autoridade impetrada se abstivesse de exigir da impetrante o pagamento de
determinado tributo, por fundamento/motivo de sua inconstitucionalidade, o
acolhimento referido fará com que o contribuinte não mais fique obrigado ao
pagamento desse tributo, enquanto persistir a mesma situação de fato e de direito;
isto é, porque acolhida a lide levada ao Estado-juiz, sobre sua decisão recai a autoridade de
coisa julgada, esgotados ou não interpostos os recursos cabíveis.
No caso, numa tal decisão de mérito afirma-se inexistir relação tributária e, mais, é
por isso que essa relação não existe, para o que pediu, subsistentes os mesmos fatos e a
mesma normatividade de direito.
Se existisse essa relação seria ela uma relação jurídica tributária continuativa, mas
o que o Tribunal decidiu é que essa relação não existia. Se não existia — mantida a
situação de fato e de direito — não é possível pretender que o contribuinte, que obteve
uma tal decisão, possa ainda e sucessivamente dever o tributo mercê de fatos geradores
sucessivos, justamente porque a relação jurídico tributária continuativa foi havida como
inexistente e insuscetível de existir.”.29
“Podemos dizer, assim, que a incidência da Súmula 239 do Supremo Tribunal
Federal relaciona-se à verificação da conexão, de um lado, entre o pedido e os
fundamentos da demanda e, de outro, o exercício de cobrança do tributo. Quando essa
relação for positiva, ou seja, o pedido formulado estiver estribado em situação fática
peculiar a determinado exercício, a Súmula deve ser aplicada. Contudo, quando não
houver essa relação de causalidade, a Súmula deve ser afastada.”30.
Em todas estas lições verifica-se a preocupação dos autores quanto à existência da coisa
julgada na exata medida em que os fatos e o direito subjacentes ao processo permaneçam
idênticos. Trata-se, pois, do mesmo entendimento aqui sustentado: quando o pedido é amplo para
afastar a incidência tributária como um todo, a Súmula 239 do STF não pode ser aplicada.
28
. Gustavo Sampaio Valverde, Coisa julgada em matéria tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 228/229, sem
os destaques.
29
. Arruda Alvim, “Anotações sobre a coisa julgada tributária”. Revista de Processo vol. 92. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998, p. 13/14, sem os destaques.
30
. Luiz Eduardo Ribeiro Mourão, Coisa julgada. Belo Horizonte; Fórum, 2008, p. 411, sem os destaques.
20
Idêntica conclusão decorre da jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça
sobre o alcance da Súmula 239 do Supremo Tribunal Federal31. Da jurisprudência daquela Corte,
vale trazer à colação os seguintes julgados que reservam a incidência daquela Súmula aos casos
em que houve pedido restrito a determinado exercício fiscal:
“Recurso especial. Tributário. Execução fiscal. Sentença transitada em julgado
proferida em mandado de segurança. Coisa julgada tributária. Não-ocorrência. Pedido
formulado na inicial limitado a determinado exercício. Parte dispositiva da decisão.
Limitação de exercício financeiro. Aplicação da Súmula 239/STF. Recurso provido.
1. A coisa julgada tributária deve ser determinada em função das partes, da
causa de pedir e do pedido formulado na inicial. Este último, por sua vez, pode estar
delimitado a uma cobrança, num dado exercício financeiro, ou estar relacionado ao
tributo, em si mesmo.
2. No primeiro caso, em que o pedido diz respeito a um débito situado em
exercício certo, deve ser aplicado o teor da Súmula 239/STF: ‘Decisão que declara
indevida a cobrança do imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em
relação aos posteriores.’
3. No segundo caso, não se referindo o pedido a exercício financeiro específico,
mas ao reconhecimento da inconstitucionalidade ou ilegalidade da exação, ou de sua
imunidade ou isenção, por exemplo, deve ser afastada a restrição inserta na
mencionada súmula. Isso porque, nessa hipótese, há uma abrangência no pedido e,
portanto, sendo esse julgado procedente, a coisa julgada terá efeitos mais amplos, ou
seja, abarcará as situações jurídicas posteriores, não se restringindo a exercício
financeiro específico.
