ALISSON VANDER NEVES MEIRA
DA CAUTELAR PARA ATRIBUIÇÃO DE EFEITO
SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL
Trabalho de conclusão de curso apresentado a
banca examinadora da Universidade Católica
de Brasília como requisito parcial à obtenção
do grau de bacharelado em Direito sob a
orientação do professor Edmar Ramiro Correia.
TAGUATINGA/DF
2005
ALISSON VANDER NEVES MEIRA
DA CAUTELAR PARA ATRIBUIÇÃO DE EFEITO
SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL
Trabalho de conclusão de curso
apresentado
a
banca
Universidade
Católica
examinadora
de
Brasília
da
como
requisito parcial à obtenção do grau de
bacharelado em Direito.
Aprovado pelos membros da banca examinadora em ____/____/____ com menção ______
Banca Examinadora:
_________________________________________
Presidente: Prof. Edmar Ramiro Correia
_________________________________________
Integrante: Prof.
_________________________________________
Integrante: Prof.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 1
2. TUTELA CAUTELAR ....................................................................................................................... 3
2.1. NOÇÃO GERAL ....................................................................................................... 3
2.2. CARACTERÍSTICAS ................................................................................................. 7
2.3. PRESSUPOSTOS ESPECÍFICOS ................................................................................ 10
2.4. PODER GERAL DE CAUTELA ................................................................................. 12
2.4.1. Aplicação do poder geral de cautela para atribuir efeito suspensivo a recurso ....................... 14
2.5. COMPETÊNCIA...................................................................................................... 18
2.6.COGNIÇÃO, EXECUÇÃO E CAUTELAR ATRAVÉS DO SINCRETISMO PROCESSUAL ... 21
2.6.1 Sincretismo processual através das tutelas mandamental e executiva lato sensu. ..................... 24
2.7.
A FUNGIBILIDADE ENTRE A TUTELA ANTECIPADA E A MEDIDA CAUTELAR ..... 29
3. RECURSO ESPECIAL .................................................................................................................... 33
3.1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS ............................................................................... 33
3.2. PECULIARIDADES DO RECURSO ESPECIAL ........................................................... 35
3.2.1. O prévio esgotamento das instâncias inferiores ........................................................................ 36
3.2.2. Não se destina à correção de injustiça da decisão recorrida quanto à questão de fato ........... 38
3.2.3. O recurso especial apresenta sistema de admissibilidade bipartido ......................................... 39
3.2.4. Os fundamentos específicos de admissibilidade do recurso especial estão previstos na
Constituição Federal e não no Código de Processo Civil ................................................................... 42
3.2.5. A execução do decisum recorrido é provisória quando pendente recurso especial .................. 43
3.3. HIPÓTESES DE CABIMENTO DO RECURSO ESPECIAL ............................................ 44
3.3.1. Recurso especial por contrariedade ou negativa de vigência a tratado ou lei federal –
Artigo 105, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal ................................................................ 45
3.3.2. Decisão que julgou válido ato de governo local contestado em face de lei federal – Artigo
105, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal .......................................................................... 48
3.3.3. Decisão que conferiu a lei federal interpretação divergente da que lhe foi atribuída por
outro Tribunal – Artigo 105, inciso III, alínea “c”, da Constituição Federal .................................... 50
3.4. PROCEDIMENTO NO TRIBUNAL ............................................................................ 52
3.5. EFEITOS DO RECURSO ESPECIAL .......................................................................... 54
4. CONCESSÃO DE LIMINAR A FIM DE EMPRESTAR EFEITO
SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL.................................................................................... 58
4.1. CONCESSÃO DE LIMINAR A FIM DE EMPRESTAR EFEITO SUSPENSIVO A
RECURSO ESPECIAL ANTES DE SUA INTERPOSIÇÃO NO TRIBUNAL A QUO ........ 59
4.2. CONCESSÃO DE LIMINAR A FIM DE EMPRESTAR EFEITO SUSPENSIVO A
RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO NÃO SUBMETIDO À APRECIAÇÃO DO JUÍZO
DE ADMISSIBILIDADE NO TRIBUNAL A QUO ..................................................... 62
4.3. CONCESSÃO DE LIMINAR A FIM DE EMPRESTAR EFEITO SUSPENSIVO A
RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO SUBMETIDO À APRECIAÇÃO DO JUÍZO DE
ADMISSIBILIDADE NO TRIBUNAL A QUO........................................................... 67
5. CONCLUSÃO ......................................................................................................................................... 73
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................... 76
RESUMO
Através de ações cautelares incidentais inominadas, o Superior Tribunal de Justiça
vem concedendo, liminares com o intuito de atribuir-se efeito suspensivo a recurso especial.
Tais liminares são concedidas nas hipóteses em que a execução do julgado recorrido pela via
do especial, ainda que provisória, puder causar dano irreparável ou de difícil reparação ao
recorrente. Nessa situação, observando a presença dos pressupostos específicos das medidas
cautelares – fumus boni iuris e periculum in mora -, defere-se o pedido do recorrente, com o
objetivo de afastar a ameaça de lesão a direito, evitando-se a inutilização do processo
principal. Contudo, o momento oportuno para a concessão das mencionadas medidas ainda
não é questão pacificada no âmbito da jurisprudência da referida Corte. É que existem três
correntes jurisprudenciais acerca do tema: a) concessão de liminar a fim de emprestar efeito
suspensivo a recurso especial antes de sua interposição na Corte de origem; b) concessão de
liminar a fim de emprestar efeito suspensivo a especial interposto não submetido à apreciação
do juízo de admissibilidade no tribunal a quo; c) concessão da medida liminar a fim de
atribuir efeito suspensivo a recurso especial interposto submetido à apreciação do juízo de
admissibilidade no tribunal a quo. Consiste, tal situação, em um caso particular de aplicação
do poder geral de cautela conferido a todo o magistrado pela lei processual civil, em seu
artigo 798, e que propicia a efetiva concretização dos princípios da inafastabilidade do acesso
ao Poder Judiciário e da efetividade, previstos constitucionalmente, e norteadores do
ordenamento jurídico pátrio.
ABSTRACT
Through unnamed incidental interlocutory injunctions the Superior Tribunal of Justice
has been issuing preliminary decisions intending to give a suspensive effect to special
appeals. The aforementioned preliminary decisions are issued if such is the case that the
ruling of the special appeal, however temporary, can cause an irreparable – or at least of
difficult repairing – damage to the appellant. In those situations, once evidenced that the
specific prerequisites for admissibility for the precautionary measures – fumus boni iuris and
periculum in mora - have been met, the ??? request of the appellant must be granted, with the
sole aim of putting away the risk faced by the right in question, thus avoiding the undermining
of the main lawsuit. However, the opportune moment for the concession of those measures is
yet to become a pacific matter in the extent of the referred court’s jurisprudence. It is so on
account of the existence of three jurisprudential currents on the theme of when is it the
opportune time for issuing preliminary decisions intending to give a suspensive effect to
special appeals: a) Such issuing happening even before the interposition of the appeal before
the original court; b) Such issuing happening after the interposition of the appeal, but before
the appreciation of its admissibility by the original court; c) The issuing happening after the
interposition of the appeal and after the appreciation of its admissibility by the a quo court.
This situation consists of a peculiar case of application of the general power of caution
conferred to every magistrate by the Procedural Civil Code, in Art. 798, the regulatory
adjective precept which propitiates the effective materialization of the Principles of Easy
Access to the Justice System and of Effectiveness enshrined in the Constitution and master
guidelines of the nation’s laws.
1. INTRODUÇÃO
Com o intuito de preservação de um bem em face de execução provisória de acórdão
proferido pelo tribunal ad quem, estão sendo ajuizadas no Superior Tribunal de Justiça ações
cautelares inominadas para suspender os efeitos de tais decisões.
O Superior Tribunal de Justiça, então, vem concedendo tais liminares, atribuindo
esse efeito suspensivo ao recurso especial. Contudo não há, entre o entendimento
jurisprudencial, a isonomia de julgamentos referente ao momento oportuno para tal
concessão. Serão, portanto examinados três correntes jurisprudenciais que tratam desta
questão.
O estudo referente a este assunto está baseado no Processo Civil, portanto serão
estudado dentro desse campo do Direito as possibilidades existentes para a analise do conflito
dado uma ênfase ao estudo do recurso especial e a tutela cautelar para uma maior
compreensão da matéria.
Através do estudo de diferentes institutos e assuntos abordados pelo direito
processual civil e pelo direito constitucional se buscará, com esta monografia, fazer uma
análise crítica ao impasse jurídico vivido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, onde
ocorre divergência em suas turmas no que tange ao momento apropriado para a concessão da
cautelar para empregar efeito suspensivo ao recurso especial.
Verificar-se-á se, com as modificações ocorridas no direito processual através das
minireformas e no direito constitucional através de Emendas, seria realmente necessário o
ajuizamento de ação cautelar para atribuir um efeito não característico de recurso especial ou
seria aplicável outro meio, dentro do processo no juízo ad quem, eficaz na proteção e
resguardo do bem jurídico tutelado.
Este trabalho, portanto, tem como objetivo a analise dos conflitos e divergências
jurisprudenciais no âmbito do Superior Tribunal de Justiça acerca da aplicação do poder geral
2
de cautela, mais precisamente, a concessão de liminar com o propósito de conceder efeito
suspensivo a recurso especial fazendo um comparativo com as novas tendências no campo do
Direito Processual Civil no que seria mais apropriadamente utilizado para se obter a proteção
jurídica de que tanto anseia a sociedade.
No primeiro capítulo serão estudados os principais aspectos referentes a tutela
cautelar, estudando o conceito, finalidade, características, pressupostos e fazendo um estudo
da sua aplicabilidade e o grau de eficiência em relação a outros institutos, para tal fim faz-se
necessário a devida harmonização com os princípios norteadores do Código de Processo Civil
referente ao tema.
Serão destacadas, no segundo capítulo, as particularidades do recurso especial, suas
hipóteses de cabimento com as devidas alterações trazidas pela novíssima emenda
constitucional nº 45/2004, seu procedimento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e a
analise dos efeitos de recurso aplicáveis a este recurso extraordinário.
No terceiro capítulo, será discutida e examinada a divergência, no âmbito da
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, atinente ao momento oportuno para conceder a
liminar com o fito de comunicar efeito suspensivo ao especial. Será dado enfoque às três
correntes existentes, quais sejam: a) concessão de liminar antes da interposição do recurso
especial; b) concessão de liminar após a interposição do especial não submetido ao crivo do
juízo de admissibilidade na origem, e, c) concessão de liminar após o juízo positivo de
admissibilidade no tribunal a quo.
E, finalmente, após a realização total desse estudo de forma analítica e comparativa
será exposta a conclusão a que se chegou a presente monografia.
2. TUTELA CAUTELAR
2.1. Noção Geral
É de relevante importância o estudo da tutela cautelar e, para isso, faz-se necessário
estabelecer a distinção entre processo cautelar e tutela cautelar, pelo motivo de ordem
conceitual, visto que o estudo do processo como técnica ou como forma de atuação do direito
material, nada tem a ver com as possíveis matérias ou substâncias que compõem seu
respectivo conteúdo, de modo que o processo cautelar trata-se de instrumento, e não a
substância nele contida. Outro motivo seria o de evitar a confusão de linguagem jurídica entre
processo cautelar e tutela cautelar. A tutela cautelar, portanto, tem por fim dar proteção
jurisdicional ao direito subjetivo ou a outros interesses reconhecidos pela ordem jurídica
como legítimos, tende a proteger também as pretensões de direito material, ações e exceções,
quando seus respectivos titulares aleguem que tais interesses, reconhecidos e protegidos pelo
direito, encontre-se sob a ameaça de um dano irreparável. 1
Enfoca-se, portanto no princípio constitucional de que “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, consoante o disposto no artigo 5º,
XXXV, da Constituição Federal.
Nesse contexto, a tutela jurisdicional é reclamada não só no sentido de se buscar um
provimento jurisdicional que assegure a reparação de uma lesão a um direito, mas também no
de se evitar a ameaça a um direito. Constitui-se em um verdadeiro óbice a que um futuro
provimento jurisdicional seja ineficaz, em razão do decurso do tempo, ínsito ao devido
1
OVÍDIO A BATISTA DA, Silva. Curso de processo civil. Volume 3. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2000. p. 15/17.
4
processo legal. Desde o momento em que a parte ingressa ao Poder Judiciário, seja para
requerer a declaração de um direito, seja para satisfazer um direito já reconhecido, até o
provimento jurisdicional definitivo, pode ser que os bens jurídicos envolvidos na lide sejam
deteriorados ou extintos, tornando ineficaz o provimento jurisdicional concedido no processo
principal. Tal ameaça a direito deve ser, pois, obstada.
Daí dispor o Judiciário de medidas cautelares a fim de alcançar tal objetivo. “A
cautelar, em qualquer caso, é indiscutivelmente uma garantia constitucional, porque de nada
valeria garantir o direito à jurisdição, se a sentença a final não tivesse condições de assegurar
a efetividade do direito reconhecido ao vitorioso na causa” 2.
Sendo assim, verifica-se que o fim precípuo do processo de conhecimento é
reconhecer a existência - ou não - do direito subjetivo pleiteado, gerando um provimento
jurisdicional em que o juiz aplique o direito correspondente à situação de fato, descrita e
comprovada pelo autor3.
Já no processo de execução, busca-se satisfazer o direito reconhecido em uma
sentença proferida no processo de conhecimento ou em um título executivo extrajudicial.
Busca-se tal satisfação, providenciando-se o cumprimento do provimento jurisdicional
concedido no processo de conhecimento, ou realizando-se, no plano empírico, o mandamento
contido em um título extrajudicial, ao qual a lei equipara a força e eficácia aos de uma decisão
judicial4.
Dentro dessa perspectiva, o processo cautelar é o modo pelo qual se obtêm meios de
garantir a utilidade e eficácia do provimento jurisdicional a ser concedido no processo de
2
MACHADO, Hugo de Brito. Medida cautelar nos recursos especiais e extraordinário. Revista Jurídica, São
Paulo, junho de 1998, ano XLVI, nº 248. p. 5.
3
Cf. WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Curso avançado de processo civil: processo cautelar e
procedimentos especiais. 2ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, vol. III. p. 25.
4
Idem, ibidem.
5
conhecimento, ou do processo de execução. Tal objetivo justifica-se, como já citado, em razão
do decurso do tempo. É o que ensina a doutrina:
“O processo, sendo soma de atos, não tem sua realização de imediato. Suas
finalidades, para serem atingidas, demandam tempo e, neste caso, a efetivação
prática do processo pode não ser alcançada, ainda que seja favorável ao
interessado. [...] Em casos tais, outra solução não se encontra senão a de se tomar
medida que possa garantir a plena realização do direito da parte, se for o mesmo
reconhecido no processo de conhecimento, ou se no processo de execução for
determinada a efetivação do direito”5.
Diante disso, o decurso do tempo, inerente ao devido processo legal, implica,
freqüentemente, variações nas coisas, pessoas e relações jurídicas substanciais envolvidas na
lide, as quais, caso não obstadas, acarretarão a inutilização e ineficácia da solução final do
processo6. É mister, pois, que o Estado venha assegurar a tutela jurídica, garantindo a
realização útil e eficaz do provimento jurisdicional e, conseqüentemente, o fim último do
processo: a paz social.
Dentro do contexto da tutela cautelar temos a ação cautelar como direito subjetivo
de fazer atuar o processo cautelar a fim de se obter a tutela cautelar7. Tendo-se em vista que o
órgão jurisdicional só se manifesta quando provocado, em face do artigo 2º do Código de
Processo Civil, é mister que a parte movimente a máquina judiciária por meio de seu direito
de ação8.
5
SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil: execução e processo cautelar. 6ª ed. rev. e
atual. São Paulo: Saraiva, 1998, vol. II. p. 296.
6
Nesse sentido: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e
processo cautelar. 20ª ed. São Paulo: Forense, 1997, vol. II. p.360, in verbis: “Pois, de nada valeria, por
exemplo, condenar o obrigado a entregar a coisa devida, se esta já inexistisse ao tempo da sentença; ou
garantir à parte o direito de colher um depoimento testemunhal, se a testemunha decisiva já estiver morta
quando chegar a fase instrutória do processo; ou ainda, declarar em sentença o direito à percepção de
alimentos a quem, no curso da causa, vier a falecer justamente por carência dos próprios alimentos”.
7
Cf. MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 2ª ed. atual. Campinas: Millennium,
1998, vol. IV. p. 491: “Ação cautelar é o direito de pedir a tutela jurisdicional de igual nome”.
8
A ressalva a essa regra será analisada no item 2.5.
6
Assim, através do processo cautelar9, teremos a relação jurídica processual formada
por um conjunto de atos e procedimentos que visam a atuar a jurisdição cautelar, culminando
no provimento jurisdicional, qual seja, a medida cautelar10. Assim, na ação cautelar, tem-se
por objeto a obtenção dessa cautelar, a qual tem por escopo garantir, in concreto, a utilidade e
a eficácia do processo principal. Com o direito subjetivo de se propor a ação cautelar têm-se,
ajuizada esta, a formação do processo cautelar com o objetivo específico da concessão da
medida cautelar cabível ao caso, dessa forma, obtêm-se a medida cautelar como provimento
jurisdicional concreto, concedido em sede de processo cautelar, a fim de assegurar a plena
realização do direito da parte, se for o mesmo reconhecido no processo de conhecimento, ou
efetivação do direito, caso seja determinada no processo de execução11, em face de qualquer
situação de perigo para direito ou interesse de um dos litigantes.É de se observar que, embora
seja o processo cautelar o instrumento natural para a produção de medidas cautelares, admitese a concessão de tais medidas no curso de processo de conhecimento ou de execução, ou
ainda, em procedimentos especiais12.
Destarte, verifica-se que a tutela cautelar tem a função de prevenção de direito ou
interesse litigioso da parte contra o risco de dano, o qual, se efetivado, comprometerá a
eficácia da tutela definitiva do processo principal. A procedência da cautelar não implica a
satisfação do pretenso direito, o qual só será reconhecido e satisfeito na ação principal. Não
9
Cf. GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 12ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1997, vol.
III. p. 152: “Processo cautelar é a relação jurídica processual, dotada de procedimento próprio, que se
instaura para a concessão de medidas cautelares”.
10
Cf. SANTOS, Ernane Fidélis dos. p. 297: “O processo cautelar será, portanto, a soma de atos que têm por
objetivo prestar cautela a um processo de conhecimento ou de execução, para que não se frustrem os efeitos
práticos da decisão ou da atividade executória”.
11
Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. 1997. p.360: “Medida cautelar é a providência concreta tomada pelo
órgão judicial para examinar uma situação de perigo para direito ou interesse de um litigante, mediante
conservação do estado de fato ou de direito que envolve as partes, durante todo o tempo necessário para o
desenvolvimento do processo principal”.
12
Cf. GRECO FILHO, Vicente. p. 152: “Mas nem todas as medidas cautelares são determinadas ou deferidas em
processo cautelar. Algumas delas podem ser determinadas dentro do próprio processo de conhecimento ou
de execução (como, p.ex., o arresto do art. 653) ou nos procedimentos especiais (ex: liminar no mandado de
segurança); outras por terem natureza mais administrativa, aparecem em simples procedimento que não
chega a constituir uma relação processual (ex: as notificações)”.
7
haverá a antecipação da solução do processo principal, e sim, uma prevenção para que se
evitem variações irremediáveis nas pessoas, bens e provas que envolvem a lide13. Daí resultar
o entendimento de que tem a tutela cautelar apenas uma função de prevenção ou garantia.
2.2. Características
Nas ações preventivas principais14, o autor deve provar exaustivamente o seu direito
em face do réu, a fim de conseguir um provimento definitivo, o qual estipulará medidas que
impedirão o dano ameaçado em definitivo e em caráter imediato, tal como ocorre no caso do
interdito proibitório, da ação declaratória, do mandado de segurança preventivo. Nas ações
preventivas cautelares, a tutela cautelar tem eficácia provisória15 e mediata, uma vez que se
baseia em cognição superficial de um direito apenas plausível, não se sabendo, a rigor, se o
direito subjetivo realmente existe, já que este só será ou não reconhecido ao final do processo.
