UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA-UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇAO – CAMPUS I
LICENCIATURA EM PEDAGOGIA COM
HABILITAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL
ANDRÉA SANTANA SANTOS
AS IMPLICAÇÕES DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA
EM UMA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Salvador- Bahia.
2009
.
ANDRÉA SANTANA SANTOS
AS IMPLICAÇÕES DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA
EM UMA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Monografia apresentada a Universidade do
Estado da Bahia – UNEB, Departamento de
Educação, Campus I, como pré-requisito para
a conclusão do curso de Pedagogia em
Educação Infantil.
Orientadora: Profª.M.Sc. Iêda R. da S. Balogh
Salvador-Bahia.
2009
ANDRÉA SANTANA SANTOS
AS IMPLICAÇÕES DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA
EM UMA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Monografia submetida à aprovação corpo docente
da Universidade do Estado da Bahia - UNEB,
Departamento de Educação, Campus I, como prérequisito para a conclusão do curso de Pedagogia,
Habilitação em Educação Infantil.
Aprovada em: ....../...../........
Banca Examinadora:
__________________________________
Profª M.Sc. Iêda Rodrigues da Silva Balogh - Orientadora
Universidade do Estado da Bahia
____________________________________
Profª M.Sc. Patrícia Lessa Santos
Universidade do Estado da Bahia
_____________________________________
Profª M.Sc. Carla Liane Nascimento dos Santos
Universidade do Estado da Bahia
3
Aqui eu dedico o trabalho.
A todos os estudantes que são
ceifados em seu direito a uma
educação
digna
e
transformadora.
A todos os educadores, que
apesar das adversidades, ainda
acreditam
assumir
e
batalham
uma
para
prática
transformadora.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço a DEUS, por ter me abençoado e ungido, com força e saúde para
concluir este trabalho, apesar de todas as circunstâncias adversas. Pois sem a
permissão Dele nada seria possível.
A Haydée (minha mãe) e a Natalina (tia-mãe), pelo amor e carinho
incondicional, pois sempre estiveram torcendo, acreditando em meu potencial.
Obrigado pelo apoio na consolidação deste trabalho.
Ao meu esposo pela colaboração concedida diante de suas possibilidades.
À Professora e Orientadora Iêda Balogh, pela disponibilidade e por ter
conduzido a orientação de maneira tranqüila.
À minha filha Quésia, que com a sua alegria e energia, me incentivava todos os
dias a continuar este trabalho e superar os desafios.
À professora Adelaide Badaró e ao colega Orliel Santos, pela colaboração,
apreço e amizade.
Aos participantes desta pesquisa, que contribuíram de maneira significativa
para construção deste trabalho.
Aos amigos pelo respeito, carinho, incentivo e compreensão durante a
elaboração desta pesquisa.
A todos que participaram de forma direta ou indireta da realização desta
pesquisa,
5
Se nossa opção é progressista, se estamos a favor da vida e não da
morte, da eqüidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da
convivência com o diferente e não de sua negação, não temos outro
caminho
senão
viver
plenamente
a
nossa
opção"...
"O educador se eterniza em cada ser que educa".
(Paulo Freire)
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RESUMO
Esta monografia investiga as manifestações de violência simbólica numa classe de
educação infantil de uma escola pública num bairro periférico de Salvador. Tem
como objetivo compreender a dimensão da violência simbólica no âmbito escolar,
conhecendo as suas variadas manifestações e observando a sua influência neste
contexto. É uma pesquisa do tipo qualitativa, em que foi utilizada técnica da
observação através da pesquisa participante. Dessa forma, pode-se inferir que, este
fenômeno é difícil de ser identificado, e por isso é exercido de maneira natural no
meio o qual convivemos, trazendo resultados negativos. As instituições públicas
educacionais possuem um grande número de crianças e adolescentes de várias
camadas sociais, e é neste ambiente bastante diversificado que ocorrem as mais
variadas formas de violência dentre elas, a violência simbólica. Através desta
investigação realizada no segundo semestre de 2009, buscou-se observar o
comportamento dos discentes e a influência do fenômeno no desempenho curricular.
Palavras-chave: Ação Pedagógica; Educação; Escola; Violência Simbólica.
7
ABSTRACT
This monograph investigates the expression of symbolic violence in a children’s class
of a public school in Salvador’s suburb. Its objective is to understand the dimension
of symbolic violence in the school, knowing its various manifestations and observing
their influence in this context. It is a qualitative research, where was is used the
technique of observing through the participant research. Thus, can infer that this
phenomenon is difficult to be identified, and therefore is naturally exercised in the
environment which we live, bringing negative results. The public educational
institutions have a large number of children and adolescents from different social
classes, and this 'diversified environment promotes the most varied violence forms
and, among them, the symbolic violence. Through this investigation, accomplished in
2009’s second half, the students manners and the influence of this phenomenon in
their performances is observed.
Keywords: Pedagogical Action, Education, School, Symbolic Violence.
8
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ........................................................................................ 10
2 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA ............... ...................................... 13
2.1 Metodologia da Pesquisa: ........................................................................... 13
2.2 Caracterização da escola ............................................................................ 16
2.3 A equipe pesquisada: Grupo 5 de Educação Infantil ................................... 17
3 VIOLÊNCIA: A NATUREZA COMPLEXA E MULTIFACETADA
DO CONCEITO ..................................................................................... 20
3.1 Violência Simbólica: uma forma dissimulada de violência ........................... 22
3.2 Das Relações de Poder: .............................................................................. 25
3.3 Violência e Escola: as diversas abordagens ............................................... 27
4
A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NO AMBIENTE ESCOLAR DA
EDUCAÇÃO INFANTIL.................................................................................33
4.2 As implicações da violência simbólica no desenvolvimento curricular dos
discentes. ........................................................................................................... 49
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................... 52
REFERÊNCIAS ............................................................................................. 55
9
1 INTRODUÇÃO
A violência está presente no meio em que convivemos, tanto de maneira exacerbada
como de maneira sutil, quase que despercebida. Esse pode não ser o fator
determinante para que as pessoas se tornem criminosas, mas favorece para limitar o
desenvolvimento de indivíduos que poderiam contribuir e muito para uma sociedade
melhor e mais estruturada, bem como, para formação mais digna e humanitária do
sujeito.
Muitos pais encaminham suas crianças para profissionais específicos na área
pedagógica ou reforço escolar, a fim de solucionar problemas no desenvolvimento
escolar e na aprendizagem, quando na verdade muitas vezes esse comportamento
da criança está relacionado a outros fatores que podem ser observados no próprio
ambiente escolar, a saber, um deles seria a violência simbólica. A viabilidade de
analisar esse aspecto no âmbito escolar pode contribuir bastante para o processo de
aprendizagem do individuo de uma forma muito positiva.
É necessário que o indivíduo tenha autonomia para participar e adequar-se às
regras sociais, oferecendo sua contribuição com dignidade e de forma interativa,
compreendendo que além de ser único, também faz parte de um grupo. Por isso é
preciso refletir sobre o papel da escola e a sua função na construção de
conhecimentos e formação de cidadãos capazes de estabelecer um convívio social
digno e interativo.
A temática sobre a violência escolar tem sido discutida por várias áreas do
conhecimento, trazendo a visão de sociólogos, filósofos, psicólogos, antropólogos e
tantos outros especialistas que buscam a análise deste assunto. Entretanto este
trabalho visa levantar questionamentos sobre as implicações de um tipo de violência
muito freqüente nas escolas, conhecido como “violência simbólica”. Considerando
que este fenômeno é bastante comum e geralmente não é reconhecido ou
identificado como um fator negativo, bem como não é dada a importância e a
sensibilidade necessária ao assunto.
10
A violência simbólica age de forma invisível, apesar de não deixar marcas físicas ela
é sentida e pode influenciar bastante na construção do conhecimento e formação do
individuo em todos os aspectos da sua vida social, trazendo conseqüências
desastrosas para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária.
Assim Odália (1993), define de forma clara o acima exposto.
Nem sempre a violência se apresenta como um ato, como uma relação,
como um fato, que possua estrutura facilmente identificável.(...) o ato
violento se insinua, freqüentemente,como um ato natural, cuja essência
passa desapercebida. Perceber um ato como violento demanda do homem
um esforço para superar sua aparência de ato rotineiro, natural e como
que inscrito na ordem das coisas. (1993, 22-23)
Esse tipo de violência está presente nos mais variados ambientes sociais e a escola
faz parte de um destes ambientes, onde a prática desse fenômeno é tão comum que
acaba tornando-se despercebida e banalizada, tanto os estudantes como os
professores e demais funcionários podem favorecer a intensidade desse
comportamento no âmbito escolar.
Em vista desta abordagem pode-se questionar se a violência simbólica somente é
legitimada quando o indivíduo se reconhece como vítima dentro deste contexto?
Será que este tipo de violência também existe nas relações cotidianas estabelecidas
entre os pares no contexto escolar? E a ação pedagógica pode consolidar este tipo
de violência?
Desta forma, esse trabalho tem por escopo conhecer as várias manifestações da
violência simbólica no contexto escolar, bem como, analisar a sua influência no
desempenho curricular dos estudantes e perceber o comportamento dos próprios a
partir deste fenômeno, observando os aspectos inerentes a violência simbólica na
área de atuação da educação infantil, tendo em vista que se trata de uma fase onde
o indivíduo estabelece as primeiras relações no âmbito escolar; onde as interações
entre o “eu” e o “outro” são mais diversificadas, principalmente com sujeitos da
mesma faixa etária. È nesta fase que a criança passa a se familiarizar com textos
(leitura e escrita) e números. Contexto em que as ações pedagógicas precisam de
11
maiores especificações, pois o professor precisa realizar leitura dos textos utilizados
em sala de aula, fazer intervenções durante as atividades em classe, enfim
acompanhar passo a passo o desenvolvimento do discente.
Na seqüência o presente trabalho apresenta a metodologia utilizada nesta pesquisa
e a sua trajetória, especificando a forma como foi realizada, a caracterização da
escola e o perfil dos informantes.
Os conceitos teóricos que fundamentam o tema para realização da pesquisa estão
presentes no capítulo 3 (três), trazendo os diversos conceitos sobre violência, dentre
eles à violência simbólica, que é a principal abordagem deste trabalho, à luz de
teóricos pesquisadores da temática e, também, conceitos complementares
intrínsecos ao tema.
Os dados, oriundos da pesquisa de campo, estão explicitados no capítulo 4 (quatro).
Os episódios observados em sala de aula, informações sobre o desenvolvimento
curricular dos informantes e a identificação das formas de violência simbólica,
comportamento e desempenho dos discentes na elaboração das atividades
curriculares, são conteúdos deste capítulo.
E, por fim, nas considerações finais foi realizada a análise e interpretação do que a
teoria expôs e o que o campo empírico sinalizou no que se refere a observar as
implicações da violência simbólica no âmbito escolar, numa tentativa de buscar
contribuir para uma reflexão sobre a prática docente mais igualitária e justa.
12
2 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
Esta seção demonstra todo o percurso seguido para a concretização desta
pesquisa, desde a definição do quadro teórico até as reflexões tecidas do empírico.
2.1. Metodologia utilizada nesta pesquisa
Para elaboração deste trabalho foi utilizada a abordagem qualitativa. A pesquisa
qualitativa é um tipo de estudo também chamado de “naturalístico”, pois o
observador está estreitamente ligado ao objeto da pesquisa, evitando a manipulação
dos fenômenos ocorridos a sua volta. Assim Bogdan e Biklen citados por Ludke e
André (1986, p.11-12), afirmam que: “Como os problemas são estudados no
ambiente em que eles ocorrem naturalmente, sem qualquer manipulação intencional
do pesquisador, esse tipo de estudo é também chamado de “naturalístico”.