4. Assim, deve-se ter em conta que a coisa julgada somente protege o que foi
objeto do pedido e, por conseguinte, da decisão, de maneira que, se o pedido foi
abrangente, a decisão também o será, não se aplicando a Súmula 239/STF, na medida
em que a coisa julgada terá maior amplitude; se o pedido restringir-se a determinado
exercício, então a decisão estará limitada a esse, incidindo o enunciado da súmula em
apreço.
31
. Para a análise da jurisprudência do STF pouco antes da Constituição de 1988 — em idêntico sentido ao quanto
propugnado no texto —, v. Arruda Alvim, “Anotações sobre a chamada coisa julgada tributária”. Revista de Processo
vol. 92. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 10/13.
21
5. Essa mesma interpretação deve ser dada, em se tratando de ação mandamental.
Assim, se o ato ilegal ou abusivo é declarado indevido, de forma genérica, em relação às
situações jurídicas a ele ligadas como um todo, a coisa julgada projetar-se-á a exercícios
financeiros futuros, até que haja alguma alteração no estado de fato e/ou de direito da
decisão. No entanto, se o ato ilegal ou abusivo lastreia-se em exercício financeiro
específico, a decisão fará coisa julgada somente em relação a este.
6. No caso dos autos, o pedido constante do writ, assim como a parte dispositiva da
decisão transitada em julgado, têm natureza restrita, na medida em que estão vinculados a
exercício financeiro específico. Desse modo, não se operou a coisa julgada em relação aos
exercícios financeiros seguintes, sendo plenamente aplicável a Súmula 239/STF.
7. Recurso especial provido.”.32
“Tributário. Processual civil. Eficácia temporal da coisa julgada. Sentença que
declara a inexigibilidade da contribuição social sobre o lucro, com base no
reconhecimento, incidenter tantum, da inconstitucionalidade da Lei 7.689/88. Edição da
Lei 7.856/89. Alteração no estado de direito. Cessação da força vinculativa da coisa
julgada.
1. A sentença, ao examinar os fenômenos de incidência e pronunciar juízos de
certeza sobre as conseqüências jurídicas daí decorrentes, certificando, oficialmente, a
existência, ou a inexistência, ou o modo de ser da relação jurídica, o faz levando em
consideração as circunstâncias de fato e de direito (norma abstrata e suporte fático) que
então foram apresentadas pelas partes. Por qualificar norma concreta, fazendo juízo sobre
fatos já ocorridos, a sentença, em regra, opera sobre o passado, e não sobre o futuro.
2. Portanto, também quanto às relações jurídicas sucessivas, a regra é a de que as
sentenças só têm força vinculante sobre as relações já efetivamente concretizadas, não
atingindo as que poderão decorrer de fatos futuros, ainda que semelhantes. Elucidativa
dessa linha de pensar é a Súmula 239/STF.
3. Todavia, há certas relações jurídicas sucessivas que nascem de um suporte
fático complexo, formado por um fato gerador instantâneo, inserido numa relação
jurídica permanente. Ora, nesses casos, pode ocorrer que a controvérsia decidida
pela sentença tenha por origem não o fato gerador instantâneo, mas a situação
32
. STJ, 1ª Turma, REsp 576.926/PE, rel. Min. Denise Arruda, j.un. 16.3.2006, DJ 30.6.2006, p. 166. Os destaques são
da transcrição.
22
jurídica de caráter permanente na qual ele se encontra inserido, e que também
compõe o suporte desencadeador do fenômeno de incidência. Tal situação, por seu
caráter duradouro, está apta a perdurar no tempo, podendo persistir quando, no
futuro, houver a repetição de outros fatos geradores instantâneos, semelhantes ao
examinado na sentença. Nestes casos, admite-se a eficácia vinculante da sentença
também em relação aos eventos recorrentes. Isso porque o juízo de certeza
desenvolvido pela sentença sobre determinada relação jurídica concreta decorreu, na
verdade, de juízo de certeza sobre a situação jurídica mais ampla, de caráter
duradouro, componente, ainda que mediata, do fenômeno de incidência. Essas
sentenças conservarão sua eficácia vinculante enquanto se mantiverem inalterados o
direito e o suporte fático sobre os quais estabeleceu o juízo de certeza.