Revela-se, portanto, provisória e modificável, consoante o artigo 807 do Código de Processo
Civil16. Destina-se a durar até que uma situação superveniente a torne desnecessária ou por
um espaço de tempo limitado ao período que deverá transcorrer entre a decretação da medida
cautelar e a superveniência do provimento principal ou definitivo17, sendo, por natureza,
13
THEODORO JÚNIOR, Humberto. 1997. p. 590.
14
Idem, 1991. p. 231: “As ações, portanto, que provocam a atuação da Justiça atendem tanto ao interesse de
afastar um dano como o de afastar uma simples ameaça, de sorte que se pode dizer que há ações
satisfativas e ações preventivas (Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, 5ª ed.,
Rio de Janeiro, Forense, 1983, v. I, p. 41, n.26). Mas, enquanto para a tutela satisfativa é indispensável a
comprovação em juízo da existência do direito subjetivo do autor, na tutela preventiva nem sempre haverá
necessidade de um completo acertamento acerca desse elemento. É que existem ações preventivas
principais e ações preventivas cautelares”.
15
THEODORO JÚNIOR, Humberto. 1997. p. 363-364: “Toda medida cautelar é caracterizada pela
provisoriedade, no sentido de que a situação preservada ou constituída mediante provimento cautelar não se
reveste de caráter definitivo, e, ao contrário, se destina a durar por um espaço de tempo delimitado. [...]
Nem toda medida provisória é, contudo, medida cautelar. Caso típico de medida provisória não cautelar são
as liminares que se admitem em certos procedimentos especiais de mérito, como os interditos possessórios e
os mandados de segurança. Essas liminares, ao contrário da providência propriamente cautelar, já se
apresentam como ‘entrega provisória e antecipada do pedido’, já são ‘decisão satisfativa do direito’, embora
precária. Destinam-se a transformar-se em definitivas com a sentença final”.
16
Idem, 1997. p.232.
17
GRECO FILHO, Vicente. p. 151.
8
destinada a ser absorvida ou substituída por este provimento definitivo18. Dessa forma, o
arresto desaparece, sendo substituído pela penhora; o seqüestro, pela imissão de posse ou pelo
depósito executivo; e a prova antecipada, com a utilidade prestada à sentença, exaure a sua
finalidade19.
Além disso, enquanto as ações preventivas principais buscam evitar a ameaça ou o
dano a direito subjetivo reconhecido, as cautelares não tendem em si a defender o direito
subjetivo da parte, o qual ainda não foi reconhecido. Buscam garantir a eficácia e utilidade do
processo principal, caso a parte em situação de perigo, venha a sair vitoriosa no julgamento
definitivo20, tendo, somente aí, o seu direito reconhecido. Daí a instrumentalidade que
também caracteriza a atividade cautelar. É instrumental, pois tem uma função auxiliar e
subsidiária, qual seja, servir o processo principal, garantindo o seu resultado último. O
processo cautelar existe em função de outro processo21.
Outra característica presente na tutela cautelar é a revogabilidade, pois não há que se
falar em coisa julgada material, ressalvadas as hipóteses excepcionais do artigo 810 do
Código de Processo Civil. Não há o que se tornar imutável. “É característica da medida
cautelar como provimento emergencial de segurança, a possibilidade de sua substituição (art.
805), modificação ou revogação, a qualquer tempo (art. 807)” 22.
Por conseguinte, essa revogabilidade e mutabilidade são conseqüências da própria
natureza das medidas cautelares, que são concedidas em razão de alguma situação
emergencial e transitória. Uma vez modificada essa situação fática, de forma a não ser mais
18
THEODORO JÚNIOR, Humberto. 1997. p. 364.
19
Idem, ibidem.
20
Idem, 1991. p. 232.
21
Nesse sentido: GRECO FILHO, Vicente. p. 151: “... Instrumental porque elas não têm finalidade ou objetivo
em si mesmas, mas existem em função de outro processo”.
22
THEODORO JÚNIOR, Humberto. 1997. p. 364.
9
necessária a sua cautela, cessa a razão de ser da precaução, ensejando a sua revogação ou
modificação.
O processo cautelar é caracterizado, também, pela autonomia. Em que pese ser um
processo instrumental e acessório (tendo em vista que o mesmo busca garantir a realização
prática de um processo principal em curso ou que ainda será proposto, sendo dele dependente,
conforme artigo 796 do Código de Processo Civil), é inegável a sua autonomia. É um
processo que nasce com uma petição inicial e termina, necessariamente, com uma sentença.
Contra o pedido formulado pelo autor na peça exordial, manifestar-se-á a parte contrária,
estabelecendo-se um verdadeiro litígio, com características e princípios próprios, o qual não
se confundirá com o processo principal ao qual se pretende tutelar23.
Dessa forma, tem características, princípios, objetivos e razão de ser próprios e
distintos dos do processo principal. Possui fins próprios que são perseguidos e realizados pelo
processo cautelar independentemente da procedência ou não do principal. Nesse sentido
dispõe o artigo 810 do Código de Processo Civil ao admitir que o indeferimento da medida
cautelar não obsta a que a parte intente a ação, nem influi no julgamento desta. Ressalve-se, é
claro, o caso de acolhimento da preliminar de prescrição ou decadência, caso em que, haverá
a influência do processo cautelar sobre o principal, ocorrendo a coisa julgada material.
Assim, pode a parte que logrou êxito na ação cautelar sair vencida na ação principal,
ou vice-versa, já que o resultado de um não reflete no resultado do outro, sendo, pois, a
pretensão cautelar acolhida ou rejeitada por seus próprios fundamentos e não em razão do
mérito da ação principal24.
23
SANTOS, Ernane Fidélis dos. p. 297.
24
THEODORO JÚNIOR, Humberto. 1997. p. 366.
10
2.3. Pressupostos específicos
Para ser concedida uma medida cautelar, além de estarem presentes as condições
gerais da ação (legitimidade das partes, interesse processual e possibilidade jurídica do
pedido), é imprescindível a configuração de dois outros pressupostos, quais sejam: o fumus
boni iuris e o periculum in mora.
A expressão fumus boni iuris corresponde à fumaça do bom direito. Traduz-se na
possibilidade de uma sentença favorável ao autor da ação cautelar, no processo de
conhecimento, ou de deferimento da execução ao autor da ação cautelar, no processo de
execução. Trata-se tão-somente de um juízo de probabilidade cuja função consiste em evitar a
concessão de medidas cautelares quando nenhuma é a possibilidade de êxito no processo
principal, sendo, pois, inútil a cautela25. É, por conseguinte, a simples possibilidade de êxito
do processo principal, seja de conhecimento, seja de execução26.
Essa aparência do bom direito é averiguada em cognição sumária, sendo realizada
apenas uma análise perfunctória dos fatos, não havendo certeza acerca do direito aplicável.
Assim, não é necessária a demonstração cabal do direito ameaçado. Basta a demonstração de
um interesse que justifique o direito ao processo principal. Isso ocorre, justamente, em razão
de ser o direito material em risco, geralmente, o objeto do litígio, o qual será declarado apenas
no processo principal.
O periculum in mora ou perigo da demora corresponde ao fundado receio de que
uma parte, antes do julgamento da lide (e, assim, antes de se atender ao direito pleiteado),
cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação27. Consiste, destarte, no dano em
25
Nesse sentido: GRECO FILHO, Vicente. p. 154: “O fumus boni iuris (fumo do bom direito) é a probabilidade
ou possibilidade da existência do direito invocado pelo autor da ação cautelar e que justifica a sua proteção,
ainda que em caráter hipotético”.
26
SANTOS, Ernane Fidélis dos. p. 300.
27
SANTOS, Ernane Fidélis dos. p. 301.
11
potencial ou risco de ineficácia e inutilidade do provimento jurisdicional a ser concedido no
processo principal, em virtude da dilatio temporis.
Essa ameaça de dano diz respeito à alteração da situação fática que pode ocorrer até
a conclusão do processo principal. Compreende qualquer risco que possa alterar o estado das
pessoas, bens ou provas necessários à realização prática do provimento final do processo de
mérito, tais como: perecimento, destruição, desvio, ou qualquer alteração do estado das
pessoas, provas ou bens.
Esse perigo justificador da concessão da medida cautelar deve ser fundado. Deve,
por conseguinte, ser demonstrado por meio de um fato concreto. Não se limita à mera situação
subjetiva de temor. Relaciona-se a um dano iminente, o qual deverá ocorrer ainda durante a
tramitação do processo principal. Deve, também, ser grave e de difícil reparação.
Objetivamente, considera-se como de difícil reparação o dano que não permita, por sua
natureza, nem a reparação específica, nem a do respectivo equivalente (indenização).
Subjetivamente, admite-se como dificilmente reparável, quando o responsável pela
restauração não tenha condições econômicas de efetuá-la28.
Por fim, deve-se entender como grave todo dano que importe supressão total ou
inutilização, ao menos de grande monta, do interesse, que se espera, venha a prevalecer na
solução da lide pendente de julgamento29.
Ainda que haja determinada dose de subjetividade quando da aferição da presença
desses pressupostos, é inegável que não se trata de um poder discricionário do juiz conceder,
ou não, a medida cautelar pleiteada. O mesmo não dispõe da possibilidade de escolha entre
conceder, ou não, a medida. Uma vez demonstrados esses pressupostos, é dever do
28
Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. 1997. p. 373.
29
THEODORO JÚNIOR, Humberto. 1997. p. 373.
12
magistrado concedê-la, sob pena de ferir gravemente o princípio previsto no artigo 5º, inciso
XXXV, da Constituição Federal30.
2.4. Poder geral de cautela
O Código de Processo Civil prevê uma série de situações de risco e respectivas
medidas preventivas, cujos objetivos e procedimentos estão definidos e regulados na própria
lei. Prevê, pois, as chamadas medidas cautelares típicas ou nominadas.
A função cautelar, no entanto, não se restringe apenas aos casos vislumbrados por
lei. Sabe-se que esta tem por finalidade afastar qualquer situação de perigo que possa
comprometer a utilidade ou eficácia do processo principal. E não é demais ressaltar que ao
legislador é impossível prever todas as hipóteses que importem risco a interesse ou direito de
um dos litigantes31.
Sendo assim, verifica-se a imprescindibilidade de o juiz poder determinar não só as
medidas típicas, previstas em lei, mas também providências outras, desde que julgadas
adequadas, sempre que houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide,
cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação, conforme dispõe o artigo 798 do
Código de Processo Civil. Instituiu-se, nesse dispositivo, o poder geral de cautela32. Cabe
ressaltar que, embora o mencionado dispositivo refira-se à lesão que uma parte possa causar
ao direito de outra, o poder geral de cautela abrange também situações em que a ameaça ou
30
Nesse sentido: NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. 4ª ed. rev. e
atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 402, in verbis: “Demonstrados o fumus boni iuris e o
periculum in mora, ao juiz não é dado optar pela concessão ou não da cautela, pois tem o dever de concedêla. É certo que existe certa dose de subjetividade na aferição de existência dos requisitos objetivos para a
concessão da cautelar. Mas não menos certo é que não se pode falar em poder discricionário do juiz nesses
casos, pois não lhe são dados pela lei mais de um caminho igualmente legítimo, mas apenas um”.
31
Cf. WAMBIER, Luiz Rodrigues. p. 34.
32
THEODORO JÚNIOR, Humberto. 1991. p. 234.
13
lesão a direito possa ser causada por terceiro, ou mesmo quando a própria dilatio temporis ou
os fenômenos naturais possam causar qualquer lesão ou ameaça de lesão33.
Justifica-se, destarte, o poder geral de cautela, a partir desta impossibilidade de o
legislador prever todas as medidas preventivas que afastem todas as situações de perigo. Em
ultima ratio, o poder geral de cautela vem assegurar, efetivamente, que a tutela definitiva
concedida no processo principal seja eficaz, útil, apta a produzir os seus efeitos e, sobretudo,
justa. Negar a tutela quando é mister sua atuação, ainda que se trate de um caso não previsto
em lei, corresponderia a uma ofensa irreparável ao princípio constitucional de acesso à
justiça34.
Manifesta-se o poder geral de cautela não só quando a parte requer a instauração,
preventiva ou incidental, de processo cautelar, pleiteando medida não tipificada na lei,
chamada, portanto, de inominada. Em face do poder geral de cautela, pode também o
magistrado atuar independentemente de iniciativa das partes e de processo cautelar,
determinando qualquer providência assecuratória, nos próprios autos do processo de
conhecimento ou de execução, diante de determinada situação de emergência35.
Trata-se de um verdadeiro poder discricionário conferido ao juiz, na medida em que
a lei lhe atribui a possibilidade de tomar a medida que achar adequada diante de cada caso
concreto. Ao mesmo, é dado determinar a prática ou impor a abstenção de quaisquer atos,
previstos ou não em lei. A critério do magistrado é que serão fixadas as medidas
33
GRECO FILHO, Vicente. p.155.
34
Nesse sentido: THEODORO JÚNIOR, Humberto. op. cit., 1991. p. 237, in verbis: “Destarte, negar a tutela
cautelar, quando imperiosa seja sua atuação, equivale a sonegar a própria tutela jurisdicional, que, no
moderno Estado de Direito, figura entre as garantias fundamentais (CF. art. 5º, XXXV). [...] Mesmo na
dúvida, portanto, o caminho a seguir é o da concessão e não o da denegação da medida preventiva, sempre
que haja algum risco de dano sério”.
35
Nesse sentido: GRECO FILHO, Vicente. op. cit. p.156, in verbis: “Assim, por exemplo, quando o juiz,
sabendo da ameaça que pode estar sofrendo uma testemunha, determina medidas, inclusive policiais, para
sua proteção, está exercendo o poder geral de cautela. Igualmente, quando o juiz, numa ação de disciplina
de guarda de menor, determina que a própria parte que o tem sob sua guarda no momento providencie
medidas para protegê-lo, atua com poder cautelar geral”.
14
assecuratórias cabíveis. Todavia, esse poder discricionário não se confunde com
arbitrariedade, posto que deve ser exercido dentro dos limites impostos pela lei36. Quando do
exame do pedido da cautelar, o magistrado deverá submeter-se aos princípios legais da tutela
cautelar, devendo estar presentes, inclusive, os requisitos genéricos exigidos para as medidas
cautelares típicas. O próprio artigo 798 do Código de Processo Civil, ao mesmo tempo em que
instituiu, limitou o poder geral de cautela, restringindo-o aos casos de risco de lesão grave e
de difícil reparação, que ameace o direito de uma das partes, antes da solução final do
processo principal.
Além disso, uma vez evidenciados tais requisitos, não pode o juiz deixar de
conceder a tutela. Nesse sentido, o aludido poder discricionário consiste apenas no fato de que
a medida a ser tomada será modelada pelo juiz, diante de cada caso concreto. Configura,
também, uma verdadeira limitação a esse poder discricionário o requisito da necessidade real.
A medida cautelar atípica a ser deferida deve ser efetivamente necessária à tutela cautelar.
Nesse contexto, a situação fática autorizadora da concessão da medida deve ser passível de
alterar bens, provas ou pessoas, acarretando ou podendo acarretar prejuízo, caso contrário não
está evidenciado o requisito da necessidade, sendo a própria decisão de mérito do processo
principal capaz de dirimir a lide.
2.4.1. Aplicação do poder geral de cautela para atribuir efeito suspensivo a recurso
Impõe-se, em primeiro lugar, proceder à distinção que se segue. Diante do princípio
do duplo grau de jurisdição que, a despeito de não ser absoluto, norteia o nosso direito, os
provimentos jurisdicionais de cunho decisório são passíveis de recurso com efeito devolutivo.
Em virtude do efeito devolutivo, transfere-se a matéria objeto de impugnação a fim de que
seja reapreciada pelo órgão jurisdicional competente. Já o recurso com efeito suspensivo visa
36
Nesse sentido: THEODORO JÚNIOR, Humberto. op. cit., 1997. p. 592, in verbis: “Mas, impõe-se proclamar,
desde logo, que discricionariedade não é o mesmo que arbitrariedade, mas apenas possibilidade de escolha
ou opção dentro dos limites traçados pela lei. Na verdade a outorga de um poder discricionário resulta de
15
a retirar a eficácia do julgado recorrido, e, com isso, impedir a execução da decisão
impugnada até o julgamento do recurso. Porém, nem todos os recursos são providos de efeito
suspensivo ex vi legis. É o que se depreende do artigo 520 do Código de Processo Civil37.
Quanto aos recursos endereçados às cortes superiores, convém lembrar a inexistência de
efeito suspensivo, nos termos do §2º do artigo 542 do Código de Processo Civil, in verbis:
“Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo”.
Sob essa perspectiva, casos há em que o recurso interposto não dispõe de efeito
suspensivo, possibilitando, então, a execução provisória do julgado recorrível. Ocorre que, tal
execução ainda que seja passível de revogação em caso de provimento do recurso, pode
importar em dano irreparável ou de difícil reparação para o recorrente38. Basta imaginar o
provimento de apelação interposta por locador em ação de despejo. A ausência de efeito
suspensivo do especial retira a utilidade do recurso, considerado o dano causado pelo despejo
do inquilino.
Anteriormente, utilizava-se a ação de mandado de segurança a fim de atribuir efeito
suspensivo ao recurso que normalmente não o possuía. O writ, no entanto, era concedido de
forma excepcional e cercado de restrições. Exigia-se, para o deferimento do mandamus, a
demonstração do fumus boni iuris e do periculum in mora. Verifica-se, então, que o mandado
de segurança, ao afastar essas situações de risco, fazia as vezes de simples medida cautelar39.
um ato de confiança do legislador no juiz, não, porém, num bill para se desvencilhar dos princípios e
parâmetros que serviram de fundamentos à própria outorga”.
37
Cf. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Do manejo da tutela cautelar para obtenção de efeito suspensivo no
recurso especial e no recurso extraordinário. In Aspectos polêmicos e atuais do recurso especial e do
recurso extraordinário. Coordenadora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1997. p. 358.
38
Nesse sentido: THEODORO JÚNIOR, Humberto. op. cit., 1991. p. 243, in verbis: “Basta lembrar a
possibilidade do despejo de um estabelecimento comercial ou industrial ou de reintegração de posse sobre
equipamento vinculado a alienação fiduciária ou leasing. Perdido o ponto comercial ou paralisado o parque
fabril, o dano suportado pela parte será de tal monta que, perante ele, pouca importância terá a reforma do
julgado pela instância recursal”.
39
THEODORO JÚNIOR, Humberto. op. cit., 1991. p. 243.
16
Além do mais, a ação de mandado de segurança jamais foi a via processual idônea,
sob o ponto de vista científico, tendo em vista a existência de ação própria em nosso direito:
cautelar. Não é só. O enunciado nº 41 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça é explícito:
“O Superior Tribunal de Justiça não tem competência para processar e julgar,
originariamente, mandado de segurança contra ato de outros tribunais ou dos respectivos
órgãos”.
Nesse mesmo sentido dispõe o tópico 31 da Exposição de Motivos do Código de
Processo Civil, de autoria do Professor Alfredo Buzaid, in verbis:
“Convém, ainda, tecer alguns comentários sobre a nomenclatura do Código
vigente.
Os recursos de agravo de instrumento e no auto do processo (arts. 842 e 851) se
fundam num critério meramente casuístico, que não exaure a totalidade dos casos
que se apresentam na vida cotidiana dos tribunais. Daí a razão por que o
dinamismo da vida judiciária teve de suprir as lacunas da ordem jurídica
positiva, concedendo dois sucedâneos de recurso, a saber, a correição parcial e
o mandado de segurança.
A experiência demonstrou que esses dois remédios foram úteis corrigindo
injustiças ou ilegalidades flagrantes, mas representavam uma grave
deformação no sistema, pelo uso de expedientes estranhos ao quadro de
recursos” [sem grifo no original].
Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal, com base no artigo 21, incisos IV e V,
do seu Regimento Interno, passou a utilizar diretamente a via própria da ação cautelar a fim
de emprestar efeito suspensivo a recurso extraordinário, visando a sustar a execução do
“decisório atacado pelo apelo extremo”, por não ter igualmente o referido recurso efeito
suspensivo40. Ademais, o artigo 304 do Regimento Interno de 1980, ao admitir a propositura
de medidas cautelares nos recursos, independentemente de seus efeitos, afasta qualquer
dúvida.
