A Lei 12.234/2010, 05 de maio de 2010, efetivamente não deve ser aplicada imediatamente, porque se trata de norma mais gravosa ao acusado, pois de nítido conteúdo material, em atenção à exceção constitucional de irretroatividade da norma penal, salvo se mais benéfica.1 Tal alteração, em verdade, resultou em novatio legis in pejus e, portanto, não deve retroagir aos fatos anteriores. Note-se que a nova redação trazida pela Lei, em todos os pontos, é mais severa ao acusado. No art. 109, VI, aumentou de 02 (dois) para 03 (três) anos o prazo prescricional mínimo. Já no art. 110, § 1º, acrescentou a parte final “não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa”, isso sem contar a revogação expressa (até porque se não fosse expressa, haveria antinomia entre os parágrafos) da escusa do § 2º, regra pela qual a prescrição poderia ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa. Segundo Paulo José da Costa Júnior, “os princípios aceitos pela Magna Carta são dotados de força vinculativa imediata, de cogente eficácia, impondo-se logo ao legislador ordinário”.2 [grifei] 1 Art. 5º, XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. BRASIL. Constituição Federal (1988). Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. BRASIL. DECRETO-LEI No 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. 2 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Comentários ao Código Penal. 4 ed. refom. e atual. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 5. E, como ensina a doutrina, “para a escolha da lei penal mais favorável devemos ter em vista, como marco inicial, a data do cometimento da infração penal, e, como marco final, a extinção da punibilidade pelo cumprimento da pena ou outra causa qualquer”.3 [grifei] Oportunas, também, são as lições de Magalhães Noronha ao abordar os efeitos da norma penal que vem em benefício ao acusado, in verbis: Afere-se a benignidade, no caso concreto, confrontando as leis concorrentes. Mais benéfica será a que cominar pena de menos duração, de natureza menos grave, de efeitos mais aceitáveis etc., como também a que der ao delito configuração que favoreça o réu, tanto pela não-incriminação do fato como por ver nele forma menos grave, outorgar-lhe circunstâncias minorativas da pena e dispuser processo mais favorável. [...] São característicos irrecusáveis, porém, isso não impede que somente diante do caso concreto é que se possa dizer qual a lei mais benigna. Para resolver a questão de saber se a lei nova é mais favorável ao acusado do que a lei em vigor, no momento em que ele praticou a infração, deve fazer-se a comparação entre as duas leis não in abstracto (v.g., tomando em consideração sua tendência geral de serem mais ou menos severas), mas em relação ao indivíduo que se trata de julgar em concreto.4 Logo, mesmo nos casos em que recebida a denúncia após a publicação da novidade legislativa, reger-se-á o processo, neste ponto, pelo regramento anterior; ou seja, a Lei 12.234/2010, torno a gizar, será aplicada somente para os FATOS supervenientes à sua vigência. 3 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral, Parte Especial. 6 ed. rev. ampl. e atu. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 101. 4 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal: Introdução e Parte Geral. Vol. 1. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 76-77. No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul o entendimento não é diverso. Ementa: APELAÇÃO CRIME. DELITOS DE LESÕES CORPORAIS LEVES E LESÕES CORPORAIS GRAVES. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO. LEI Nº 12.234/2010. ARTIGO 109, INCISO VI, DO CÓDIGO PENAL. AUMENTO DE 02 PARA 03 ANOS DO PRAZO PARA VERIFICAÇÃO DA PRESCRIÇÃO AOS CRIMES CUJA PENA RESTE FIXADA EM QUANTUM INFERIOR A 01 ANO. NORMA DE DIREITO MATERIAL. ALTERAÇÃO QUE NÃO PODE ATINGIR FATOS ANTERIORES À ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 12.234/2010, SOB PENA DE CONFIGURAR NOVATIO LEGIS IN PEJUS. APLICAÇÃO SOMENTE A FATOS OCORRIDOS A PARTIR DE SUA VIGÊNCIA (06/05/2010). RÉU CONDENADO, RELATIVAMENTE AOS DELITOS DE LESÕES CORPORAIS LEVES, ÀS PENAS DE 06 MESES DE DETENÇÃO, TENDO TRANSCORRIDO, ENTRE O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E A PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA, MAIS DE 02 ANOS. PRESCRIÇÃO VERIFICADA. EXCLUSÃO DO CÔMPUTO DA PENA DO AUMENTO DECORRENTE DO CONCURSO FORMAL. MÉRITO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONDENAÇÃO PELO DELITO DE LESÕES CORPORAIS GRAVES CONFIRMADA. PENA. REDUÇÃO. INVIABILIDADE (AFORA A REDUÇÃO POR CONTA DO AFASTAMENTO DO CONCURSO FORMAL, PELA PRESCRIÇÃO DOS DEMAIS DELITOS). APELO DEFENSIVO IMPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70041531369, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Newton Brasil de Leão, Julgado em 20/07/2011) Ementa: APELAÇÃO CRIME. ROUBO SIMPLES. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO. Computando-se a data do fato (27/08/2002) como marco interruptivo da prescrição (desconsiderando-se a modificação legislativa, ou seja, Lei 12.234/2010, inaplicável ao caso, em face da irretroatividade da lei mais severa) e a data do recebimento da denúncia (09/03/2009), o feito encontra-se prescrito, na medida em que neste lapso temporal transcorreram quase 07 (sete) anos e o réu era menor na época do fato. APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PROVIDO, POR MAIORIA. DECLARADA A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO. UNÂNIME. APELO DA DEFESA PREJUDICADO, POR MAIORIA. (Apelação Crime Nº 70035419498, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 10/06/2010) [grifei] E no mesmo sentido, aliás, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, repare-se: AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. QUEIXA-CRIME. CALÚNIA E INJÚRIA. OFENSAS À HONRA CONSIGNADAS EM RAZÕES DE DEFESA EM PROCESSO ADMINISTRATIVO PERANTE O CNJ. CALÚNIA NÃO CARACTERIZADA. AUSÊNCIA DE IMPUTAÇÃO DE FATO ESPECÍFICO. PRESCRIÇÃO DO CRIME DE INJÚRIA. 1. Não resta caracterizado o crime de calúnia se não há imputação de fato específico definido como crime. No caso, os Querelados consignaram em suas razões de defesa em processo administrativo afirmações genéricas acerca da pessoa do Querelante, aptas a caracterizar, em tese, a injúria, porquanto potencialmente ofensivas à sua dignidade e decoro. Precedentes do STF e do STJ. 2. Não obstante, está prescrito o crime de injúria, porque os fatos supostamente criminosos ocorreram no dia 30/03/2009; a pena máxima cominada em abstrato para o crime de injúria é de seis meses de detenção; e, assim, a teor do inciso VI do art. 109 do Código Penal, na redação anterior àquela dada pela Lei n.º 12.234, de 2010, o prazo prescricional a considerar é o de dois anos, lapso temporal exíguo já transcorrido, sem interrupção. 3. Na aludida novel legislação, esse prazo prescricional foi aumentado para três anos. Contudo, por ser lei de direito material mais gravosa ao réu, não pode retroagir para atingir crimes, em tese, cometidos anteriormente à sua vigência. 4. Queixa-crime rejeitada em relação à imputação de calúnia; e, quanto ao crime de injúria, julgada extinta a punibilidade estatal em face da superveniência da prescrição da pretensão punitiva, nos termos do art. 109, inciso VI, do Código Penal, na redação anterior àquela dada pela Lei n.º 12.234, de 2010. (APn .571/AL, Rel. Ministra LAURITA VAZ, CORTE ESPECIAL, julgado em 18/05/2011, DJe 17/06/2011) Qualquer dúvida, estaremos à disposição.