4. No caso presente: houve sentença que, bem ou mal, fez juízo a respeito, não de
uma relação tributária isolada, nascida de um específico fato gerador, mas de uma situação
jurídica mais ampla, de trato sucessivo, desobrigando as impetrantes de se sujeitar ao
recolhimento da contribuição prevista na Lei 7.689/88, considerada inconstitucional.
Todavia, o quadro normativo foi alterado pelas Leis 7.856/89, 8.034/90 e 8.212/91, cujas
disposições não foram, nem poderiam ser, apreciadas pelo provimento anterior transitado
em julgado, caracterizando alteração no quadro normativo capaz de fazer cessar sua
eficácia vinculante.
5. Recurso especial provido.”.33
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO
FISCAL – CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – ALCANCE DA SÚMULA 239/STF – COISA
JULGADA: VIOLAÇÃO – ART. 471, I, DO CPC NÃO CONTRARIADO.
1. A Súmula 239/STF, segundo a qual ‘decisão que declara indevida a
cobrança do imposto em determinado exercício, não faz coisa julgada em relação aos
posteriores’, aplica-se tão-somente no plano do direito tributário formal porque são
independentes os lançamentos em cada exercício financeiro. Não se aplica,
entretanto, se a decisão tratou da relação de direito material, declarando a
inexistência de relação jurídico-tributária.
33
. STJ, 1ª Turma, AgRg no REsp 703.526/MG, rel. p./acórdão Min. Teori Albino Zavascki, j.m.v. 2.8.2005, DJ
19.9.2005, p. 209. Os destaques são da transcrição. No mesmo sentido: STJ, 1ª Turma, REsp 638.377/MG, rel. Min.
Teori Albino Zavascki, j.un. 3.3.2005, DJ 21.3.2005, p. 260 e STJ, 1ª Turma, REsp 742.413/MG, rel. Min. Teori
Albino Zavascki, j.un. 18.11.2008, DJe 24.11.2008.
23
2. A coisa julgada afastando a cobrança do tributo produz efeitos até que
sobrevenha legislação a estabelecer nova relação jurídico-tributária.
3. Hipótese dos autos em que a decisão transitada em julgado afastou a cobrança da
contribuição social das Leis 7.689/88 e 7.787/89 por inconstitucionalidade (ofensa aos
arts. 146, III, 154, I, 165, § 5º, III, 195, §§ 4º e 6º, todos da CF/88).
4. As Leis 7.856/89 e 8.034/90, a LC 70/91 e as Leis 8.383/91 e 8.541/92 apenas
modificaram a alíquota e a base de cálculo da contribuição instituída pela Lei 7.689/88, ou
dispuseram sobre a forma de pagamento, alterações que não criaram nova relação jurídicotributária. Por isso, está impedido o Fisco cobrar a exação relativamente aos exercícios de
1991 e 1992 em respeito à coisa julgada material.
5. Violação ao art. 471, I do CPC que se afasta.
6. Recurso especial improvido.”34
Os julgados acima colacionados dão a exata compreensão da tese sustentada neste artigo: a
coisa julgada adere, necessariamente, ao que foi pedido ao Estado-juiz. Se se pede o afastamento
de determinada exação tributária para um determinado período, não há como recusar que eventual
acolhimento seu seja, de igual, modo restritivo. Caso contrário, na hipótese de não haver qualquer
restrição no pedido, limitando-se a pedir em juízo o afastamento de dada exação tributária em
função da inconstitucionalidade ou ilegalidade de sua regra matriz de incidência, é correto o
entendimento de que o acolhimento do pedido, tanto quanto aquilo que transita em julgado, não
fica sujeita a qualquer restrição. A distinção entre essas duas hipóteses, repita-se, é absolutamente
indispensável para compreensão do alcance que pode querer ter a multicitada Súmula 239 do STF
e, consequentemente, para discernir os casos em que se justifica sua incidência e aqueles em que
isso não se dá.
6. Coisa julgada em “ações declaratórias”
É indiferente para os fins destacados acima que o pedido de afastamento da incidência
tributária seja formulado em sede de mandado de segurança ou em “ação declaratória”35. É que os
34
. STJ, 2ª Turma, REsp 731.250/PE, rel. Min. Eliana Calmon, j.un. 17.4.2007, DJ 30.4.2007, p. 301. Os destaques
são da transcrição.