40
Idem, ibidem.
17
O mesmo entendimento firmou-se no âmbito do Superior Tribunal de Justiça41, até
mesmo em razão da clareza dos artigos 34, incisos IV e V, e 288, do Regimento Interno, que
assim dispõem:
Art. 34 – “São atribuições do relator:
IV – submeter à Corte Especial, à Seção, à Turma, ou aos Presidentes, conforme a
competência, questões de ordem para o bom andamento dos processos;
V – submeter à Corte Especial, à Seção ou à Turma, nos processos da competência
respectiva, medidas cautelares necessárias à proteção de direito suscetível de
grave dano de incerta reparação, ou ainda destinadas a garantir a eficácia da
ulterior decisão da causa” [sem grifo no original].
Art. 288 – “Admitir-se-ão medidas cautelares nas hipóteses e na forma da lei
processual.
§ 1º - O pedido será autuado em apenso e processado sem interrupção do processo
principal.
§ 2º - O relator poderá deferir liminarmente a medida ad referendum do órgão
julgador competente”.
Com a devida alteração onde consta do Código de Processo Civil, o artigo 558, com
a redação da Lei 9139/95, permite ao relator de qualquer recurso, conceder efeito suspensivo
a recurso, nas hipóteses em que possam resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo
relevante a fundamentação, supender o cumprimento de desição até o pronunciamento
definitivo da turma ou câmara." (Nelson Nery Jr., Atualidades sobre o Processo Civil, 2ª
edição, RT, p. 215);
41
É o que se infere da seguinte decisão: “[...] Considerando a presença do periculum in mora e do fumus boni
iuris, decorrentes da iminência de desocupação compulsória de casa de saúde por força de decisão proferida
em ação de despejo ajuizada na mesma comarca em que anteriormente aforada ação de consignação dos
locativos, considerando que admitido o recurso especial no Eg. Tribunal de origem e, ainda que a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, na vigência do sistema constitucional anterior, vinha
admitindo [...] o manejo da cautelar para comunicar efeito suspensivo ao então recurso extraordinário (art.
21 – IV, c/c 304, RISTF), com base no art. 34, VI, do Regimento Interno deste Tribunal concedo a cautelar,
liminarmente, para deferir o efeito suspensivo ao recurso especial já admitido na origem, ad referendum da
Turma Julgadora (art. 34, IV) [...]” in SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 4ª Turma. Ementa:
“Processo civil. Cautelar. Efeito recursal suspensivo. Não conhecimento do recurso especial. Pedido
prejudicado. – Julga-se prejudicado o pedido de comunicação de efeito suspensivo ao recurso especial,
viabilizado através de ‘cautelar inespecífica’, quando o Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o recurso,
18
Nesse sentido, é pacífico o entendimento de que, provando o recorrente a existência
da plausibilidade do direito por ele alegado e a irreparabilidade do direito ou difícil
reparabilidade do mesmo, caso a decisão produza efeitos, admissível será a propositura de
ação cautelar inominada incidental a fim de se obter uma medida cautelar, a qual obstará a
eficácia imediata do julgado recorrido42. É importante registrar que a ação cautelar a ser
proposta é realmente incidental, mas em relação ao processo principal, no qual foi interposto
o recurso especial. Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a cautelar não é
preparatória, antecedente, mas, sim, incidental, pois é apresentada em relação a um processo
de conhecimento ou de execução já em curso.
Destarte, depreende-se que o poder geral de cautela, in casu, não se trata apenas de
conferir efeito suspensivo a recurso que legalmente não possui esse predicado, mas, sim,
impedir o risco de inutilização e ineficácia do processo de conhecimento ou de execução, em
face do fumus boni iuris e do periculum in mora, salvaguardando, assim, o princípio do
devido processo legal e o princípio do acesso à justiça.
2.5. Competência
Tema muito interessante é o da competência para processar e julgar a ação cautelar
incidental. O antigo parágrafo único do artigo 800 do Código de 1973 rezava que: “nos casos
urgentes, se a causa estiver no Tribunal, será competente o relator do recurso” [grifou-se].
No sentir de Humberto Theodoro Júnior, a competência cautelar seria do juiz de
primeiro grau e não do tribunal, pois a eficácia da sentença se faz atuar não no processo de
conhecimento, que já alcançara em muito a sua finalidade, mas, sim, no processo de
execução. Em havendo alguma possibilidade de perigo de lesão a direito de algum dos
deste não conhece”. Pet. nº 35. Relator: Sálvio de Figueiredo. Data de julgamento: 06.03.1990. DJ de
02.04.1990.
42
Cf. NERY JUNIOR, Nelson. op. cit. p. 401.
19
litigantes, após a sentença, é porque esta desafiará a execução. Sendo assim, o risco de dano
passaria a ser enfrentado pelo processo executivo, e não pelo processo de conhecimento43.
Todavia, a exegese conferida a esse dispositivo pelos principais tribunais seguia a
orientação de Calmon de Passos, consoante o qual, na pendência de recurso, em face do artigo
463 do Código de Processo Civil, competia ao tribunal o processamento e o julgamento das
cautelares, cabendo ao relator, ad referendum do órgão colegiado, a atribuição de deferir
provimentos liminares44.
Contudo, restava ainda um questionamento acerca de quem seria competente quando
o processo já se encontrava no tribunal sem que houvesse sido distribuído ao relator. Galerno
Lacerda entendia que, por falta de previsão normativa, enquanto o recurso não era distribuído
no tribunal, o juiz de primeiro grau continuaria a ser competente. A uma, porque é o juiz de
primeiro grau quem tem melhores condições de avaliar a necessidade da medida. A duas,
porque a tutela, a essas alturas, se destinará a resguardar a execução do julgado, cuja
competência pertence ao juízo de primeiro grau45.
A doutrina predominante, no entanto, acordava com Calmon de Passos, cuja
orientação era a fixação da competência do presidente do tribunal, em caso de não
distribuição de recurso46, aplicando-se analogamente o artigo 68 da Lei Orgânica da
Magistratura Nacional. Em face desse dispositivo, não havendo câmara ou turma especial de
férias, o presidente pode decidir sobre as medidas urgentes. Cabe registrar que, para o próprio
processualista, essa solução pode não ser a mais adequada, em que pese ser válido o
argumento da interpretação analógica, tendo em vista que “se a função cautelar é erigida à
categoria de instrumento indispensável à realização dos fins do processo, não é concebível
43
Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. op. cit., 2004. p. 388.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. op. cit., 2004. p.239.
45
LACERDA, Galerno. Comentários ao código de processo civil. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, vol.
VIII, tomo I. p. 207.
46
Apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. op. cit., 2004. p. 240.
44
20
que o próprio processo se recuse a usar a proteção cautelar, ou imponha uma condição à sua
utilização que a torne inócua e imprestável à tutela para que foi criada”47.
Não é demais ressaltar que toda essa controvérsia gerada em torno dessa questão foi
eliminada pela nova redação conferida ao aludido dispositivo pela Lei nº 8.952, de 1994. Não
há mais dúvida de que a competência cautelar durante tramitação recursal é do tribunal ad
quem, e não do juiz de primeiro grau. Sob esse enfoque, assim dispõe o artigo 800, caput, do
Código de Processo Civil: “As medidas cautelares serão requeridas ao juiz da causa; e,
quando preparatórias, ao juiz competente para conhecer da ação principal”. Determina, ainda,
em seu parágrafo único, que a medida cautelar deverá ser requerida diretamente ao
tribunal ad quem, após a interposição do recurso. Eis o teor do parágrafo único do artigo
800 do Código de Processo Civil: “Interposto o recurso, a medida será requerida diretamente
ao tribunal”.
Trata-se de competência de natureza absoluta. Com efeito, tratando-se de ação
cautelar incidental, o juízo competente para o julgamento do processo principal também o
será para o processo cautelar, uma vez que a distribuição deste far-se-á por dependência
àquele, o qual já tem competência determinada. Tratando-se de ação cautelar preparatória,
deve-se analisar qual juízo será competente para o julgamento da ação principal, fixando-se,
por conseguinte, o juízo competente para o processo cautelar, utilizando-se para tanto, as
regras gerais de competência no tocante à matéria e ao foro48.
Porém, a competência cautelar durante tramitação recursal em tribunais superiores
suscita uma série de questionamentos e divergências, os quais serão analisados a posteriori.
É válido ressaltar que, em virtude da própria razão de ser do processo cautelar, há
um princípio que tem o condão de derrogar essas regras de competência: “a urgência
determinada pelo perigo na demora”. Em casos excepcionais de emergência, em que a fixação
47
Apud Idem, op. cit., 2004. p. 241.
21
da competência conforme as regras estabelecidas no Código de Processo Civil importe em
dano irreparável ao direito da parte, pode o juiz incompetente fixar medidas cautelares, a fim
de evitar o perecimento do direito. No caso em tela, no entanto, o juiz incompetente não se
tornará prevento em relação à ação principal. Compete à parte propor a ação principal ao juízo
competente, vigorando-se, destarte, as regras gerais de competência49.
2.6.Cognição, execução e cautelar através do sincretismo processual
A garantia fundamental de efetividade da tutela jurisdicional revela a análise do
processo não somente como complexos de normas, mas, principalmente, como instrumento de
realização dos direitos subjetivos materiais. A instrumentalidade do sistema processual tem
nos objetivos e resultados do processo a perspectiva daqueles que nele participação. A
dinâmica da aplicação do processo deve ter em mira o consumidor da justiça e suas pretensões
materiais: o processo a serviço da sociedade, do direito e da justiça.
“Se a função do processo há de ser verdadeiramente instrumental, deverá ele ser
concebido e organizado de tal modo que as pretensões de direito material encontrem, no plano
jurisdicional, formas adequadas, capazes de assegurar-lhes realização específica, evitando-se,
quanto possível, que os direitos subjetivos primeiro sejam violados para, só então, merecer
tratamento jurisdicional, concedendo-lhes a seu titular, às mais das vezes, um precário e
aleatório sucedâneo indenizatório”. 50
O direito fundamental à efetiva tutela jurisdicional, pautada na tempestividade e
adequação do processo ao direito material, aliado à constatação que as situações em sociedade
48
Cf. GRECO FILHO, Vicente. op. cit. p. 161.
49
Nesse sentido: Idem, op. cit. p. 163, in verbis: “Assim, por exemplo, se a ação principal deve ser, pelas regras
do domicílio do réu, proposta em São Paulo, mas a coisa a ser arrestada encontra-se em outra comarca e a
demora da expedição da precatória pode tornar ineficaz a medida, pode a medida ser requerida ao juiz da
comarca em que se encontra a coisa”.
50
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil: processo de conhecimento. Volume 1. 4 ed. São
Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2000, p. 126.
22
não são iguais, acarreta a impossibilidade de tratamento processual uniforme aos conflitos
sociais. Com efeito, certas situações sociais merecem tratamento diferenciado: novas formas
de tutela.
A superação das técnicas clássicas de tutela, especificamente da “necessidade” da
dualidade de mecanismos jurisdicionais visando atingir o mesmo fim, nos parecer irreversível.
Para tanto, nosso sistema, na última década, sofreu alterações significativas, dentre as quais
destacamos as tutelas dimensionadas nos artigos 273, 461, 461-A, do Código de Processo
Civil, pelas quais tem-se a busca da especificidade dos direitos, a antecipação da tutela
jurisdicional, o reconhecimento de efeitos mandamentais e executivos lato sensu nos
provimentos jurisdicionais e a possibilidade de cognição e execução em uma única demanda.
Nesta linha, supera-se, em certas situações, a dicotomia processual até então
prevalecente pelo processo clássico, com a possibilidade de satisfação, através de atos
executivos, no próprio processo de conhecimento. Através destas técnicas há um sincretismo
processual: simultaneidade de cognição e execução no mesmo processo.
Tanto a antecipação de tutela, disciplinada no art. 273 do CPC, como a tutela
específica das obrigações de fazer, não fazer e de entrega de coisa, através das tutelas
mandamental e executiva lato sensu (art. 461 e 461-A, do CPC), dispensam nova relação
executiva, bastando serem realizados atos executivos no próprio processo cognitivo para
atingir a satisfação fática imposta pela decisão de mérito, seja ela provisória ou definitiva.
A doutrina moderna tem reconhecido a superação da dicotomia processual e, por
conseguinte, a manifestação do sincretismo processual em nosso sistema. Em recente trabalho
comentando as alterações do processo civil imprimidas pela Lei 10.444/2002, Joel Dias
FIGUEIRA JÚNIOR ensina que “... o processo de conhecimento clássico não compadece, de
regra, com as ações sincréticas, que são justamente aquelas que admitem, simultaneamente,
cognição e execução, isto é, à medida que o juiz vai conhecendo e, de acordo com as
necessidades delineadas pela relação de direito material apresentada e a tutela perseguida pelo
autor, vai também executando (satisfazendo) provisoriamente, fulcrado em juízo de
verossimilhança ou probabilidade. Significa dizer que as ações sincréticas não apresentam a
dicotomia entre conhecimento e executividade, verificando-se a satisfação perseguida pelo
23
jurisdicionado numa única relação jurídico-processual, onde a decisão interlocutória de mérito
(provisória) ou a sentença de procedência do pedido (definitiva) serão auto-exeqüíveis.”51
Para Paulo Henrique dos Santos LUCON, “a moderna e atual idéia das sentenças
mandamentais é muita mais ampla e não apenas dirigida aos órgãos ou agentes estatais, mas
também ao particular. Segundo esse enfoque, tal modalidade de sentença, como a anterior
(eficácia executiva lato sensu), proporciona uma tutela independentemente da instauração do
processo de execução. Para a efetivação do comando (ou ordem ou mandamento) integrante
da sentença não há necessidade de ação executiva, ulterior ou autônoma, que dê ensejo a um
processo executivo.” 52
Em obra que analisa com originalidade e precisão os princípios contemporâneos da
execução civil, José Miguel Garcia MEDINA aborda o princípio da autonomia (atos
executivos somente no processo de execução) e o princípio do sincretismo entre cognição e
execução (atos executivos no processo de conhecimento, através de provimentos
mandamentais e executivos).53 Para este prestigiado processualista, “as atividades cognitivas e
executivas, no entanto, devem ser consideradas hoje, eminentemente como meios para a
consecução de uma tutela jurisdicional, de modo que qualquer entendimento que procure
demonstrar a “auto-suficiência” destas atividades deve ser evitado.” 54
Em relação ao aspecto ora em destaque, MEDINA conclui: “Nos casos em que se
manifesta o princípio do sincretismo entre execução e cognição, as duas atividades realizam-
51
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Comentários à novíssima reforma do CPC Lei 10.444, de 07 de maio de
2002. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 03. Destaques no original.
52
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2000, p.162.
53
MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil: princípios fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2002. No Capítulo 4 desta obra – “Princípio da autonomia e princípio do sincretismo entre
cognição e execução” – o autor apresenta, com extrema profundidade, a simultaneidade de atos executivos e
cognitivos no atual processo civil brasileiro.
54
MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil: princípios fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2002, p. 216.
24
se na mesma relação jurídico-processual. A partir desta premissa, as mais diversas formas de
relação entre cognição e execução podem ser concebidas, e de fato têm sido elaboradas pelo
legislador com o fito de se obter uma tutela jurisdicional mais efetiva.” 55
2.6.1 Sincretismo processual através das tutelas mandamental e executiva
lato sensu.
Estas “formas de relação entre cognição e execução”, acima citada por MEDINA,
que viabilizam o sincretismo processual, podem ser obtidas pelas tutelas mandamentais e
executivas lato sensu. A referência, aqui, de tutela, é no sentido de identificar os meios
destinados a obter o resultado pretendido pela jurisdição, sejam os meios executivos de subrogação (execução direta) ou de coação (execução indireta). Tais tutelas estão dimensionadas
nos artigos 273, 461 e 461-A, do Código de Processo Civil.
A tutela mandamental veicula uma ordem do juiz, acompanhada de mecanismos
coercitivos (multa por tempo de atraso), para a parte cumprir a obrigação que lhe é imposta
(art. 273, §3º, art. 461, §§4º e 5º, art. 461-A, §3º, do CPC). O juiz não se limita a condenar a
parte a fazer ou deixar de fazer. Nas palavras de Ovídio Baptista da SILVA, mestre gaúcho
que desenvolve o tema – ação mandamental - com extrema profundidade, na tutela
55
MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil: princípios fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2002, p. 217.
25
mandamental “o juiz ordena e não simplesmente condena” 56. Na lição do mestre, trata-se de
outorga de poderes de imperium ao juiz. 57
Luiz Guilherme MARINONI, na mesma linha, ensina que “se a sentença
condenatória difere da declaratória por abrir a oportunidade à execução por sub-rogação, a
tutela mandamental delas se distancia por tutelar o direito do autor forçando o réu a adimplir a
própria ordem do juiz. Na sentença mandamental há ordem, ou seja, imperium, e existe a
coerção da vontade do réu; tais elementos, como foi amplamente demonstrado, não estão
presentes no conceito de sentença condenatória, compreendida
como uma sentença
correlacionada com a execução forçada.”58 Continuando seus ensinamentos, o processualista
paranaense explica que “a mandamentabilidade não está na ordem, ou no mandado, mas na
ordem conjugada à força que se empresta à sentença, admitindo-se o uso de medidas de
coerção para forçar o devedor a adimplir. Só há sentido na ordem quando a ela se empresa
força coercitiva; caso contrário, a ordem é mera declaração. Da mesma forma que a
condenação só é condenação porque aplica a “sanção”, a sentença mandamental somente é
mandamental porque há a coerção.”59
Em outras palavras de MARINONI, sempre precisas, “uma sentença que ordena sob
pena de multa já usa a fora do Estado, ao passo que a sentença que condena abre oportunidade
para o uso dessa força. [...] A essência da mandamentabilidade está no mandamento, vale
dizer, na ordem imposta sob pena de multa.” 60
56
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil: execução obrigacional, execução real e ações
mandamentais. Volume 2. 3 ed. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2000, p. 334.
57
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil: execução obrigacional, execução real e ações
mandamentais. Volume 2. 3 ed. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2000, p. 337.
58
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 351.
59
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 356.
60
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 358.
26
Enfim, tanto MARINONI e Ovídio Baptista da SILVA61, reconhecem o sincretismo
processual decorrente da tutela mandamental, já que ela “implica na admissão de existência
de conhecimento e execução em uma única demanda.” 62
Importante é revelar os sólidos argumentos de MARINONI, pelos quais “o critério
para definir a mandamentabilidade é meramente processual.”63 Com efeito, considerando a
aplicabilidade da tutela mandamental por força de situações processuais, nada impede que o
juiz ordene o pagamento de determinada soma em dinheiro (imperium), sob pena de multa
(coerção).
64
Tal situação – ordem para pagar quantia sob pena de multa -, atualmente, pode
ser concedida através da antecipação de tutela, ex vi do art. 273, §3º, conjugado com o §5º do
art. 461, do CPC. Em relação às obrigações de fazer, não fazer e de entrega de coisa, o
legislador já outorgou ao juiz tal poder nos artigos 461 e 461-A, do CPC.
Desta forma, a tutela mandamental expressa a força da jurisdição na mesma relação
processual em que é concedida, independentemente do processo de execução, através de
ordem sob pena de multa.
De outro lado, a eficácia executiva lato sensu corresponde à possibilidade do juiz
adotar, incidentalmente no processo cognitivo, medidas materiais necessárias a obter o
resultado prático que o cumprimento da obrigação geraria, independentemente da vontade e
colaboração do devedor. Não há condenação para execução. Há decisão com execução. Na
própria decisão, seja interlocutória (antecipação de tutela) ou final (sentença de procedência),
as medidas concedidas pelo juiz são, por si só, executivas: capazes de produzir os resultados
práticos.
61
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil: execução obrigacional, execução real e ações
mandamentais. Volume 2. 3 ed. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 1998. p. 334.
62
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 350.
63
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 359.
64
Neste sentido: MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1998, p. 369. GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1998, p. 185.
27
Como ensina Ovídio Baptista da SILVA, “a execução, em tais casos, é
imediatamente decretada pela sentença, não dependendo de uma ação de execução autônoma
subseqüente.”65 Várias são as ações de natureza executiva citadas pelo renomado doutrinador,
como por exemplo, a ação reivindicatória, a ação de reintegração de posse, a ação de depósito
e ação de despejo.