Sendo um estudo qualitativo, na especificidade recorreu-se a pesquisa participante
que de acordo com Brandão (1999), é um estudo que permite a compreensão dos
fatos ocorridos no ambiente pesquisado, pois a relação entre prática científica e o
contexto analisado permite que o observador compreenda os sujeitos e seus
mundos tanto através de suas pessoas nominadas, quanto a partir do trabalho social
e político, os quais constituem a razão da pesquisa. O fato de está diretamente
ligado ao objeto de estudo, não pode contribuir negativamente para o
desenvolvimento da pesquisa. Através desta metodologia, é possível entender de
forma mais dinâmica o fenômeno estudado dentro do âmbito escolar e as suas
diversas manifestações e aspectos, pois de acordo com Brandão(1999, p.13)
Enquanto um sujeito vivo, mas provisório da “minha pesquisa”, tornase o companheiro de um compromisso cuja trajetória, traduzida em
trabalho político e luta popular, obriga o pesquisador a repensar não
só a posição de sua pesquisa, mas também a de sua própria pessoa.
Assim este tipo de pesquisa permite a ampliação do conhecimento científico e sua
interação com o meio a ser investigado, pois o pesquisador tem a possibilidade estar
13
em contato direto com o ambiente e a realidade do seu objeto de estudo, ao tempo
em que, amplia e enriquece a sua visão, contribuindo desta forma para o
desenvolvimento do trabalho. Desta forma a escolha desta metodologia buscou
atender as necessidades do objeto pesquisado, havendo uma interação natural
entre o pesquisador e o contexto estudado, evitando situações que causassem
algum tipo de entrave ao andamento do estudo.
O conceito norteador deste trabalho foi à violência simbólica, o qual aborda o
fenômeno de forma conexa a ação pedagógica e suas implicações, ou seja, as suas
manifestações na sala de aula e os seus resultados.
No centro da ação pedagógica, confrontam-se duas dimensões: o
conteúdo transmitido (artefato simbólico) e o poder que ordena a
relação (identificado como violência simbólica), exercido pela
autoridade pedagógica. (NUNES, 2003, p. 37).
Existem muitas vertentes a serem seguidas, e a fim de elucidar questionamentos e
dúvidas, foram iniciadas as observações procurando conhecer os participantes da
pesquisa; de que forma eles interagiam; a forma como funcionavam as regras
estabelecidas pela escola e pela professora regente, as adaptações inerentes ao
processo pedagógico em sala de aula, dentre outros.
Para atender os objetivos propostos, tornou-se necessária a investigação e
observação com o grupo 5 (cinco) de educação infantil, de uma escola pública em
Salvador.
Por isso buscou-se conhecer a turma e observar as diversas formas de violência
simbólica ocorridas no ambiente pesquisado e fazer um levantamento minucioso e
fidedigno das ações presenciadas em sala de aula de aula, para serem alcançadas
as reflexões e interpretações que contemplassem às necessidades da pesquisa,
bem como dedicar atenção devida às informações explícitas e implícitas que os
participantes trouxeram através da convivência em sala de aula.
14
Foram realizadas observações numa instituição de ensino público destinado a
educação infantil, durante o cumprimento do estágio supervisionado III, disciplina do
Curso de Pedagogia no 8º semestre.
O material recolhido durante este estudo foi em grande parte descritivo, através das
experiências vividas no decorrer do trabalho com a turma observada, pois a escola
não permitia a saída ou cópia de documentos, atividades ou fotografias pertencentes
à instituição.
Como técnica de coleta de dados, foi utilizado o recurso da observação direta, de
acordo com Ludke e André (1986) este recurso permite que o pesquisador esteja
mais próximo das perspectivas dos sujeitos, pois a medida que acompanha as suas
experiências diárias o observador, tem a possibilidade de compreender o significado
que eles atribuem à realidade que os cerca e às suas ações.
Inicialmente, foram realizadas algumas observações para familiarizar as estagiárias
com as crianças, critério este que foi fundamental para adaptação da turma com as
futuras docentes, bem como, foi primordial para estruturação das observações
alusivas à pesquisa. Posteriormente, houve a interação da turma com as estagiárias,
durante este período, foi possível obter dados relativos ao comportamento das
crianças e das interações com o contexto escolar e suas peculiaridades, pois o
planejamento das aulas era acompanhado assim como, a aplicação das atividades
na sala de aula e seus resultados.
A intenção da observação foi reunir os episódios que demonstrassem o
comportamento dos sujeitos diante da mais variadas formas de violência simbólica
ocorridas na sala de aula e seus reflexos no cotidiano do contexto escolar.
Para exposição dos dados coletados durante a pesquisa foram elaboradas tabelas e
descrições das observações realizadas no campo de atuação, trazendo a
identificação dos participantes e outras informações necessárias ao desenvolvimento
deste trabalho.
Na seqüência será descrita a caracterização do ambiente pesquisado, a fim de
identificar de forma especifica o local onde foi desenvolvida a pesquisa.
15
2.2 Caracterização da escola
A escola pesquisada pertence à rede municipal de ensino, localiza-se em Narandiba,
um bairro periférico de Salvador, nas proximidades da escola existem pequenos
comércios diversificados, além de um pequeno Shopping Center. A maior parte da
população é formada por pessoas carentes. A sala observada possui um total de 20
(vinte) crianças do grupo 05 (cinco) do turno vespertino.
A referida instituição possui quatro salas, três banheiros, uma cozinha, um espaço
amplo onde funciona o parque e o refeitório, uma cantina, duas salas utilizadas para
depósito e uma secretaria. O funcionamento da escola ocorre em dois turnos;
matutino e vespertino, desenvolvendo atividades com crianças do grupo 4 (quatro) e
5 (cinco); possui quatro professoras regentes (todas com formação acadêmica na
área de educação); uma diretora; uma vice-diretora; uma coordenadora pedagógica;
uma secretária; 03 (três) funcionários da manutenção; 02 (duas) funcionárias da
cantina.
As salas de aula têm capacidade para assumir uma média de 25 (vinte e cinco)
crianças, porém cada sala possui a seguinte quantidade:
GRUPO 4 A – 12 crianças
GRUPO 4 B - 14 crianças
GRUPO 5 A - 22 crianças
GRUPO 5 B - 20 crianças
Apesar de não possuir biblioteca, cada sala da escola tem um cantinho reservado
para livros de literatura infantil, que em sua maioria são disponibilizados pela
prefeitura e outros são doações de professores e pais. Existe apenas um
computador que fica localizado na sala do grupo 5B, o qual é utilizado por todas as
outras salas, sendo que o uso do micro funciona através de um sistema de rodízio
durante a semana, cada sala tem 20 (vinte) minutos para utilizar o aparelho, a forma
de utilização ocorre conforme designação das professoras, cada uma organiza o
16
sistema de rodízio de sua sala. Nas salas também existem vários brinquedos, a
maioria são doações de pais e professores, por isso uma boa parte encontra-se
danificado.
Existe um espaço amplo na entrada da escola, onde funciona um pequeno parque e
o refeitório. O parque possui uma escorregadeira e uma casinha de brinquedo, onde
as crianças brincam durante a “hora da recreação”. No refeitório tem várias mesas
plásticas com cadeiras, as quais estão adaptadas ao tamanho das crianças, onde
todas as salas realizam as refeições, num horário único.
A escola possui alguns recursos audiovisuais, tais como: um televisor, um DVD, dois
aparelhos de som (de pequeno porte), sendo que um dos aparelhos está em
condições precárias de uso.
Os banheiros estão divididos da seguinte forma: dois adaptados para as crianças e
subdivididos entre meninos e meninas e um para os adultos (masculino e feminino).
O Banheiro possui um lavatório onde os pequenos lavam as mãos antes das
refeições, porém é valido ressaltar, que a higiene das mãos é feita apenas com
água, pois não há sabonetes na pia, além de todas as crianças utilizarem a mesma
toalha de tecido para enxugar as mãos após a higiene.
2.3 A equipe pesquisada: Grupo 5 (cinco) de Educação Infantil
A escolha do grupo 5 (cinco) foi fundamental para a pesquisa, pois trata-se de um
grupo onde as crianças já possuem certa experiência no âmbito escolar e por isso
trazem consigo as impressões deixadas nos anos anteriores. A maioria das crianças
pertencentes a esta turma são estudantes da referida escola desde os quatro anos
de idade. Trabalhar com esta turma permite compreender de forma mais significativa
os reflexos da prática docente no comportamento e no desenvolvimento dos seus
atores.
17
A turma é composta por mais de 20 (vinte) crianças, porém, em média apenas 14
(quatorze) freqüentam regularmente. A maioria é silábica em primeiro nível, apenas
grafam os seus nomes e alguns conseguem relacionar o som com a escrita, mas
com algumas limitações. Trabalham mais atividades lúdicas, algumas atividades
mimeografadas, as brincadeiras livres são freqüentes na sala de aula.
As crianças têm dificuldade em aceitar algumas regras e se dispersam com muita
facilidade durante as abordagens na rodinha, em vários momentos eram chamados
de volta, pois saiam da roda para pegar brinquedos.
Demonstravam gostar bastante das histórias contadas, do momento das
brincadeiras e das atividades lúdicas. Uma boa parte das crianças sentia
dificuldades em fazer as atividades mimeografadas relacionadas à escrita e a
numerais, nesse momento as intervenções eram mais intensas.
Na utilização do micro computador, que possui uma série de jogos educativos
adaptados para educação infantil, nem todos sabiam manusear, por isso, o sistema
de rodízio para utilização da máquina, ocorria sempre entre um determinado grupo
que já possuía maiores habilidades no manuseio.
Havia o momento da brincadeira livre feita na sala mesmo, no qual as crianças
brincam livres sem a intervenção de ninguém além delas mesma, espalhando-se
pelo espaço da sala e distribuindo-se em pequenos grupos. Enquanto a professora
aproveita para organizar algumas atividades.
Existem muitos brinquedos e as crianças se encarregam de escolher com o que
querem brincar: bonecas; panelas de plástico em miniaturas; quebra-cabeças;
máscaras; garrafas pet decoradas; jogo de boliche de plástico; espadas de plástico;
revistinhas; dados; brinquedos de montar; peteca; dama; jogo da memória; utensílios
do lar em miniatura; telefone de brinquedo; bolas; cordas, tampinhas de garrafa,
teclado de computador, brincadeiras de luta, dentre outras brincadeiras.
As brincadeiras no parque são supervisionadas pela professora ou por algum
funcionário da escola, neste momento as crianças são observadas e caso o adulto
18
sinta necessidade, realiza algumas intervenções. Há rodízio para utilização do
parque, pois o espaço é pequeno e não comporta todas as turmas durante o recreio.
Na hora do lanche as crianças são levadas para lavar as mãos no banheiro e depois
formam uma fila para seguirem ao refeitório com as demais turmas, neste momento
todas as turmas se encontram. Durante o lanche, que é fornecido pela Prefeitura
Municipal, as crianças conversam, brincam, cantam, interagem entre si, tudo sob a
supervisão dos funcionários e algumas professoras.
A seguir serão apresentados alguns conceitos fundamentais, para uma melhor
compreensão do estudo desta pesquisa.
19
3 VIOLÊNCIA: A NATUREZA COMPLEXA E MULTIFACETADA DO
CONCEITO
De acordo com algumas abordagens psicanalíticas, a agressividade faz parte da
natureza humana, está relacionada às atividades do pensamento e são impulsos
que podem desencadear comportamentos violentos. Na concepção de Bock,
Furtado e Teixeira (1999) a violência trata-se do uso desejado da agressividade com
fins destrutivos, podendo ser voluntário ou involuntário, pois a agressividade está na
constituição da violência, mas não é o único fator que explica o referido fenômeno.
Segundo os autores supracitados, existem outros fatores além da natureza
agressiva do ser humano, que também contribuem para o ato de violência.
Observa-se que a violência tem sido um comportamento continuamente crescente
na sociedade, as conseqüências e a dimensão desse fenômeno é bastante
complexa e envolve vários aspectos ligados à concepção da própria sociedade. A
violência está inserida nas variadas camadas sociais, afetando diretamente o
convívio dos seus componentes.
Conceituar a palavra violência é uma tarefa bastante difícil, pois ela abrange uma
série de aspectos ligados ao social, político, econômico, afetivo, familiar entre outros;
e qualquer abordagem sobre o seu significado exige que seja analisado o seu
contexto real, uma vez que, este fenômeno traz em si uma série de fatores
complexos e multifacetados, bem como existem muitos autores que trazem
abordagens distintas acerca do assunto.
De acordo com o Dicionário Aurélio p. 1248, a palavra violência significa qualidade
de violento; ato de violentar; constrangimento físico ou moral; força coação.
Segundo Chesnais (1981), a concepção etimologicamente correta é a violência
física, sendo atos e episódios que podem resultar em danos irreparáveis aos
indivíduos e tem como conseqüência a intervenção da sociedade através do Estado.
Desta forma, para Chesnais, falar de violência refere-se exclusivamente à chamada
“violência dura”. Porém, o autor acrescenta que somente a violência física tem uma
20
definição precisa, pois encontra amparo nas legislações. Desta forma, a violência
física é que de fato significa agressão contra a pessoa, pois ameaça a vida, a saúde
e a liberdade. Chesnais refere-se também duas outras concepções de violência, que
devem ser hierarquizadas segundo o seu custo social. A segunda é a violência
econômica que diz respeito exclusivamente aos prejuízos e danos causados ao
patrimônio, à propriedade, especialmente aqueles resultantes de atos de
delinqüência e criminalidade contra bens; como o vandalismo. E a terceira é a
violência simbólica ou moral que tem ênfase na idéia de autoridade e possui um forte
conteúdo subjetivo. Ainda em concordância com o autor, tais concepções fogem do
estrito significado de violência, além de ser um abuso de linguagem entendê-la
dessa forma. (CHESNAY apud ABRAMOVAY, 2006, p.56).
Entretanto Chauí (1999, p.2) afirma que a violência possui um aspecto amplo e não
perpassa apenas por um ato provocado com intensidade e de forma intencional,
segundo a autora este fenômeno significa:
1) tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de algum
ser (é desnaturar);
2) todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a
liberdade de alguém (é coagir, constranger, torturar, brutalizar);
3) todo ato de violação da natureza de alguém ou de alguma coisa
valorizada positivamente por uma sociedade (é violar);
4) todo ato de transgressão contra o que alguém ou uma sociedade
define como justo e como um direito.
Nas concepções de Chauí, violência “é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico
e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas
pela opressão e intimidação, pelo medo e o terror.” Percebe-se dentro desta
abordagem, que a autora traz vários aspectos multifacetados da violência,
abarcando os fatores psicológicos, sociais, e jurídicos. Bem como salienta que a
violência não é um fato esporádico e superável, e sim um fenômeno real existente
na sociedade, o qual está presente em todas as camadas sociais, e se configura de
diversas formas, tais como: desigualdade social, econômica e cultural, exclusões
econômicas, políticas e sociais, racismo, intolerância religiosa, sexual, dentre outras.
21
Segundo Paredes (2006) a violência “é um fenômeno que faz parte da trajetória da
humanidade e tem se multiplicado assustadoramente, manifestando-se de diversas
formas”. Assim, a violência não é fenômeno isolado, “pois resulta das interações
sociais e se manifesta de forma especifica em cada cultura e de acordo com o
conjunto de normas e valores que orientam os indivíduos de uma sociedade”.
(PAREDES, 2006, p. 16)
Para Chauí (1999) há um dispositivo sociológico que distingue dois grupos, um
formado por pessoas não violentas que são vitimas constantes, e o outro, aquele
formado por pessoas agressivas que cometem violência contra o primeiro grupo.
Este tipo de dicotomia desconsidera o fato de que a violência é inerente às
interações sociais e que está presente em toda a sociedade de diversas formas, e
não apenas através da agressão física ou ação delituosa. E qualquer individuo
independente de qualquer circunstância pode cometer um ato de violência.
Não é possível abordar este fenômeno tão complexo e multifacetado apenas dentro
de uma ótica, deixando de compreendê-lo como algo que faz parte da história e da
natureza humana, que pode se manifestar em todas as interações existentes na
sociedade, destarte, o referido fenômeno não se limita apenas a um grupo de
agressores e agredidos.
3.1 Violência Simbólica: uma forma dissimulada de violência
Para conceituar a violência simbólica foi utilizada como fundamentação teórica as
contribuições de Pierre Bourdieu (1975) e Michael Foucault (1975).
Na seção anterior observa-se que a violência em si possui aspectos multifacetados,
sendo compreendida por muitos autores, como uma forma de privação. Por
simbólico entende-se que está associado à difícil percepção. De acordo com
Bourdieu (1975), o termo simbólico tem haver com alegórico, ou seja, aquilo que
está representado de uma forma indireta, sob outra aparência.
22
Bourdieu e Passeron definem violência simbólica como um poder que chega a impor
significações e a impô-la como legítimas.
Todo poder de violência simbólica, isto é, todo poder que chega a
impor significações e a impô-las como legítimas, dissimulando as
relações de força que estão na base de sua força, acrescenta sua
própria força, isto é, propriamente simbólica, a essas relações de
força (BOURDIEU, p. 19).
De acordo com Bourdieu o sistema simbólico origina-se de uma construção social e
para manter a perpetuação de uma determinada camada social, impõe de forma
dissimulada uma cultura dominante, promovendo um sentimento de aceitação a
essa condição por parte do dominado, que não se percebe como vitima neste
processo e conforma-se com a situação considerando-a natural.
Compreender essa dimensão de caráter simbólico da violência é complexo, pois ela
manifesta-se nos mais variados setores da sociedade; na escola, na família, no
Estado, na mídia, entre outros. Esse tipo de violência se apresenta de forma
dissimulada e sutil, portanto, na maioria das vezes não é reconhecida como ato
violento.
Em concordância com as concepções de Odália (apud ARAÚJO 2004), a qual afirma
que a violência nem sempre se apresenta de forma identificável, Araújo (2004, p.
104), expõe que o fenômeno está presente em toda nossa rotina, neste sentido, “a
violência simbólica despercebida na vida rotineira- encontra-se presente nas
arquiteturas das casas, nos hábitos, nos costumes, nas leis, na mídia, nas escolas,
nas universidades etc”.
No livro “Cabeça de Porco” (2005), de MV Bill, Athayde e Soares, a violência é
mencionada em diversos aspectos como agressão física, um gesto que humilha, um
olhar que desrespeita, uma forma hostil de contar uma história despretensiosa, uma
decisão política que produz conseqüências sociais nefastas, dentre outros. Todos
esses fenômenos caracterizam-se como violência, claro que cada um de uma forma
diferente em contextos e circunstâncias também diferentes. Assim também ocorre
com a violência simbólica que se manifesta de diversas formas no cotidiano de
maneira tão dissimulada que muitas vezes nem é percebida.
23
A violência tornou-se tão banalizada que atualmente tem sido aceita como uma
situação normal e inevitável, sendo atribuída ao desenvolvimento das grandes
cidades, quando na realidade isso tudo é conseqüência de um sistema de relações
desiguais que busca de uma forma “legalizada” perpetuar um poder impositivo que
tem por escopo dominar e segregar os que não fazem parte de um pequeno grupo
seleto.
Foucault (1975) aborda a relação impositiva do poder através do controle, da
obediência sem questionamento ou reflexão. O individuo é adestrado e condicionado
desde cedo a obedecer regras, regulamentos ditos incontestáveis, pois vêm de uma
instância superior, a qual está subordinado, e o descumprimento dessas regras e
regulamentos implicam numa violação sob regime de punição, ou seja, se as regras
forem desobedecidas o individuo será penalizado.
O Homem-máquina de La Mettrie é ao mesmo tempo uma redução
materialista da alma e uma teoria geral do adestramento, no centro
dos quais reina a noção de ”docilidade” que une ao corpo analisável
o corpo manipulável. . (FOUCAULT, 1975, p. 118).
A violência simbólica pode ser encontrada de maneira implícita em leis, decretos e
regulamentos que possuem caráter arbitrário e por se tratar de algo legitimado, é
aceito e acatado de forma natural pela maioria dos indivíduos. Ela também se
encontra presente nos discursos ou em suas diversas manifestações, bem como,
está dissimulada nas ações cotidianas, disfarçadas de brincadeiras, piadas,
descontração, preocupação, incentivo, aconselhamento e tantos outros termos
utilizados para legitimar a sua prática e por isso ela pode perpetuar-se durante
longos anos, sem ser percebida pelas pessoas envolvidas, porém essa não
percepção não anula as conseqüências negativas deste tipo de agressão, que é tão
perverso quanto qualquer outro tipo de violência.
As contribuições de Bourdieu e Foucault são importantes e se completam para a
compreensão desse tipo de violência, pois abordam de uma forma mais ampla as
relações de poder que implicam em sua prática, o objetivo real por trás dessas
ações que perpetuam numa sociedade desigual que utiliza os recursos mais
24
diversos de controle, dominação, vigilância, exclusão e imposição para um objetivo
único, estender a permanência de uma relação de poder arbitrária.
3.3 Das Relações de Poder
A palavra poder geralmente está associada à força, vigor, autoridade, capacidade, e
está implicitamente ligada a um patamar considerado elevado, referenciado como
algo legitimado.
Bourdieu (2007, p.7–8), considera o poder exercido por uma determinada casta da
sociedade, como um poder simbólico. De acordo com o autor, o poder simbólico é
“um poder invisível e só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não
querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem”.
O poder simbólico ocorre por meio de sistemas simbólicos que estruturam uma
relação arbitrária de imposição da legitimidade. O reconhecimento de legitimidade
do poder estabelecido ocorre com eficiência porque aqueles que o executam
prestam obediência e colaboram de forma efetiva para a sua estruturação. Segundo
Bourdieu, o poder exercido nas instituições educacionais é o poder simbólico. Nas
atividades cotidianas do âmbito escolar os atores interagem conforme as regras
estabelecidas por uma instância superior, seguindo uma cadeia hierárquica, onde as
normas e regulamentos são estabelecidos por um determinado grupo. Muitas vezes
as regras não estão contextualizadas com a realidade da escola, e mesmo assim
são executadas, pois são consideradas necessárias para o estabelecimento da
convivência entre os seus atores.
Os sistemas simbólicos são utilizados como instrumentos de conhecimento e
comunicação, contribuindo para o consenso acerca das ordens estabelecidas.
Bourdieu, também afirma que os sistemas simbólicos são produzidos por um corpo
de especialistas pertencentes a campos distintos, que atendem aos interesses de
uma classe dominante.
25
Isto posto, o poder simbólico, atua de forma imperceptível e legitimada, sendo
possibilitado através da cumplicidade daqueles que possuem interesse em sua
perpetuação
e
por
aqueles
que
obedecem
sem
nenhuma
reflexão
ou
questionamento a sua ação.
Foucault (1975), refere-se ao poder como forma de dominação e conversão do
individuo em máquina, tornando-o dócil e disciplinado. Em análise ao surgimento da
prisão no século XIX, o autor aborda a questão do sistema carcerário como uma
forma de vigilância e controle. A função da punição não é somente exemplificar e
inibir o desejo a prática criminosa, mas sim aprimorar e adestrar o individuo.
Em sua obra “Vigiar e Punir” (1975), Foucault não busca explicar a relação de poder
estabelecida pela sociedade vigente, mas torna explicito a forma a qual ocorre esta
relação entre aqueles que exercem o poder e aqueles que estão submetidos a este
poder.
O poder é operatório e tem como função a criação de estratégias de
dominação e repressão a resistência estabelecendo uma relação de força.
No âmbito escolar este fenômeno não ocorre de maneira diferente, pois a todo o
momento são impostas regras e determinações, que visam enquadrar, controlar e
vigiar o comportamento dos estudantes.
Importa estabelecer as presenças e as ausências, saber onde e
como encontrar os individuo, instaurar as comunicações, úteis,
interromper as outras, poder a cada instante vigiar o comportamento
de cada um apreciá-lo, medir as qualidades ou os méritos.
(FOUCAULT 1975, p. 123)
Essa prática ocorrida no sistema de ensino torna evidente a relação de poder e
dominação freqüente nas instituições educacionais. A maioria da população
concorda e se agrada com isto, pois consideram necessário o adestramento dos
estudantes a um sistema considerado legitimo. Entendendo a submissão e a
docilidade dos corpos como algo produtivo e promissor para os estudantes. Em
algumas escolas de educação infantil os professores exigem o tempo todo que as
crianças façam silêncio, que permaneçam imóveis em seus assentos, que
obedeçam as filas e rituais escolares para trabalharem atividades que nem ao
menos compreendem, apenas decoram e repetem, logo são condicionadas a
26
obedecer sem entender o significado daquilo que está sendo trabalhado. Isso
também é considerado uma forma de violência simbólica, pois a autonomia da
criança não é levada em consideração, os aspectos inerentes à individualidade, ao
pensamento e a capacidade de compreensão do discente, é simplesmente ignorado,
a criança é vista e tratada como um objeto que será moldado de acordo com regras
e ordens que não devem ser questionadas, tampouco compreendidas. E essa
prática estende-se e é reproduzida ao longo da convivência social do individuo, não
somente no ambiente educacional, mas também no ambiente de trabalho, em sua
relação familiar, afetiva, dentre outros.
Foucault (1975) refere-se às instituições tais como: forças armadas, prisões,
hospitais e escolas, como instituições de seqüestro, pois as práticas de reclusão ali
desenvolvidas submetem o indivíduo a um sistema normalizador.
Dentre tais
práticas, está a observação classificatória, que analisa o individuo, comparando-o,
penalizando-o, premiando-o, medindo os conhecimentos e habilidades de acordo
com o capital cultural.
Para o autor, o poder estrutura leis que reprimem a resistência, transforma homens
em máquinas, corpos dóceis e submissos, fáceis de serem manipulados, é uma
relação arbitrária, onde o mais forte domina o mais fraco, e essa fragilidade não se
refere à força física, mas sim a uma força de capital econômico e cultural. E essa
relação ocorre em diversas instituições sejam elas repressivas, econômicas ou
pedagógicas.
3.4. Violência e Escola: as diversas abordagens
Conforme observado anteriormente, o conceito de violência abrange vários fatores
ligados diretamente ao comportamento humano. Geralmente a referida palavra está
associada a um comportamento de uma terceira pessoa, ou como um
comportamento inesperado que não faz parte da natureza humana. O homem
convive numa sociedade que é composta por instituições que contribuem para a
27
formação social do indivíduo, dentre tais instituições está, a escola, local onde
ocorrem as mais variadas formas de violência.
Charlot (2002), propõe um tipo de classificação sobre os episódios de violência na
escola, que identificam três tipos de manifestação:
- A violência na escola; aquela que se produz dentro do espaço escolar, sem está
relacionada às atividades pedagógicas da instituição.
- A violência contra a escola: que está relacionada com a natureza e as atividades
da escola e toma a proporção de agressão ao patrimônio ou aos funcionários da
instituição.
- A Violência da escola: que implica na organização da escola e no relacionamento
que escola tem com os seus atores, que pode ser denominada de violência
institucional ou simbólica.
Esta forma de identificação proposta por Charlot é fundamental para a compreensão
deste tipo de fenômeno no ambiente escolar, porém não é suficiente para
compreender todos os seus aspectos, pois seria necessário analisar os contextos e
suas peculiaridades. Existem atos violentos que ocorrem na sala de aula, mas não
possuem conexões com o ambiente escolar.
Abramovay (2005), aponta que normalmente os alunos são considerados os
propagadores de violência na instituição educacional, isentando os professores,
funcionários e a própria escola da produção de violência. Esta afirmação está
implícita na abordagem de Gottfredson (2001), citado por Abramovay, que em seu
estudo sobre o assunto, enfatiza somente os episódios de violência e agressividade
envolvendo estudantes. A visão da autora citada apresenta limitações, uma vez que,
perde dimensão processual da violência na escola, além de instituir apenas um
sujeito como responsável pelos episódios de violência ocorridos na instituição.
De acordo com Bourdieu e Passeron (1975), a ação pedagógica é uma violência
simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário. A relação de poder está
diretamente vinculada à violência simbólica, pois através de uma imposição
autoritária, pode rotular, estigmatizar um indivíduo ou um grupo.
No processo
28
educacional escolar a violência simbólica também pode manifestar-se de diversas
formas e principalmente na relação professor-aluno.
A AP (Ação Pedagógica) é objetivamente uma violência simbólica,
num segundo sentido, na medida em que a delimitação
objetivamente implicada no fato de impor e de inculcar certas
significações, convencionadas, reproduzidas por uma AP, re-produz
(no duplo sentido do termo) a seleção arbitrária que um grupo ou
uma classe opera objetivamente em e por seu arbritário cultural.
(1975, p. 22).
Pode-se observar que nas instituições de ensino o que prevalece é um sistema
pronto, que é imposto aos discentes, sem levar em consideração os aspectos sociais
e a subjetividade dos componentes desse grupo. A imposição de uma cultura
estabelecida por uma classe dominante que exerce o poder de internalizar na classe
subalterna uma condição de subordinação e passividade. A ação pedagógica não é
simplesmente neutra, ela influencia a formação do individuo, pois está carregada de
rótulos, significações prontas e legitimadas como única verdade, através de
currículos, diretrizes, dentre outros.
Para Charlot (2002 apud ABRAMOVAY, 2005), a violência nas escolas percorre por
múltiplas fontes de tensões; sociais, pedagógicas, relacionais, dentre outras. Isto
significa que muitas situações que não estão explicitas e são subjetivas ao contexto
dos atores sociais que compõem o âmbito escolar podem resultar em manifestação
de violência.
Charlot classifica a violência escolar em três níveis:
1.
Violência:
golpes,
ferimentos,
violência
sexual,
roubos,
crimes,
vandalismos;
2. Incivilidades: humilhações, palavras grosseiras, desrespeito;
3. Violência Simbólica ou institucional: compreendida como falta de sentido de
permanecer na escola por tantos anos;
Já Debarbieux (1996, p.42 apud ABRAMOVAY, 2002), considera a violência escolar
da seguinte forma:
29
1. os crimes e delitos tais como furtos, roubos, assaltos, extorsões, tráfico e
consumo de drogas, etc., conforme qualificados pelo Código Penal.
2. As incivilidades, sobretudo conforme definidas pelos atores sociais.
3. Sentimento de insegurança, sobretudo, o que aqui denominamos
“sentimento de violência”, resultante dos dois componentes precedentes, mas
também oriundo de um sentimento mais geral nos diversos meios sociais de
referência.
Conforme Dadoun (1998 apud ABRAMOVAY, 2005), a violência no sistema
educacional ocorre por estar fundamentada sobre a competição, a seleção, exclusão
e a discriminação. Estes sentimentos fomentam o fracasso e a desvalorização de si.
Desta forma, a escola deixa de ser um lugar de valorização e desenvolvimento do
sujeito.
Segundo Charlot e Émin (1997 apud ABRAMOVAY, 2005), uma das dificuldades em
definir violência escolar está na desestrutura das representações sociais que tem
valor fundador; a idéia de infância (atribuída à inocência) e a de escola
(compreendida como lugar de refúgio e de paz), ou seja, a infância é vista como a
fase onde o individuo é imaculado e a escola é considerada um espaço pacificador,
onde não ocorrem episódios de violência.
Para uma devida compreensão da violência no âmbito escolar, é importante abordar
o conceito de escola e de educação na concepção de alguns teóricos.
Conforme Boechat (1987), a escola “é a filosofia que se dispõe a mobilizar o
indivíduo na reconstrução da sua própria vida, ajudando-o a vencer os obstáculos”.
E não meramente uma estrutura física elaborada para receber alunos, no sentido
empregado por Aristóteles (a- lunos = sem luz), que precisam ser preenchidos com
os conhecimentos e regras que só a escola é capaz de transmitir. Para a autora a
escola deve proporcionar ao sujeito a capacidade de transcender-se em todos os
sentidos, buscando a construção de opções que levam à conscientização da
importância do sujeito no processo de mutação da vida.
30
Mizukami (1986) menciona que a escola é considerada como uma agência
educacional que deverá adotar forma peculiar de controle, de acordo com os
comportamentos que pretende instalar e manter. Isso ocorre dentro do contexto
atual da nossa sociedade, onde a escola atende aos objetivos daqueles que lhe
conferem o poder. Essa perspectiva é aceita devido à compreensão da escola como
um instrumento de adequação do individuo a um constructo social estabelecido por
um determinado grupo.
Segundo Paulo Freire (1996), “a escola é uma instituição que faz parte da sociedade
e constitui-se como poder a serviço de que, está atuando”. Esse papel social
atribuído à escola é deveras relevante na vida do individuo. Contudo essa relação de
poder estabelecida pela sociedade transforma a escola num espaço de promoção de
desigualdade, onde o sujeito é submetido às regras e objetivos que não levam em
consideração a sua subjetividade, a sua bagagem cultural, a sua origem, e ao invés
disso exige que eles se adequem a um padrão estabelecido por uma pequena
classe dominante, cujo objetivo não está comprometido com o verdadeiro papel da
educação, que é proporcionar ao individuo um desenvolvimento amplo, levando em
conta os seus múltiplos aspectos.
Conforme Mizukami (1986), para que seja válida, a ação educativa tem que ser
refletida sobre o homem, observando os seus aspectos diversos, ou seja, o homem
se torna o sujeito da educação, que não é algo estático pronto para ser assimilado
da mesma forma para qualquer pessoa. Pois cada indivíduo é único e a educação
consiste em proporcionar ao ser humano a acuidade de construir-se como sujeito, de
desenvolver a consciência crítica e estabelecer com o outro uma relação de
reciprocidade.
A ausência de uma reflexão sobre o homem implica o risco
de adoção de métodos educativos e diretrizes de trabalho
que o reduzem à condição de objeto. Por outro lado, a
ausência de uma analise do meio cultural implica o risco de
se realizar uma educação pré-fabricada, não adaptada ao
homem concreto a quem se destina. (p.94)
De acordo com Freire (1996), a educação não consiste numa simples transferência
de conhecimento, mas sim criar possibilidades para produção ou construção deste.
31
O educador deve estar aberto a indagações, curiosidade, dúvidas, inibições, pois
todos esses aspectos são importantes para construção e compreensão do
conhecimento. Paulo Freire define a educação como um ato de amor. E um ato de
amor acontece naturalmente, sem a obrigação de acontecer. Assim como a
educação ele não pode ser imposto.
Educar pode ocorrer intencionalmente ou não, a partir da interação com o outro,
através de ações um indivíduo desenvolve no outro um juízo de valor. Por isso a
educação não se resume ao ambiente escolar, e o sujeito educa-se a proporção em
que vive como ser social, pois através do contato e da convivência com seus
semelhantes, ele tanto se educa quanto é educado. A educação está inserida no dia
a dia, de uma forma subjetiva e integrante, no convívio social das pessoas e não
ocorre apenas durante a infância e adolescência, ela ocorre durante toda a
existência do ser humano que é um indivíduo integrante de uma sociedade. Mas no
âmbito escolar é onde a educação pode ser trabalhada de uma maneira melhor,
mais elaborada e dinâmica, contribuindo de forma relevante para a transformação
social, cultural e em vários outros aspectos na vida do individuo.
32
4 A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NO AMBIENTE ESCOLAR DA EDUCAÇÃO
INFANTIL
Conforme Abromavay (2002) a violência na escola é um fenômeno preocupante, por
que afeta diretamente agressores, vítima e testemunhas dessa violência, bem como
contribui para romper com a idéia da escola como lugar de conhecimento, de
formação do ser, de educação, como veículo, por excelência, do exercício e
aprendizagem, da ética e da comunicação por diálogo e, portanto antítese da
violência.
Neste sentido, inicialmente buscou-se a identificação dos informantes, no que se
refere à idade e sexo. Vejamos o quadro abaixo:
Iniciais dos
Idade
Sexo
Estudantes
M.A
06 anos Fem.
P.V
05 anos Masc.
A.L
06 anos Masc.
G.B
06 anos Fem.
A.X
05 anos Masc.
M.L
05 anos Fem.
M.C
05 anos Fem.
I.G
06 anos Masc.
L.C
05 anos Masc.
E.D
05 anos Masc.
A.M
06 anos Fem.
E.L
06 anos Fem.
D.N
05 anos Masc.
J.V
06 anos Masc.
J.D
05 anos Masc.
Quadro 1: Identificação dos Estudantes
Percebe-se, neste quadro, que, mesmo o grupo sendo o 5 (cinco), muitas dessas
crianças já se encontram com 6 anos, e a maioria deles (9 alunos) são do sexo
masculino, e apenas 6 (seis) do sexo feminino, o que reflete no comportamento da
turma.
Após verificar o panorama geral desses alunos, a Situação “A” demonstra o inicio
das atividades do dia e a interação da turma com o assunto abordado: A professora
inicia a aula com uma conversa na rodinha, falando sobre o final de semana e
33
abordando o tema a ser estudado, palavras com a letra “C”. Durante o decorrer da
aula a professora seleciona três crianças para escrever no quadro palavras com a
letra “C”, pois segundo a própria, as demais crianças não têm capacidade de
escrever as palavras. Enquanto a professora trabalha com o grupo escolhido, os
demais permanecem da forma descrita no quadro abaixo:
Crianças Comportamento da Criança
Comportamento do Professor
Resposta da Criança
MA
Fala alto
Fale baixo, desse jeito eu fico surda
Cala
DN
Pede para ir ao quadro
Depois você vai
Senta
EL
Conversa com o colega
Pede para calar a boca
Para
ED
Deita no chão
Pede para sentar corretamente
Senta
IG
Senta fora da roda
Ignora
Continua
JD
Levanta e pega brinquedos
Ignora
Continua
AM
Conversa com a colega
Pede para ficar calada
Para
WL
Pede ir ao quadro
Depois
Senta
JV
Pede para usar o computador
Pró permite.
Utiliza
Quadro 2: Conversa na roda
Diante da situação exposta no quadro 2 (dois) percebe-se que a professora escolhe
algumas crianças, que têm mais habilidade com a escrita e a leitura, excluindo as
demais. Neste momento, as crianças que não estão participando diretamente da
atividade, a todo o instante se dispersam, fazem coisas que não estão relacionadas
com o conteúdo abordado e ainda assim a professora não percebe que essa prática
excludente, está na verdade prejudicando o aprendizado da turma. Há algumas
crianças que se interessam em participar da atividade, mas ainda assim são
tolhidas, fato este que impede a participação mais ativa da turma e o interesse pelo
assunto abordado.
Esta ação pedagógica se configura numa violência psicológica que estigmatiza o
educando, divide a sala em dois grupos: o dos capazes e dos incapazes, além de
promover uma sensação de impotência nas crianças que não são escolhidas, e
superioridade nas crianças escolhidas que se sentem melhores que seus colegas, o
34
reflexo desta ação é visivelmente percebido durante as conversas e as brincadeiras
entre as crianças.
Segundo Abromavay (2004), “o educador e o educando são frutos da interação de
uma linguagem coletiva, que nasce de um dialogam entre o ‘eu’ e o outro, entre
muitos ‘eus’ e muitos ‘outros’. Quando o diálogo do educador permeia apenas entre
um pequeno grupo reduzido, os demais são excluídos, e a construção dos
conhecimentos e valores ocorre de forma arbitrária e injusta, beneficiando alguns,
prejudicando e segregando a maioria que com certeza poderia interagir com os seus
pares de uma maneira dinâmica e significativa.
É necessário que o educador seja sensível às necessidades do grupo, e coloque-se
no lugar do educando compreendendo que cada indivíduo tem o seu momento e a
sua maneira de se apropriar do conhecimento, e que seja levado em consideração
os seus conhecimentos prévios, suas limitações e contexto. Pois a proposta da
educação infantil é proporcionar ao educando um bem-estar físico e psicológico,
contribuindo desta forma para o desenvolvimento e a formação do indivíduo em suas
interações sociais.
A Situação “B” retrata a atuação das crianças durante o desenvolvimento de uma
atividade em sala de aula: A professora explica a atividade para as crianças, porém
alguns precisam de intervenção mais direcionada. Algumas crianças fazem a
atividade de forma rápida e aleatória; outras copiam do colega; algumas respondem
no lugar da outra, conforme especificado no quadro 3 (três).
Crianças
Comportamento da Criança
Comportamento do Professor
Resposta da Criança
JD
Faz com rapidez e entrega
A professora recebe e guarda
Vai pegar brinquedos
PV
Faz rápido e faz atividade do colega
Ignora
Continua e depois vai brincar
AM
Copia do colega
Ignora
Termina e vai brincar
AL
Não consegue concluir a atividade
Chama o colega para mostrar como se faz
Observa e vai brincar
DN
Pede o crachá para copiar o nome
Reclama que nem o nome sabe fazer
Cala-se
35
ML
Faz da maneira que entendeu
Não interfere
Continua
JV
Faz rápido e entrega
Recebe
Vai pegar brinquedo
MA
Faz a atividade do colega
Ignora
Continua
DN
Afirma não saber fazer a atividade
Manda o colega mostrar como se faz
Observa e depois vai brincar
MC
Faz a atividade rápido de forma
aleatória
Recebe
Vai pegar brinquedo
AD
Faz a atividade de forma normal
Não interfere
Termina e vai brincar
IG
Faz rápido
Recebe
Termina e vai pegar brinquedo
Quadro 3: Atividade mimeografada com palavras
Este quadro demonstra que durante a execução da atividade mimeografada
algumas crianças sentem mais dificuldade que as outras, mas a professora precisa
desenvolver a tarefa, pois faz parte de um planejamento que tem que ser cumprido
diariamente. Neste caso a maioria das crianças não compreende a proposta da
atividade, mas como existem outras tarefas a serem cumpridas, a professora permite
que as crianças que compreenderam com mais facilidade a atividade, façam
intervenções e até respondam as tarefas das crianças que estão com dificuldades.
Algumas respondem a atividade de maneira aleatória, demonstrando pressa em
terminar para poder brincar, incentivam e provocam os colegas a terminarem rápido
também.
Vygotsky (apud REGO, 1995) refere-se à zona de desenvolvimento proximal, onde o
indivíduo sugere respostas e chega a resultados que lhe permite alcançar novos
níveis de conhecimento, ou seja, é através da interação com o grupo, que o discente
construirá o conhecimento, em outras palavras, aquilo que uma criança hoje faz com
a assistência, ela será capaz de fazer sozinha futuramente. Permitir que outras
crianças façam intervenções ou até mesmo respondam a atividade do colega, é
negar a capacidade de desenvolvimento cognitivo do discente, bem como, negar a
possibilidade de construção de um saber através da interação social e do respeito
mutuo entre o grupo.
Nesta situação também é possível fazer uma análise dentro das concepções de
(WEBER apud QUEIROZ, 2004), a qual aborda a questão da burocracia como
suporte para o poder simbólico, onde o sujeito é obrigado a cumprir regras e todos
36
os aparatos burocráticos, que norteiam a sua prática, ignorando os outros aspectos
inerentes ao seu contexto de atuação. Weber afirma que a burocracia é o
instrumento de poder localizado nas mais diversas instituições, dentre estas
instituições está a escola. Através dos processos burocráticos, o sujeito é controlado
e manipulado, pois no cumprimento das etapas estabelecidas, ele é obrigado a
prestar conta das suas ações de maneira mecanizada, tornando condicional e
estático o seu procedimento.
Através desta ótica é possível observar que no contexto da referida escola as
atividades não são trabalhadas de forma significativa e que o planejamento é
cumprido de maneira mecânica, ou seja, o educador tem que dá conta daquele
repertório independente da compreensão e da interação do educando com o
conteúdo abordado.
Além disso, as intervenções das crianças que “sabem mais” com as demais
crianças, ocorrem de maneira aleatória e desconexa com a proposta pedagógica do
próprio planejamento, pois fomenta a sensação de incapacidade nas crianças que
não compreenderam a atividade, contribuindo para uma relação social desigual
entre os discentes.
A situação “C” descrita a seguir, evidencia a análise dos desenhos construídos
pelas crianças: No inicio da aula a professora levou as crianças até o mural que fica
no corredor, para mostrar a pintura das crianças do turno matutino, comentando que
o desenho das crianças da manhã estavam feios e que as crianças da tarde
poderiam pintar melhor, como pode ser visto no quadro abaixo:
Crianças
LC
ED
Comportamento da Criança
Termina e pede para lanchar,
deixa o lanche cair no chão e
depois recolhe para comer.
Termina e pede outro papel
para pintar
DN
Pergunta se o desenho tá bonito
Comportamento do Professor
Resposta da criança
Ajuda a criança a recolher o lanche do chão
Continua
Entrega outro papel
Continua
Diz que tá feio e que da proxima vez ele não vai Baixa a cabeça e vai
pintar
sentar
Permite
Vai birncar
AD
Termina e pede para brincar
MA
Termina e pede para brincar
Permite
Vai brincar
JV
Não pinta o desenho todo e
Recebe o desenho e permite que use o
Prossegue
37
pede para usar o computador
AL
AL
MA
GS
Pede o crachá para fazer o
nome
Pede para usar o computador
com JV
Grita que já terminou
Sai da sala e vai ao banheiro
sem pedir
computador
Entrega
Faz o nome
Manda sentar e diz que outro dia ele vai, pois
não sabe usar o aparelho
Diz que não aguenta mais os gritos da criança
Fala mais baixo
Ignora
Continua
Obedece
Quadro 4. Atividade de pintura
Conforme acima exposto, percebe-se que as crianças são influenciadas a tecerem
críticas negativas à pintura dos colegas do turno anterior, sem ao menos respeitar a
preferência e a individualidade do outro, essa postura levou às crianças a fazerem
comentário pejorativos aos trabalhos desenvolvidos pelos colegas, a falta de
respeito à alteridade e ao outro está explícita nesta prática da professora. A
referência negativa do trabalho desenvolvido pela outra turma promove um clima de
competição, onde as crianças buscam aprimorar as suas produções, visando à
perfeição não alcançada pelo colega, pois assim será considerada como referência
positiva.
Nesse sentido Foucault (1975), aborda a questão da diferenciação do indivíduo em
relação ao outro. Traçar um limite que definirá a diferença em relação a todas as
diferenças, a fronteira externa do anormal. A turma que se destaca em relação à
outra internaliza um sentimento de superioridade e dificilmente estabelecerão uma
relação de interação igualitária com os seus colegas, pois não desejam perder o
status positivo. Essa prática serve como instrumento de entrave para o
desenvolvimento do senso crítico e da formação da cidadania, pois assim o indivíduo
será um mero cumpridor de metas estabelecidas, sem qualquer questionamento ou
reflexão lógica.
A Situação “D” demonstra a forma como as crianças percebem as diferenças
étnicas e culturais: Hora do conto, leitura da história “ O Amigo do Rei”, a história
aborda a questão racial, onde um escravo que é amigo do seu Senhor, torna-se rei
do quilombo. Após a leitura da historia, foram feitas algumas perguntas às crianças a
respeito das características das personagens. As crianças responderam apenas
elencando as características físicas das personagens, conforme abaixo especificado:
38
Crianças
Comportamento da Criança
LC
PV
AL
AM
DN
MA
GS
Comportamento do Professor
Resposta da criança
Refere-se a cor do escravo
Anota no quadro
--------
Diz que o escravo é feio
Diz que o escravo não era feio
sorri
Refere-se a cor do Senhorzinho
Diz que o escravo tinha cabelo
duro
Anota no quadro
--------
Apenas anota que escravo tinha cabelo preto
---------
Diz que escravo era corajoso
Diz que o Senhorzinho era
bonito
Anota no quadro
--------
Anota no quadro
------
Diz que o escravo era forte
Anota no quadro
-----
Quadro 5: Após a leitura da história as crianças elencam as características das personagens
Antes de tecer analise sobre o quadro acima, é importante salientar a seguinte
observação: após alguns dias de observação percebe-se que MC, criança com
características branca, não brincava com ML, criança com características negra e
além de não brincar com a colega, não permitia que as demais crianças brincassem.
A professora sendo questionada quanto a situação, respondeu que não poderia
fazer intervenções acerca do fato, pois em casa a criança era influenciada pelos pais
e as intervenções da escola não teriam efeito, concretizando, mais uma vez, uma
atitude de violência sutil.
No quadro 5 (cinco) é possível observar que a história abordada na hora do conto
seria um momento bastante oportuno para trabalha as diferenças étnicas de uma
forma lúdica e significativa, porém os comentários das crianças não foram
trabalhados de maneira que viesse trazer um novo olhar para a questão, a
professora apenas anotou no quadro a fala das crianças, sem fazer nenhum tipo de
intervenção ou questionamento que trouxesse alguma reflexão sobre questões
étinicas ou culturais.
É necessário trabalhar a questão da diversidade cultural e étnica desde a infância,
pois a partir desta fase a criança terá mais facilidade de lidar com as diferenças e
romper preconceitos já existentes em seu meio social. A escola deve promover um
momento lúdico onde as crianças possam compreender e descobrir a importância da
cultura, da história e da diversidade. É comum encontrar na literatura infantil, a
imagem do negro vinculada a escravidão e esta história “ Amigo do Rei” traz uma
abordagem diferenciada, pois no final o Rei é justamente o personagem negro, logo
existem várias formas de trabalhar a diversidade na sala de aula, ao invés de
apenas elencar as características físicas das personagens, fato este que foi
39
realizado de forma mecânica, algumas crianças falavam de forma perjorativa do
personagem negro e a professora apenas negava as críticas das crianças, sem
levantar questionamentos ou abordagens que trouxessem reflexão sobre o
comentário, ou sobre a própria história.
É importante trabalhar as questões étnicas nesta primeira fase da educação, para
que o indivíduo desenvolva em suas relações sociais, a firmação da sua identidade
pessoal e cultural, respeitando os valores, a etnia e a alteridade do outro.
A Situação “E” torna evidente uma forma de segregação, que é também mais uma
forma da violência se manifestar. Dia de utilizar o micro, após a rodinha foram
selecionadas duas crianças para operar o computador, o critério estabelecido pela
professora foi escolher duas crianças que já têm maior afinidade com a leitura e
escrita e operam a máquina com mais facilidade, pois segundo ela, as demais
crianças não sabem usar o computador e poderiam danificar a máquina ou o
programa.
As crianças escolhidas operam a máquina sem nenhum tipo de intervenção da
professora, que alega não entender de informática. Além disso os estudantes
escolhidos sempre estão no grupo dos que sabem ler algumas silabas, que é
resumido em cinco crianças.
Crianças
Comportamento da Criança
Comportamento do Professor Resposta da Criança
JV
Pede para ser escolhido para usar o micro
Concorda
------Diz que ele não sabe usar e que
Cala-se
hoje não
É escolhido para usar o micro Diz que hoje não quer
DN
Pede para ser escolhido támbem
AL
----------------------
PV
----------------------
JD
AM
Pede para ser escolhido da próxima vez
Pergunta por que não foi escolhida
ED
Pede para desenhar
EL
É escolhido para usar o micro
Diz que da próxima vez será
escolhido
Diz que é porque não se
comportou
Permite
Aceita
Continua
------Cala-se
Sai da sala sem pedir
Ignora
---------
MA
Vai brincar no canto da sala
Ignora
-------
GB
Vai brincar no canto da sala
Ignora
--------
MC
Vai brincar no canto da sala
Ignora
------
ML
Vai brincar no canto da sala
Ignora
--------
LC
Pede brinquedos para a professora
Cede os brinquedos pedidos
-------
Quadro 6. Utilização do microcomputador
40
Diante do quadro acima apresentado percebe-se que apenas as crianças que
possuem maiores habilidades com o micro utilizam o referido aparelho, enquanto as
demais, permanecem na sala de forma dispersa. Além do fato de que o
conhecimento sobre o manuseio do computador, pernamece com um pequeno
grupo e as demais crianças pérmanecem sem acrescentar nenhum tipo de
conhecimento ou aprendizagem sobre o funcionamento do aparelho.
Esta prática, além de ser excludente, promove uma sensação de inutilidade e
impotencia de algumas crianças em relação à outras, isto é evidente na forma como
as crianças que não foram escolhidas reagem. A maioria já sabe como funciona o
rodízio de utilização do micro e antes da professora falar quem vai utilizar, alguns já
vão direto para o canto da sala onde ficam os brinquedos, outros baixam a cabeça e
vão fazer outra coisa. Há ainda aqueles que ainda insistem em pedir para utilizar o
micro, porém a professora responde que ficará para uma próxima oportunidade
,contribuindo, assim, para mais uma atitude de violência.
Ao ser questionada sobre o critério da utilização do micro, a docente responde que a
maioria das crianças têm dificuldades em compreender os jogos, inclusive a própria
professora não domina o funcionamento do micro de forma que possa trabalhar com
os estudantes. Isto mostra que é necessário capacitar o docente para que este
tenha condições de operar e trabalhar com os recursos tecnológicos existentes em
sua sala de aula, não basta colocar um computador na escola, é preciso que o
profissional que trabalha com este recurso tenha condições de operá-lo e
desenvolver um trabalho participativo e interativo na sala de aula. Pois caso
contrário, o que deveria ser objeto de promoção da interação e do desenvolvimento
cognitivo, torna-se objeto de exclusão e desigualdade.
A Situação “F” demonstra o desenvolvimento de uma atividade que deveria ser
lúdica. Ensaio de uma poesia para apresentação, a professora distribui as máscaras
para as crianças recitarem uma poesia de Vinícius de Morais.
41
Crianças
Comportamento da Criança
Comportamento do Professor
Resposta da Criança
MA
Recita a poesia sorrindo e erra
Diz que se continuar vai tirar a criança da apresentação
Cala-se
PV
Esquece uma parte da poesia
Pede para ter atenção
------
LC
Recita a poesia corretamente
Elogia e diz que é o melhor de todos
Sorri
AM
Fica nervosa e não consegue recitar
Diz que desse jeito vai tirar a criança do ensaio
Cala-se
MC
Recita uma parte e esquece o restante
Fica nervosa e diz que as crianças vão fazer
feio no dia da apresentação
Cala-se
ED
Recita a poesia baixo
Diz que está péssimo e que não está ouvindo nada
Cala-se
IG
Diz que esqueceu
Reclama e diz que está todo mundo mau e que só LC
Está sabendo tudo
-------
Quadro 7: Ensaio da poesia
Com base nas exposições do quadro acima, é possível observar que ao tempo em
que a professora chama a atenção de cada criança que recita a poesia, ocorre um
“efeito dominó”, onde cada comentário da professora gera uma reação de ansiedade
e nervosismo nos participantes do ensaio.
È importante salientar que durante o evento um grupo de crianças permaneceu
sentado observando os colegas e o outro grupo participou da apresentação, a
docente alegou que nem todas as crianças poderiam participar do evento, pois já
estava tendo dificuldades para ensaiar as crianças que possuíam maiores
habilidades para decorar a poesia. Desta forma percebe-se que um grupo seleto
participou de uma atividade que poderia ter sido estendida para toda a turma. Assim,
mais uma vez predomina na sala a sensação de incapacidade e impotência das
crianças que não foram escolhidas.
Outro aspecto que deve ser ressaltado é o das crianças que estavam assistindo o
ensaio demonstrarem satisfação com a situação de desconforto em que os colegas
se encontravam, algumas riam, outras faziam comentários negativos. A professora
demonstrava indiferença diante da reação das crianças que assistiam o ensaio, a
sua maior preocupação era que a poesia fosse recitada de forma perfeita pelas
crianças. E apenas um discente conseguiu decorar uma parte da poesia, isto irritou
42
bastante a docente, pois em breve a poesia seria apresentada durante um evento
que envolvia toda a escola.
Diante desta situação pode-se
constatar que a sala está subdividida em dois
grupos; “os capazes” e os “incapazes”, como já foi comentado anteriormente, está
prática traz para sala de aula a sensação de superioridade e de maior capacitação
de alguns, bem como, a sensação de inferioridade e incapacitação por parte de
outros.
No âmbito escolar é necessário que haja entre os discentes uma interação e
compartilhamento de conhecimentos e experiências, os quais permitem o
desenvolvimento do aprendizado entre todos, inclusive entre aqueles que possuem
maiores dificuldades em compreender os ensinamentos durante as aulas. E um tipo
de relação arbitraria promove barreiras no processo de aprendizagem e interação
entre os discentes.
A demonstração de satisfação por parte das crianças que assistiam o ensaio em ver
seus colegas numa situação constrangedora, deixa claro os efeitos da comparação
e da segregação entre os grupos. Pois neste momento as crianças que foram
excluídas do ensaio sentem-se contentes com a situação dos colegas, pois a
percepção que possuem do outro é como opositor, concorrente. Isto demonstra o
tipo de interação social existente entre os estudantes, onde a competitividade e o
individualismo estão fortalecidos.
Na educação Infantil é fundamental oferecer às crianças atividades interativas que
resultem na possibilidade de novos significados e novas aprendizagens, onde as
experiências podem ser compartilhadas, através de ações que envolvam negociação
de conflitos, noções de solidariedade e empatia. Ao invés de trabalhar atividades
mnemónicas de forma excludente, onde os estudantes são estigmatizados e
segregados, promovendo o sentimento de competitividade e discordia. Para tanto é
necessário que o educador compreenda o processo de desenvolvimento da
aprendizagem, bem como, reflita sobre a sua prática docente de acordo com o seu
contexto e o resultado das interações e atividades desenvolvidas na sala de aula.
43
A Situação “G” evidencia o comportamento das crianças durante o recreio no
parque: Hora do recreio livre no parque, as crianças são liberadas durante 20 (vinte)
minutos para brincarem livremente no parque.
Crianças
Comportamento da Criança
Comportamento do Professor
Resposta da Criança
MC
Brinca de casinha
Não interfere
Continua
JV
Brinca de correr
Obedece
IG
Brinca de luta
Pede que pare
Reclama que alguém pode se machucar e
pede à criança para brincar de outra coisa
Obedece
MA
Brinca de casinha
Não interfere
Continua
GB
Brinca com as bonecas
Não interfere
Continua
DN
Brinca de luta
Pede que pare
Obedece
JD
Brinca de pular
Pede que pare
Obedece
AL
Corre entre os colegas
Pede que pare
Continua
AX
Corre entre os colegas
Pede que pare
Obedece
PV
Brinca de escorregar
Não interfere
Continua
Quadro 8: Parque / recreio livre
O quadro acima se refere a um momento bastante apreciado pelas crianças, onde
todos deveriam brincar livremente no parque sem a intervenção direta e contínua do
adulto. Porém percebe-se que em algumas situações a docente interfere na
brincadeira das crianças. A professora não permite que as crianças façam
determinados movimentos, tais como; correr, saltar, pular, dentre outros. Apenas são
permitidas as brincadeiras onde os movimentos das crianças são limitados.
Dentre as diversas atividades desenvolvidas na educação infantil, está a brincadeira
livre, que é um momento onde as crianças exploram os seus movimentos motores,
interagem entre si sem a intervenção do adulto, conversam, correm, brincam de
forma livre. Isto é muito importante para o desenvolvimento da expressão oral e
corporal, audição, socialização, ritmos, dentre outros. As intervenções durante as
brincadeiras livres entre os pequenos podem ser feitas quando houver alguma
situação que traga risco à integridade da criança. Pois quando os movimentos e o
espaço das crianças são limitados durante as atividades livres de recreação, ocorre
uma redução nas interações sociais e no desenvolvimento psicomotor.
44
A Situação “H” demonstra o desenvolvimento das crianças na habilidade com
números. Atividade de matemática mimeografa, a professora lê a atividade para as
crianças e pede que respondam com atenção para não errar.
Crianças
Comportamento da Criança
Comportamento do Professor
MC
Resposta da Criança
Responde da forma que entende
Interfere e pede para refazer
Obedece
MA
Responde e entrega
Recebe a atividade
Vai brincar
JV
Faz aleatoriamente e entrega
Vai brincar
AM
Não consegue concluir a atividade
e pede auxilio a professora
Não interfere
Inicialmente interfere e depois diz que
a criança não tem condições de fazer a
atividade
Diz que tem que ser assim, pois só
assim AM concluirá a atividade de
forma rápida
Ignora
-------
MA
DN
JD
AL
AX
PV
WL
ED
AX
Faz a atividade para AM
Faz o nome sem o crachá e
responde a atividade
aleatoriamente
Não entende e pede para explicar
de novo
Conclui a atividade e entrega
Diz que não sabe fazer
Conlcui a atividade e entrega e
comenta que AX não sabe fazer
pois é amalucado
Não entende e faz aleatoriamente
Conclui como entendeu e pede
para brincar
Conclui como entendeu e pede o
crachá para copiar o nome
Cala-se
Continua
Diz os números que a criança tem que
colocar
Recebe
Diz os números que a criança tem que
colocar
Vai brincar
Ignora
--------
Ignora
Continua
Permite
Continua
Pergunta quando vai aprender a fazer
o nome sem o crachá.
Cala-se
Obedece
Obedece
Quadro 9: Atividade mimeografada com números
De acordo com as informações do quadro acima, é possível constatar que a maioria
das crianças sente dificuldades com as atividades matemáticas. A atividade
mimeografada trazia algumas figuras com operações envolvendo adição (soma).
Mais uma vez a atividade foi trabalhada de maneira rápida, com intervenções
aleatórias e sem propósito pedagógico, pois no momento em que as crianças são
levadas a reproduzirem sem qualquer reflexão ou simplesmente responder a
atividade do colega, ocorre um desrespeito a autonomia, ao desenvolvimento em
seus vários aspectos, assim como, a alteridade e o respeito ao outro também são
nefastamente prejudicados.
Muitos educadores acabam não atingindo os objetivos das atividades ao
trabalharem com crianças pequenas, na maioria das vezes ainda fazem o oposto,
conseguem fazer com que os alunos detestem a disciplina. Alguns assuntos são
45
trabalhados de forma dissociada da realidade da criança, a matemática está
presente em nosso contexto a todo o momento, muitas vezes os educadores não
desenvolvem essa percepção, a acuidade de trabalhar a matemática de forma
contextualizada com o cotidiano da criança e acabam por utilizar métodos
tradicionalistas que não levam em conta aspectos peculiares ao desenvolvimento da
criança.
O educador precisa buscar subsídios para que as atividades trabalhadas alcancem
os objetivos, não de uma forma mecânica, mas sim de uma forma prazerosa que
traga compreensão, considerando e aproveitando as experiências vividas pelos
alunos. Para isso é preciso compreender como funciona o pressuposto da criança
acerca do universo matemático.
A Situação “I” refere-se uma intervenção sobre preconceito racial: Neste dia a
professora não compareceu à aula, por motivos pessoais, em vista desta situação a
sala ficou sobre a regência das estagiárias, e dentre as atividade previstas para o
referido dia, estava a utilização do micro. Logo foram escolhidas duas crianças: MC
e ML, ambas foram escolhidas intencionalmente, pelos seguintes motivos: MC
(criança de características branca) possuía maior habilidade com o aparelho; ML
(criança de características negra) não utilizava com freqüência o aparelho, pois não
tinha muitas habilidades. Aproveitando esta situação e associando ao fato de que as
duas não tinham um bom relacionamento devido a questões étnicas, ambas foram
selecionadas para utilizarem o aparelho juntas, o fato ocorreu da seguinte forma:
Estagiária - Hoje MC e ML vão usar o micro.
ML – Concorda.
MC- Hoje eu não quero... Prefiro brincar.
Estagiária – Porque você não quer usar o micro?
MC - Por que não, hoje não.
Estagiária - Tudo bem, se você não quer usar o micro não usa, mas também
não poderá brincar.
MC- Então tá eu, vou.
46
Após algum tempo utilizando o micro juntas, MC que possuía maiores habilidades
com o aparelho passou a explicar a ML o funcionamento de alguns jogos disponíveis
e a partir deste momento as duas passaram a estabelecer uma relação mais
interativa.
Numa exposição anterior, foi narrado um episódio que demonstrava a falta de
interação entre as duas crianças. Após uma intervenção mais direcionada MC e ML
passaram a conversar com mais frequência, principalmente na hora do recreio e
durante as atividades. A partir daí percebe-se a importância da ação e da
intervenção pedagógica na construção dos conceitos e valores do discente. No
episódio anterior a professora regente foi questionada acerca da situação e a sua
resposta foi relacionada à nulidade da ação pedagógica diante da influência da
família sobre a criança. Analisando este episódio, pode-se concluir que
independente das circunstâncias, o papel do professor é promover uma relação de
interação social saudável entre todos na sala de aula.
Diante da realidade da população brasileira onde a pluralidade é bastante presente,
a escola não pode mais negligenciar episódios de preconceito ou outro tipo de
intolerância, pois se torna notório que a influência da ação pedagógica é primordial
no desenvolvimento da criança e na agregação de valores, principalmente durante a
educação infantil. Dizer que não pode ensinar o certo porque a família ensina o
errado, é negar o papel da escola perante a sociedade e esquivar-se. Existem ações
pedagógicas na sala de aula que são levadas aos lares de muitos discentes, através
da reflexão e dialogo durante um momento do educando com seus familiares. Por
isso independente das circunstâncias o educador precisa adotar uma postura
transformadora, pois a sua função não é somente preparar o indivíduo para a
próxima etapa, mas sim trabalhar conhecimentos e valores que lhes tragam
aprendizagens significativas, não só tecnicamente, mas também como sujeitos que
fazem parte de uma sociedade que convive com a diversidade em todos os sentidos.
47
A Situação “J” mostra um episódio de preconceito social. A professora está
desenvolvendo uma atividade de pintura e colagem na sala de aula, após algum
tempo LC conclui a sua tarefa e pede para lanchar, pega um pacote de salgadinhos
e abre, neste momento o lacre do produto parte bruscamente e os salgadinhos caem
no chão, à professora recolhe o lanche do chão junto com LC e coloca numa vasilha
plástica para que a criança possa comer o alimento. Ao ser questionada pelo fato de
está recolhendo o lanche do chão para o uso da criança, a docente responde que
está agindo desta forma, pois em sua residência LC não faria diferente, uma vez que
o seu contexto social é pouco favorecido.
A situação supracitada aborda uma questão referente à condição social da criança,
ou seja, o fato de LC pertencer à camada social menos privilegiada implica nas
noções de higiene que devem ser trabalhadas com o próprio.
A escola observada pertence à rede pública e está localizada num bairro carente,
desta forma a maioria das crianças pertencem à mesma classe social. Sendo assim,
todas as crianças teriam que aprender a aproveitar o alimento sujo do chão?
Este episódio aborda claramente uma manifestação de preconceito social, onde está
implícita a idéia de que as pessoas pobres devem ser privadas de certos
conhecimentos, devido a sua condição social.
As situações aqui expostas demonstram a educação como colaboradora da
desigualdade, injustiça social e intolerância. A ação pedagógica está longe de ser
neutra, e por muitas vezes tem sido instrumento de dominação, submissão e
discriminação, carregando em si, de forma sutil, os interesses de uma relação de
poder que legitima a desigualdade social. Assim a violência simbólica está
legitimada através de planejamentos, currículos escolares, dentre outros, que na
maioria das vezes estão descontextualizados da realidade da escola pública que
atende comunidades pertencentes a bairros periféricos. E a escola que deveria ser
um espaço de construção de conhecimento, cidadania e convívio harmonioso, tem
consolidado práticas que fomentam a desvalorização do indivíduo, o preconceito e a
intolerância em seus vários aspectos.
48
4.2 As implicações da violência simbólica no desenvolvimento curricular dos
discentes.
Neste trabalho foram destacados dois objetivos, o primeiro de conhecer as várias
manifestações da violência simbólica no ambiente de educação infantil e o segundo
de observar as suas implicações. O primeiro foi abordado anteriormente através dos
quadros com as situações ocorridas na sala de aula; o segundo será explicitado no
quadro a seguir.
Estudante
M.A
P.V
A.L
G.B
A.X
M.L
M.C
I.G
L.C
E.D
A.M
E.L
D.N
J.V
Desenvolvimento
Observação
Silábica consegue relacionar o som de algumas
palavras com a escrita, já escreve o próprio nome;
resolve atividades matemáticas.
Silábica consegue relacionar algumas palavras com a
escrita, já escreve o próprio nome; resolve atividades
matemáticas.
Silábica consegue relacionar algumas palavras com a
escrita, já escreve o próprio nome; resolve atividades
matemáticas.
Já escreve o próprio nome, mas ainda tem dificuldades
em relacionar a escrita com o som das palavras; resolve
atividades matemáticas.
Não consegue escrever o próprio nome sem o auxílio
do crachá, tem dificuldades em relacionar a o som das
palavras com a escrita; tem dificuldades para resolver
atividades matemáticas.
Escreve o nome com dificuldades. Tem dificuldades em
relacionar o som das palavras com a escrita; tem
dificuldades para resolver atividades matemáticas.
Silábica consegue relacionar o som de algumas
palavras com a escrita, já escreve o próprio nome;
resolve atividades matemáticas.
Escreve o nome com dificuldades. Tem dificuldades em
relacionar o som das palavras com a escrita; tem
dificuldade em resolver atividades matemáticas.
Escreve o próprio nome; tem dificuldades em relacionar
o som das palavras com a escrita; tem dificuldades em
resolver atividades matemáticas.
Escreve o próprio nome; tem dificuldades em relacionar
o som das palavras com a escrita; tem dificuldades em
resolver atividades matemáticas.
Escreve o próprio nome; tem dificuldades em relacionar
o som das palavras com a escrita; tem dificuldades em
resolver atividades matemáticas.
Não consegue escrever o próprio nome, tem
dificuldades em relacionar o som das palavras com a
escrita; tem dificuldades em resolver atividades
matemáticas.
Não consegue escrever o próprio nome, tem
dificuldades em relacionar o som das palavras com a
escrita; tem dificuldades em resolver atividades
matemáticas.
Silábico consegue relacionar o som de algumas
Eventualmente
é
convidada a participar
das aulas
Frequentemente
é
convidado a participar
das aulas
Frequentemente
é
convidado a participar
das aulas
Raramente
é
convidada a participar
das aulas
Não é convidado a
participar das aulas
Não é convidado a
participar das aulas
Eventualmente
é
convidada a participar
das aulas
Não é convidado a
participar das aulas
Eventualmente
é
convidada a participar
das aulas
Eventualmente
é
convidada a participar
das aulas
Não é convidado a
participar das aulas
Não é convidado a
participar das aulas
Não é convidado a
participar das aulas
Freqüentemente
é
49
palavras com a escrita, já escreve o próprio nome;
convidado a participar
resolve atividades matemáticas.
das aulas
Não consegue escrever o próprio nome, tem
Não é convidado a
dificuldades
em
relacionar
o
som
das
palavras
com
a
participar das aulas
J.D
escrita; tem dificuldades em resolver atividades
matemáticas.
Quadro 10: Desenvolvimento curricular do grupo pesquisado. Fonte: trabalho de campo em
agosto/2009.
Para elaboração do quadro acima, foram observadas as atividades desenvolvidas na
sala de aula durante a realização da pesquisa. Ao ler o campo das observações
percebe-se que a participação dos discentes na sala de aula durante as atividades
pedagógicas possui influencia em seu desenvolvimento curricular. As crianças que
participam de maneira mais ativa das aulas e atividades realizadas na classe
possuem um desenvolvimento maior que as demais. Enquanto que as crianças que
não participam da mesma forma possuem dificuldades na escrita e na conclusão das
atividades em sala de aula.
Além da influencia da própria ação pedagógica, algumas crianças, não freqüentam
regularmente a escola, fato que também influencia no desenvolvimento curricular.
Porém trata-se apenas de uma ressalva da aludida situação, pois a presente
pesquisa não pretende contemplar esta vertente.
No ano de 2009 foi realizado um diagnóstico da escola, elaborado pela professora
regente, a fim de levantar dados para disponibilizar à Prefeitura, onde seria avaliado
o processo de aprendizagem dos discentes, porém não houve acesso aos
resultados, apenas foi relatado que a maioria das crianças do grupo cinco
encontrava-se no nível silábico da alfabetização. Tal informação é bastante genérica
e não abrange os objetivos específicos da pesquisa.
Diante de tal informação, dos episódios e dados expostos neste trabalho, fica claro
que as informações relatadas pela regente da classe apenas categoriza de forma
genérica o nível de desenvolvimento da turma, quando na realidade existem várias
crianças que possuem dificuldades em apropriar-se do conteúdo ministrado em sala
de aula, por motivos variados, bem como, pela própria ação pedagógica, que
segrega, classifica e impõe suas impressões de forma arbitrária, acarretando desta
50
forma nos indivíduos daquele grupo uma espécie de estigma que contribui de
maneira desastrosa em seu rendimento curricular.
Segundo Furt e Wachs citados por Mizukami (1986), a criança não aprende a
pensar, a criança pensa e assim desenvolve mecanismos mais avançados de
pensamentos. Assim não é possível desconsiderar as lógicas e idéias estabelecidas
pelos discentes, pois é durante a interação e troca de idéias que eles aprendem
novos significados e ampliam os conhecimentos. O educador deve criar situações
que propiciem condições de aprendizado mutuo, respeitando as características
estruturais própria de cada individuo.
Através da educação o sujeito pode reconhecer-se como cidadão capaz de refletir
sobre a sua condição social contribuindo de forma significativa para uma sociedade
mais igualitária. Porém, ao invés disso a escola tem se tornado espaço de
desenvolvimento de atitudes preconceituosas, classificatórias, que exigem um
determinado padrão considerado “ideal”, onde a violência simbólica tem sido
reproduzida de maneira dissimulada através de discursos e práticas que têm trazido
resultados desastrosos no processo de aprendizagem dos seus discentes.
51
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A violência simbólica é bastante difícil de ser percebida, e muitas vezes é exercida
de maneira sutil sem ser reconhecida como violência por parte de quem sofre. E na
educação infantil esse reconhecimento torna-se mais difícil, pois os discentes que
compõem este ambiente ainda não possuem maturidade para tal entendimento. Pois
é justamente neste período que a criança começa a desenvolver a capacidade de
expressão e compreensão do mundo.
Neste momento torna-se relevante retomar os objetivos expostos no início da
pesquisa, a fim de viabilizar uma reflexão sobre as abordagens realizadas. Os
objetivos então propostos foram: compreender a dimensão do fenômeno no
ambiente escolar; em especifico, conhecer as várias manifestações da violência
simbólica no contexto escolar, observar a influência no desempenho curricular dos
discentes e perceber o comportamento das crianças diante deste tipo de violência.
As observações realizadas ao longo deste trabalho permitem à conclusão de que a
violência simbólica se manifesta de diversas formas dentro da instituição de ensino.
Como foi exposto no capítulo anterior, vários episódios de violência simbólica,
através da discriminação social; preconceito racial; segregação; desvalorização do
indivíduo; exposição ao ridículo; desestimulo a auto-estima, dentre outros.
Também foi possível perceber o cotidiano burocrático existente na escola, onde as
metas precisam ser cumpridas de qualquer maneira, sem ser considerado os
aspectos peculiares do processo de aprendizagem, impossibilitando o exercício da
autonomia por parte do docente. Há também a falta de diálogo e reflexão acerca da
ação pedagógica e seus resultados reais em sala de aula com os atores que
compõem a escola, esta prática consolida e fortalece o exercício da violência
simbólica.
52
É comum associar a violência à desigualdade social, pobreza, a falta de informação.
Porém este tipo de comportamento está relacionado com abuso de poder nas mais
variadas formas e nos mais variados contextos sociais, não podendo ser reduzida a
um único setor.
A violência simbólica não é legitimada apenas quando o indivíduo se reconhece
como vítima. Ela encontra-se presente em todo o cotidiano escolar, nas relações
entre os pares conforme exposto no capítulo quatro, no episódio onde as crianças
demonstram satisfação ao verem seus colegas serem constrangidos; na ação
pedagógica que exclui, segrega, rotula e classifica.
Esta forma de violência ocorre quando as escolas impõem conteúdos destituídos de
objetivos, apenas para cumprir prazos ou metas pré-estabelecidas; quando o
professor não preza pela qualidade das suas aulas; ou quando não respeitam seus
discentes; quando classificam, rotulam ou desmerecem. Existem também situações
em que os professores são desestimulados, ou impedidos de exercerem a sua
autonomia em sala de aula através da imposição de planejamentos que não visam
às necessidades de cada grupo de acordo com a sua realidade.
As implicações da violência simbólica podem ser observadas no resultado do
desempenho das crianças, durante o desenvolvimento das atividades em sala de
aula.
Aquelas que constantemente estão participando das atividades em classe
encontram-se mais desenvolvidas no processo de aquisição da linguagem escrita,
leitura, bem como conseguem resolver as atividades e problemas relacionados à
matemática. Enquanto que as demais crianças, que são consideradas sem
capacidade, possuem dificuldade na escrita, leitura e com as atividades
matemáticas.
Uma das propostas da educação infantil é contribuir para o desenvolvimento pleno
do indivíduo, garantindo-lhe experiências que viabilizem seu aperfeiçoamento
intelectual, moral e físico. E o melhor caminho para alcançar este objetivo é o
diálogo e reflexão da prática pedagógica, indicando as possibilidades para
superação dos problemas existentes no âmbito escolar. Para tanto é necessário a
abertura de espaços que propiciem a interlocução entre os diversos segmentos da
53
escola, buscando a interação, conhecendo conceitos diversificados, visões, idéias
inovadoras, valores, dentre outros.
A realidade da sala de aula numa escola pública de educação infantil em nosso país,
não é incentivadora, pois diante das observações realizadas durante a pesquisa
verificou-se a escassez dos recursos em todos os aspectos, porém esta situação
não pode ser fator determinante para uma prática pedagógica que consolide a
desigualdade. Assim Freire (1996, p. 77) afirma que “Ninguém pode estar no mundo,
com o mundo e com os outros de forma neutra. Não posso estar no mundo de luvas
nas mãos constatando apenas.
Os resultados desta pesquisa trazem informações importantes para a compreensão
do fenômeno e suas implicações no contexto escolar. È importante salientar aqui
que a violência simbólica não é o único fator responsável pelos resultados negativos
no currículo escolar ou comportamento dos discentes pode ser vários os fatores que
contribuem para esta situação, mas existem aqueles que podem ser identificados
por provocarem sentimentos e sensações visíveis através do comportamento e
respostas dos alunos diante de determinadas circunstâncias.
Compreende-se que os conceitos de valores e outros aspectos presentes na
sociedade influenciam a configuração do mundo atual. E Nesse contexto a escola
como lugar de interação e formação do individuo como sujeito, precisa superar a
violência por meio de um trabalho dinâmico que envolva seus atores, e os levem
refletir sobre suas atitudes, seu contexto, desenvolvendo a capacidade de crítica e
participativa.
Portanto conclui-se este trabalho monográfico, no qual foi empreendido esforço no
sentido de levantar novas reflexões sobre o estudo da violência simbólica no âmbito
escolar. Outrossim, ressalva-se que não existe a pretensão de esgotar-se por aqui
esta pesquisa, haja vista, tal tema possua vertentes amplas e variadas nos diversos
campos do conhecimento, que buscam viabilizar formas para a superação deste
fenômeno nas escolas.
54
REFERÊNCIAS
ABRAMOVAY, Miriam. Violência nas escolas. Brasília: Unesco. Instituto Ayrton
Senna, UNADS. Banco Mundial. USAID. Fundação Ford. CONSED. UNDIME, 2004.
______. Cotidiano das escolas: entre violências Brasília: UNESCO, Observatório
de Violência, Ministério da Educação, 2005.
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andréa santana santos