35
. As aspas justificam-se porque, em rigor, a “ação” não é declaratória ou constitutiva ou condenatória. A tutela
jurisdicional requerida pelo autor ao Estado-juiz que o é. Para esta demonstração, v., do autor, Curso sistematizado de
direito processual civil, vol. 1. 8ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 329/336. Também emprega a palavra “ação”
entre aspas Paulo Cesar Conrado, Processo tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 35/39 e passim.
24
limites objetivos e os temporais da coisa julgada obtida em “ação declaratória” não apresentam
nenhuma peculiaridade que se desvie do quanto exposto até aqui.
Na verdade, tanto em “ação declaratória” como em mandado de segurança, cujo
emprego para o reconhecimento da inconstitucionalidade ou ilegalidade da incidência tributária é
largamente aceito pela doutrina e pela jurisprudência, o que interessa é o elemento declaratório,
isto é, a certificação ou o reconhecimento do direito do contribuinte36.
Bastante para demonstrar o acerto da afirmação julgado assim ementado:
“Processual civil e tributário. Coisa julgada em relação à cobrança de imposto.
ICMS. Alimentação e bebidas. Lei Paulista 8.198/92.
1. A sentença proferida em Ação Declaratória, desonerando o contribuinte do
adimplemento de obrigação tributária prevista em lei, somente surte efeitos enquanto
perdurar o contexto jurídico em que ela foi proferida. Sobrevindo alteração legislativa, e
atendida a reserva legal tributária, sobressai óbvio que o preceito declaratório anterior
submete-se à regra de direito intertemporal de que lei posterior revoga lei anterior, posto
não ostentar feição normativa, incompatível com sua índole. Aplicação da Súmula
239/STF: ‘Decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício
não faz coisa julgada em relação aos posteriores’.
2. Deveras, a declaração incidenter tantum de inconstitucionalidade da Lei que
institui a cobrança de tributo, proferida em sede de cognição, não integra o dispositivo da
sentença, não sendo alcançada pelo efeito preclusivo da coisa julgada.
3. Recurso desprovido.”.37
É este também o entendimento da doutrina:
“A nosso ver, em se tratando de ação declaratória, não há dúvida de que a
sentença que se reporte a relação jurídica continuativa produz efeitos para o futuro.
A declaração da existência, da inexistência, ou do modo de ser de uma relação
jurídica, neste caso, constitui o próprio dispositivo da sentença. E em se tratando de
relação jurídica continuativa, esse dispositivo há de permanecer inalterado enquanto
perdurar o estado de fato, e a norma que com ele compõe a relação.
(...)
36
. Neste sentido, cabe colacionar o entendimento de Paulo Cesar Conrado (Processo tributário. São Paulo: Quartier
Latin, 2004, p. 211), que chega a se referir ao mandado de segurança como “via preventiva especial” ao lado da “ação
declaratória” como “via preventiva geral”.
37
. STJ, 1ª Turma, REsp 605.953/DP, rel. Min. Luiz Fux, j.m.v. 26.4.2005, DJ 1.8.2005, p. 324.
25
Se no pedido formulado pelo impetrante não se encarta esta declaração, incluí-la
no dispositivo da sentença respectiva é proferir sentença além do pedido. Na(sic) impede,
porém, que o impetrante peça ao juiz, além da ordem destinada a prevenir, ou a
restabelecer a integridade de seu direito, também a declaração de inexistência, ou do
modo de ser da relação tributária. Ter-se-á, então, verdadeira ação declaratória
embutida no âmbito do mandado de segurança, o que evidentemente não será possível
se os fatos em que se fundar o pedido de declaração estiverem a depender de provas a
serem ainda produzidas no curso do processo, porque neste caso evidentemente não se
estará diante de direito líquido e certo.”.38
Após colacionar precedente do Supremo Tribunal Federal em que o entendimento aqui
defendido foi acolhido, escreve, o tributarista, para arrematar a sua conclusão:
“A nosso ver, tanto é possível um pedido incidental, como um pedido
formulado na própria inicial da impetração, no sentido de que o juiz, além de emitir a
ordem requerida, também declare a existência, a inexistência ou o modo de ser da
relação jurídica tributária. Não nos parece correto, porém, fazer o juiz tal declaração, se
esta não foi pedida”.39
Do mesmo modo e, quiçá de maneira ainda mais incisiva, é a manifestação de Gustavo
Sampaio Valverde. Para o Especialista e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo:
“Não há que se cogitar de qualquer limitação a exercícios financeiros, atos
específicos ou duração da ação, pois, como visto e revisto, a extensão da coisa julgada se
determina com base na causa de pedir e no pedido que constituem o objeto da ação.