Inobstante a apurada visão do processualista gaúcho, o que se destaca, neste
trabalho, é a tutela executiva lato sensu a ser outorgada pelo juiz em qualquer situação
conflituosa, seja qual for a natureza do direito material controvertido; um provimento
jurisdicional de natureza executiva capaz de alterar o estado de fato do litígio,
independentemente da ação de execução. Tais provimentos, ao mesmo tempo em que
reconhecem o direito a tutelar, estabelecem as medidas executivas destinadas a realizá-lo. De
forma geral, ou seja, na perspectiva aqui analisada, tal técnica está prevista no art. 461, § 5º,
do CPC, que versa sobre a tutela das obrigações de fazer e não fazer. Em relação às
obrigações de entrega de coisa, tal forma de tutela também é viável, isto por força da
referência ao §5º do art. 461, feita pelo §3º do art. 461-A.
Em relação às obrigações de pagar quantia certa, entendemos ser viável a tutela
executiva lato sensu quando se trata de antecipação de tutela, diante do disposto no §3º do art.
273, que faz menção ao referido no §5º do art. 461. Imagine-se a situação onde o autor, com
graves lesões físicas e com risco à sua saúde, em decorrência de ato ilícito praticado pelo réu,
requer a antecipação de tutela para que o mesmo pague determinado tratamento cirúrgico
urgente. O juiz, presentes os requisitos, antecipa os efeitos da tutela pretendida e ordena que o
réu pague o tratamento sob pena de multa (tutela mandamental). Caso o réu não cumpra a
ordem judicial, nada impede que o juiz, assim entendemos, ordene, se viável ao caso
(existência de patrimônio), o seqüestro de quantia em poder do réu suficiente à realização da
cirurgia ou mesmo a penhora de seus bens. Neste diapasão, ao que parece, há uma incoerência
em nosso sistema, visto que a decisão provisória (que antecipada a tutela) possui maior força
65
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil: execução obrigacional, execução real e ações
28
que a sentença de mérito, já que nesta o juiz não tem condições de condenar sob pena de
medidas executivas. Na sentença condenatória o juiz declara o direito (função declaratória) e
define a sanção (função sancionatória: transformar a regra sancionatória abstrata em
concreta), para futura execução (atuar a regra sancionatória). Com efeito, a sentença
condenatória exige processo de execução autônomo, ao passo que a antecipação de
condenação, via tutela antecipada, é auto-executável.
De forma ampla, bastaria que a sentença determinasse o pagamento, sob pena de
medidas executivas, como a penhora de bens. 66
Pelo sincretismo, a realização fática da sentença condenatória, após sua
definitividade, deve ser considerada fase subseqüente do processo, e não um novo processo.
Os atos executivos necessários à efetivação da sentença são praticados na mesma relação
processual, de forma a dispensar a instauração de outra relação, com nova petição inicial,
custas processuais e citação. A sentença, assim, possuiria executividade.
Com esse enfoque, baseando no problema analisado nesta monografia, cabe
ressaltar, também, as recentes alterações relativas ao sincretismo entre cognição e
acautelação, ou seja, a possibilidade de atuação concomitante, no mesmo processo, entre atos
cognitivos e cautelares. Nesta linha é a nova redação do §7º do art. 273, do CPC, dada pela
Lei 10.444, de 7 de maio de 2002, que prevê a fungibilidade entre tutela antecipada e tutela
cautelar, bem como o art. 4º da Lei 10.259, de 12 de julho de 2001, relativa aos Juizados
Especiais Cíveis Federais, que concede ao juiz o poder de deferir medidas cautelares no curso
do processo, para evitar dano de difícil reparação.
Viabilizar, na mesma relação processual, tanto atos cognitivos, executivos e
cautelares, através de atividades sincréticas, como a mandamentabilidade e a executividade
mandamentais. Volume 2. 3 ed. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2000, p. 205.
66
Neste sentido: MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1998, p. 373.
29
lato sensu, parece-nos tornar o processo um instrumento, tanto quanto possível, flexível e
efetivo ao direito subjetivo material e, por conseguinte, aos anseios da sociedade que serve.
A autonomia das atividades cognitivas, executivas e cautelares, impondo o uso de
dois processos distintos, não representa uma exigência científica ou uma lógica absoluta de
atuação da jurisdição. Trata-se de herança jurídica e política que merece ser revista. A
superação das formas clássicas de tutela jurisdicional, especificamente da “necessidade” do
conjunto de atividades jurisdicionais visando atingir o mesmo fim, é irreversível. As
alterações processuais implantadas em nosso sistema, relativas à generalização da antecipação
de tutela (art. 273, do CPC) e à tutela específica, através da mandamentabilidade e
executividade lato sensu (art. 461 e 461-A, do CPC), denunciam esta superação e afirmam o
sincretismo processual. Processo sincrético é o que viabiliza a prática de atos cognitivos,
executivos e cautelares de forma concomitante.
A garantia fundamental de efetiva tutela jurisdicional impõe a outorga de poderes ao
juiz a lhe permitir atuar, na mesma relação processual, de forma cognitiva, executiva e
acautelatoria.
2.7. A fungibilidade entre a tutela antecipada e a medida cautelar
Com as minireformas ocorridas no Código de Processo Civil, é admitida, hoje, na
prática forense a fungibilidade entre os institutos de tutela antecipada e medida cautelar, tratase de substancial alteração no instituto da tutela antecipada, visto que o § 7º, introduzido pela
Lei nº 10.444/02, estabelece a fungibilidade entre a tutela antecipada e a medida cautelar. A
partir de agora, o causídico não precisará ter receio em requerer uma tutela em lugar de outra,
uma vez que, conforme a novel redação do art. 273, § 7º, do Processual Civil, fica autorizado
ao órgão julgador conhecer e deferir a medida cautelar no caso do autor requerer a
antecipação de tutela quando, na verdade, é cabível a tutela cautelar, desde que, obviamente,
estejam presentes os pressupostos legais e imprescindíveis para a concessão do provimento.
30
Assim, basta que o advogado tenha se equivocado ao pedir uma medida cautelar
dentro de um processo de conhecimento, atribuindo-lhe o rótulo de “tutela antecipada”. Isto
fará com que o juiz, analisando tal requerimento e verificando que a medida pretendida tem a
natureza cautelar, e, ainda estando presentes os requisitos desta, deverá concedê-la. É
necessário salientar que os doutrinadores pátrios têm entendido que este parágrafo veio,
praticamente, mitigar a aplicabilidade do processo cautelar na atividade jurisdicional, pois é
muito mais conveniente, cômodo e barato utilizar a antecipação da tutela.
Depreende-se, portanto, que, no tocante ao ponto de vista processual, não há óbice
algum no conhecimento de um pedido de liminar como antecipação de tutela ou como medida
cautelar, haja vista que o que define a natureza jurídica da pedido é a essência da pretensão
deduzida em juízo e não o eventual nomem juris que o requerente tenha, porventura, atribuído
em sua peça. Assim, cumpre ao magistrado, com lastro na instrumentalidade, na efetividade
do processo e na fungibilidade que tem sua razão de ser apenas na realização efetiva dos
direitos, conhecer do pedido segundo a sua natureza jurídica em função da essência do que é
postulado e não pelo rótulo que vem externando, uma vez que no ordenamento jurídico
brasileiro não há a chamada tipicidade de ações.
Entrementes, não obstante a inovação normativa conferida ao art. 273, §7.°, do
Código de Processo Civil é necessário asseverar que o julgador deverá proceder com extrema
cautela ao aplicar o comando normativo emanado do citado dispositivo legal, tendo em vista
que a mens legis é no sentido de premiar e impulsionar a instrumentalidade do processo e não
no sentido de favorecer manobras processuais ardilosas de determinados causídicos, como,
por exemplo, burlar o pagamento de custas judiciais e dos honorários advocatícios, bem como
impedir a aplicabilidade do correto rito processual. Impede suscitar que o princípio da
fungibilidade já se encontra presente no sistema recursal de forma implícita, onde há
admissibilidade em determinadas hipóteses, do recebimento de um recurso por outro,
31
evitando, assim, o desnecessário formalismo no conhecimento dos recursos e as injustas
conseqüências que podem advir do rigor processual. 67
O princípio em questão também se faz presente no processo cautelar, como ficou
demonstrado alhures, sendo de grande valia para o magistrado no exercício do seu mister,
uma vez que confere poderes ao juiz no exercício da prestação da tutela jurisdicional cautelar
conhecer o meio processual erroneamente ou impropriamente utilizado pelo requerente de
determinada medida jurisdicional, acautelando, assim, a pretensão requerida, mesmo que o
instrumento processual utilizado não seja pertinente.
E é partindo dos pressupostos estatuídos e aplicados à fungibilidade recursal e ao
processo cautelar que deverá ser norteado a aplicabilidade do princípio em tela, ou seja, a
partir da dúvida objetiva que impera no caso sub judice é que deverá o magistrado aplicar o
permissivo contido no art. 273, § 7, do Código de Ritos, isto é, conhecer da medida cautelar
em detrimento do pedido de antecipação de tutela, desde que presentes os requisitos daquela
medida cautelar, sob pena de prestigiar a má utilização do processo para fins de burlar a
própria legislação vigente e, outrossim, os próprios institutos jurídicos.
A doutrina majoritária segue os ensinamentos do Professor Humberto Theodoro
Junior, que afirma que a fungibilidade só poderia ocorrer em um sentido, qual seja da
antecipação de tutela para o provimento cautelar. Era chamada de “regressiva” para fins
didáticos. A própria leitura do § 7º do art. 273 dirige o pensamento para a doutrina supra
apontada, levando os operadores do direito a concluir que somente é permitida a fungibilidade
regressiva, uma vez que os requisitos da tutela antecipada são muito mais rigorosos do que
aqueles concessivos de medida cautelar.
67
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Comentários à novíssima reforma do CPC: Lei
10.444, de 07 de maio de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2002. 263p.
32
Contudo, o ilustríssimo mestre Cândido Dinamarco insiste em afirmar que o
contrário também seria permitido, ou seja, a tutela progressiva – concessão, pelo julgador, de
antecipação de tutela quando feito um pedido cautelar. Elucidando melhor esta doutrina,
encontro o jurista Fredie Didier Jr que defende não a fungibilidade progressiva, mas a
possibilidade de aplicação, no caso concreto, do quando disposto no art. 295, V, do Código
Civil, ou seja, verificando a possibilidade de concessão da tutela antecipada em troca da
cautelar, converte-se o procedimento para o rito comum, intimando-se o autor para que
emende a peça vestibular. Ao admitir a possibilidade de se pedir a tutela cautelar na própria
ação de conhecimento, o legislador promoveu uma verdadeira revolução na concessão das
denominadas tutelas de urgência.
Assim, não se justifica mais o ajuizamento de uma ação cautelar incidental
autônoma, uma vez que, a partir de agora, pode o autor cumular o pedido principal e cautelar
num único processo.
3. RECURSO ESPECIAL
3.1. Antecedentes Históricos
Até a Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal acumulava a função de
guardião da Constituição Federal, bem como a função de guardião da lei federal. Buscava-se,
portanto, em sede de recurso extraordinário endereçado à Corte Suprema, a preservação da
autoridade e da uniformidade da interpretação da Constituição e da lei federal.
Todavia, ao longo dos anos, verificou-se que a Corte Suprema, principalmente, em
razão de estar assoberbada de processos e impossibilitada de apreciá-los e resolvê-los em
tempo hábil a fim de satisfazer os interesses da população, aprofundava-se na chamada “Crise
do Supremo”. Eis a lição da doutrina:
“Na busca de racionalizar a estrutura do Poder Judiciário, a Lei Maior extinguiu o
Tribunal Federal de Recursos, distribuindo a sua competência recursal ordinária
para os Tribunais Regionais Federais, pela mesma Carta instituídos, e criou o outro
Tribunal da Federação – o Superior Tribunal de Justiça -, o qual absorveu a
competência infraconstitucional antes atribuída ao Supremo Tribunal Federal,
concernente à preservação da integridade e autoridade da legislação federal, bem
como à uniformização da sua exegese perante os tribunais de segundo grau,
remanescendo o Excelso Pretório, precipuamente, como guardião da Constituição
Federal” 68.
Nesse contexto, verifica-se que o recurso extraordinário e, por conseqüência, o
recurso especial têm suas origens no writ of error, criado pelo sistema norte-americano,
através do Decreto 848, de 1890, no qual se buscava garantir a supremacia da lei federal e da
68
STJ 10 ANOS: OBRA COMEMORATIVA 1989-1999. Prefácio – Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.
Brasília: Superior Tribunal de Justiça, 1999. p. 09.
34
Constituição69. Registre-se, contudo, que no Brasil a situação era diversa da existente nos
Estados Unidos. Enquanto neste, a competência da legislação federal era mínima e a dos
Estados era muito mais abrangente; naquele, a legislação federal concentrava um grande
número de matérias, em detrimento dos Estados, os quais tinham competência mais restrita.
Justifica-se, por conseguinte, a sobrecarga de trabalho, que culminou na crise do Supremo70,
guardião, à epoca, da amplíssima legislação federal e da Constituição Federal.
Nesse ínterim, utilizaram-se diversos mecanismos com o intuito de filtrar e, por
conseguinte, reduzir o número de causas que chegassem ao Supremo Tribunal Federal, tais
como: argüição de relevância, óbices regimentais, bem como aumento do número de
Ministros. Os aludidos mecanismos, todavia, não foram capazes de solucionar a mencionada
crise. Então, foram instituídos o Superior Tribunal de Justiça e o recurso especial, incumbidos
desse mister.
Sendo assim, no âmbito do Direito Processual Civil brasileiro, além dos ordinários,
são previstos os recursos extraordinários (lato sensu), quais sejam, o recurso especial para o
Superior Tribunal de Justiça e o recurso extraordinário (stricto sensu) para o Supremo
Tribunal Federal. Os recursos ordinários são, em regra, dirigidos a tribunais locais71; não
apresentam exigências especiais à sua admissibilidade, comportando, no seu bojo, discussões
acerca de matéria de fato e de direito, bastando a simples sucumbência de uma das partes para
configurar um dos pressupostos recursais genéricos, qual seja, o interesse recursal, a ensejar a
69
Cf. PINTO, Nelson Luiz. Recurso especial para o STJ: teoria geral e admissibilidade. 2ª ed. rev., atual. e
ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 1996. p. 40.
70
Idem, op. cit. pp. 44-45, in verbis: “É que a criação do nosso sistema federativo foi fruto de um processo
radicalmente diferentemente daquele que ocorreu nos Estados Unidos da América. A criação da Federação
americana deveu-se a um movimento das colônias, que, abdicando de sua soberania, tranferiram-na ao
Governo Central. Coube, então, a esse Governo Central legislar sobre certas e determinadas matérias
através de lei federal. [...] No caso do Brasil, o contrário se deu, isto é, o Poder Central, único, foi que
transferiu, às comunidades regionais, a parcela de poder que, depois, vieram a possuir, constituindo-se em
Estados autônomos”.
71
Cabe ressaltar que o recurso de embargos de declaração, bem como o de embargos infringentes de alçada são
dirigidos ao próprio prolator da decisão.
35
sua interposição. Ao revés, os recursos extraordinários, em razão de exercerem fundamental
papel no ordenamento jurídico do país, apresentam exigências formais de admissibilidade
mais rígidas; são dirigidos aos tribunais de cúpula do Poder Judiciário – STF e STJ-, não se
destinando à correção de mera injustiça quanto à questão de fato, e sim, à correção de erro de
direito, a serem analisados no decorrer do trabalho72.
3.2. Peculiaridades do Recurso Especial
Verificando-se o disposto no artigo 105, inciso III, da Constituição Federal, pode-se
extrair as hipóteses que ensejam o especial:
a. Recurso especial por contrariedade ou negativa de vigência a tratado ou lei
federal;
b. Decisão que julgou válido ato do governo local contestado em face de lei
federal;
c. Decisão que conferiu a lei federal interpretação divergente da que lhe foi
atribuída por outro tribunal.
Todavia, antes de se proceder à uma análise das hipóteses de cabimento do recurso
em questão, é primordial a compreensão de algumas peculiaridades que o tornam excepcional,
quais sejam: a exigência do prévio esgotamento das instâncias inferiores; não se destina à
correção da injustiça do julgado recorrido quanto à questão de fato; apresenta sistema de
admissibilidade bipartido; os fundamentos dos requisitos específicos de sua admissibilidade
estão previstos na Constituição Federal e não no Código de Processo Civil; e a execução do
72
Cf. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 5ª ed. rev. e atual. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 76.
36
decisum é provisória na pendência do recurso especial73. Tais peculiaridades serão analisadas
a seguir.
3.2.1. O prévio esgotamento das instâncias inferiores
A interposição do recurso especial pressupõe o prévio esgotamento das vias
recursais pretéritas, no sentido de não ser mais sujeita a recurso - nas instâncias inferiores ou
na instância originária - a decisão recorrida. É o que se infere do verbete nº 281 da Súmula do
Supremo Tribunal Federal: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na
Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”. O verbete n° 356 também trata
do assunto.
Justamente em razão de o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de
Justiça darem a última palavra sobre questões federais (STJ) e sobre questões constitucionais
(STF), entende-se que o interesse do recorrente está subordinado à exigência de que já tenham
sido utilizadas todas as vias recursais74 cabíveis, tendo em vista a própria adoção no direito
brasileiro do princípio da unirrecorribilidade. Deve, pois, a lide ter sido totalmente dirimida
nas instâncias inferiores75.
Convém lembrar que os aludidos enunciados da Súmula do Supremo Tribunal
Federal acerca do recurso extraordinário têm aplicação no âmbito do Superior Tribunal de
Justiça, interferindo no juízo de admissibilidade quando da interposição do recurso especial,
que se beneficia da grande experiência vivida pela Suprema Corte76.
73
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. op. cit. p.77.
74
Nesse sentido: idem, op. cit. p. 81, in verbis: “[...] Essa exigência do esgotamento, por outro lado, se restringe
às possibilidades recursais propriamente ditas, não se estendendo às outras modalidades impugnativas
propriamente não subsumidas no nomen iuris ‘recurso’, como as ações autônomas de impugnação
(rescisória, embargos de terceiro, mandado de segurança)”.
75
Idem, op. cit. p. 78.
76
Cf. PINTO, Nelson Luiz. op. cit. p. 107.
37
Tendo em vista o exposto, verifica-se que a expressão causas decididas implica a
exigência desse prévio esgotamento das instâncias inferiores. Sendo assim, em havendo, por
exemplo, um recurso de apelação cuja parte do acórdão tenha sido prolatada por decisão
unânime e parte, por decisão não unânime, deve-se atacar aquela pela via do recurso especial
e/ou recurso extraordinário, se cabíveis, e esta deve ser atacada pelo recurso de embargos
infringentes. Não pode a parte ingressar diretamente com o recurso especial e/ou com o
recurso extraordinário contra a parte não unânime, sob pena de não admissão desses recursos
excepcionais, tendo em vista o não esgotamento das instâncias ordinárias77. Daí dispor o
enunciado nº 207 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: “É inadmissível recurso especial
quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no tribunal de origem”.
Além disso, cabe registrar que a expressão causas decididas em única ou última
instância tem sido compreendida pela doutrina como causas finais, ou seja, aquelas contra as
quais não caiba mais recurso nas vias ordinárias, não havendo nenhuma sorte de limitação,
seja quanto à natureza do processo (de conhecimento, execução ou cautelar), seja quanto à
qualidade da decisão (definitiva, terminativa ou interlocutória), ou ainda, quanto ao tipo de
jurisdição em que foi prolatada a decisão (contenciosa ou voluntária)78. É suficiente que
aquela decisão verse sobre questão federal e seja, nas instâncias inferiores, irrecorrível para
ensejar a interposição do recurso especial.
Todavia, nos termos do artigo 105, inciso III, da Constituição Federal, não basta que
a causa tenha sido decidida em única ou última instância, é mister que o órgão prolator do
julgado recorrido tenha sido algum dos Tribunais Regionais Federais, ou dos Tribunais de
Justiça dos Estados ou do Distrito Federal e Territórios, ou ainda, dos Tribunais de Alçada dos
Estados. Abrange, enfim, todas as decisões finais proferidas pelos tribunais locais e regionais
da Justiça Comum. É o que ensina a doutrina:
77
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. op. cit. p. 87.
