Maria Paulina Soto Labbé A cultura como objeto de política pública não é nova em nosso continente. Tem sido quase sempre estratégica para os administradores do poder. De fato, ela é responsável pela naturalização de grande parte da construção simbólica que conforma nossas nações atuais. Entretanto, tudo o que realizou o Estado em nome da cultura tem sido em benefício próprio e raramente motivado pelos princípios que norteiam os direitos culturais; direitos tardios na maturação jurídica da espécie humana e denominados, por isso, “de segunda geração”. Na América Latina do século XIX, as tarefas da educação púbica estiveram centradas em fazer com que a população infantil e juvenil assimilasse o relato sobre as jovens repúblicas. A ela somarem-se os museus e bibliotecas, os monumentos nacionais, que em espaços públicos exaltavam a alguns protagonistas desse grande relato, e quase toda a panóplia nacionalista, com seus símbolos pátrios, formou parte da política cultural pública, provavelmente uma das mais eficientes que já foram administradas e financiadas pelos estados durante o século XIX. Esta política cultural também ativou uma maneira própria de entender a beleza e a expressividade desde o ponto de vista das elites. No século XX, porém, esta realidade modelada por poucos veio enriquecer-se, graças ao surgimento de outras percepções e relatos que diversificaram as visões unívocas, para tornar visível nossa maravilhosa amálgama social latino-americana: criativa e sobrevivente. Hoje, terminada a primeira década do século XXI, ninguém discute que o patrimônio é um capital que am algum momento foi criatividade e que, como viajante de temos passados, faz-se vigente no presente para dar sentido a uma comunidade viva. Ninguém duvida que nossa hibridez latino-americana é potencialidade superlativa para um devir melhor. As sequelas dos maus-tratos colonialistas persistem e não há recurso mais bem distribuído socialmente e mais renovável do que a criatividade. Esta é a base da cultura e sua própria transversalidade se manifesta em setores do desenvolvimento tradicionais como a saúde, o transporte e outros emergentes como o meio ambiente ou o turismo. Enquanto “Cultura para o Desenvolvimento” é um princípio que sintetiza esta visão estratégica e que conquista adeptos dentro dos estados, “Economia Criativa” passou a ser um instrumento de rápida expansão entre as administrações sintonizadas com esta nova centralidade estratégica da produção simbólica e, por conseguinte, com a geração de políticas culturais públicas que a integram. Desta maneira, seu desenho, projetado às necessidades do século XXI, deve assumir o papel da criatividade na produção simbólica porque sua relevância só é comparável com a que teve nos séculos anteriores o desenvolvimento da nacionalidade e da cidadania política. A convicção de que toda política cultural contemporânea deve beneficiar o desenvolvimento da cidadania cultural permitirá re-orientar tarefas instrumentais como o levantamento de um sistema de informação cultural eficaz e confiável e a serviço da cidadania. Assim, deverá ser participativo e inclusivo, estável e serial, comparável e “ranqueável”, entre países e intersetorialmente.