Daí porque o mandado de segurança preventivo realmente impede que o lançamento seja
efetuado enquanto não alterada a situação impeditiva acolhida pela decisão. Isso resulta do
conteúdo declaratório inerente às decisões em mandado de segurança, ao qual se
agrega o provimento mandamental, que tem a função de prescrever um esquema de
agir impedindo a efetivação do lançamento. Isto é, embora não seja meramente
declaratória a decisão em mandado de segurança, ela dispõe de uma força
declaratória inconteste, já que, para endereçar a ordem à autoridade impetrada, o
julgador tem antes que, nas palavras de José da Silva Pacheco, ‘declarar a existência
38
. Hugo de Brito Machado, Mandado de segurança. 8ª edição. São Paulo: Dialética, 2009, p. 211. Os destaques são
da transcrição.
39
. Op. cit., p. 212, idem.
26
ou não de relação jurídica’ ou a ‘existência ou não de um direito’. Por isso Humberto
Theodoro Júnior afirma: ‘quando, pois, o mandado de segurança é impetrado em caráter
preventivo contra exigência indevida de tributos ou contribuições, faz ele as vezes de uma
declaração negativa da sujeição de certos atos do impetrante à carga tributária que o Fisco
ameaça fazer incidir sobre eles”.40
“Falemos de ação geral ou especial, um ponto há de se reconhecer sempre nas
sentenças que julgam procedentes as demandas de natureza declaratória negativa (aí
incluídas as ‘ações declaratórias’ das quais ora nos ocupamos): antes de dizer o óbvio (i. é,
que a obrigação não existe), tais provimentos firmam no sistema norma individual e
concreta inibitória da produção, pelo Fisco, de outra norma individual e concreta, a
do lançamento (...).
Nesse sentido, teríamos, então, que as declaratórias negativas em geral (e assim as
ordinárias, fundadas, como salientado, na noção de jurisdição universal) veiculam
verdadeira norma de proibição, sendo essa, assim sua eficácia. Ou, noutro dizer: ao julgar
procedentes tais ações, o Estado-juiz afasta a presunção de legalidade que permearia, em
tese, todo e qualquer ato que viesse a ser praticado pelo Estado-fisco, proibindo-o de fazêlo.
É bem de ver, ressalte-se, que sobredita eficácia recobre a tutela declaratória se
entendida, esta, como norma individual e concreta material.
Quer isso significar, portanto, que diversamente do que apregoa a concepção usual,
o provimento declaratório irradia efeitos para o porvir, vale dizer, a partir do
momento em que revestido de potência normativa.”41.
“Expressivo exemplo da palpabilidade dos efeitos da ação declaratória em
matéria tributária é o da ação que se afora com o específico fim de ver reconhecida
(declarada) a imunidade tributária do contribuinte (hipótese bastante comum quando
se trata de entidades de educação e assistência social sem fins lucrativos). Por se tratar de
hipótese de imunidade em que se constata inexistência de relação jurídica tributária em
face de preceito constitucional, pode-se utilizar da ação declaratória com o fito de ver
declarada imunidade do autor da ação, obtendo-se como efeito concreto da
declaração judicial a certeza de que a Fazenda Pública não poderá cobrar tributos
40
. Coisa julgada em matéria tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 247/248. Os destaques são da transcrição.
. Paulo Cesar Conrado, Processo tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 212. Os destaques são da
transcrição.
41
27
abrangidos pela regra imunizante em virtude da declaração de inexistência de
relação jurídica tributária que possa fundamentar pretensão fiscal.”42.
“No campo de aplicação da Súmula 239, que é o terreno palmilhado pelo
investigador, enquanto não germinam novas sementes, cabe explorar melhor a via da
própria ação declaratória (até mesmo em via incidental), porquanto nela,
efetivamente, a declaração judicial, entendida como juízo lógico proferido sobre as
questões suscitadas na ação, adquire a força da coisa julgada.