78
Idem, op. cit. p. 86.
38
“O recurso [especial] deve voltar-se contra decisão, exclusivamente, de Tribunal
Regional Federal, de Tribunal de Justiça Estadual ou do Distrito Federal, ou de
Tribunal de Alçada Estadual. Descabido contra decisão de Tribunal trabalhista,
eleitoral ou militar federal. Caberá o REsp, a meu sentir, contra decisão de Tribunal
militar estadual, que no âmbito de sua competência violar Lei Federal (CF, art.
125, §§ 3º e 4º). Nestes termos, é incabível o recurso especial contra decisão final
de juízo de 1º grau, ou de colegiado de 2º grau não alçado à categoria de ‘tribunal’,
como as Câmaras Recursais dos Juizados Especiais de Pequenas Causas (CF art.
98, I, in fine), bem como contra decisões proferidas por membros de tribunais,
como o presidente ou relator, ainda que delas não caiba recurso” 79.
3.2.2. Não se destina à correção de injustiça da decisão recorrida quanto à questão de
fato
É indispensável ter em vista que o recurso especial não consiste apenas em mais uma
via de impugnação existente no sistema recursal brasileiro. Em um primeiro plano, o aludido
recurso tem como finalidade precípua assegurar a inteireza positiva, a autoridade e a
uniformidade da interpretação do direito federal, consoante se infere do inciso III do
permissivo constitucional. Devido a esse fim precípuo – daí a sua excepcionalidade – não se
admite, em sede de recurso especial, tão-somente a alegação de injustiça do julgado recorrido,
ensejando a sua revisão. Sob esse contexto, assim dispõem o enunciado nº 5 da Súmula do
Superior Tribunal de Justiça (“A simples interpretação de cláusula contratual não enseja
recurso especial”) e o verbete nº 7 da Súmula da referida Corte (“A pretensão de simples
reexame de prova não enseja recurso especial”).
Em um segundo plano, ao se conhecer e dar provimento a um recurso especial, em
razão da existência de alguma afronta à legislação federal, apenas por uma via reflexa, estarse-á dando provimento ao direito subjetivo suscitado pelo recorrente. Nesse caso, a decisão
proferida no recurso especial substituirá a decisão recorrida (artigo 512 do Código de
Processo Civil), em se tratando de error in iudicando, havendo, pois a reforma do julgado
79
Apud PINTO, Nelson Luiz. op. cit. pp. 81-82.
39
recorrido. Em se tratando de error in procedendo, a referida Corte dará provimento ao recurso,
cassando a decisão recorrida, a fim de que outra seja proferida pelo juízo a quo80.
3.2.3. O recurso especial apresenta sistema de admissibilidade bipartido
O exercício do juízo de admissibilidade do recurso especial é bipartido. Haverá a
realização do primeiro juízo de admissibilidade perante o tribunal de origem, no qual será
interposto o especial, caso em que o recurso será admitido ou inadmitido, ou seja, recebido
ou não recebido. Em caso de admissão, ocorrerá o segundo juízo de admissibilidade, perante
o Superior Tribunal de Justiça, ao qual foi endereçado o recurso. Neste caso, o recurso será
conhecido ou não conhecido, conforme obedeça, ou não, os requisitos de admissibilidade
previstos na legislação de regência. Além disso, haverá uma cisão entre o juízo de
admissibilidade e o juízo de mérito81. É válido ressaltar que as expressões dar provimento ou
negar provimento referem-se ao juízo de mérito, enquanto aquelas supracitadas referem-se
ao juízo de admissibilidade.
Com efeito, o recurso especial será interposto perante o presidente ou o vicepresidente do tribunal recorrido, a fim de que este proceda ao primeiro juízo de
admissibilidade. Admitido o recurso, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de
Justiça, no qual será exercido o segundo juízo, conforme se depreende dos artigos 541 e 543
do Código de Processo Civil.
80
Nesse sentido: SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. Brasília:
Brasília Jurídica, 2000. pp. 38-41, in verbis: “Segundo autorizada doutrina, o error in procedendo
consiste no defeito de forma que contamina a decisão jurisdicional enquanto ato jurídico, tornando-a
inválida. Por isso, justifica-se a cassação do decisum. [...] Resta estudar o error in iudicando. O vício de
juízo está consubstanciado na erronia ocorrida na solução de questões de fato e de direito – ainda que de
natureza processual. O defeito reside no fundo, no conteúdo da decisão jurisdicional. Ora, se não há vício
sob o ponto de vista formal, a decisão jurisdicional é válida. No entanto, injusta, por vício de fundo. Basta a
reforma, modificando-se o conteúdo do julgado. [...] A caracterização do vício também é importante na
apuração do efeito substitutivo previsto no artigo 512 do Código de Processo Civil. É que não há a
substituição da decisão quando o órgão julgador constata a existência de vício de atividade – há mera
cassação”.
81
Cf. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. op. cit. p. 85.
40
Assim sendo, já no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento
do recurso especial pelo órgão competente, preliminarmente será verificado se estão presentes
os requisitos de admissibilidade genéricos e específicos do recurso especial. Decidida a
preliminar pela negativa, o recurso não será conhecido; se pela afirmativa, o referido órgão
julgará a causa, aplicando o direito à espécie, com fulcro no artigo 257 do seu Regimento
Interno.
Por outro lado, pode o presidente ou o vice-presidente do tribunal a quo inadmitir o
recurso especial, impedindo o seu processamento rumo à Corte Superior. Dessa decisão de
inadmissibilidade do especial, é cabível a interposição de agravo de instrumento, previsto no
artigo 544 do Código de Processo Civil. Tal recurso de agravo será interposto perante o
tribunal de origem, porém deverá ser dirigido para o Superior Tribunal de Justiça.
Convém lembrar que, se o acórdão recorrido estiver de acordo com súmula ou
jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, pode o relator conhecer do agravo
de instrumento para dar provimento ao próprio recurso especial, desde que este ultrapasse a
barreira da admissibilidade, conforme revela o § 3° do artigo 544 da lei processual civil.
Poderá, ainda, determinar a conversão do agravo em recurso especial, se aquele contiver os
elementos necessários ao julgamento do mérito, ou então, dar provimento ao agravo de
instrumento para a subida do especial, o qual terá seguimento rumo ao colegiado competente.
À luz do aludido dispositivo, também, compete ao relator “negar seguimento” a
recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com
súmula ou com jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, cabendo da decisão
monocrática do relator de não conhecimento ou desprovimento, agravo interno, no prazo de
cinco dias, para o órgão coletivo competente.
Diante do exposto, surge a seguinte discussão acerca do juízo de admissibilidade dos
recursos, apontada por Rodolfo de Camargo Mancuso:
“Neste ponto, é necessária breve digressão sobre duas posições existentes acerca do
juízo de admissibilidade dos recursos: a) José Carlos Barbosa Moreira deixa clara a
distinção entre admissibilidade (= exame de requisitos formais) e mérito (exame de
fundo: conhecimento do recurso pelo Tribunal ad quem e seu conseqüente deslinde
- provimento/desprovimento). No âmbito do Tribunal a quo, recorrido, ‘não
41
compete ao Presidente examinar o mérito do recurso extraordinário, nem lhe é
lícito indeferi-lo por entender que o recorrente não tem razão: estaria, ao fazê-lo,
usurpando a competência do Supremo Tribunal Federal. [...]; B) há porém,
entendimento – que se vai firmando nos Tribunais Superiores – no sentido de que o
juízo de admissibilidade dos recursos extraordinário e especial nos Tribunais de
origem há que ter maior amplitude, em ordem a ser examinado tudo o que esteja
contido na rubrica do cabimento desses recursos”82.
Nesse contexto, o Professor sustenta – acertadamente – que:
“Dentre essas duas posturas, nos parece que a primeira é mais consentânea com a
natureza e finalidade dos recursos excepcionais: se eles pressupõem que está finda
a instância ordinária, causa espécie que se alargue a competência do Tribunal local
no que concerne ao exame do cabimento do recurso. Depois, como lembrou o Min.
Gueiros Leite, se esse juízo preliminar não vincula o órgão ad quem não haveria
grande utilidade no aprofundamento daquela análise vestibular no Tribunal de
origem”83.
Nesse sentido, consoante o entendimento de José Carlos Barbosa Moreira, para o
provimento do recurso (juízo de mérito), é indispensável a existência de contrariedade entre a
decisão recorrida e o dispositivo da legislação federal apontado como violado. Sob outro
enfoque, para que o recurso seja admitido e conhecido (juízo de admissibilidade), é suficiente
que a contrariedade seja alegada84.
Deve, por conseguinte, o presidente do tribunal a quo limitar-se, ao examinar a
admissibilidade do recurso, “à análise dos aspectos formais e da plausibilidade ou
razoabilidade da alegação de ofensa à Lei Federal, sem, entretanto, adentrar ou adiantar
qualquer apreciação de seu mérito” 85. Dessa forma, não tem competência para apreciar se o
julgado recorrido violou, ou não, dispositivo de lei federal ou tratado.
82
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. op. cit. pp. 106-107.
83
Idem, op. cit. p.108.
84
Apud Idem, ibidem.
85
Apud Idem, ibidem.
42
Consiste, pois, no mérito do recurso e, portanto, de competência apenas do Superior
Tribunal de Justiça, a análise se houve, ou não, efetiva violação ou negativa de vigência da lei
federal, sendo vedado ao tribunal de origem ingressar no juízo de mérito, julgando se houve
ou não violação ao dispositivo apontado como vulnerado86.
É bom não esquecer que esse fracionamento da competência do juízo de
admissibilidade constitui-se em mais uma característica que torna o especial um recurso
excepcional, além de consistir em um mecanismo para filtrar o volume de recursos que são
interpostos no Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista que qualquer falha no tocante à
regularidade formal implica a inadmissão do recurso87.
3.2.4. Os fundamentos específicos de admissibilidade do recurso especial estão
previstos na Constituição Federal e não no Código de Processo Civil
Por ter o Superior Tribunal de Justiça o objetivo ímpar de assegurar a inteireza
positiva do direito federal, os fundamentos específicos de admissibilidade e as hipóteses de
cabimento do recurso especial estão previstos na própria Constituição Federal. O Código de
Processo Civil vigente limita-se a dispor apenas acerca da parte procedimental, ficando a
cargo do texto constitucional dispor acerca dos aspectos mais relevantes. Tanto é assim que o
próprio artigo 541 do Código de Processo Civil remete o leitor à Constituição Federal, a fim
de que se verifiquem os casos de cabimento do recurso especial.
Desta feita, as alíneas do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal tratam das
hipóteses de cabimento do recurso especial, competindo ao Superior Tribunal de Justiça, ao
86
Registre-se que nem sempre é o que ocorre na prática forense, pois os presidentes das cortes inferiores estão
ingressando no mérito até mesmo com o incentivo do Superior Tribunal de Justiça.
87
Apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. op. cit. p. 110.
43
julgá-lo, uma apreciação completa, abrangendo o juízo de admissibilidade e, em sendo
conhecido, o reexame do mérito e novo provimento sobre este88.
3.2.5. A execução do decisum recorrido é provisória quando pendente recurso
especial
Promovendo-se uma interpretação a contrario sensu do §2º do artigo 542 do Código
de Processo Civil, compreende-se que o recurso especial é carente de efeito suspensivo, sendo
recebido apenas no efeito devolutivo.
Sendo assim, os julgados impugnados via especial são passíveis de serem
executados provisoriamente, pois não é razoável que o recorrido deva aguardar o julgamento
do recurso especial para, somente depois, ver executada a decisão. Admite-se, então, a
execução provisória do julgado recorrido, sendo, contudo, cercada das cautelas que se fizerem
necessárias, porquanto o recurso especial poderá vir a ser conhecido e provido89.
Têm lugar, aqui, então, os dizeres de Alcides de Mendonça Lima que, naturalmente,
tem aplicação ao recurso especial: “O silogismo pode ser facilmente armado [...]: a) a
sentença sujeita a qualquer recurso não gera coisa julgada; b) a execução somente é definitiva
quando fundada em sentença que está sob a coisa julgada; c) logo, a sentença (acórdão) na
pendência do recurso extraordinário não pode ser executada definitivamente, sendo, apenas
provisoriamente” 90. Portanto, a execução está sujeita às restrições do artigo 588 do Código de
Processo Civil.
88
Idem, op. cit. p. 113.
89
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. op. cit. p. 114.
90
Apud Idem, ibidem.
44
Com efeito, não há execução definitiva na pendência de recurso especial, nem tão
pouco na pendência de agravo de instrumento em face de decisão que inadmitiu o especial.
Tal regra, no entanto, comporta exceção: sendo interposto recurso especial cujo alvo seja
acórdão que trata de execução fundada em título extrajudicial ou em título judicial transitado
em julgado, assim como a correspondente ação de embargos, a execução será definitiva. Daí a
conclusão nº LI do Simpósio de Direito Processual Civil de 1975: “É definitiva a execução de
título extrajudicial, ainda que pendente recurso de decisão que julgou improcedentes os
embargos do devedor”91. Em tais casos, a ausência de efeito suspensivo no recurso especial
produz um risco ainda maior ao suposto direito do recorrente, pois a execução não está sujeita
aos limites do artigo 588.
Embora já mencionado, cumpre ressaltar que o Regimento Interno do Superior
Tribunal de Justiça admite a possibilidade de se emprestar efeito suspensivo a recurso
especial, tendo em vista a aplicação do poder geral de cautela e os princípios da
instrumentalidade e da efetividade do processo92.
3.3. Hipóteses de cabimento do Recurso Especial
Preliminarmente, cumpre destacar que o ingresso da análise de mérito dos recursos
em geral está condicionado a que eles apresentem todos os pressupostos recursais exigidos.
Tais pressupostos podem ser classificados em intrínsecos – atinentes ao próprio direito de
recorrer, e extrínsecos – referentes ao exercício do direito de recorrer. Nos primeiros,
adequam-se o cabimento, o interesse recursal e a legitimidade recursal. Nos últimos,
enquadram-se a tempestividade, a regularidade formal e o preparo93.
91
SOUZA, Bernardo Pimentel. op. cit. p. 312.
92
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. op. cit. p. 116.
93
PINTO, Nelson Luiz. op. cit. p. 87.
45
Todavia, no âmbito do recurso especial – em virtude das peculiaridades ressaltadas,
não é suficiente o implemento desses pressupostos recursais genéricos. Exige-se um plus para
a sua admissibilidade que consiste, justamente, nas exigências constitucionais previstas no
permissivo constitucional.
Dentro dessa perspectiva, para que o recurso especial seja recebido e conhecido, é
primordial o preenchimento dos pressupostos genéricos extrínsecos e intrínsecos, bem como o
implemento dos requisitos específicos previstos no artigo 105, inciso III, da Constituição
Federal. Tais requisitos serão, agora, analisados.
3.3.1. Recurso especial por contrariedade ou negativa de vigência a tratado ou lei
federal – Artigo 105, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal
Assim se manifesta Nelson Luiz Pinto, no tocante ao cabimento do recurso especial
pela alínea “a” do permissivo constitucional:
“Toda vez que a decisão de última ou única instância, tomada por um daqueles
órgãos elencados no inciso III do art. 105 da Constituição, disser respeito à
aplicação de uma lei federal ou de um tratado que tenha sido incorporado ao
ordenamento positivo nacional por força de lei e for questionada a aplicação dessa
lei ou tratado, sob o argumento de sua contrariedade ou negativa de vigência, será
cabível o recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça, órgão a quem
compete, em última instância, a manutenção da ordem legal infraconstitucional”94.
Verifica-se que o texto constitucional fala em contrariar ou negar vigência a
tratado ou lei federal, o que enseja uma análise do alcance desses termos. A expressão
contrariedade consiste em um termo mais amplo, alcançando a própria negativa de
vigência. Por contrariedade, compreende-se qualquer sorte de ofensa ao texto federal
infraconstitucional, quer deixando de aplicá-lo em hipóteses que se adequam a ele, quer
aplicando-o erroneamente, ou ainda, dando-lhe interpretação discrepante daquela conferida
94
PINTO, Nelson Luiz. op. cit. p. 114.
46
pelo Superior Tribunal de Justiça95. A negativa de vigência, por outro lado, tem lugar quando
se declina de aplicar determinada lei que regula um fato, aplicando-se-lhe outra como se
inexistisse texto legal a regular a espécie96.
Em que pese há muito ser enfrentada pela doutrina pátria, essa discussão perdeu em
relevância, pelo menos sob o ponto de vista prático97. Isto porque a Constituição Federal de
1988 prevê a interposição do recurso especial para suscitar ambos os vícios, sendo cabível o
recurso especial em havendo qualquer falha na interpretação ou na aplicação da legislação
federal98.
Nesse mesmo sentido sustenta o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, ao entender
que a Constituição de 1988 “preferiu usar expressão mais ampla, dirimindo de antemão
discussões sobre o alcance das expressões ‘contrariar’ e ‘negar vigência’, em face da
desuniformidade existente até então nos textos anteriores. O sentido, porém, é um só, evitar a
inobservância do direito federal, o seu descumprimento, contrariar a lei é, em última análise, o
mesmo que tê-la por inexistente, negar-lhe a vigência, deixar de aplicá-la ou violá-la”99.
Ao revés, a Carta anterior previa em seu artigo 119, inciso III, alínea “a”, o
cabimento do recurso extraordinário apenas nas hipóteses de contrariedade à Constituição ou
negativa de vigência de tratado ou lei federal, chegando a ser consolidado o seguinte
entendimento: “Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não
autoriza recurso extraordinário pela letra ‘a’ do art. 101, inciso III da Constituição Federal”
(verbete nº 400 do Supremo Tribunal Federal).
95
Idem, op. cit. p. 117.
96
Idem, op. cit. p. 126.
97
Cf. SOUZA, Bernardo Pimentel. op. cit. p. 309.
98
SOUZA, Bernardo Pimentel. op. cit. p. 308.
99
Apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. op. cit. p. 127.
47
Resta destacar, todavia, que esse enunciado não tem mais aplicabilidade em face do
novo texto constitucional. Ao prever, a Constituição Federal de 1988, a contrariedade a
tratado ou lei federal como um dos pressupostos específicos de cabimento do recurso especial,
“a interpretação razoável da lei não é, hoje, suficiente para impedir o conhecimento do
recurso especial, o que faz cair por terra o enunciado da Súmula 400 do Supremo Tribunal
Federal”100.
Urge esclarecer que o aludido dispositivo fala em contrariar tratado ou lei federal
ou negar-lhes vigência. Importa, pois, esclarecer a abrangência das respectivas expressões.
O termo tratado estende-se a convenções, ajustes, pactos, concordatas, expressões
essas que consistem apenas em designações outras para o referido termo. É válido frisar que,
em face da teoria dualista101, adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, para que um
tratado tenha eficácia e seja incorporado no direito interno, é indispensável que ele tenha sido
ratificado pelo Congresso Nacional.
Nesse contexto, a contrariedade ou negativa de vigência a tratado que dará ensejo ao
recurso especial, abrange apenas os tratados que, uma vez ratificados, foram incorporados ao
direito pátrio. Registre-se, ainda, que o termo tratado, inserto no permissivo constitucional, é
redundante, porquanto incorpora o direito interno com força e regime jurídico de lei em
sentido amplo102. Bastaria, portanto, o permissivo constitucional mencionar a expressão lei
federal.
Sob outro enfoque, incluem-se na expressão lei federal: as leis federais por
definição, assim entendidas aquelas relativas às matérias que a Constituição deixa à
competência legislativa da União de forma privativa (artigo 22), além de leis, decretos e
100
Apud PINTO, Nelson Luiz. op. cit. p. 117.
101
Para a teoria monista, os tratados são auto-aplicáveis, dispensando qualquer ato formal obrigatório em relação
aos países signatários. Nesse sentido: MANCUSO, Rodolfo de Camargo. op. cit. pp. 139-140.
102
Cf. PINTO, Nelson Luiz. op. cit. p. 115.
48
regulamentos, que são formas de expressão do direito federal, relativas às matérias
consideradas pela Constituição Federal como de interesse da União (artigo 21); leis editadas
pela União acerca de assuntos deixados pela Constituição Federal à competência comum
(artigo 23), ou concorrente (artigo 24); e o direito estrangeiro incorporado ao nosso direito103.
A contrario sensu, não são compreendidos como lei federal o regimento interno de
tribunal, o ato normativo, a portaria ministerial, a resolução de autarquia, o provimento da
Ordem dos Advogados do Brasil, a lei destinada exclusivamente ao Distrito Federal, já que,
embora seja esta de origem federal, trata apenas de matéria de interesse exclusivo local. Nesse
sentido, há que ser uma lei de origem federal, possuindo, igualmente, natureza de direito
federal104.
3.3.2. Decisão que julgou válido ato de governo local contestado em face de lei
federal – Artigo 105, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal
A hipótese de cabimento do recurso especial, prevista na alínea “b” do permissivo
constitucional, refere-se ao caso em que o Tribunal a quo julga válido ato de governo local
contestado em face de lei federal.
Tal hipótese, contudo, trata-se de alteração trazida pela EC 45/2004 em que traz no
seu texto a modificação do artigo 102, III, d, que aponta que compete ao Supremo julgar
válida lei local contestada em face de lei federal.
Antes competia ao Supremo, em Recurso Extraordinário, “julgar válida lei ou ato de
governo local contestado em face da Constituição”. Agora compete ao Supremo “a lei local
contestada em face da Constituição”, e ao STJ, em Recurso Especial, “o ato de governo local
contestado em face de lei federal”.
103
Cf. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. op. cit. pp. 142-143.
104
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. op. cit. p. 143.
49
Aparentemente, trata-se de questão de pouco interesse prático, mas não é. Competia
ao Supremo Tribunal Federal julgar em Recurso Extraordinário a validade de lei local e o ato
de governo local contestados frente à Constituição. Era do alcance do Superior Tribunal de
Justiça, a lei local e o ato de governo local contestados frente à lei federal.
Com a nova redação imposta pela Emenda Constitucional número 45, cabe ao
Supremo Tribunal Federal julgar, em grau de Recurso Extraordinário, “a lei local frente à lei
federal” e ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em Recurso Especial, o “ato de governo
local contestado frente à lei federal”. A mudança da Emenda 45 consiste, justamente, em
retirar da competência recursal do Supremo “o ato de governo local bem como a lei local
contestados frente à Constituição.” Observe-se que o texto da Emenda 45, no que tange ao
R.E., é quase como a volta do antigo Recurso Extraordinário que atingia matéria da Lei Maior
e de Lei Federal, antes da criação do Superior Tribunal de Justiça, ainda na égide da Carta de
67.
Portanto, partindo dos ensinamentos dos excelsos Ministros Gilmar Mendes e Ellen
Gracie, ao que tudo indica ,com a nova redação conferida à Emenda Constitucional 45, o ato
de governo local e a lei local cujas validades são contestados frente à Constituição Federal
estão abrangidos pelo artigo 102, III, “a”. A lei local contestada frente à lei federal também
compete ao Supremo. Para o STJ, restou julgar em Recurso Especial a validade do “ato de
governo local frente à lei federal”.
Convém ressaltar que, ao apreciar a admissibilidade do recurso especial,
fundamentado na alínea “b” do permissivo constitucional, é suficiente “o ato de governo local
aplicado pelo tribunal a quo tenha sido contestado, em face da lei federal. [...] Se o tribunal a
quo agiu ou não com acerto é questão de mérito do recurso especial e que só interessa,
50
portanto, ao STJ, quando do julgamento do mérito do recurso, após a sua admissão
(conhecimento)”105.
E, por fim, a expressão atos de governo local atinge os atos provenientes dos
Poderes Executivos, Legislativos estaduais e municipais, bem com os oriundos do Poder
Judiciário, ressalvados os atos jurisdicionais de autoria de magistrado de primeiro ou segundo
grau, ou, no último caso, do órgão colegiado respectivo, cuja impugnação deve ser feita via
recurso, previsto na legislação processual vigente, ao respectivo tribunal ad quem106.
3.3.3. Decisão que conferiu a lei federal interpretação divergente da que lhe foi
atribuída por outro Tribunal – Artigo 105, inciso III, alínea “c”, da
Constituição Federal
A interposição de recurso especial com esteio na alínea “c”, inciso III, artigo 105 da
Carta Magna, visa, por óbvio, a uniformizar a jurisprudência nos tribunais acerca da
interpretação da lei federal.
Com efeito, havendo julgados divergentes proferidos por tribunais distintos acerca
de um mesmo dispositivo de lei federal, caberá o especial com esteio na alínea “c” do
permissivo constitucional.
Diante disso, verifica-se que “a divergência entre julgados do mesmo Tribunal não
enseja recurso especial”, conforme elucida o verbete nº 13 da Súmula do Superior Tribunal de
Justiça. Para tanto, o que importa é a divergência existente entre julgados de tribunal local ou
105
PINTO, Nelson Luiz. op. cit. p. 122.
106
Cf. SOUZA, Bernardo Pimentel. op. cit. p. 310.
51
regional ou outro tribunal, ainda que esse outro tribunal seja o próprio Superior Tribunal de
Justiça107.
Em face do disposto no parágrafo único, artigo 541, da lei processual civil,
corroborado pelo disposto no artigo 255 do Regimento Interno da referida Corte, deve, o
recorrente, fazer “prova da divergência mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação
do repositório de jurisprudência oficial ou credenciado, em que tiver sido publicada a decisão
divergente, mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos
confrontados”. A não obediência a essa exigência implica a não admissão do recurso,
principalmente porque, se o recorrente não promover o devido cotejo analítico entre os
julgados, não será possível identificar o dissídio, prejudicando o próprio recebimento ou
conhecimento do recurso. Da mesma forma, o especial não será recebido ou conhecido se
entre a decisão paradigma e a decisão divergente não houver a devida similitude fática. O
dissídio pretoriano só pode ser verificado se os julgados considerados divergentes tratarem de
matéria idêntica.
Com efeito, ao apreciar a admissibilidade do recurso, o tribunal a quo deverá
analisar se o recorrente efetuou a comprovação do dissídio por meio da apresentação de
certidões ou de cópias autenticadas do precedente invocado como paradigma, ou citou o
repositório de jurisprudência oficial ou autorizado. Igualmente, deverá verificar se o
recorrente promoveu o devido cotejo analítico entre o julgado paradigma e o divergente, bem
como se possuem a devida similitude fática, sob pena de não recebimento do recurso especial.
107
SOUZA, Bernardo Pimentel. op. cit. p. 311. De modo diverso, porém, entende MANCUSO, Rodolfo de
Camargo. op. cit. p. 178, in verbis: “Esse ‘outro tribunal’ a que se refere essa alínea c há de ser qualquer dos
que integram o 2º grau, estaduais e federais. Isso exclui o STJ, porque é Tribunal Superior, apartado do 2º
grau de jurisdição; e depois, para que assim não fosse, seria preciso que o constituinte acrescentasse a
cláusula: ‘... ou o próprio STJ’, o que não fez”.
52
Vale lembrar que o Superior Tribunal de Justiça tem mitigado as exigências formais
supracitadas, em se tratando de dissenso jurisprudencial notório108.
3.4. Procedimento no Tribunal
O recurso especial será interposto perante o presidente ou o vice-presidente do
tribunal recorrido, conforme dispuser o Regimento Interno de cada tribunal, em petição
autônoma, contendo a exposição do fato e do direito, a demonstração do cabimento do recurso
e as razões recursais, indicando o error in procedendo e/ou o error in iudicando. Deve-se
ressaltar que se o especial interposto tiver como fundamento dissídio jurisprudencial, este
deverá ser demonstrado e comprovado de acordo com o parágrafo único do artigo 541 e §§ 1º,
2º e 3º do artigo 255 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
No pedido, deve-se requerer a admissão do recurso na origem; o conhecimento e o
provimento, com a reforma ou cassação do acórdão recorrido, pelo Superior Tribunal de
Justiça. Deve ser requerida, também, a juntada da guia comprobatória do pagamento do
preparo, nos termos do verbete nº 187 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. A petição,
por fim, deve ser assinada por advogado que possua instrumento de mandato nos autos, ou
instruída com procuração.
Protocolizada a petição na Corte de origem, imediatamente após seu recebimento
pela secretaria do tribunal, será intimado o recorrido, abrindo-se-lhe vista para apresentar as
contra-razões, consoante o artigo 542, caput, do Código de Processo Civil. Logo em seguida,
108
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. op. cit. p. 178.
53
os autos serão conclusos para a admissão, ou não, do recurso pelo presidente ou vicepresidente do tribunal de origem, em decisão fundamentada.
Sendo negativo o juízo primeiro de admissibilidade, pode o recorrente interpor o
agravo de instrumento para o Superior Tribunal de Justiça, no prazo de dez dias.
Admitido o recurso, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça, onde
será realizado o segundo juízo. É bom ressaltar que ocorrerá a remessa dos autos para o
Superior Tribunal de Justiça, ainda que tenha sido interposto, simultaneamente, recurso
extraordinário, desde que este tenha sido admitido.
Consoante o § 1º do artigo 543 do mesmo diploma legal, “concluído o julgamento
do recurso especial, serão os autos remetidos ao Supremo Tribunal Federal, para apreciação
do recurso extraordinário, se este não tiver prejudicado”. Registre-se que na hipótese de o
relator do recurso especial considerar que o recurso extraordinário é prejudicial àquele,
sobrestará seu julgamento em decisão irrecorrível e remeterá os autos ao Supremo Tribunal
Federal, conforme dispõe o § 2º do mesmo artigo, a fim de que o extraordinário seja julgado
em primeiro lugar. Contudo, se o relator do recurso extraordinário não o considerar
prejudicial, devolverá os autos ao Superior Tribunal de Justiça, em decisão irrecorrível, para o
julgamento do especial.
Remetidos os autos ao Superior Tribunal de Justiça, haverá a autuação e a
distribuição do recurso especial ao relator, ao qual subirão conclusos os autos, no prazo de 48
horas, após a distribuição, conforme dispõe o artigo 549 do Código de Processo Civil. Não
configuradas as hipóteses delineadas pelo artigo 557, caput e § 1º- A, o relator do recurso
especial pedirá dia para julgamento ao presidente do colegiado. Este mandará publicar o pauta
no órgão oficial de imprensa, respeitando-se o prazo mínimo de 48 horas entre a data de
publicação da pauta e a sessão de julgamento, previsto no § 1º do artigo 552 da lei processual
civil.
Na sessão de julgamento do recurso especial, após a leitura do relatório realizada
pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente e ao recorrido, pelo
54
prazo improrrogável de quinze minutos para cada um, a fim de sustentarem as razões do
recurso, nos termos do artigo 554 do Código de Processo Civil.
A Turma, órgão colegiado geralmente competente para o julgamento do recurso
especial, é composta por cinco membros. No Superior Tribunal de Justiça, a decisão da Turma
deve ser tomada por maioria absoluta109, necessitando-se, pois, de, no mínimo, três votos
convergentes. Após serem proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do
julgamento, designando o relator, ou, se este for vencido, o autor do primeiro voto vencedor,
para redigir o acórdão, respeitando o que preconizam os artigos 165, 458 e 563 do Código de
Processo Civil. Após a lavratura do acórdão, suas conclusões serão publicadas no órgão
oficial para que se efetue a intimação dos advogados.
Os possíveis recursos cabíveis contra o acórdão proferido em sede de recurso
especial são os embargos de declaração, embargos de divergência ou recurso extraordinário.
Decorrido in albis o prazo para a interposição de um desses recursos, transitará em julgado o
acórdão, providenciando-se, então, a baixa dos autos ao tribunal de origem, com fulcro no
artigo 510 do Código de Processo Civil.
3.5. Efeitos do recurso especial
Depreende-se do § 2º do artigo 542 da lei processual civil que o recurso especial
produz efeito devolutivo, consubstanciado na transferência, ao Superior Tribunal de Justiça,
da matéria de direito federal infraconstitucional impugnada pelo recorrente e decidida pelo
tribunal a quo110. Todavia, por ter o especial fundamentação vinculada, já que o seu
cabimento está vinculado às hipóteses previstas no artigo 105 do permissivo constitucional,
seu efeito devolutivo é limitado. Assim, “nem toda matéria agitada perante o Tribunal
109
Por maioria absoluta, entende-se o primeiro número inteiro acima da metade do número de membros do
órgão. No caso do julgamento do recurso especial, então, a decisão da Turma deve ser tomada por, no
mínimo, três votos convergentes.
110
SOUZA, Bernardo Pimentel. op. cit. p. 312.
55
recorrido, e que tenha sido objeto de decisão, poderá ensejar a interposição do mencionado
recurso, porque a matéria passível de conhecimento, em relação a este recurso é limitada”111.
Realmente, o objeto do especial limita-se às matérias decididas pelo tribunal a quo.
E mais. Dentre a matéria decidida, só poderá ser impugnada pelo recurso a questão delineada
no âmbito do cabimento do recurso especial, ou seja, a legalidade do julgado no âmbito da
legislação federal infraconstitucional112.
Um outro efeito, ligado diretamente ao efeito devolutivo, consiste no impedimento
da formação da coisa julgada, ou, relativamente à decisão recorrida, da ocorrência da
preclusão, uma vez que, havendo a devolução para reexame e eventual modificação, a
decisão, ainda, não se tornou definitiva. Assim, alguns autores incluem tal efeito no efeito
devolutivo113.
Por força do artigo 512 do Código de Processo Civil, o especial produz, também, o
efeito substitutivo. O Superior Tribunal de Justiça não se apresenta apenas como Corte de
Cassação, como no direito francês e no italiano, em que o tribunal, dando provimento ao
recurso, anula o acórdão recorrido para que o tribunal de origem profira outro em
conformidade com a tese jurídica fixada. Constitui-se, também, em Corte de Revisão.
“Conhecido o recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça indica a solução jurídica que
considerar adequada, aplicando-a no caso concreto”114. É o que revela o artigo 257 do seu
Regimento Interno, in verbis: “No julgamento do recurso especial, verificar-se-á,
preliminarmente, se o recurso é cabível. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma não
conhecerá do recurso; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o direito à espécie”.
111
MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1998. p. 54.
112
MEDINA, José Miguel Garcia. op. cit. p. 57.
113
Idem, op. cit. p. 49.
114
SOUZA, Bernardo Pimentel. op. cit. p. 312.
56
Verificando-se, contudo, a ocorrência de error in procedendo no aresto recorrido, haverá mera
cassação, e não substituição do decisum115.
Além disso, ultrapassada a barreira da admissibilidade, deve o Superior Tribunal de
Justiça analisar de ofício quaisquer questões de ordem pública, tais como: ausência de algum
pressuposto processual, de alguma condição da ação, ou ainda, a discussão referente à
constitucionalidade de lei, o que denota a produção de efeito translativo pelo recurso especial.
A apreciação da constitucionalidade de lei pode ser feita, até mesmo, de ofício, já que o
Superior Tribunal de Justiça, a exemplo de qualquer órgão jurisdicional, também exerce o
controle difuso da constitucionalidade. Ressalte-se, porém, que a referida questão não poderá
ser apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, caso tenha sido decidida pela Corte de
origem, configurando um dos fundamentos autônomos suficientes à manutenção do julgado
recorrido. In casu, além da interposição do recurso especial, deve o inconformado interpor
recurso extraordinário combatendo o fundamento constitucional, sob pena de incidência do
enunciado nº 126 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça116. A ser de modo diverso,
estaria o Superior Tribunal de Justiça ou usurpando a competência do Supremo Tribunal
Federal se houve a interposição do recurso extraordinário, ou estar-se-ia ressuscitando matéria
preclusa117.
Comprende-se, então, que por força do efeito translativo, o tribunal ad quem, no
caso, o Superior Tribunal de Justiça, julga além das questões constantes nas razões ou nas
contra-razões do recurso, sem caracterizar julgamento extra ou ultra petita118.
A partir da interpretação a contrario sensu do artigo 542, § 2º, do Código de
Processo Civil, chega-se à conclusão de que o recurso especial não produz efeito suspensivo.
Conforme já salientado, a ausência de efeito suspensivo implica a eficácia imediata da decisão
115
Idem, ibidem.
116
SOUZA, Bernardo Pimentel. op. cit. pp. 313-314.
117
Apud Idem, op. cit. p. 314.
57
recorrida, podendo desde logo ser executada. Justifica-se tal execução em razão de não ser
razoável que o recorrido tenha que aguardar até o julgamento final da instância extraordinária
para usufruir do bem da vida julgado seu pelas instâncias inferiores119. Nesse sentido,
pendente a decisão do julgamento de recurso especial, admite-se a execução provisória. É o
que ensina a doutrina:
“Assim, se os recursos extraordinários lato sensu são recebidos somente no efeito
devolutivo; se na pendência de seu julgamento não há coisa julgada; se na sua
pendência é permitido que se inicie a execução e, finalmente, se a execução na
pendência de julgamento de recurso recebido no efeito devolutivo, conclui-se,
logicamente, que a execução de título judicial, na pendência de julgamento de
recursos especial e extraordinário é provisória [...]”120.
Destarte, pendente de julgamento de recurso especial, pode o decisum recorrido ser
executado provisoriamente, por meio da extração de carta de sentença, antes e, até mesmo,
após a remessa dos autos ao Superior Tribunal de Justiça. Por vezes, a realização da execução
pode acarretar sério dano ao recorrente, ensejando a propositura de ação cautelar na busca do
efeito suspensivo, conforme será estudado no capítulo subseqüente.
118
119
120
MEDINA, José Miguel Garcia. op. cit. p. 50.
FERREIRA, Andréia Lopes de Oliveira. Execução na pendência do julgamento dos recursos
extraordinário e especial. In Aspectos polêmicos e atuais do recurso especial e do recurso extraordinário.
Coordenadora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. pp. 54-55.
FERREIRA, Andréia Lopes de Oliveira. op. cit. p. 55.
4. CONCESSÃO DE LIMINAR A FIM DE EMPRESTAR EFEITO
SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL
Diante de todo o exposto, observa-se que se tornou freqüente, no Superior Tribunal
de Justiça, a propositura de ações cautelares com o fito de emprestar efeito suspensivo a
recurso especial e, conseqüentemente, retirar a eficácia do julgado recorrido, obstando, assim,
o início da execução da decisão impugnada até o julgamento do recurso especial. Frise-se que
tal concessão só é admitida quando presentes a plausibilidade do direito e o perigo na demora.
Com efeito, verificando-se que a execução do acórdão impugnado pela via de
recurso especial implicará um perigo de dano irreparável ou de difícil reparação à outra parte
(periculum in mora), e, ainda, verificando-se que o requerente da medida cautelar poderá
obter êxito quando do julgamento do recurso especial (fumus boni iuris), é imperiosa a
concessão da tutela. Ademais, convém lembrar que:
“Quando a CF garante o acesso à Justiça, por meio do devido processo legal, não o
faz com o propósito de criar apenas regras formais de procedimento em juízo. O
que, na verdade, se está garantindo é a tutela jurídica do Estado a todos, de maneira
a que nenhuma lesão ou ameaça a direito fique sem remédio. O processo, nessa
ordem de idéias, tem de apresentar-se como via adequada e segura para
proporcionar ao titular do direito subjetivo violado pronta e efetiva proteção. O
processo devido, destarte, é o processo justo, apto a propiciar àquele que o utiliza
uma real e prática tutela”121.
Sob esse prisma, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, divergências há, no que
concerne ao momento de concessão da medida cautelar. Há julgados no sentido de que a
mesma só poderá ser concedida após realizado o juízo de admissibilidade no tribunal a quo,
121
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela cautelar e antecipatória em matéria tributária. Revista Jurídica.
Porto Alegre: Síntese, março de 1998, n° 245. p. 9.
59
no qual será interposto o recurso especial. Outros admitem a concessão antes da realização
desse primeiro juízo de admissibilidade e até mesmo antes da interposição do recurso
especial, desde que configurados os pressupostos autorizadores da medida cautelar. É válido
ressaltar que há divergências entre as próprias Turmas e Seções do Superior Tribunal de
Justiça.
Nesse contexto, serão analisadas, aqui, essas três correntes, a fim de que, ao final do
trabalho, possa-se definir qual seria o momento mais oportuno para conceder a referida
medida.
4.1. Concessão de liminar a fim de emprestar efeito suspensivo a recurso especial
antes de sua interposição no tribunal a quo
Segundo corrente jurisprudencial que pode ser intitulada de liberal, são admissíveis
“ações cautelares para conferir efeito suspensivo até mesmo a recurso especial não interposto
(pendente de publicação na origem o acórdão recorrido), desde que se apresentem com nitidez
o fumus boni iuris e o periculum in mora” 122.
Convém, no presente momento, afastar eventual dúvida no tocante à distinção entre
publicação da decisão e intimação da publicação da decisão. No momento em que o juiz dá
existência legal à decisão, ocorre a sua publicação, ou seja, no instante em que o juiz entrega a
decisão à secretaria ou quando a mesma é juntada aos autos, dá-se a sua publicação. Nesse
contexto, “ao contrário do que pode parecer à primeira vista, é a publicação – e não a
intimação via publicação no órgão oficial de imprensa – que marca a existência da decisão no
122
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 4ª Turma. Ementa: “Medida cautelar. Recurso especial. Efeito
suspensivo. Liminar. Referendum. I – Na consonância de reiterados precedentes admitem-se ações
cautelares para conferir efeito suspensivo até mesmo a recurso especial ainda não interposto (pendente de
publicação na origem o acórdão recorrido), desde que se apresentem com nitidez o fumus boni iuris e o
periculum in mora. II – Decisão liminar referendada”. MC nº 1183. Relator: Bueno de Souza. Data do
Julgamento: 26.05.98. DJ de 21.06.1999.
60
mundo jurídico”123. Assim, deve-se ter em mente que a publicação do decisum, que lhe
assegura existência legal, não se confunde com a intimação dos advogados via publicação da
decisão no órgão de imprensa oficial. Tratando-se de acórdão, a publicação ocorre quando o
presidente do colegiado anuncia o resultado do julgamento, nos termos do artigo 556 do
Código de Processo Civil. Com efeito, além da publicação do artigo 564, que cuida da
intimação, assim como o artigo 506, inciso III, há a publicação propriamente dita, que marca
a existência da decisão, nos termos do artigo 463 do Código de Processo Civil.
In casu, ou seja, existindo o julgamento no tribunal de origem, até mesmo
produzindo efeitos, admite-se a possibilidade de ser concedida a suspensão da execução do
julgado, pelo Superior Tribunal de Justiça, repita-se, ainda que não lavrado o acórdão e não
interposto o especial, sob o argumento de que, se assim não fosse, não haveria tribunal
competente para tutelar o direito ameaçado. Eis a didática ementa do seguinte precedente do
Superior Tribunal de Justiça:
“Processual civil. Medida cautelar. Efeito suspensivo a recurso especial ainda não
interposto. Ação de busca e apreensão – Alienação fiduciária - Liminar concedida.
I – Possibilidade, em tese, de ser concedida a suspensão da execução de ato
judicial, mesmo não publicado124 o acórdão. A ser de modo diverso não haveria
tribunal competente para tutelar o direito ameaçado. II – Defere-se efeito
suspensivo a Especial quando, na concessão liminar para tal, verifica-se que, dos
fatos documentalmente comprovados e contidos nos autos da Cautelar, afiguram-se
presentes os pressupostos ‘fumus boni iuris’ e ‘periculum in mora’. III – Liminar
concedida e referendada pelo colegiado” 125.
Contudo, há, também, reiteradas decisões que sustentam que, antes da
confecção do acórdão e da interposição do recurso especial, não se exauriu, ainda, a instância
inferior. Segundo tal corrente, antes da confecção do acórdão recorrido e da interposição do
recurso especial, o tribunal inferior continua a ser competente para processar e julgar a
123
SOUZA, Bernardo Pimentel. op. cit. pp. 68-69.
124
O vocábulo publicado empregado na ementa diz respeito à intimação via publicação, nos termos dos artigos
506, inciso III, e 564, ambos do Código de Processo Civil.
125
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 3ª Turma. MC nº 835. Relator: Waldemar Zveiter. Data do
61
cautelar, a fim de que a decisão, ainda sujeita a recurso, não tenha eficácia imediata, de forma
que não é admissível a propositura da ação cautelar perante a Corte Superior. Caso contrário,
ocorreria a supressão da instância inferior, ainda competente para decidir a causa. Nesse
mesmo sentido, observa-se o voto do Ministro Humberto Gomes de Barros:
“Penso que seja perigoso o Superior Tribunal de Justiça suprimir a instância e dar uma liminar numa
situação em que não se consolidou ainda a competência do Superior Tribunal de Justiça. Ela só
poderia existir se houvesse um recurso interposto para o Superior Tribunal de Justiça; o que não há e
pode nem existir. Esse acórdão pode ser publicado e transitar em julgado” 126.
Além disso, de acordo com o eminente Ministro Garcia Vieira, “não podemos dar
efeito suspensivo a recurso especial porque ele simplesmente não foi interposto. E não se
pode dar efeito suspensivo a um recurso que sequer foi interposto”127.
Existem, ainda, julgados no Superior Tribunal de Justiça que concedem liminar com
o fito de atribuir efeito suspensivo a recurso especial não interposto, mesmo já tendo sido
publicado o acórdão, não tendo ocorrido, porém, a intimação dos advogados das partes.
Assim, ainda não foi iniciado o decurso do prazo para a interposição do recurso. Concede-se
tal medida, sob a alegação de que, no período intermediário entre a publicação da decisão pelo
tribunal a quo e a intimação dos advogados das partes, não haveria tribunal competente para
processar e julgar a ação cautelar.
Todavia, parece que melhor saída para este caso seria a propositura da ação cautelar
perante o próprio tribunal de origem, a fim de que a decisão não possua eficácia imediata. A
uma, porque a instância superior ainda não foi acionada nos termos do parágrafo único do
julgamento: 05.08.1997. DJ de 27/10/1997.
126
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1ª Turma. Ementa: “Processual civil. Medida cautelar. Liminar.
Agravo (arts. 258 e 259 – RISTJ) – CPC, artigos 796 e seguintes”. MC nº 2000. Relator: Milton Luiz
Pereira. Data de julgamento: 02.12.1999. DJ de 22.05.2000.
127
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1ª Turma. Ementa: “Medida cautelar. Efeito suspensivo a recurso
especial ainda não interposto. Possibilidade. Negação da liminar requerida por ausência do ‘fumus boni
iuris’. Impossibilidade de, com base em exame perfunctório, determinar-se os efeitos da medida provisória
nº 1549-3 de 03.11.97, artigo 58, § 8º . Medida cautelar que se tem por improcedente”. MC nº 1184.
62
artigo 800 do Código de Processo Civil, mormente o recurso especial ainda não foi
interposto. A duas, porque o tribunal de origem cumpre e acaba seu ofício jurisdicional com
a publicação do julgado, podendo, no entanto, alterá-lo em função da apresentação de
embargos de declaração (artigo 463, inciso II, do Código de Processo Civil), ou ainda, ser
acionado com a propositura de ação cautelar, uma vez que a competência do tribunal ad quem
ainda não foi instaurada. Ademais, se a ação cautelar pode ser intentada incidentalmente, não
há óbice algum a que ela seja proposta perante o tribunal de origem após a publicação do
decisum, desde que, frise-se, ainda não tenha sido instaurada a competência do tribunal ad
quem, por meio da interposição do recurso especial.
4.2. Concessão de liminar a fim de emprestar efeito suspensivo a recurso especial
interposto não submetido à apreciação do juízo de admissibilidade no
tribunal a quo
Uma segunda corrente sustenta a admissibilidade da ação cautelar ajuizada
diretamente no Superior Tribunal de Justiça após a interposição do especial. Em face da
primazia com que foi ressaltado o presente item pelo Professor Bernardo Pimentel Souza, eis
a transcrição de um trecho de seu livro acerca do assunto em pauta:
“Todavia, o Superior Tribunal de Justiça tem – com razão – conferido
excepcionalmente efeito suspensivo a recurso especial. E o faz em sede de cautelar
incidental proposta após a interposição do especial. Com efeito, ‘interposto o
recurso, a medida cautelar será requerida diretamente ao tribunal’. É o que
estabelece o parágrafo único do artigo 800, com a redação dada pela Lei n. 8.952,
de 1994. Realmente, a interposição do especial para o Superior Tribunal de Justiça
aciona a competência da Corte para processar e julgar cautelar incidental. É bom
não esquecer que o parágrafo único do art. 800 não condiciona a concessão da
tutela cautelar à prévia admissão do recurso na origem. Basta – frise-se – a
interposição do especial, para que o recorrente possa pleitear a tutela cautelar
perante o Superior Tribunal de Justiça”128.
Relator: José Delgado. Data de julgamento: 26.05.1998. DJ de 17.08.1998.
128
SOUZA, Bernardo Pimentel. op. cit. p. 313.
63
Daí também sustentar o eminente Ministro Aldir Passarinho Junior que:
“Tendo sido publicado o acórdão e contra ele interposto recurso especial, ainda
que sob exame de admissibilidade na Corte de 2º grau, é possível a medida
cautelar, porquanto, se assim não fosse, restaria desprotegido o direito da parte no
intervalo, muitas vezes extremamente longo, entre o aviamento do recurso especial
e o seu exame pela Presidência do Tribunal. Assim, desde que, evidentemente, já
exista acórdão e recurso interposto, embora sujeito ainda ao crivo da instância
ordinária, admito o cabimento da cautelar e, por conseguinte, do requerimento de
tutela liminar”129 [sem grifo no original].
De fato, basta o requerente da medida cautelar comprovar – além do fumus boni
iuris e do periculum in mora - a interposição do recurso especial, pois, não é razoável que a
tutela cautelar seja afastada de plano, tendo em vista apenas que os autos ainda não
ingressaram no protocolo do tribunal. Demais disso, o próprio artigo 288 do Regimento
Interno do Superior Tribunal de Justiça não restringe a possibilidade de promoverem-se ações
cautelares para somente quando o recurso especial estiver na Corte. Dessa forma, não sendo
razoável que a parte fique, mesmo que seja por um curto espaço de tempo, sem direito à
proteção cautelar, e, levando-se em conta que a referida medida consiste em um caso
particular do poder geral de cautela consagrado a todo o magistrado, pode-se, perfeitamente,
concluir que: “as medidas cautelares serão requeridas ao relator do recurso; e, quando este
ainda não distribuído, ao Ministro competente para ordená-lo e dirigi-lo”130, o qual ficará
prevento para processar e julgar o recurso especial.
Sob essa perspectiva, o parágrafo único do artigo 800 - combinado com o artigo 798
-, ambos do Código de Processo Civil, condiciona a concessão de medidas cautelares à
129
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 2ª Turma. Ementa: “Agravo Regimental. Medida cautelar.
Suspensividade do recurso especial. Deferimento liminar. Impossibilidade. Juízo de admissibilidade não
proferido no tribunal ‘a quo’. Precedentes. 1. Inadmissível o deferimento de liminar, em medida cautelar,
para conceder efeito suspensivo a recurso especial cujo juízo de admissibilidade não foi exercido no
Tribunal de origem. 2. Agravo regimental improvido”. AgRg MC nº 1670. Relator: Francisco Peçanha
Martins. Data de julgamento: 25.05.1999. DJ de 22.11.1999.
130
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 4ª Turma. Ementa: “Processual civil. Exceção de incompetência.
Seguimento denegado. Medida cautelar. Recurso ordinário pendente de julgamento no tribunal local. Não
conhecimento [...]”. MC nº 2035. Relator: Cesar Asfor Rocha. Data de julgamento: 21.10.1999. DJ de
64
presença de seus pressupostos e à interposição do recurso especial. Trata-se, portanto, de um
obstáculo previsto no próprio ordenamento jurídico à concessão de liminares, pelo Superior
Tribunal de Justiça, para emprestar efeito suspensivo a recurso especial ainda não interposto.
Ressalte-se que, comprovada a interposição do recurso especial e a presença dos pressupostos
ensejadores da medida cautelar, não há que se levantar óbices outros para que seja conferido o
efeito suspensivo ao especial pelo próprio Tribunal ad quem.
É válido frisar que o referido dispositivo do Código de Processo Civil não
condiciona a concessão da medida à prévia admissão do recurso especial no tribunal a
quo, bastando, tão-somente, a sua interposição. Bem assim, observa-se o voto proferido pelo
Ministro José Delgado, referindo-se à desnecessidade da admissão do recurso especial no
tribunal de origem:
“[...] O que observamos aqui, hoje, foi um aprofundamento de modo bem vertical
com um tema de processo, que está inserido naquela teoria mais nova do Direito
formal, que é o chamado processo-realidade. Tenho há muito tempo essa teoria de
que este processo não pode caminhar fora da realidade vivida. Vejo que esta Corte,
a passos que diria não lentos, alargados, vem estabelecendo princípios desse
chamado processo-realidade.
Em razão das atitudes julgadas por esta Corte em suas decisões, o legislador, no
campo do recurso especial, chamando-o para as teorias de processo-realidade,
modificou por inteiro, a meu ver, - e tenho dito em várias oportunidades – o
parágrafo único do art. 800 para não mais exigir, desde a modificação de 13 de
dezembro de 1994, pela Lei nº 8.952, pois penso que hoje não há mais razão
para se discutir de que só cabe a medida cautelar para dar efeito suspensivo
em recurso especial, se o recurso já tiver sido admitido. Penso que a redação
do parágrafo único, modificando a redação do parágrafo anterior, que dizia
que só podia ser interposto recurso especial perante o relator, dando a
entender que o recurso especial tinha que estar já na Corte, ficava aquele
vácuo, sem nenhuma possibilidade de se entregar uma prestação jurisdicional
cautelar, diz claramente: ‘interposto o recurso, a medida cautelar será
requerida diretamente ao Tribunal’.
Penso que aqui tem uma expressão maior, não mais se discute essa construção
jurisprudencial de se exigir, Ministro José de Jesus Filho, com a devida vênia, que
o recurso especial tenha sido admitido”131 [sem grifo no original].
13.03.2000.
131
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1ª Turma. Ementa: “Processual – Medida cautelar – Efeito
65
Cumpre registrar que parcela da jurisprudência afirma que a concessão da cautelar,
conferindo efeito suspensivo a recurso especial ainda não admitido, implica interferir no juízo
de admissibilidade do recurso, a ser realizado pelo tribunal de origem, configurando-se aí, a
supressão de instância. Todavia, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o que será
analisado no juízo de admissibilidade pelo tribunal a quo e o que será analisado para a
concessão da medida cautelar pelo relator da mesma no Superior Tribunal de Justiça são
pressupostos totalmente distintos.
Para a concessão da medida cautelar, no Superior Tribunal de Justiça, será analisado
pelo relator se o recurso especial foi interposto e se estão configurados os pressupostos
ensejadores da referida medida, conforme já exposto. Já o presidente do tribunal a quo,
quando da aferição da admissibilidade do especial, analisará se presentes estão os requisitos
de admissibilidade, quais sejam: cabimento, legitimidade recursal, interesse recursal,
inexistência de fato extintivo ou modificativo, tempestividade, regularidade formal e preparo.
Em outras palavras, enquanto que o presidente da Corte de origem fica adstrito ao juízo de
admissibilidade, o relator e, depois, a turma no Superior Tribunal de Justiça ingressam no
juízo de mérito, ainda que de forma sumária.
Demonstrado está, então, que, por serem requisitos totalmente diversos que serão
analisados em uma e outra situação, a concessão da cautelar, em hipótese alguma, interferirá
na admissibilidade do recurso no tribunal de origem132. Nada impede que o presidente do
tribunal a quo inadmita o recurso, ou mesmo que o especial seja admitido na origem e não
suspensivo – Recurso não submetido ao crivo da admissibilidade – Precatório – Valor desproporcional –
Pendência de embargos à execução”. MC nº 740. Relator: Humberto Gomes de Barros. Data de julgamento:
24.06.1997. DJ de 21.06.1999.
132
Há, porém, entendimentos no sentido de que não se tem esgotada a competência do juízo recorrido se o
Presidente deste ainda não procedeu à apreciação da admissibilidade no recurso especial. É o que se verifica
no voto do Ministro Peçanha Martins in SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 2ª Turma. Ementa:
“Agravo regimental. Medida cautelar. Suspensividade do recurso especial. Deferimento liminar.
Impossibilidade. Juízo de admissibilidade não proferido no tribunal ‘a quo’. Precedentes. 1. Inadmissível o
deferimento de liminar, em medida cautelar, para conceder efeito suspensivo a recurso especial cujo juízo
de admissibilidade não foi exercido no Tribunal de origem. 2. Agravo regimental improvido”. AgRg MC nº
66
conhecido no Superior Tribunal de Justiça. É na Corte Superior “que está concentrada a
competência da admissibilidade em juízo definitivo, sem que essa circunstância signifique
recomendação ao juízo a quo que, evidentemente, tem ampla liberdade de convencimento a
respeito da presença, ou não, dos requisitos próprios quanto à admissão do recurso”133.
Assim sendo, caso o recurso especial seja admitido na origem, a liminar, concedida
pelo relator da cautelar no Superior Tribunal de Justiça, produzirá seus efeitos até o
julgamento definitivo da referida ação, caso em que a liminar será, ou não, ratificada.
Agora, se o recurso especial for inadmitido, e tiver decorrido in albis o prazo para a
interposição do agravo de instrumento, previsto no caput do artigo 544 do Código de Processo
Civil, a ação cautelar deverá ser extinta, sem julgamento de mérito, em razão da perda de
interesse de agir, com fulcro no artigo 267, inciso VI, do mesmo diploma.
Mesmo havendo a inadmissão do especial e a interposição do agravo de instrumento
tempestivamente, apesar das divergências, tudo indica que os efeitos da liminar deverão ser
mantidos até a decisão final da cautelar.
Cumpre registrar que, embora a inadmissão do recurso especial na origem mitigue a
presença do fumus boni iuris, tal fato não será fatal para a concessão da liminar no Superior
Tribunal de Justiça, tendo em vista a independência que esta Corte Superior possui para
processar e julgar causas de sua competência. Ademais, o agravo de instrumento pode vir a
ser provido, reconvalescendo-se, então, o fumus boni iuris.
É sabido também que o processamento do recurso especial na instância de origem,
bem como a apreciação da admissibilidade do recurso até a remessa dos autos ao Superior
1670. Relator: Francisco Peçanha Martins. Data de julgamento: 25.05.1999. DJ de 22.11.1999.
133
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1ª Turma. Ementa: “Processual. Medida cautelar. Efeito suspensivo.
Recurso não submetido ao crivo da admissibilidade. Precatório. Valor desproporcional. Pendência de
embargos à execução [...]”. MC nº 740. Relator: Humberto Gomes de Barros. Data de julgamento:
24.06.1997. DJ de 21.06.1999.
67
Tribunal de Justiça demandam tempo suficiente para que a ameaça de lesão ao direito do
requerente da medida se efetive. Resta indagar: é razoável que, durante esse lapso temporal, a
pretensão à tutela cautelar fique sem destinatário, sendo que já interposto o recurso e já
acionada a competência absoluta da referida Corte134?
Com efeito, em face do que dispõe o parágrafo único do artigo 800 do Código de
Processo Civil, verifica-se a razoabilidade de se conferir ao Superior Tribunal de Justiça a
competência para processar e julgar a ação cautelar incidental com o fito de emprestar efeito
suspensivo a recurso especial já interposto, mas ainda sujeito ao crivo da admissibilidade na
origem, o que redundaria em grande prejuízo ao jurisdicionado, em havendo a concretização
da lesão ao direito pleiteado. Tal discrepância não se justifica, principalmente, porque o
Superior Tribunal de Justiça já teve a sua competência acionada e a instância inferior já
concluíra o seu ofício jurisdicional, nos termos do artigo 463 da lei processual civil, sendo
mais razoável, até por uma questão de economia processual, a fixação da competência da
Colenda Corte.
4.3. Concessão de liminar a fim de emprestar efeito suspensivo a recurso especial
interposto submetido à apreciação do juízo de admissibilidade no tribunal a
quo
Existem, também, decisões, no egrégio Superior Tribunal de Justiça, no sentido de
não ser cabível a concessão de liminar em medida cautelar para comunicar efeito suspensivo a
134
Consoante o voto do Ministro Athos Carneiro: “O fato, por outro lado, de o recurso especial
comprovadamente não ter sido ainda recebido (admitido) na origem não me parece suficiente para repelir,
terminantemente, a pretensão deduzida nesta cautelar. A este propósito, cumpre ter em vista que a Terceira
Turma deste Tribunal já considerou possível processar e apreciar pedido de liminar em cautelar, ainda que o
recurso ordinário tenha sido apenas recebido no juízo de origem, em face de não mais poder o juízo a quo
prover a seu respeito, dos aspectos excepcionais do caso examinado e da garantida constitucional
concernente à ameaça a direito deduzido em juízo (RSTJ 13/217)” in SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. 4ª Turma. Ementa: “Processo civil. Cautelar inominada. Eficácia suspensiva a recurso especial
interposto e ainda não admitido. Ressalva. Inaplicabilidade do art. 25 da Lei nº 8.038/80. Liminar deferida e
referendada em julgamento por maioria [...]”. Petição nº 298. Relator: Sálvio de Figueiredo. Data de
julgamento: 30.06.1992. DJ de 31/08/1992.
68
recurso especial ainda não submetido ao crivo do juízo de admissibilidade no tribunal a
quo135. É o que se depreende do seguinte voto proferido pelo Ministro Francisco Peçanha
Martins:
”Tenho opinião firmada no sentido da impossibilidade de conferir-se efeito
suspensivo a recurso especial ainda não submetido ao juízo de admissibilidade do
Tribunal ‘a quo’. Corresponderia, a meu ver, a uma invasão de competência, com
supressão de julgamento previsto na lei, ainda que o juízo definitivo de
admissibilidade do recurso seja da competência do Tribunal ‘ad quem’. Demais
disso, ao recurso especial a lei não conferiu efeito suspensivo. O art. 542, § 2º, do
CPC, com a redação dada pela Lei 8.950/94, que é idêntica a do art. 27, § 2º, da Lei
8.038/90, determina que ‘os recursos extraordinário e especial serão recebidos no
efeito devolutivo’. É certo que a jurisprudência do STF e STJ vem emprestando
efeito suspensivo aos mencionados recursos. Mas o faz em circunstâncias
especialíssimas, para impedir se concretizem situações irreversíveis resultantes de
decisões aberrantes, flagrantemente equivocadas ou mesmo configuradoras de
situações de fato de dificílima manutenção ou recomposição, quando esgotada a
competência do Presidente do Tribunal ‘a quo’ com a admissão do recurso. É
verdade que há decisões concessoras de liminar para conferir efeito suspensivo ao
recurso especial simplesmente protocolado no órgão ‘a quo’. Não comungo,
porém, com tal entendimento pelo fato de não poder antecipar juízo com supressão
da competência do Presidente do Tribunal ‘a quo’ (art. 541, 542 e § 1º do CPC,
com redação dada pela Lei 8.950/94). Assim venho julgando (M.C. 417-PA; M.C.
470-RS) razão por que indefiro o pedido de concessão liminar”136.
Tais julgados, via de regra, seguem a orientação do colendo Supremo Tribunal
Federal, sob o fundamento de que, para ensejar efeito suspensivo a extraordinário, via ação
cautelar, é indispensável ter sido, o recurso, submetido ao crivo do juízo de admissibilidade
135
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 5ª Turma. Ementa: “Processual civil. Agravo regimental. Medida
cautelar. Efeito suspensivo a recurso especial. Liminar denegada. – Ausentes os pressupostos justificadores
para a concessão de medida liminar, do fumus boni iuris e do periculum in mora, confirma-se a decisão
que a denegou. – Ademais, trata-se de medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso especial que
ainda não foi objeto do juízo de admissibilidade no Tribunal a quo, situação que impede a concessão da
liminar. – Agravo a que se nega provimento”. MC nº 1101. Relator: Félix Fischer. Data de julgamento:
28.04.1998. DJ de 22.06.1998.
136
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 2ª Turma. Ementa: “Agravo regimental. Medida cautelar. Recurso
especial. Efeito suspensivo. Impossibilidade. CPC art. 542, § 2º. Leis 8.028/90 e 8.950/94. 1. O STJ e o
STF, em situações excepcionalíssimas, têm emprestado efeito suspensivo aos recursos especial e
extraordinário. Contudo, a lei não confere tal característica a esses apelos. 2. Inadmissível que, através de
medida cautelar, o Tribunal ‘ad quem’ invada a competência do Tribunal ‘a quo’, a quem incumbe, em
primeira mão, o exame da admissibilidade desses recursos. 3. Nesse sentido vem se firmando a
jurisprudência desta Corte. 4. Agravo regimental improvido”. Relator: Francisco Peçanha Martins. Data de
69
no tribunal a quo. Entendem, pois, que a concessão da medida pressupõe a existência do juízo
positivo de admissibilidade. Não é só. Sustentam a não aplicabilidade do parágrafo único do
artigo 800 do Código de Processo Civil, porquanto a sua aplicação implicaria pré-julgamento
da admissão do recurso extraordinário pelo relator da cautelar, o qual ficará prevento para
julgar o agravo de instrumento contra decisão de inadmissão do recurso, em detrimento da
livre apreciação do presidente do tribunal a quo. Ao ser concedida a liminar, em razão da
relevância de sua fundamentação e da hierarquia jurisdicional, entendem que o Presidente
do tribunal a quo ficaria adstrito à admissão do recurso137. Note-se que tal entendimento já foi
rechaçado no item anterior138. Com efeito, sustentam que:
“No RE, entende o STF que a cautelar somente é cabível depois de admitido o
recurso no tribunal de origem. Entendimento não alterado diante da nova redação
do art. 800, parág. único, do CPC, a dizer que interposto o recurso a medida
cautelar será requerida diretamente ao Tribunal. Para a Corte Maior, entendimento
contrário implicaria pré-julgamento da admissão do RE pelo relator da cautelar no
STF, em detrimento da livre apreciação do recurso pelo presidente do tribunal a
julgamento: 31/10/1996. DJ de 28/04/1997.
137
Bem assim: AgRg em Petição nº 1189. Relator: Moreira Alves. DJ de 06.12.1996 in SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 5ª Turma. Ementa: “Processual civil. Agravo regimental. Medida cautelar.
Efeito suspensivo a recurso especial. Liminar denegada [...]”. Relator: Felix Fischer. Data de julgamento:
28.04.1998. DJ de 22.06.1998: “O disposto no parágrafo único do artigo 800 do CPC, na redação que lhe
deu a Lei 8.592/94 não se aplica a recurso extraordinário ainda não admitido, pela singela razão de que sua
aplicação implicaria pré-julgamento da admissão do recurso extraordinário pelo relator da petição de
medida cautelar, que se torna prevento para julgar o agravo contra o despacho da não-admissão desse
recurso, em detrimento da livre apreciação do Presidente do Tribunal ‘a quo’ no âmbito da competência
originária que a legislação lhe outorga para esse juízo de admissibilidade, porquanto, se considera relevante
o fundamento jurídico do recurso extraordinário para o efeito de conceder-lhe o efeito suspensivo que a
legislação não lhe outorga, é evidente que ele deverá ser admitido ainda que para melhor exame. Ademais,
se não obstante isso, o Presidente do Tribunal ‘a quo’ não admitir o recurso extraordinário a que foi dado
efeito suspensivo em medida cautelar requerida perante essa Corte, ter-se-á a esdrúxula situação de um
recurso extraordinário não-admitido por quem é competente para tanto continuar a ter efeito suspensivo
antes de reformada a decisão de não-admissibilidade, uma vez que o despacho de não-admissão na Corte de
origem não tem força para reformar a concessão de cautelar dada pelo tribunal ‘ad quem’ que lhe é
hierarquicamente superior”.
138
A melhor tese preza pela aplicabilidade do parágrafo único do artigo 800 do CPC, como já visto. Competindo,
portanto, ao próprio relator da medida cautelar, no STJ, julgar a liminar ad referendum do órgão colegiado
(Art. 34, V e VI, do RISTJ). E, ainda, posiciona-se contrariamente àqueles que entendem haver a ocorrência
de supressão de instância nos casos em que a liminar é concedida após a interposição do recurso e antes da
apreciação do juízo de admissibilidade. Isto porque, neste caso, o Presidente do tribunal a quo não ficaria
adstrito à admissão do recurso, devido aos motivos já ressaltados no item anterior, não se devendo perder de
vista que a interposição do recurso, em face do parágrafo único do artigo 800 do CPC, já aciona a
competência do STJ.
70
quo, que é competente originariamente para tal juízo”139.
Convém registrar que, por sustentarem a não aplicabilidade do referido
dispositivo, o lapso temporal entre a interposição do recurso e a prolação do juízo de
admissibilidade ficaria com uma lacuna, não havendo um órgão judiciário legalmente
competente para o exame da liminar. Entendem, então, que, para suprir tal lacuna, ao
presidente do tribunal de origem, quando da apreciação da admissibilidade do recurso,
competiria, também, julgar a liminar na cautelar. É o que se extrai do entendimento abaixo
transcrito, em que o Ministro Felix Fischer acompanha a orientação do Pretório Excelso:
“- Esta Corte tem entendido que não cabe medida cautelar inominada para a
obtenção de efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi admitido
no Tribunal de origem, não só porque a concessão dessa medida pressupõe
necessariamente a existência de juízo positivo de admissibilidade do recurso
extraordinário, mas também porque, em se tratando de recurso extraordinário, que
demanda esse juízo de admissibilidade da competência da Presidência do Tribunal
que prolatou o acórdão recorrido, não se aplica o disposto no parágrafo único do
artigo 800 do CPC pela singela razão de que, se fosse concedida a liminar para dar
efeito suspensivo, pela relevância de sua fundamentação jurídica, a recurso dessa
natureza ainda não admitido, a referida Presidência, em virtude da hierarquia
jurisdicional, não poderia desconstituí-la com a não-admissão desse recurso,
ficando, assim, adstrita – o que é incompatível com a sua competência para o juízo
de admissibilidade – a ter de admiti-lo.
- A impossibilidade de esta Corte deferir pedido de liminar para dar efeito
suspensivo a recurso extraordinário ainda não admitido permite que, entre a
interposição desse recurso e a prolação desse juízo de admissibilidade, não haja
autoridade ou órgão judiciários que, por força de dispositivo legal, tenha
competência para o exame de liminar dessa natureza. Para suprir essa lacuna que
pode acarretar danos irreparáveis ou de difícil reparação em casos em que é
relevante a fundamentação jurídica do recurso extraordinário, seria de atribuir-se
ao Presidente do Tribunal ‘a quo’, que é competente para examinar sua
admissibilidade, competência para conceder, ou não, tal liminar, e, se a concedesse,
essa concessão vigoraria, se o recurso extraordinário viesse a ser admitido, até que
essa Corte a ratificasse, ou não. Essa solução não encontra óbice em que, assim,
haveria invasão na competência deste Supremo Tribunal, certo que, antes da
admissão do recurso extraordinário e por causa do sistema do juízo dessa
admissibilidade, não é possível a ele decidir esse pedido de liminar.
Questão de ordem que se resolve no sentido de indeferir o pedido de medida
cautelar”140.
139
MACHADO, Hugo de Brito. op. cit. p. 06.
71
Concessa venia, parece que melhor orientação provém dos julgados do Colendo
Superior Tribunal de Justiça que têm decidido pela concessão da medida cautelar após a
interposição do recurso especial ainda não submetido ao crivo do juízo de admissibilidade do
tribunal de origem. Os fundamentos que embasam tais decisões destacam, ainda mais, o
acerto com que são tomadas, promovendo-se uma interpretação sistemática dos dispositivos
do Código de Processo Civil. Realmente, consoante já anotado, a referida concessão não
pressupõe a existência de juízo positivo de admissibilidade, em face da aplicabilidade do
parágrafo único do artigo 800 do diploma processual civil, que não condiciona a concessão da
medida cautelar à prévia admissão do especial na origem. Bem assim, o artigo 288 do
Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não vislumbra a possibilidade da tutela
cautelar pelo Superior Tribunal de Justiça somente nas hipóteses em que o especial já esteja
na Corte. Demais disso, de forma alguma, tal concessão importaria na supressão da instância
de origem. A uma, porque os requisitos a serem analisados em uma e outra situação, já
ressaltados, são totalmente diversos. A duas, porque a comunicação de efeito suspensivo ao
recurso especial ainda sujeito à apreciação da admissibilidade na origem não vincula o
tribunal a quo à admissão do recurso. Por fim, vale a pena transcrever e efetuar uma reflexão
acerca do seguinte entendimento do eminente Professor Hugo de Brito Machado:
“Temos, é certo, dispositivo de lei a dizer que o recurso extraordinário e o recurso
especial não impedem a execução da sentença, mas temos também dispositivo de
lei a dizer que em casos excepcionais o relator pode suspender-lhe a execução.
O Direito há de ser visto como sistema, e a supremacia constitucional há de ser
efetiva. Temos de fazer valer lição antiga, de valia inquestionável no plano teórico
mas infelizmente pouco praticada, segundo a qual não se deve interpretar nenhum
140
Pet 1863-0/RS. Relator: Moreira Alves. Data de julgamento: 07.12.1999 in SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. 5ª Turma. Ementa: “Processual civil. Agravo regimental. Medida cautelar. Efeito suspensivo a
recurso especial. Liminar denegada. Segundo orientação do Pretório Excelso, não é cabível a concessão de
liminar em medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso especial, que ainda não foi objeto do juízo
de admissibilidade no Tribunal a quo. Agravo a que se nega provimento”. AgRg MC nº 2333. Relator: José
Arnaldo da Fonseca. Data de julgamento: 16.03.2000. DJ de 10.04.2000.
72
dispositivo de lei isoladamente. Temos de interpretar as leis de tal sorte que sejam
por elas realizados os princípios constitucionais”141.
Em resumo, a despeito da existência de outras duas correntes acerca do
assunto, tudo indica que melhor entendimento reside na admissibilidade da ação cautelar no
próprio Superior Tribunal de Justiça, para emprestar efeito suspensivo a recurso especial já
interposto, mas ainda sujeito ao primeiro juízo de admissibilidade nos termos dos artigos 463
e 800, parágrafo único, do Código de Processo Civil.
141
MACHADO, Hugo de Brito. op. cit. p. 7.
5. CONCLUSÃO
Diante do exposto, é possível concluir que:
Os litigantes não podem ser obrigados a suportar o risco de ineficácia ou inutilidade
do processo principal, em virtude do decurso do tempo inerente ao devido processo legal, que
implica, freqüentemente, variações nas coisas, pessoas e relações jurídicas substanciais
envolvidas na lide.
Através dos novos institutos que consubstanciam o sincretismo processual entre a
cognição, a execução e cautelares poderia o próprio juiz do processo tomar as medidas
necessárias à correta manutenção do direito evitando tal risco sendo que o processo principal
não existiria e sim os três processos em um só no qual o juiz analisaria todas as questões
referentes ao conhecimento, execução e acautelamento de bens e dos direitos discutidos.
Com a adoção pelo Direito processual brasileiro da fungibilidade entre a tutela
cautelar e a antecipação de tutela, estaria também mitigado o processo cautelar eis que poderia
o autor requerer o acautelamento dos direitos no próprio processo de conhecimento.
Não se adotando as medidas anteriores e não sendo possível ao legislador vislumbrar
todas as situações que importem risco aos litigantes, a função cautelar não se restringe às
medidas cautelares típicas, previstas na legislação processual civil. Assim, o artigo 798 do
Código de Processo Civil instituiu o poder geral de cautela, conferindo ao magistrado o poder
de adotar quaisquer providências, desde que julgadas adequadas, sempre que houver fundado
receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave ou
de difícil reparação.
Estando presentes os pressupostos específicos autorizadores da concessão da tutela
cautelar, quais sejam, fumus boni iuris e periculum in mora, mister se faz a concessão da
tutela.
74
Conforme dispõe o artigo 542, § 2º, do mesmo diploma legal, o recurso especial
dispõe apenas de efeito devolutivo, o que possibilita a execução provisória do julgado
recorrido. Todavia, casos há, em que tal execução, importará em dano irreparável ou de difícil
reparação ao recorrente, especialmente nas hipóteses excepcionais que ensejam execução
provisória.
Nos termos dos artigos 34, incisos IV e V, e 288 do Regimento Interno do Superior
Tribunal de Justiça, vislumbrando-se o fumus boni iuris e o periculum in mora, firmou-se
entendimento, neste Tribunal, no sentido de ser a ação cautelar a via própria para comunicarse efeito suspensivo a recurso especial, tornando temporariamente ineficaz o acórdão,
sustando sua execução até o julgamento do especial.
O objetivo visualizado não é de simplesmente atribuir efeito suspensivo a recurso
legalmente desprovido de tal efeito, mas, sim, impedir o risco de inutilização e ineficácia do
processo principal, face à presença dos pressupostos específicos da tutela cautelar.
A discussão existente no Superior Tribunal de Justiça refere-se ao momento
oportuno para a concessão da referida liminar em ação cautelar. Nesse sentido, no contexto
das decisões reiteradamente proferidas na mencionada Corte, observa-se a existência de três
correntes: a) concessão de liminar a fim de emprestar efeito suspensivo a recurso especial
antes de sua interposição no tribunal a quo; b) concessão de liminar a fim de emprestar
efeito suspensivo ao recurso interposto não submetido à apreciação do juízo de
admissibilidade no tribunal a quo; e c) concessão de liminar a fim de emprestar efeito
suspensivo a especial interposto submetido à apreciação do juízo de admissibilidade no
tribunal de origem.
Tendo em vista a aplicabilidade do artigo 800, parágrafo único, do Código de
Processo Civil, interposto o recurso, a medida cautelar deverá ser requerida diretamente ao
Superior Tribunal de Justiça, antes da apreciação do juízo de admissibilidade pela origem.
Com efeito, em face do aludido dispositivo, “interposto o recurso, a medida cautelar será
requerida diretamente ao tribunal”, não havendo, aqui, a exigência da prévia admissão do
recurso pelo tribunal a quo.
75
Depreende-se, dessa forma, que a segunda corrente parece ser a melhor. É suficiente,
pois, para a concessão da medida, que o requerente comprove além do fumus boni iuris e do
periculum in mora, a interposição do especial. Assim, frise-se, comprovada a interposição do
especial e a presença dos pressupostos ensejadores da tutela cautelar, não há que se levantar
óbices outros para conferir-se o efeito suspensivo ao especial.
O fumus boni iuris, in casu, está consubstanciado na possibilidade de o recorrente
obter êxito no recurso especial. Em outras palavras, na possibilidade de ser dado provimento
ao especial. Assim, não obedecendo o recurso aos requisitos de admissibilidade, previstos na
legislação pertinente, restará mitigado o fumus boni iuris. O periculum in mora, por seu turno,
está consubstanciado no perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, com a execução –
mesmo a provisória - do acórdão recorrido.
Havendo posterior admissão do recurso na origem, a liminar, concedida pelo relator
da ação cautelar no Superior Tribunal de Justiça, produzirá seus efeitos até o julgamento da
referida ação, caso em que será, ou não, ratificada.
Caso o recurso especial seja inadmitido e decorra in albis o prazo para a interposição
do agravo de instrumento, previsto no caput do artigo 544 do Código de Processo Civil,
extingue-se o processo cautelar, com fulcro no artigo 267, inciso VI.
Em sendo inadmitido o recurso especial na origem e sendo tempestivamente
interposto o agravo de instrumento, apesar das divergências, tudo indica que os efeitos da
liminar deverão ser mantidos até a decisão final da cautelar.
Ao prestar a tutela, o faz tendo em vista os princípios da inafastabilidade do acesso
ao Poder Judiciário e o princípio da efetividade, porquanto, depreende-se do inciso XXXV,
artigo 5º, da Carta Magna, que a tutela jurisdicional é reclamada não só no sentido de se
buscar um provimento jurisdicional que assegure a reparação de um direito, mas também, no
sentido de se evitar a ameaça ao direito pleiteado, pelo que se vislumbra a relevância das
cautelares com o fito de afastar o perigo ou a ameaça de lesão ao direito da parte.
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Alisson vander Neves Meira - Universidade Católica de Brasília