(...)
Em conclusão, obtido resultado em ação declaratória ‘que pode ter por objeto
qualquer relação jurídica de que a existência ou modalidades sejam incertas’ (Liebman), a
consequência é que o juiz do processo futuro estará vinculado à declaração
precedente, devendo tomá-la como premissa de sua decisão, a tanto servindo,
indiscutivelmente, a coisa julgada produzida em ação meramente declaratória.”43.
“Posta essa premissa, quando julgada procedente a demanda declaratória, a
declaração a respeito da situação jurídica que constitui objeto do processo ficará
imune a qualquer questionamento ulterior. Somente será possível questionar a
declaração se forem rompidos os limites temporais da coisa julgada, pois a dinâmica
dos direitos propicia a ocorrência de fatos supervenientes que podem interferir na situação
declarada.”44.
Em tais condições, é indiferente que o reconhecimento do direito do contribuinte decorra
de mandado de segurança ou de “ação declaratória”. Em um e em outro caso, o que é
indispensável e decisivo para compreender o que transitou e o que não transitou em julgado é a
abrangência, maior ou menor, do pedido.
7. Reflexão final
A interpretação e os usos da Súmula 239 do Supremo Tribunal Federal põem em evidência
uma das mais complexas e importantes questões da atualidade do direito processual civil, qual
42
. James Marins, Direito processual tributário brasileiro (administrativo e judicial). 7ª edição. São Paulo: Dialética,
2014, p. 514. Os destaques são da transcrição.
43
. Walter Piva Rodrigues, Coisa julgada tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 107/108. Os destaques são da
transcrição.
44
. Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, Limites objetivos e eficácia preclusiva da coisa julgada. São Paulo: Saraiva,
2012, p. 89.
28
seja, a das condições de serem entendidas, interpretadas e aplicadas as súmulas dos Tribunais
assunto que, com a aproximação de um novo Código de Processo Civil, só ganha mais interesse.
Com efeito, o Projeto de novo Código de Processo Civil é expresso quanto à necessidade
de as Súmulas dos Tribunais Superiores serem importantes diretrizes para viabilizar a
previsibilidade e a isonomia, princípios fundantes das relações tributárias.
Tanto o Projeto aprovado no Senado Federal, em dezembro de 2010 como o “texto-base”
do Projeto aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados são expressos no sentido de que “Os
tribunais, em princípio, velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência” (art.
882, 1ª parte, do Projeto do Senado) e que “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e
mantê-la estável, íntegra e coerente” (art. 520, caput, do Projeto da Câmara).
Mas não só: de acordo com o inciso IV do art. 882 do Projeto do Senado, “a jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores deve nortear as decisões de todos os
tribunais e juízos singulares do país, de modo a concretizar plenamente os princípios da legalidade
e da isonomia;” e, em consonância com o inciso III do art. 521 do Projeto da Câmara, “os juízes e
tribunais seguirão os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria
constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;”45.
O necessário confronto das Súmulas dos Tribunais Superiores com o direito legislado —
inclusive das Súmulas do STF nos anos 1960, como é o caso da de número 239 — é inadiável,
como acabou de se verificar. Não há como querer aplicar as centenas de Súmulas que existem sem
levar em conta as peculiaridades de cada caso concreto e, como não poderia deixar de ser, das
próprias vicissitudes dos direitos, o material e o processual, a serem aplicados. Não há como,
mesmo diante dos Projetos de novo Código de Processo Civil, querer admitir, pura e
simplesmente, a aplicação daquelas orientações jurisprudenciais sem verificar, previamente, se
elas efetivamente compatibilizam-se com o ordenamento jurídico atual. Como querer continuar a
aplicar Súmulas se não compreendemos, antes de seus enunciados, seus precedentes?
Este breve artigo, construído a partir da Súmula 239 do STF, quer ilustrar a pertinência
desta última afirmação e a necessidade da construção de uma doutrina sólida e crítica acerca dos
precedentes judiciais.
8. Referências bibliográficas
45
. Para o confronto entre os dois Projetos, v., do autor, Os projetos de novo Código Processo Civil: comparados e
anotados. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 441/443.
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COISA JULGADA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA