UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA-UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇAO – CAMPUS I LICENCIATURA EM PEDAGOGIA COM HABILITAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL ANDRÉA SANTANA SANTOS AS IMPLICAÇÕES DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA EM UMA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL Salvador- Bahia. 2009 . ANDRÉA SANTANA SANTOS AS IMPLICAÇÕES DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA EM UMA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL Monografia apresentada a Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Departamento de Educação, Campus I, como pré-requisito para a conclusão do curso de Pedagogia em Educação Infantil. Orientadora: Profª.M.Sc. Iêda R. da S. Balogh Salvador-Bahia. 2009 ANDRÉA SANTANA SANTOS AS IMPLICAÇÕES DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA EM UMA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL Monografia submetida à aprovação corpo docente da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Departamento de Educação, Campus I, como prérequisito para a conclusão do curso de Pedagogia, Habilitação em Educação Infantil. Aprovada em: ....../...../........ Banca Examinadora: __________________________________ Profª M.Sc. Iêda Rodrigues da Silva Balogh - Orientadora Universidade do Estado da Bahia ____________________________________ Profª M.Sc. Patrícia Lessa Santos Universidade do Estado da Bahia _____________________________________ Profª M.Sc. Carla Liane Nascimento dos Santos Universidade do Estado da Bahia 3 Aqui eu dedico o trabalho. A todos os estudantes que são ceifados em seu direito a uma educação digna e transformadora. A todos os educadores, que apesar das adversidades, ainda acreditam assumir e batalham uma para prática transformadora. 4 AGRADECIMENTOS Agradeço a DEUS, por ter me abençoado e ungido, com força e saúde para concluir este trabalho, apesar de todas as circunstâncias adversas. Pois sem a permissão Dele nada seria possível. A Haydée (minha mãe) e a Natalina (tia-mãe), pelo amor e carinho incondicional, pois sempre estiveram torcendo, acreditando em meu potencial. Obrigado pelo apoio na consolidação deste trabalho. Ao meu esposo pela colaboração concedida diante de suas possibilidades. À Professora e Orientadora Iêda Balogh, pela disponibilidade e por ter conduzido a orientação de maneira tranqüila. À minha filha Quésia, que com a sua alegria e energia, me incentivava todos os dias a continuar este trabalho e superar os desafios. À professora Adelaide Badaró e ao colega Orliel Santos, pela colaboração, apreço e amizade. Aos participantes desta pesquisa, que contribuíram de maneira significativa para construção deste trabalho. Aos amigos pelo respeito, carinho, incentivo e compreensão durante a elaboração desta pesquisa. A todos que participaram de forma direta ou indireta da realização desta pesquisa, 5 Se nossa opção é progressista, se estamos a favor da vida e não da morte, da eqüidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o diferente e não de sua negação, não temos outro caminho senão viver plenamente a nossa opção"... "O educador se eterniza em cada ser que educa". (Paulo Freire) 6 RESUMO Esta monografia investiga as manifestações de violência simbólica numa classe de educação infantil de uma escola pública num bairro periférico de Salvador. Tem como objetivo compreender a dimensão da violência simbólica no âmbito escolar, conhecendo as suas variadas manifestações e observando a sua influência neste contexto. É uma pesquisa do tipo qualitativa, em que foi utilizada técnica da observação através da pesquisa participante. Dessa forma, pode-se inferir que, este fenômeno é difícil de ser identificado, e por isso é exercido de maneira natural no meio o qual convivemos, trazendo resultados negativos. As instituições públicas educacionais possuem um grande número de crianças e adolescentes de várias camadas sociais, e é neste ambiente bastante diversificado que ocorrem as mais variadas formas de violência dentre elas, a violência simbólica. Através desta investigação realizada no segundo semestre de 2009, buscou-se observar o comportamento dos discentes e a influência do fenômeno no desempenho curricular. Palavras-chave: Ação Pedagógica; Educação; Escola; Violência Simbólica. 7 ABSTRACT This monograph investigates the expression of symbolic violence in a children’s class of a public school in Salvador’s suburb. Its objective is to understand the dimension of symbolic violence in the school, knowing its various manifestations and observing their influence in this context. It is a qualitative research, where was is used the technique of observing through the participant research. Thus, can infer that this phenomenon is difficult to be identified, and therefore is naturally exercised in the environment which we live, bringing negative results. The public educational institutions have a large number of children and adolescents from different social classes, and this 'diversified environment promotes the most varied violence forms and, among them, the symbolic violence. Through this investigation, accomplished in 2009’s second half, the students manners and the influence of this phenomenon in their performances is observed. Keywords: Pedagogical Action, Education, School, Symbolic Violence. 8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................ 10 2 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA ............... ...................................... 13 2.1 Metodologia da Pesquisa: ........................................................................... 13 2.2 Caracterização da escola ............................................................................ 16 2.3 A equipe pesquisada: Grupo 5 de Educação Infantil ................................... 17 3 VIOLÊNCIA: A NATUREZA COMPLEXA E MULTIFACETADA DO CONCEITO ..................................................................................... 20 3.1 Violência Simbólica: uma forma dissimulada de violência ........................... 22 3.2 Das Relações de Poder: .............................................................................. 25 3.3 Violência e Escola: as diversas abordagens ............................................... 27 4 A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NO AMBIENTE ESCOLAR DA EDUCAÇÃO INFANTIL.................................................................................33 4.2 As implicações da violência simbólica no desenvolvimento curricular dos discentes. ........................................................................................................... 49 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................... 52 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 55 9 1 INTRODUÇÃO A violência está presente no meio em que convivemos, tanto de maneira exacerbada como de maneira sutil, quase que despercebida. Esse pode não ser o fator determinante para que as pessoas se tornem criminosas, mas favorece para limitar o desenvolvimento de indivíduos que poderiam contribuir e muito para uma sociedade melhor e mais estruturada, bem como, para formação mais digna e humanitária do sujeito. Muitos pais encaminham suas crianças para profissionais específicos na área pedagógica ou reforço escolar, a fim de solucionar problemas no desenvolvimento escolar e na aprendizagem, quando na verdade muitas vezes esse comportamento da criança está relacionado a outros fatores que podem ser observados no próprio ambiente escolar, a saber, um deles seria a violência simbólica. A viabilidade de analisar esse aspecto no âmbito escolar pode contribuir bastante para o processo de aprendizagem do individuo de uma forma muito positiva. É necessário que o indivíduo tenha autonomia para participar e adequar-se às regras sociais, oferecendo sua contribuição com dignidade e de forma interativa, compreendendo que além de ser único, também faz parte de um grupo. Por isso é preciso refletir sobre o papel da escola e a sua função na construção de conhecimentos e formação de cidadãos capazes de estabelecer um convívio social digno e interativo. A temática sobre a violência escolar tem sido discutida por várias áreas do conhecimento, trazendo a visão de sociólogos, filósofos, psicólogos, antropólogos e tantos outros especialistas que buscam a análise deste assunto. Entretanto este trabalho visa levantar questionamentos sobre as implicações de um tipo de violência muito freqüente nas escolas, conhecido como “violência simbólica”. Considerando que este fenômeno é bastante comum e geralmente não é reconhecido ou identificado como um fator negativo, bem como não é dada a importância e a sensibilidade necessária ao assunto. 10 A violência simbólica age de forma invisível, apesar de não deixar marcas físicas ela é sentida e pode influenciar bastante na construção do conhecimento e formação do individuo em todos os aspectos da sua vida social, trazendo conseqüências desastrosas para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária. Assim Odália (1993), define de forma clara o acima exposto. Nem sempre a violência se apresenta como um ato, como uma relação, como um fato, que possua estrutura facilmente identificável.(...) o ato violento se insinua, freqüentemente,como um ato natural, cuja essência passa desapercebida. Perceber um ato como violento demanda do homem um esforço para superar sua aparência de ato rotineiro, natural e como que inscrito na ordem das coisas. (1993, 22-23) Esse tipo de violência está presente nos mais variados ambientes sociais e a escola faz parte de um destes ambientes, onde a prática desse fenômeno é tão comum que acaba tornando-se despercebida e banalizada, tanto os estudantes como os professores e demais funcionários podem favorecer a intensidade desse comportamento no âmbito escolar. Em vista desta abordagem pode-se questionar se a violência simbólica somente é legitimada quando o indivíduo se reconhece como vítima dentro deste contexto? Será que este tipo de violência também existe nas relações cotidianas estabelecidas entre os pares no contexto escolar? E a ação pedagógica pode consolidar este tipo de violência? Desta forma, esse trabalho tem por escopo conhecer as várias manifestações da violência simbólica no contexto escolar, bem como, analisar a sua influência no desempenho curricular dos estudantes e perceber o comportamento dos próprios a partir deste fenômeno, observando os aspectos inerentes a violência simbólica na área de atuação da educação infantil, tendo em vista que se trata de uma fase onde o indivíduo estabelece as primeiras relações no âmbito escolar; onde as interações entre o “eu” e o “outro” são mais diversificadas, principalmente com sujeitos da mesma faixa etária. È nesta fase que a criança passa a se familiarizar com textos (leitura e escrita) e números. Contexto em que as ações pedagógicas precisam de 11 maiores especificações, pois o professor precisa realizar leitura dos textos utilizados em sala de aula, fazer intervenções durante as atividades em classe, enfim acompanhar passo a passo o desenvolvimento do discente. Na seqüência o presente trabalho apresenta a metodologia utilizada nesta pesquisa e a sua trajetória, especificando a forma como foi realizada, a caracterização da escola e o perfil dos informantes. Os conceitos teóricos que fundamentam o tema para realização da pesquisa estão presentes no capítulo 3 (três), trazendo os diversos conceitos sobre violência, dentre eles à violência simbólica, que é a principal abordagem deste trabalho, à luz de teóricos pesquisadores da temática e, também, conceitos complementares intrínsecos ao tema. Os dados, oriundos da pesquisa de campo, estão explicitados no capítulo 4 (quatro). Os episódios observados em sala de aula, informações sobre o desenvolvimento curricular dos informantes e a identificação das formas de violência simbólica, comportamento e desempenho dos discentes na elaboração das atividades curriculares, são conteúdos deste capítulo. E, por fim, nas considerações finais foi realizada a análise e interpretação do que a teoria expôs e o que o campo empírico sinalizou no que se refere a observar as implicações da violência simbólica no âmbito escolar, numa tentativa de buscar contribuir para uma reflexão sobre a prática docente mais igualitária e justa. 12 2 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA Esta seção demonstra todo o percurso seguido para a concretização desta pesquisa, desde a definição do quadro teórico até as reflexões tecidas do empírico. 2.1. Metodologia utilizada nesta pesquisa Para elaboração deste trabalho foi utilizada a abordagem qualitativa. A pesquisa qualitativa é um tipo de estudo também chamado de “naturalístico”, pois o observador está estreitamente ligado ao objeto da pesquisa, evitando a manipulação dos fenômenos ocorridos a sua volta. Assim Bogdan e Biklen citados por Ludke e André (1986, p.11-12), afirmam que: “Como os problemas são estudados no ambiente em que eles ocorrem naturalmente, sem qualquer manipulação intencional do pesquisador, esse tipo de estudo é também chamado de “naturalístico”. Sendo um estudo qualitativo, na especificidade recorreu-se a pesquisa participante que de acordo com Brandão (1999), é um estudo que permite a compreensão dos fatos ocorridos no ambiente pesquisado, pois a relação entre prática científica e o contexto analisado permite que o observador compreenda os sujeitos e seus mundos tanto através de suas pessoas nominadas, quanto a partir do trabalho social e político, os quais constituem a razão da pesquisa. O fato de está diretamente ligado ao objeto de estudo, não pode contribuir negativamente para o desenvolvimento da pesquisa. Através desta metodologia, é possível entender de forma mais dinâmica o fenômeno estudado dentro do âmbito escolar e as suas diversas manifestações e aspectos, pois de acordo com Brandão(1999, p.13) Enquanto um sujeito vivo, mas provisório da “minha pesquisa”, tornase o companheiro de um compromisso cuja trajetória, traduzida em trabalho político e luta popular, obriga o pesquisador a repensar não só a posição de sua pesquisa, mas também a de sua própria pessoa. Assim este tipo de pesquisa permite a ampliação do conhecimento científico e sua interação com o meio a ser investigado, pois o pesquisador tem a possibilidade estar 13 em contato direto com o ambiente e a realidade do seu objeto de estudo, ao tempo em que, amplia e enriquece a sua visão, contribuindo desta forma para o desenvolvimento do trabalho. Desta forma a escolha desta metodologia buscou atender as necessidades do objeto pesquisado, havendo uma interação natural entre o pesquisador e o contexto estudado, evitando situações que causassem algum tipo de entrave ao andamento do estudo. O conceito norteador deste trabalho foi à violência simbólica, o qual aborda o fenômeno de forma conexa a ação pedagógica e suas implicações, ou seja, as suas manifestações na sala de aula e os seus resultados. No centro da ação pedagógica, confrontam-se duas dimensões: o conteúdo transmitido (artefato simbólico) e o poder que ordena a relação (identificado como violência simbólica), exercido pela autoridade pedagógica. (NUNES, 2003, p. 37). Existem muitas vertentes a serem seguidas, e a fim de elucidar questionamentos e dúvidas, foram iniciadas as observações procurando conhecer os participantes da pesquisa; de que forma eles interagiam; a forma como funcionavam as regras estabelecidas pela escola e pela professora regente, as adaptações inerentes ao processo pedagógico em sala de aula, dentre outros. Para atender os objetivos propostos, tornou-se necessária a investigação e observação com o grupo 5 (cinco) de educação infantil, de uma escola pública em Salvador. Por isso buscou-se conhecer a turma e observar as diversas formas de violência simbólica ocorridas no ambiente pesquisado e fazer um levantamento minucioso e fidedigno das ações presenciadas em sala de aula de aula, para serem alcançadas as reflexões e interpretações que contemplassem às necessidades da pesquisa, bem como dedicar atenção devida às informações explícitas e implícitas que os participantes trouxeram através da convivência em sala de aula. 14 Foram realizadas observações numa instituição de ensino público destinado a educação infantil, durante o cumprimento do estágio supervisionado III, disciplina do Curso de Pedagogia no 8º semestre. O material recolhido durante este estudo foi em grande parte descritivo, através das experiências vividas no decorrer do trabalho com a turma observada, pois a escola não permitia a saída ou cópia de documentos, atividades ou fotografias pertencentes à instituição. Como técnica de coleta de dados, foi utilizado o recurso da observação direta, de acordo com Ludke e André (1986) este recurso permite que o pesquisador esteja mais próximo das perspectivas dos sujeitos, pois a medida que acompanha as suas experiências diárias o observador, tem a possibilidade de compreender o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e às suas ações. Inicialmente, foram realizadas algumas observações para familiarizar as estagiárias com as crianças, critério este que foi fundamental para adaptação da turma com as futuras docentes, bem como, foi primordial para estruturação das observações alusivas à pesquisa. Posteriormente, houve a interação da turma com as estagiárias, durante este período, foi possível obter dados relativos ao comportamento das crianças e das interações com o contexto escolar e suas peculiaridades, pois o planejamento das aulas era acompanhado assim como, a aplicação das atividades na sala de aula e seus resultados. A intenção da observação foi reunir os episódios que demonstrassem o comportamento dos sujeitos diante da mais variadas formas de violência simbólica ocorridas na sala de aula e seus reflexos no cotidiano do contexto escolar. Para exposição dos dados coletados durante a pesquisa foram elaboradas tabelas e descrições das observações realizadas no campo de atuação, trazendo a identificação dos participantes e outras informações necessárias ao desenvolvimento deste trabalho. Na seqüência será descrita a caracterização do ambiente pesquisado, a fim de identificar de forma especifica o local onde foi desenvolvida a pesquisa. 15 2.2 Caracterização da escola A escola pesquisada pertence à rede municipal de ensino, localiza-se em Narandiba, um bairro periférico de Salvador, nas proximidades da escola existem pequenos comércios diversificados, além de um pequeno Shopping Center. A maior parte da população é formada por pessoas carentes. A sala observada possui um total de 20 (vinte) crianças do grupo 05 (cinco) do turno vespertino. A referida instituição possui quatro salas, três banheiros, uma cozinha, um espaço amplo onde funciona o parque e o refeitório, uma cantina, duas salas utilizadas para depósito e uma secretaria. O funcionamento da escola ocorre em dois turnos; matutino e vespertino, desenvolvendo atividades com crianças do grupo 4 (quatro) e 5 (cinco); possui quatro professoras regentes (todas com formação acadêmica na área de educação); uma diretora; uma vice-diretora; uma coordenadora pedagógica; uma secretária; 03 (três) funcionários da manutenção; 02 (duas) funcionárias da cantina. As salas de aula têm capacidade para assumir uma média de 25 (vinte e cinco) crianças, porém cada sala possui a seguinte quantidade: GRUPO 4 A – 12 crianças GRUPO 4 B - 14 crianças GRUPO 5 A - 22 crianças GRUPO 5 B - 20 crianças Apesar de não possuir biblioteca, cada sala da escola tem um cantinho reservado para livros de literatura infantil, que em sua maioria são disponibilizados pela prefeitura e outros são doações de professores e pais. Existe apenas um computador que fica localizado na sala do grupo 5B, o qual é utilizado por todas as outras salas, sendo que o uso do micro funciona através de um sistema de rodízio durante a semana, cada sala tem 20 (vinte) minutos para utilizar o aparelho, a forma de utilização ocorre conforme designação das professoras, cada uma organiza o 16 sistema de rodízio de sua sala. Nas salas também existem vários brinquedos, a maioria são doações de pais e professores, por isso uma boa parte encontra-se danificado. Existe um espaço amplo na entrada da escola, onde funciona um pequeno parque e o refeitório. O parque possui uma escorregadeira e uma casinha de brinquedo, onde as crianças brincam durante a “hora da recreação”. No refeitório tem várias mesas plásticas com cadeiras, as quais estão adaptadas ao tamanho das crianças, onde todas as salas realizam as refeições, num horário único. A escola possui alguns recursos audiovisuais, tais como: um televisor, um DVD, dois aparelhos de som (de pequeno porte), sendo que um dos aparelhos está em condições precárias de uso. Os banheiros estão divididos da seguinte forma: dois adaptados para as crianças e subdivididos entre meninos e meninas e um para os adultos (masculino e feminino). O Banheiro possui um lavatório onde os pequenos lavam as mãos antes das refeições, porém é valido ressaltar, que a higiene das mãos é feita apenas com água, pois não há sabonetes na pia, além de todas as crianças utilizarem a mesma toalha de tecido para enxugar as mãos após a higiene. 2.3 A equipe pesquisada: Grupo 5 (cinco) de Educação Infantil A escolha do grupo 5 (cinco) foi fundamental para a pesquisa, pois trata-se de um grupo onde as crianças já possuem certa experiência no âmbito escolar e por isso trazem consigo as impressões deixadas nos anos anteriores. A maioria das crianças pertencentes a esta turma são estudantes da referida escola desde os quatro anos de idade. Trabalhar com esta turma permite compreender de forma mais significativa os reflexos da prática docente no comportamento e no desenvolvimento dos seus atores. 17 A turma é composta por mais de 20 (vinte) crianças, porém, em média apenas 14 (quatorze) freqüentam regularmente. A maioria é silábica em primeiro nível, apenas grafam os seus nomes e alguns conseguem relacionar o som com a escrita, mas com algumas limitações. Trabalham mais atividades lúdicas, algumas atividades mimeografadas, as brincadeiras livres são freqüentes na sala de aula. As crianças têm dificuldade em aceitar algumas regras e se dispersam com muita facilidade durante as abordagens na rodinha, em vários momentos eram chamados de volta, pois saiam da roda para pegar brinquedos. Demonstravam gostar bastante das histórias contadas, do momento das brincadeiras e das atividades lúdicas. Uma boa parte das crianças sentia dificuldades em fazer as atividades mimeografadas relacionadas à escrita e a numerais, nesse momento as intervenções eram mais intensas. Na utilização do micro computador, que possui uma série de jogos educativos adaptados para educação infantil, nem todos sabiam manusear, por isso, o sistema de rodízio para utilização da máquina, ocorria sempre entre um determinado grupo que já possuía maiores habilidades no manuseio. Havia o momento da brincadeira livre feita na sala mesmo, no qual as crianças brincam livres sem a intervenção de ninguém além delas mesma, espalhando-se pelo espaço da sala e distribuindo-se em pequenos grupos. Enquanto a professora aproveita para organizar algumas atividades. Existem muitos brinquedos e as crianças se encarregam de escolher com o que querem brincar: bonecas; panelas de plástico em miniaturas; quebra-cabeças; máscaras; garrafas pet decoradas; jogo de boliche de plástico; espadas de plástico; revistinhas; dados; brinquedos de montar; peteca; dama; jogo da memória; utensílios do lar em miniatura; telefone de brinquedo; bolas; cordas, tampinhas de garrafa, teclado de computador, brincadeiras de luta, dentre outras brincadeiras. As brincadeiras no parque são supervisionadas pela professora ou por algum funcionário da escola, neste momento as crianças são observadas e caso o adulto 18 sinta necessidade, realiza algumas intervenções. Há rodízio para utilização do parque, pois o espaço é pequeno e não comporta todas as turmas durante o recreio. Na hora do lanche as crianças são levadas para lavar as mãos no banheiro e depois formam uma fila para seguirem ao refeitório com as demais turmas, neste momento todas as turmas se encontram. Durante o lanche, que é fornecido pela Prefeitura Municipal, as crianças conversam, brincam, cantam, interagem entre si, tudo sob a supervisão dos funcionários e algumas professoras. A seguir serão apresentados alguns conceitos fundamentais, para uma melhor compreensão do estudo desta pesquisa. 19 3 VIOLÊNCIA: A NATUREZA COMPLEXA E MULTIFACETADA DO CONCEITO De acordo com algumas abordagens psicanalíticas, a agressividade faz parte da natureza humana, está relacionada às atividades do pensamento e são impulsos que podem desencadear comportamentos violentos. Na concepção de Bock, Furtado e Teixeira (1999) a violência trata-se do uso desejado da agressividade com fins destrutivos, podendo ser voluntário ou involuntário, pois a agressividade está na constituição da violência, mas não é o único fator que explica o referido fenômeno. Segundo os autores supracitados, existem outros fatores além da natureza agressiva do ser humano, que também contribuem para o ato de violência. Observa-se que a violência tem sido um comportamento continuamente crescente na sociedade, as conseqüências e a dimensão desse fenômeno é bastante complexa e envolve vários aspectos ligados à concepção da própria sociedade. A violência está inserida nas variadas camadas sociais, afetando diretamente o convívio dos seus componentes. Conceituar a palavra violência é uma tarefa bastante difícil, pois ela abrange uma série de aspectos ligados ao social, político, econômico, afetivo, familiar entre outros; e qualquer abordagem sobre o seu significado exige que seja analisado o seu contexto real, uma vez que, este fenômeno traz em si uma série de fatores complexos e multifacetados, bem como existem muitos autores que trazem abordagens distintas acerca do assunto. De acordo com o Dicionário Aurélio p. 1248, a palavra violência significa qualidade de violento; ato de violentar; constrangimento físico ou moral; força coação. Segundo Chesnais (1981), a concepção etimologicamente correta é a violência física, sendo atos e episódios que podem resultar em danos irreparáveis aos indivíduos e tem como conseqüência a intervenção da sociedade através do Estado. Desta forma, para Chesnais, falar de violência refere-se exclusivamente à chamada “violência dura”. Porém, o autor acrescenta que somente a violência física tem uma 20 definição precisa, pois encontra amparo nas legislações. Desta forma, a violência física é que de fato significa agressão contra a pessoa, pois ameaça a vida, a saúde e a liberdade. Chesnais refere-se também duas outras concepções de violência, que devem ser hierarquizadas segundo o seu custo social. A segunda é a violência econômica que diz respeito exclusivamente aos prejuízos e danos causados ao patrimônio, à propriedade, especialmente aqueles resultantes de atos de delinqüência e criminalidade contra bens; como o vandalismo. E a terceira é a violência simbólica ou moral que tem ênfase na idéia de autoridade e possui um forte conteúdo subjetivo. Ainda em concordância com o autor, tais concepções fogem do estrito significado de violência, além de ser um abuso de linguagem entendê-la dessa forma. (CHESNAY apud ABRAMOVAY, 2006, p.56). Entretanto Chauí (1999, p.2) afirma que a violência possui um aspecto amplo e não perpassa apenas por um ato provocado com intensidade e de forma intencional, segundo a autora este fenômeno significa: 1) tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de algum ser (é desnaturar); 2) todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém (é coagir, constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato de violação da natureza de alguém ou de alguma coisa valorizada positivamente por uma sociedade (é violar); 4) todo ato de transgressão contra o que alguém ou uma sociedade define como justo e como um direito. Nas concepções de Chauí, violência “é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão e intimidação, pelo medo e o terror.” Percebe-se dentro desta abordagem, que a autora traz vários aspectos multifacetados da violência, abarcando os fatores psicológicos, sociais, e jurídicos. Bem como salienta que a violência não é um fato esporádico e superável, e sim um fenômeno real existente na sociedade, o qual está presente em todas as camadas sociais, e se configura de diversas formas, tais como: desigualdade social, econômica e cultural, exclusões econômicas, políticas e sociais, racismo, intolerância religiosa, sexual, dentre outras. 21 Segundo Paredes (2006) a violência “é um fenômeno que faz parte da trajetória da humanidade e tem se multiplicado assustadoramente, manifestando-se de diversas formas”. Assim, a violência não é fenômeno isolado, “pois resulta das interações sociais e se manifesta de forma especifica em cada cultura e de acordo com o conjunto de normas e valores que orientam os indivíduos de uma sociedade”. (PAREDES, 2006, p. 16) Para Chauí (1999) há um dispositivo sociológico que distingue dois grupos, um formado por pessoas não violentas que são vitimas constantes, e o outro, aquele formado por pessoas agressivas que cometem violência contra o primeiro grupo. Este tipo de dicotomia desconsidera o fato de que a violência é inerente às interações sociais e que está presente em toda a sociedade de diversas formas, e não apenas através da agressão física ou ação delituosa. E qualquer individuo independente de qualquer circunstância pode cometer um ato de violência. Não é possível abordar este fenômeno tão complexo e multifacetado apenas dentro de uma ótica, deixando de compreendê-lo como algo que faz parte da história e da natureza humana, que pode se manifestar em todas as interações existentes na sociedade, destarte, o referido fenômeno não se limita apenas a um grupo de agressores e agredidos. 3.1 Violência Simbólica: uma forma dissimulada de violência Para conceituar a violência simbólica foi utilizada como fundamentação teórica as contribuições de Pierre Bourdieu (1975) e Michael Foucault (1975). Na seção anterior observa-se que a violência em si possui aspectos multifacetados, sendo compreendida por muitos autores, como uma forma de privação. Por simbólico entende-se que está associado à difícil percepção. De acordo com Bourdieu (1975), o termo simbólico tem haver com alegórico, ou seja, aquilo que está representado de uma forma indireta, sob outra aparência. 22 Bourdieu e Passeron definem violência simbólica como um poder que chega a impor significações e a impô-la como legítimas. Todo poder de violência simbólica, isto é, todo poder que chega a impor significações e a impô-las como legítimas, dissimulando as relações de força que estão na base de sua força, acrescenta sua própria força, isto é, propriamente simbólica, a essas relações de força (BOURDIEU, p. 19). De acordo com Bourdieu o sistema simbólico origina-se de uma construção social e para manter a perpetuação de uma determinada camada social, impõe de forma dissimulada uma cultura dominante, promovendo um sentimento de aceitação a essa condição por parte do dominado, que não se percebe como vitima neste processo e conforma-se com a situação considerando-a natural. Compreender essa dimensão de caráter simbólico da violência é complexo, pois ela manifesta-se nos mais variados setores da sociedade; na escola, na família, no Estado, na mídia, entre outros. Esse tipo de violência se apresenta de forma dissimulada e sutil, portanto, na maioria das vezes não é reconhecida como ato violento. Em concordância com as concepções de Odália (apud ARAÚJO 2004), a qual afirma que a violência nem sempre se apresenta de forma identificável, Araújo (2004, p. 104), expõe que o fenômeno está presente em toda nossa rotina, neste sentido, “a violência simbólica despercebida na vida rotineira- encontra-se presente nas arquiteturas das casas, nos hábitos, nos costumes, nas leis, na mídia, nas escolas, nas universidades etc”. No livro “Cabeça de Porco” (2005), de MV Bill, Athayde e Soares, a violência é mencionada em diversos aspectos como agressão física, um gesto que humilha, um olhar que desrespeita, uma forma hostil de contar uma história despretensiosa, uma decisão política que produz conseqüências sociais nefastas, dentre outros. Todos esses fenômenos caracterizam-se como violência, claro que cada um de uma forma diferente em contextos e circunstâncias também diferentes. Assim também ocorre com a violência simbólica que se manifesta de diversas formas no cotidiano de maneira tão dissimulada que muitas vezes nem é percebida. 23 A violência tornou-se tão banalizada que atualmente tem sido aceita como uma situação normal e inevitável, sendo atribuída ao desenvolvimento das grandes cidades, quando na realidade isso tudo é conseqüência de um sistema de relações desiguais que busca de uma forma “legalizada” perpetuar um poder impositivo que tem por escopo dominar e segregar os que não fazem parte de um pequeno grupo seleto. Foucault (1975) aborda a relação impositiva do poder através do controle, da obediência sem questionamento ou reflexão. O individuo é adestrado e condicionado desde cedo a obedecer regras, regulamentos ditos incontestáveis, pois vêm de uma instância superior, a qual está subordinado, e o descumprimento dessas regras e regulamentos implicam numa violação sob regime de punição, ou seja, se as regras forem desobedecidas o individuo será penalizado. O Homem-máquina de La Mettrie é ao mesmo tempo uma redução materialista da alma e uma teoria geral do adestramento, no centro dos quais reina a noção de ”docilidade” que une ao corpo analisável o corpo manipulável. . (FOUCAULT, 1975, p. 118). A violência simbólica pode ser encontrada de maneira implícita em leis, decretos e regulamentos que possuem caráter arbitrário e por se tratar de algo legitimado, é aceito e acatado de forma natural pela maioria dos indivíduos. Ela também se encontra presente nos discursos ou em suas diversas manifestações, bem como, está dissimulada nas ações cotidianas, disfarçadas de brincadeiras, piadas, descontração, preocupação, incentivo, aconselhamento e tantos outros termos utilizados para legitimar a sua prática e por isso ela pode perpetuar-se durante longos anos, sem ser percebida pelas pessoas envolvidas, porém essa não percepção não anula as conseqüências negativas deste tipo de agressão, que é tão perverso quanto qualquer outro tipo de violência. As contribuições de Bourdieu e Foucault são importantes e se completam para a compreensão desse tipo de violência, pois abordam de uma forma mais ampla as relações de poder que implicam em sua prática, o objetivo real por trás dessas ações que perpetuam numa sociedade desigual que utiliza os recursos mais 24 diversos de controle, dominação, vigilância, exclusão e imposição para um objetivo único, estender a permanência de uma relação de poder arbitrária. 3.3 Das Relações de Poder A palavra poder geralmente está associada à força, vigor, autoridade, capacidade, e está implicitamente ligada a um patamar considerado elevado, referenciado como algo legitimado. Bourdieu (2007, p.7–8), considera o poder exercido por uma determinada casta da sociedade, como um poder simbólico. De acordo com o autor, o poder simbólico é “um poder invisível e só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem”. O poder simbólico ocorre por meio de sistemas simbólicos que estruturam uma relação arbitrária de imposição da legitimidade. O reconhecimento de legitimidade do poder estabelecido ocorre com eficiência porque aqueles que o executam prestam obediência e colaboram de forma efetiva para a sua estruturação. Segundo Bourdieu, o poder exercido nas instituições educacionais é o poder simbólico. Nas atividades cotidianas do âmbito escolar os atores interagem conforme as regras estabelecidas por uma instância superior, seguindo uma cadeia hierárquica, onde as normas e regulamentos são estabelecidos por um determinado grupo. Muitas vezes as regras não estão contextualizadas com a realidade da escola, e mesmo assim são executadas, pois são consideradas necessárias para o estabelecimento da convivência entre os seus atores. Os sistemas simbólicos são utilizados como instrumentos de conhecimento e comunicação, contribuindo para o consenso acerca das ordens estabelecidas. Bourdieu, também afirma que os sistemas simbólicos são produzidos por um corpo de especialistas pertencentes a campos distintos, que atendem aos interesses de uma classe dominante. 25 Isto posto, o poder simbólico, atua de forma imperceptível e legitimada, sendo possibilitado através da cumplicidade daqueles que possuem interesse em sua perpetuação e por aqueles que obedecem sem nenhuma reflexão ou questionamento a sua ação. Foucault (1975), refere-se ao poder como forma de dominação e conversão do individuo em máquina, tornando-o dócil e disciplinado. Em análise ao surgimento da prisão no século XIX, o autor aborda a questão do sistema carcerário como uma forma de vigilância e controle. A função da punição não é somente exemplificar e inibir o desejo a prática criminosa, mas sim aprimorar e adestrar o individuo. Em sua obra “Vigiar e Punir” (1975), Foucault não busca explicar a relação de poder estabelecida pela sociedade vigente, mas torna explicito a forma a qual ocorre esta relação entre aqueles que exercem o poder e aqueles que estão submetidos a este poder. O poder é operatório e tem como função a criação de estratégias de dominação e repressão a resistência estabelecendo uma relação de força. No âmbito escolar este fenômeno não ocorre de maneira diferente, pois a todo o momento são impostas regras e determinações, que visam enquadrar, controlar e vigiar o comportamento dos estudantes. Importa estabelecer as presenças e as ausências, saber onde e como encontrar os individuo, instaurar as comunicações, úteis, interromper as outras, poder a cada instante vigiar o comportamento de cada um apreciá-lo, medir as qualidades ou os méritos. (FOUCAULT 1975, p. 123) Essa prática ocorrida no sistema de ensino torna evidente a relação de poder e dominação freqüente nas instituições educacionais. A maioria da população concorda e se agrada com isto, pois consideram necessário o adestramento dos estudantes a um sistema considerado legitimo. Entendendo a submissão e a docilidade dos corpos como algo produtivo e promissor para os estudantes. Em algumas escolas de educação infantil os professores exigem o tempo todo que as crianças façam silêncio, que permaneçam imóveis em seus assentos, que obedeçam as filas e rituais escolares para trabalharem atividades que nem ao menos compreendem, apenas decoram e repetem, logo são condicionadas a 26 obedecer sem entender o significado daquilo que está sendo trabalhado. Isso também é considerado uma forma de violência simbólica, pois a autonomia da criança não é levada em consideração, os aspectos inerentes à individualidade, ao pensamento e a capacidade de compreensão do discente, é simplesmente ignorado, a criança é vista e tratada como um objeto que será moldado de acordo com regras e ordens que não devem ser questionadas, tampouco compreendidas. E essa prática estende-se e é reproduzida ao longo da convivência social do individuo, não somente no ambiente educacional, mas também no ambiente de trabalho, em sua relação familiar, afetiva, dentre outros. Foucault (1975) refere-se às instituições tais como: forças armadas, prisões, hospitais e escolas, como instituições de seqüestro, pois as práticas de reclusão ali desenvolvidas submetem o indivíduo a um sistema normalizador. Dentre tais práticas, está a observação classificatória, que analisa o individuo, comparando-o, penalizando-o, premiando-o, medindo os conhecimentos e habilidades de acordo com o capital cultural. Para o autor, o poder estrutura leis que reprimem a resistência, transforma homens em máquinas, corpos dóceis e submissos, fáceis de serem manipulados, é uma relação arbitrária, onde o mais forte domina o mais fraco, e essa fragilidade não se refere à força física, mas sim a uma força de capital econômico e cultural. E essa relação ocorre em diversas instituições sejam elas repressivas, econômicas ou pedagógicas. 3.4. Violência e Escola: as diversas abordagens Conforme observado anteriormente, o conceito de violência abrange vários fatores ligados diretamente ao comportamento humano. Geralmente a referida palavra está associada a um comportamento de uma terceira pessoa, ou como um comportamento inesperado que não faz parte da natureza humana. O homem convive numa sociedade que é composta por instituições que contribuem para a 27 formação social do indivíduo, dentre tais instituições está, a escola, local onde ocorrem as mais variadas formas de violência. Charlot (2002), propõe um tipo de classificação sobre os episódios de violência na escola, que identificam três tipos de manifestação: - A violência na escola; aquela que se produz dentro do espaço escolar, sem está relacionada às atividades pedagógicas da instituição. - A violência contra a escola: que está relacionada com a natureza e as atividades da escola e toma a proporção de agressão ao patrimônio ou aos funcionários da instituição. - A Violência da escola: que implica na organização da escola e no relacionamento que escola tem com os seus atores, que pode ser denominada de violência institucional ou simbólica. Esta forma de identificação proposta por Charlot é fundamental para a compreensão deste tipo de fenômeno no ambiente escolar, porém não é suficiente para compreender todos os seus aspectos, pois seria necessário analisar os contextos e suas peculiaridades. Existem atos violentos que ocorrem na sala de aula, mas não possuem conexões com o ambiente escolar. Abramovay (2005), aponta que normalmente os alunos são considerados os propagadores de violência na instituição educacional, isentando os professores, funcionários e a própria escola da produção de violência. Esta afirmação está implícita na abordagem de Gottfredson (2001), citado por Abramovay, que em seu estudo sobre o assunto, enfatiza somente os episódios de violência e agressividade envolvendo estudantes. A visão da autora citada apresenta limitações, uma vez que, perde dimensão processual da violência na escola, além de instituir apenas um sujeito como responsável pelos episódios de violência ocorridos na instituição. De acordo com Bourdieu e Passeron (1975), a ação pedagógica é uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário. A relação de poder está diretamente vinculada à violência simbólica, pois através de uma imposição autoritária, pode rotular, estigmatizar um indivíduo ou um grupo. No processo 28 educacional escolar a violência simbólica também pode manifestar-se de diversas formas e principalmente na relação professor-aluno. A AP (Ação Pedagógica) é objetivamente uma violência simbólica, num segundo sentido, na medida em que a delimitação objetivamente implicada no fato de impor e de inculcar certas significações, convencionadas, reproduzidas por uma AP, re-produz (no duplo sentido do termo) a seleção arbitrária que um grupo ou uma classe opera objetivamente em e por seu arbritário cultural. (1975, p. 22). Pode-se observar que nas instituições de ensino o que prevalece é um sistema pronto, que é imposto aos discentes, sem levar em consideração os aspectos sociais e a subjetividade dos componentes desse grupo. A imposição de uma cultura estabelecida por uma classe dominante que exerce o poder de internalizar na classe subalterna uma condição de subordinação e passividade. A ação pedagógica não é simplesmente neutra, ela influencia a formação do individuo, pois está carregada de rótulos, significações prontas e legitimadas como única verdade, através de currículos, diretrizes, dentre outros. Para Charlot (2002 apud ABRAMOVAY, 2005), a violência nas escolas percorre por múltiplas fontes de tensões; sociais, pedagógicas, relacionais, dentre outras. Isto significa que muitas situações que não estão explicitas e são subjetivas ao contexto dos atores sociais que compõem o âmbito escolar podem resultar em manifestação de violência. Charlot classifica a violência escolar em três níveis: 1. Violência: golpes, ferimentos, violência sexual, roubos, crimes, vandalismos; 2. Incivilidades: humilhações, palavras grosseiras, desrespeito; 3. Violência Simbólica ou institucional: compreendida como falta de sentido de permanecer na escola por tantos anos; Já Debarbieux (1996, p.42 apud ABRAMOVAY, 2002), considera a violência escolar da seguinte forma: 29 1. os crimes e delitos tais como furtos, roubos, assaltos, extorsões, tráfico e consumo de drogas, etc., conforme qualificados pelo Código Penal. 2. As incivilidades, sobretudo conforme definidas pelos atores sociais. 3. Sentimento de insegurança, sobretudo, o que aqui denominamos “sentimento de violência”, resultante dos dois componentes precedentes, mas também oriundo de um sentimento mais geral nos diversos meios sociais de referência. Conforme Dadoun (1998 apud ABRAMOVAY, 2005), a violência no sistema educacional ocorre por estar fundamentada sobre a competição, a seleção, exclusão e a discriminação. Estes sentimentos fomentam o fracasso e a desvalorização de si. Desta forma, a escola deixa de ser um lugar de valorização e desenvolvimento do sujeito. Segundo Charlot e Émin (1997 apud ABRAMOVAY, 2005), uma das dificuldades em definir violência escolar está na desestrutura das representações sociais que tem valor fundador; a idéia de infância (atribuída à inocência) e a de escola (compreendida como lugar de refúgio e de paz), ou seja, a infância é vista como a fase onde o individuo é imaculado e a escola é considerada um espaço pacificador, onde não ocorrem episódios de violência. Para uma devida compreensão da violência no âmbito escolar, é importante abordar o conceito de escola e de educação na concepção de alguns teóricos. Conforme Boechat (1987), a escola “é a filosofia que se dispõe a mobilizar o indivíduo na reconstrução da sua própria vida, ajudando-o a vencer os obstáculos”. E não meramente uma estrutura física elaborada para receber alunos, no sentido empregado por Aristóteles (a- lunos = sem luz), que precisam ser preenchidos com os conhecimentos e regras que só a escola é capaz de transmitir. Para a autora a escola deve proporcionar ao sujeito a capacidade de transcender-se em todos os sentidos, buscando a construção de opções que levam à conscientização da importância do sujeito no processo de mutação da vida. 30 Mizukami (1986) menciona que a escola é considerada como uma agência educacional que deverá adotar forma peculiar de controle, de acordo com os comportamentos que pretende instalar e manter. Isso ocorre dentro do contexto atual da nossa sociedade, onde a escola atende aos objetivos daqueles que lhe conferem o poder. Essa perspectiva é aceita devido à compreensão da escola como um instrumento de adequação do individuo a um constructo social estabelecido por um determinado grupo. Segundo Paulo Freire (1996), “a escola é uma instituição que faz parte da sociedade e constitui-se como poder a serviço de que, está atuando”. Esse papel social atribuído à escola é deveras relevante na vida do individuo. Contudo essa relação de poder estabelecida pela sociedade transforma a escola num espaço de promoção de desigualdade, onde o sujeito é submetido às regras e objetivos que não levam em consideração a sua subjetividade, a sua bagagem cultural, a sua origem, e ao invés disso exige que eles se adequem a um padrão estabelecido por uma pequena classe dominante, cujo objetivo não está comprometido com o verdadeiro papel da educação, que é proporcionar ao individuo um desenvolvimento amplo, levando em conta os seus múltiplos aspectos. Conforme Mizukami (1986), para que seja válida, a ação educativa tem que ser refletida sobre o homem, observando os seus aspectos diversos, ou seja, o homem se torna o sujeito da educação, que não é algo estático pronto para ser assimilado da mesma forma para qualquer pessoa. Pois cada indivíduo é único e a educação consiste em proporcionar ao ser humano a acuidade de construir-se como sujeito, de desenvolver a consciência crítica e estabelecer com o outro uma relação de reciprocidade. A ausência de uma reflexão sobre o homem implica o risco de adoção de métodos educativos e diretrizes de trabalho que o reduzem à condição de objeto. Por outro lado, a ausência de uma analise do meio cultural implica o risco de se realizar uma educação pré-fabricada, não adaptada ao homem concreto a quem se destina. (p.94) De acordo com Freire (1996), a educação não consiste numa simples transferência de conhecimento, mas sim criar possibilidades para produção ou construção deste. 31 O educador deve estar aberto a indagações, curiosidade, dúvidas, inibições, pois todos esses aspectos são importantes para construção e compreensão do conhecimento. Paulo Freire define a educação como um ato de amor. E um ato de amor acontece naturalmente, sem a obrigação de acontecer. Assim como a educação ele não pode ser imposto. Educar pode ocorrer intencionalmente ou não, a partir da interação com o outro, através de ações um indivíduo desenvolve no outro um juízo de valor. Por isso a educação não se resume ao ambiente escolar, e o sujeito educa-se a proporção em que vive como ser social, pois através do contato e da convivência com seus semelhantes, ele tanto se educa quanto é educado. A educação está inserida no dia a dia, de uma forma subjetiva e integrante, no convívio social das pessoas e não ocorre apenas durante a infância e adolescência, ela ocorre durante toda a existência do ser humano que é um indivíduo integrante de uma sociedade. Mas no âmbito escolar é onde a educação pode ser trabalhada de uma maneira melhor, mais elaborada e dinâmica, contribuindo de forma relevante para a transformação social, cultural e em vários outros aspectos na vida do individuo. 32 4 A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NO AMBIENTE ESCOLAR DA EDUCAÇÃO INFANTIL Conforme Abromavay (2002) a violência na escola é um fenômeno preocupante, por que afeta diretamente agressores, vítima e testemunhas dessa violência, bem como contribui para romper com a idéia da escola como lugar de conhecimento, de formação do ser, de educação, como veículo, por excelência, do exercício e aprendizagem, da ética e da comunicação por diálogo e, portanto antítese da violência. Neste sentido, inicialmente buscou-se a identificação dos informantes, no que se refere à idade e sexo. Vejamos o quadro abaixo: Iniciais dos Idade Sexo Estudantes M.A 06 anos Fem. P.V 05 anos Masc. A.L 06 anos Masc. G.B 06 anos Fem. A.X 05 anos Masc. M.L 05 anos Fem. M.C 05 anos Fem. I.G 06 anos Masc. L.C 05 anos Masc. E.D 05 anos Masc. A.M 06 anos Fem. E.L 06 anos Fem. D.N 05 anos Masc. J.V 06 anos Masc. J.D 05 anos Masc. Quadro 1: Identificação dos Estudantes Percebe-se, neste quadro, que, mesmo o grupo sendo o 5 (cinco), muitas dessas crianças já se encontram com 6 anos, e a maioria deles (9 alunos) são do sexo masculino, e apenas 6 (seis) do sexo feminino, o que reflete no comportamento da turma. Após verificar o panorama geral desses alunos, a Situação “A” demonstra o inicio das atividades do dia e a interação da turma com o assunto abordado: A professora inicia a aula com uma conversa na rodinha, falando sobre o final de semana e 33 abordando o tema a ser estudado, palavras com a letra “C”. Durante o decorrer da aula a professora seleciona três crianças para escrever no quadro palavras com a letra “C”, pois segundo a própria, as demais crianças não têm capacidade de escrever as palavras. Enquanto a professora trabalha com o grupo escolhido, os demais permanecem da forma descrita no quadro abaixo: Crianças Comportamento da Criança Comportamento do Professor Resposta da Criança MA Fala alto Fale baixo, desse jeito eu fico surda Cala DN Pede para ir ao quadro Depois você vai Senta EL Conversa com o colega Pede para calar a boca Para ED Deita no chão Pede para sentar corretamente Senta IG Senta fora da roda Ignora Continua JD Levanta e pega brinquedos Ignora Continua AM Conversa com a colega Pede para ficar calada Para WL Pede ir ao quadro Depois Senta JV Pede para usar o computador Pró permite. Utiliza Quadro 2: Conversa na roda Diante da situação exposta no quadro 2 (dois) percebe-se que a professora escolhe algumas crianças, que têm mais habilidade com a escrita e a leitura, excluindo as demais. Neste momento, as crianças que não estão participando diretamente da atividade, a todo o instante se dispersam, fazem coisas que não estão relacionadas com o conteúdo abordado e ainda assim a professora não percebe que essa prática excludente, está na verdade prejudicando o aprendizado da turma. Há algumas crianças que se interessam em participar da atividade, mas ainda assim são tolhidas, fato este que impede a participação mais ativa da turma e o interesse pelo assunto abordado. Esta ação pedagógica se configura numa violência psicológica que estigmatiza o educando, divide a sala em dois grupos: o dos capazes e dos incapazes, além de promover uma sensação de impotência nas crianças que não são escolhidas, e superioridade nas crianças escolhidas que se sentem melhores que seus colegas, o 34 reflexo desta ação é visivelmente percebido durante as conversas e as brincadeiras entre as crianças. Segundo Abromavay (2004), “o educador e o educando são frutos da interação de uma linguagem coletiva, que nasce de um dialogam entre o ‘eu’ e o outro, entre muitos ‘eus’ e muitos ‘outros’. Quando o diálogo do educador permeia apenas entre um pequeno grupo reduzido, os demais são excluídos, e a construção dos conhecimentos e valores ocorre de forma arbitrária e injusta, beneficiando alguns, prejudicando e segregando a maioria que com certeza poderia interagir com os seus pares de uma maneira dinâmica e significativa. É necessário que o educador seja sensível às necessidades do grupo, e coloque-se no lugar do educando compreendendo que cada indivíduo tem o seu momento e a sua maneira de se apropriar do conhecimento, e que seja levado em consideração os seus conhecimentos prévios, suas limitações e contexto. Pois a proposta da educação infantil é proporcionar ao educando um bem-estar físico e psicológico, contribuindo desta forma para o desenvolvimento e a formação do indivíduo em suas interações sociais. A Situação “B” retrata a atuação das crianças durante o desenvolvimento de uma atividade em sala de aula: A professora explica a atividade para as crianças, porém alguns precisam de intervenção mais direcionada. Algumas crianças fazem a atividade de forma rápida e aleatória; outras copiam do colega; algumas respondem no lugar da outra, conforme especificado no quadro 3 (três). Crianças Comportamento da Criança Comportamento do Professor Resposta da Criança JD Faz com rapidez e entrega A professora recebe e guarda Vai pegar brinquedos PV Faz rápido e faz atividade do colega Ignora Continua e depois vai brincar AM Copia do colega Ignora Termina e vai brincar AL Não consegue concluir a atividade Chama o colega para mostrar como se faz Observa e vai brincar DN Pede o crachá para copiar o nome Reclama que nem o nome sabe fazer Cala-se 35 ML Faz da maneira que entendeu Não interfere Continua JV Faz rápido e entrega Recebe Vai pegar brinquedo MA Faz a atividade do colega Ignora Continua DN Afirma não saber fazer a atividade Manda o colega mostrar como se faz Observa e depois vai brincar MC Faz a atividade rápido de forma aleatória Recebe Vai pegar brinquedo AD Faz a atividade de forma normal Não interfere Termina e vai brincar IG Faz rápido Recebe Termina e vai pegar brinquedo Quadro 3: Atividade mimeografada com palavras Este quadro demonstra que durante a execução da atividade mimeografada algumas crianças sentem mais dificuldade que as outras, mas a professora precisa desenvolver a tarefa, pois faz parte de um planejamento que tem que ser cumprido diariamente. Neste caso a maioria das crianças não compreende a proposta da atividade, mas como existem outras tarefas a serem cumpridas, a professora permite que as crianças que compreenderam com mais facilidade a atividade, façam intervenções e até respondam as tarefas das crianças que estão com dificuldades. Algumas respondem a atividade de maneira aleatória, demonstrando pressa em terminar para poder brincar, incentivam e provocam os colegas a terminarem rápido também. Vygotsky (apud REGO, 1995) refere-se à zona de desenvolvimento proximal, onde o indivíduo sugere respostas e chega a resultados que lhe permite alcançar novos níveis de conhecimento, ou seja, é através da interação com o grupo, que o discente construirá o conhecimento, em outras palavras, aquilo que uma criança hoje faz com a assistência, ela será capaz de fazer sozinha futuramente. Permitir que outras crianças façam intervenções ou até mesmo respondam a atividade do colega, é negar a capacidade de desenvolvimento cognitivo do discente, bem como, negar a possibilidade de construção de um saber através da interação social e do respeito mutuo entre o grupo. Nesta situação também é possível fazer uma análise dentro das concepções de (WEBER apud QUEIROZ, 2004), a qual aborda a questão da burocracia como suporte para o poder simbólico, onde o sujeito é obrigado a cumprir regras e todos 36 os aparatos burocráticos, que norteiam a sua prática, ignorando os outros aspectos inerentes ao seu contexto de atuação. Weber afirma que a burocracia é o instrumento de poder localizado nas mais diversas instituições, dentre estas instituições está a escola. Através dos processos burocráticos, o sujeito é controlado e manipulado, pois no cumprimento das etapas estabelecidas, ele é obrigado a prestar conta das suas ações de maneira mecanizada, tornando condicional e estático o seu procedimento. Através desta ótica é possível observar que no contexto da referida escola as atividades não são trabalhadas de forma significativa e que o planejamento é cumprido de maneira mecânica, ou seja, o educador tem que dá conta daquele repertório independente da compreensão e da interação do educando com o conteúdo abordado. Além disso, as intervenções das crianças que “sabem mais” com as demais crianças, ocorrem de maneira aleatória e desconexa com a proposta pedagógica do próprio planejamento, pois fomenta a sensação de incapacidade nas crianças que não compreenderam a atividade, contribuindo para uma relação social desigual entre os discentes. A situação “C” descrita a seguir, evidencia a análise dos desenhos construídos pelas crianças: No inicio da aula a professora levou as crianças até o mural que fica no corredor, para mostrar a pintura das crianças do turno matutino, comentando que o desenho das crianças da manhã estavam feios e que as crianças da tarde poderiam pintar melhor, como pode ser visto no quadro abaixo: Crianças LC ED Comportamento da Criança Termina e pede para lanchar, deixa o lanche cair no chão e depois recolhe para comer. Termina e pede outro papel para pintar DN Pergunta se o desenho tá bonito Comportamento do Professor Resposta da criança Ajuda a criança a recolher o lanche do chão Continua Entrega outro papel Continua Diz que tá feio e que da proxima vez ele não vai Baixa a cabeça e vai pintar sentar Permite Vai birncar AD Termina e pede para brincar MA Termina e pede para brincar Permite Vai brincar JV Não pinta o desenho todo e Recebe o desenho e permite que use o Prossegue 37 pede para usar o computador AL AL MA GS Pede o crachá para fazer o nome Pede para usar o computador com JV Grita que já terminou Sai da sala e vai ao banheiro sem pedir computador Entrega Faz o nome Manda sentar e diz que outro dia ele vai, pois não sabe usar o aparelho Diz que não aguenta mais os gritos da criança Fala mais baixo Ignora Continua Obedece Quadro 4. Atividade de pintura Conforme acima exposto, percebe-se que as crianças são influenciadas a tecerem críticas negativas à pintura dos colegas do turno anterior, sem ao menos respeitar a preferência e a individualidade do outro, essa postura levou às crianças a fazerem comentário pejorativos aos trabalhos desenvolvidos pelos colegas, a falta de respeito à alteridade e ao outro está explícita nesta prática da professora. A referência negativa do trabalho desenvolvido pela outra turma promove um clima de competição, onde as crianças buscam aprimorar as suas produções, visando à perfeição não alcançada pelo colega, pois assim será considerada como referência positiva. Nesse sentido Foucault (1975), aborda a questão da diferenciação do indivíduo em relação ao outro. Traçar um limite que definirá a diferença em relação a todas as diferenças, a fronteira externa do anormal. A turma que se destaca em relação à outra internaliza um sentimento de superioridade e dificilmente estabelecerão uma relação de interação igualitária com os seus colegas, pois não desejam perder o status positivo. Essa prática serve como instrumento de entrave para o desenvolvimento do senso crítico e da formação da cidadania, pois assim o indivíduo será um mero cumpridor de metas estabelecidas, sem qualquer questionamento ou reflexão lógica. A Situação “D” demonstra a forma como as crianças percebem as diferenças étnicas e culturais: Hora do conto, leitura da história “ O Amigo do Rei”, a história aborda a questão racial, onde um escravo que é amigo do seu Senhor, torna-se rei do quilombo. Após a leitura da historia, foram feitas algumas perguntas às crianças a respeito das características das personagens. As crianças responderam apenas elencando as características físicas das personagens, conforme abaixo especificado: 38 Crianças Comportamento da Criança LC PV AL AM DN MA GS Comportamento do Professor Resposta da criança Refere-se a cor do escravo Anota no quadro -------- Diz que o escravo é feio Diz que o escravo não era feio sorri Refere-se a cor do Senhorzinho Diz que o escravo tinha cabelo duro Anota no quadro -------- Apenas anota que escravo tinha cabelo preto --------- Diz que escravo era corajoso Diz que o Senhorzinho era bonito Anota no quadro -------- Anota no quadro ------ Diz que o escravo era forte Anota no quadro ----- Quadro 5: Após a leitura da história as crianças elencam as características das personagens Antes de tecer analise sobre o quadro acima, é importante salientar a seguinte observação: após alguns dias de observação percebe-se que MC, criança com características branca, não brincava com ML, criança com características negra e além de não brincar com a colega, não permitia que as demais crianças brincassem. A professora sendo questionada quanto a situação, respondeu que não poderia fazer intervenções acerca do fato, pois em casa a criança era influenciada pelos pais e as intervenções da escola não teriam efeito, concretizando, mais uma vez, uma atitude de violência sutil. No quadro 5 (cinco) é possível observar que a história abordada na hora do conto seria um momento bastante oportuno para trabalha as diferenças étnicas de uma forma lúdica e significativa, porém os comentários das crianças não foram trabalhados de maneira que viesse trazer um novo olhar para a questão, a professora apenas anotou no quadro a fala das crianças, sem fazer nenhum tipo de intervenção ou questionamento que trouxesse alguma reflexão sobre questões étinicas ou culturais. É necessário trabalhar a questão da diversidade cultural e étnica desde a infância, pois a partir desta fase a criança terá mais facilidade de lidar com as diferenças e romper preconceitos já existentes em seu meio social. A escola deve promover um momento lúdico onde as crianças possam compreender e descobrir a importância da cultura, da história e da diversidade. É comum encontrar na literatura infantil, a imagem do negro vinculada a escravidão e esta história “ Amigo do Rei” traz uma abordagem diferenciada, pois no final o Rei é justamente o personagem negro, logo existem várias formas de trabalhar a diversidade na sala de aula, ao invés de apenas elencar as características físicas das personagens, fato este que foi 39 realizado de forma mecânica, algumas crianças falavam de forma perjorativa do personagem negro e a professora apenas negava as críticas das crianças, sem levantar questionamentos ou abordagens que trouxessem reflexão sobre o comentário, ou sobre a própria história. É importante trabalhar as questões étnicas nesta primeira fase da educação, para que o indivíduo desenvolva em suas relações sociais, a firmação da sua identidade pessoal e cultural, respeitando os valores, a etnia e a alteridade do outro. A Situação “E” torna evidente uma forma de segregação, que é também mais uma forma da violência se manifestar. Dia de utilizar o micro, após a rodinha foram selecionadas duas crianças para operar o computador, o critério estabelecido pela professora foi escolher duas crianças que já têm maior afinidade com a leitura e escrita e operam a máquina com mais facilidade, pois segundo ela, as demais crianças não sabem usar o computador e poderiam danificar a máquina ou o programa. As crianças escolhidas operam a máquina sem nenhum tipo de intervenção da professora, que alega não entender de informática. Além disso os estudantes escolhidos sempre estão no grupo dos que sabem ler algumas silabas, que é resumido em cinco crianças. Crianças Comportamento da Criança Comportamento do Professor Resposta da Criança JV Pede para ser escolhido para usar o micro Concorda ------Diz que ele não sabe usar e que Cala-se hoje não É escolhido para usar o micro Diz que hoje não quer DN Pede para ser escolhido támbem AL ---------------------- PV ---------------------- JD AM Pede para ser escolhido da próxima vez Pergunta por que não foi escolhida ED Pede para desenhar EL É escolhido para usar o micro Diz que da próxima vez será escolhido Diz que é porque não se comportou Permite Aceita Continua ------Cala-se Sai da sala sem pedir Ignora --------- MA Vai brincar no canto da sala Ignora ------- GB Vai brincar no canto da sala Ignora -------- MC Vai brincar no canto da sala Ignora ------ ML Vai brincar no canto da sala Ignora -------- LC Pede brinquedos para a professora Cede os brinquedos pedidos ------- Quadro 6. Utilização do microcomputador 40 Diante do quadro acima apresentado percebe-se que apenas as crianças que possuem maiores habilidades com o micro utilizam o referido aparelho, enquanto as demais, permanecem na sala de forma dispersa. Além do fato de que o conhecimento sobre o manuseio do computador, pernamece com um pequeno grupo e as demais crianças pérmanecem sem acrescentar nenhum tipo de conhecimento ou aprendizagem sobre o funcionamento do aparelho. Esta prática, além de ser excludente, promove uma sensação de inutilidade e impotencia de algumas crianças em relação à outras, isto é evidente na forma como as crianças que não foram escolhidas reagem. A maioria já sabe como funciona o rodízio de utilização do micro e antes da professora falar quem vai utilizar, alguns já vão direto para o canto da sala onde ficam os brinquedos, outros baixam a cabeça e vão fazer outra coisa. Há ainda aqueles que ainda insistem em pedir para utilizar o micro, porém a professora responde que ficará para uma próxima oportunidade ,contribuindo, assim, para mais uma atitude de violência. Ao ser questionada sobre o critério da utilização do micro, a docente responde que a maioria das crianças têm dificuldades em compreender os jogos, inclusive a própria professora não domina o funcionamento do micro de forma que possa trabalhar com os estudantes. Isto mostra que é necessário capacitar o docente para que este tenha condições de operar e trabalhar com os recursos tecnológicos existentes em sua sala de aula, não basta colocar um computador na escola, é preciso que o profissional que trabalha com este recurso tenha condições de operá-lo e desenvolver um trabalho participativo e interativo na sala de aula. Pois caso contrário, o que deveria ser objeto de promoção da interação e do desenvolvimento cognitivo, torna-se objeto de exclusão e desigualdade. A Situação “F” demonstra o desenvolvimento de uma atividade que deveria ser lúdica. Ensaio de uma poesia para apresentação, a professora distribui as máscaras para as crianças recitarem uma poesia de Vinícius de Morais. 41 Crianças Comportamento da Criança Comportamento do Professor Resposta da Criança MA Recita a poesia sorrindo e erra Diz que se continuar vai tirar a criança da apresentação Cala-se PV Esquece uma parte da poesia Pede para ter atenção ------ LC Recita a poesia corretamente Elogia e diz que é o melhor de todos Sorri AM Fica nervosa e não consegue recitar Diz que desse jeito vai tirar a criança do ensaio Cala-se MC Recita uma parte e esquece o restante Fica nervosa e diz que as crianças vão fazer feio no dia da apresentação Cala-se ED Recita a poesia baixo Diz que está péssimo e que não está ouvindo nada Cala-se IG Diz que esqueceu Reclama e diz que está todo mundo mau e que só LC Está sabendo tudo ------- Quadro 7: Ensaio da poesia Com base nas exposições do quadro acima, é possível observar que ao tempo em que a professora chama a atenção de cada criança que recita a poesia, ocorre um “efeito dominó”, onde cada comentário da professora gera uma reação de ansiedade e nervosismo nos participantes do ensaio. È importante salientar que durante o evento um grupo de crianças permaneceu sentado observando os colegas e o outro grupo participou da apresentação, a docente alegou que nem todas as crianças poderiam participar do evento, pois já estava tendo dificuldades para ensaiar as crianças que possuíam maiores habilidades para decorar a poesia. Desta forma percebe-se que um grupo seleto participou de uma atividade que poderia ter sido estendida para toda a turma. Assim, mais uma vez predomina na sala a sensação de incapacidade e impotência das crianças que não foram escolhidas. Outro aspecto que deve ser ressaltado é o das crianças que estavam assistindo o ensaio demonstrarem satisfação com a situação de desconforto em que os colegas se encontravam, algumas riam, outras faziam comentários negativos. A professora demonstrava indiferença diante da reação das crianças que assistiam o ensaio, a sua maior preocupação era que a poesia fosse recitada de forma perfeita pelas crianças. E apenas um discente conseguiu decorar uma parte da poesia, isto irritou 42 bastante a docente, pois em breve a poesia seria apresentada durante um evento que envolvia toda a escola. Diante desta situação pode-se constatar que a sala está subdividida em dois grupos; “os capazes” e os “incapazes”, como já foi comentado anteriormente, está prática traz para sala de aula a sensação de superioridade e de maior capacitação de alguns, bem como, a sensação de inferioridade e incapacitação por parte de outros. No âmbito escolar é necessário que haja entre os discentes uma interação e compartilhamento de conhecimentos e experiências, os quais permitem o desenvolvimento do aprendizado entre todos, inclusive entre aqueles que possuem maiores dificuldades em compreender os ensinamentos durante as aulas. E um tipo de relação arbitraria promove barreiras no processo de aprendizagem e interação entre os discentes. A demonstração de satisfação por parte das crianças que assistiam o ensaio em ver seus colegas numa situação constrangedora, deixa claro os efeitos da comparação e da segregação entre os grupos. Pois neste momento as crianças que foram excluídas do ensaio sentem-se contentes com a situação dos colegas, pois a percepção que possuem do outro é como opositor, concorrente. Isto demonstra o tipo de interação social existente entre os estudantes, onde a competitividade e o individualismo estão fortalecidos. Na educação Infantil é fundamental oferecer às crianças atividades interativas que resultem na possibilidade de novos significados e novas aprendizagens, onde as experiências podem ser compartilhadas, através de ações que envolvam negociação de conflitos, noções de solidariedade e empatia. Ao invés de trabalhar atividades mnemónicas de forma excludente, onde os estudantes são estigmatizados e segregados, promovendo o sentimento de competitividade e discordia. Para tanto é necessário que o educador compreenda o processo de desenvolvimento da aprendizagem, bem como, reflita sobre a sua prática docente de acordo com o seu contexto e o resultado das interações e atividades desenvolvidas na sala de aula. 43 A Situação “G” evidencia o comportamento das crianças durante o recreio no parque: Hora do recreio livre no parque, as crianças são liberadas durante 20 (vinte) minutos para brincarem livremente no parque. Crianças Comportamento da Criança Comportamento do Professor Resposta da Criança MC Brinca de casinha Não interfere Continua JV Brinca de correr Obedece IG Brinca de luta Pede que pare Reclama que alguém pode se machucar e pede à criança para brincar de outra coisa Obedece MA Brinca de casinha Não interfere Continua GB Brinca com as bonecas Não interfere Continua DN Brinca de luta Pede que pare Obedece JD Brinca de pular Pede que pare Obedece AL Corre entre os colegas Pede que pare Continua AX Corre entre os colegas Pede que pare Obedece PV Brinca de escorregar Não interfere Continua Quadro 8: Parque / recreio livre O quadro acima se refere a um momento bastante apreciado pelas crianças, onde todos deveriam brincar livremente no parque sem a intervenção direta e contínua do adulto. Porém percebe-se que em algumas situações a docente interfere na brincadeira das crianças. A professora não permite que as crianças façam determinados movimentos, tais como; correr, saltar, pular, dentre outros. Apenas são permitidas as brincadeiras onde os movimentos das crianças são limitados. Dentre as diversas atividades desenvolvidas na educação infantil, está a brincadeira livre, que é um momento onde as crianças exploram os seus movimentos motores, interagem entre si sem a intervenção do adulto, conversam, correm, brincam de forma livre. Isto é muito importante para o desenvolvimento da expressão oral e corporal, audição, socialização, ritmos, dentre outros. As intervenções durante as brincadeiras livres entre os pequenos podem ser feitas quando houver alguma situação que traga risco à integridade da criança. Pois quando os movimentos e o espaço das crianças são limitados durante as atividades livres de recreação, ocorre uma redução nas interações sociais e no desenvolvimento psicomotor. 44 A Situação “H” demonstra o desenvolvimento das crianças na habilidade com números. Atividade de matemática mimeografa, a professora lê a atividade para as crianças e pede que respondam com atenção para não errar. Crianças Comportamento da Criança Comportamento do Professor MC Resposta da Criança Responde da forma que entende Interfere e pede para refazer Obedece MA Responde e entrega Recebe a atividade Vai brincar JV Faz aleatoriamente e entrega Vai brincar AM Não consegue concluir a atividade e pede auxilio a professora Não interfere Inicialmente interfere e depois diz que a criança não tem condições de fazer a atividade Diz que tem que ser assim, pois só assim AM concluirá a atividade de forma rápida Ignora ------- MA DN JD AL AX PV WL ED AX Faz a atividade para AM Faz o nome sem o crachá e responde a atividade aleatoriamente Não entende e pede para explicar de novo Conclui a atividade e entrega Diz que não sabe fazer Conlcui a atividade e entrega e comenta que AX não sabe fazer pois é amalucado Não entende e faz aleatoriamente Conclui como entendeu e pede para brincar Conclui como entendeu e pede o crachá para copiar o nome Cala-se Continua Diz os números que a criança tem que colocar Recebe Diz os números que a criança tem que colocar Vai brincar Ignora -------- Ignora Continua Permite Continua Pergunta quando vai aprender a fazer o nome sem o crachá. Cala-se Obedece Obedece Quadro 9: Atividade mimeografada com números De acordo com as informações do quadro acima, é possível constatar que a maioria das crianças sente dificuldades com as atividades matemáticas. A atividade mimeografada trazia algumas figuras com operações envolvendo adição (soma). Mais uma vez a atividade foi trabalhada de maneira rápida, com intervenções aleatórias e sem propósito pedagógico, pois no momento em que as crianças são levadas a reproduzirem sem qualquer reflexão ou simplesmente responder a atividade do colega, ocorre um desrespeito a autonomia, ao desenvolvimento em seus vários aspectos, assim como, a alteridade e o respeito ao outro também são nefastamente prejudicados. Muitos educadores acabam não atingindo os objetivos das atividades ao trabalharem com crianças pequenas, na maioria das vezes ainda fazem o oposto, conseguem fazer com que os alunos detestem a disciplina. Alguns assuntos são 45 trabalhados de forma dissociada da realidade da criança, a matemática está presente em nosso contexto a todo o momento, muitas vezes os educadores não desenvolvem essa percepção, a acuidade de trabalhar a matemática de forma contextualizada com o cotidiano da criança e acabam por utilizar métodos tradicionalistas que não levam em conta aspectos peculiares ao desenvolvimento da criança. O educador precisa buscar subsídios para que as atividades trabalhadas alcancem os objetivos, não de uma forma mecânica, mas sim de uma forma prazerosa que traga compreensão, considerando e aproveitando as experiências vividas pelos alunos. Para isso é preciso compreender como funciona o pressuposto da criança acerca do universo matemático. A Situação “I” refere-se uma intervenção sobre preconceito racial: Neste dia a professora não compareceu à aula, por motivos pessoais, em vista desta situação a sala ficou sobre a regência das estagiárias, e dentre as atividade previstas para o referido dia, estava a utilização do micro. Logo foram escolhidas duas crianças: MC e ML, ambas foram escolhidas intencionalmente, pelos seguintes motivos: MC (criança de características branca) possuía maior habilidade com o aparelho; ML (criança de características negra) não utilizava com freqüência o aparelho, pois não tinha muitas habilidades. Aproveitando esta situação e associando ao fato de que as duas não tinham um bom relacionamento devido a questões étnicas, ambas foram selecionadas para utilizarem o aparelho juntas, o fato ocorreu da seguinte forma: Estagiária - Hoje MC e ML vão usar o micro. ML – Concorda. MC- Hoje eu não quero... Prefiro brincar. Estagiária – Porque você não quer usar o micro? MC - Por que não, hoje não. Estagiária - Tudo bem, se você não quer usar o micro não usa, mas também não poderá brincar. MC- Então tá eu, vou. 46 Após algum tempo utilizando o micro juntas, MC que possuía maiores habilidades com o aparelho passou a explicar a ML o funcionamento de alguns jogos disponíveis e a partir deste momento as duas passaram a estabelecer uma relação mais interativa. Numa exposição anterior, foi narrado um episódio que demonstrava a falta de interação entre as duas crianças. Após uma intervenção mais direcionada MC e ML passaram a conversar com mais frequência, principalmente na hora do recreio e durante as atividades. A partir daí percebe-se a importância da ação e da intervenção pedagógica na construção dos conceitos e valores do discente. No episódio anterior a professora regente foi questionada acerca da situação e a sua resposta foi relacionada à nulidade da ação pedagógica diante da influência da família sobre a criança. Analisando este episódio, pode-se concluir que independente das circunstâncias, o papel do professor é promover uma relação de interação social saudável entre todos na sala de aula. Diante da realidade da população brasileira onde a pluralidade é bastante presente, a escola não pode mais negligenciar episódios de preconceito ou outro tipo de intolerância, pois se torna notório que a influência da ação pedagógica é primordial no desenvolvimento da criança e na agregação de valores, principalmente durante a educação infantil. Dizer que não pode ensinar o certo porque a família ensina o errado, é negar o papel da escola perante a sociedade e esquivar-se. Existem ações pedagógicas na sala de aula que são levadas aos lares de muitos discentes, através da reflexão e dialogo durante um momento do educando com seus familiares. Por isso independente das circunstâncias o educador precisa adotar uma postura transformadora, pois a sua função não é somente preparar o indivíduo para a próxima etapa, mas sim trabalhar conhecimentos e valores que lhes tragam aprendizagens significativas, não só tecnicamente, mas também como sujeitos que fazem parte de uma sociedade que convive com a diversidade em todos os sentidos. 47 A Situação “J” mostra um episódio de preconceito social. A professora está desenvolvendo uma atividade de pintura e colagem na sala de aula, após algum tempo LC conclui a sua tarefa e pede para lanchar, pega um pacote de salgadinhos e abre, neste momento o lacre do produto parte bruscamente e os salgadinhos caem no chão, à professora recolhe o lanche do chão junto com LC e coloca numa vasilha plástica para que a criança possa comer o alimento. Ao ser questionada pelo fato de está recolhendo o lanche do chão para o uso da criança, a docente responde que está agindo desta forma, pois em sua residência LC não faria diferente, uma vez que o seu contexto social é pouco favorecido. A situação supracitada aborda uma questão referente à condição social da criança, ou seja, o fato de LC pertencer à camada social menos privilegiada implica nas noções de higiene que devem ser trabalhadas com o próprio. A escola observada pertence à rede pública e está localizada num bairro carente, desta forma a maioria das crianças pertencem à mesma classe social. Sendo assim, todas as crianças teriam que aprender a aproveitar o alimento sujo do chão? Este episódio aborda claramente uma manifestação de preconceito social, onde está implícita a idéia de que as pessoas pobres devem ser privadas de certos conhecimentos, devido a sua condição social. As situações aqui expostas demonstram a educação como colaboradora da desigualdade, injustiça social e intolerância. A ação pedagógica está longe de ser neutra, e por muitas vezes tem sido instrumento de dominação, submissão e discriminação, carregando em si, de forma sutil, os interesses de uma relação de poder que legitima a desigualdade social. Assim a violência simbólica está legitimada através de planejamentos, currículos escolares, dentre outros, que na maioria das vezes estão descontextualizados da realidade da escola pública que atende comunidades pertencentes a bairros periféricos. E a escola que deveria ser um espaço de construção de conhecimento, cidadania e convívio harmonioso, tem consolidado práticas que fomentam a desvalorização do indivíduo, o preconceito e a intolerância em seus vários aspectos. 48 4.2 As implicações da violência simbólica no desenvolvimento curricular dos discentes. Neste trabalho foram destacados dois objetivos, o primeiro de conhecer as várias manifestações da violência simbólica no ambiente de educação infantil e o segundo de observar as suas implicações. O primeiro foi abordado anteriormente através dos quadros com as situações ocorridas na sala de aula; o segundo será explicitado no quadro a seguir. Estudante M.A P.V A.L G.B A.X M.L M.C I.G L.C E.D A.M E.L D.N J.V Desenvolvimento Observação Silábica consegue relacionar o som de algumas palavras com a escrita, já escreve o próprio nome; resolve atividades matemáticas. Silábica consegue relacionar algumas palavras com a escrita, já escreve o próprio nome; resolve atividades matemáticas. Silábica consegue relacionar algumas palavras com a escrita, já escreve o próprio nome; resolve atividades matemáticas. Já escreve o próprio nome, mas ainda tem dificuldades em relacionar a escrita com o som das palavras; resolve atividades matemáticas. Não consegue escrever o próprio nome sem o auxílio do crachá, tem dificuldades em relacionar a o som das palavras com a escrita; tem dificuldades para resolver atividades matemáticas. Escreve o nome com dificuldades. Tem dificuldades em relacionar o som das palavras com a escrita; tem dificuldades para resolver atividades matemáticas. Silábica consegue relacionar o som de algumas palavras com a escrita, já escreve o próprio nome; resolve atividades matemáticas. Escreve o nome com dificuldades. Tem dificuldades em relacionar o som das palavras com a escrita; tem dificuldade em resolver atividades matemáticas. Escreve o próprio nome; tem dificuldades em relacionar o som das palavras com a escrita; tem dificuldades em resolver atividades matemáticas. Escreve o próprio nome; tem dificuldades em relacionar o som das palavras com a escrita; tem dificuldades em resolver atividades matemáticas. Escreve o próprio nome; tem dificuldades em relacionar o som das palavras com a escrita; tem dificuldades em resolver atividades matemáticas. Não consegue escrever o próprio nome, tem dificuldades em relacionar o som das palavras com a escrita; tem dificuldades em resolver atividades matemáticas. Não consegue escrever o próprio nome, tem dificuldades em relacionar o som das palavras com a escrita; tem dificuldades em resolver atividades matemáticas. Silábico consegue relacionar o som de algumas Eventualmente é convidada a participar das aulas Frequentemente é convidado a participar das aulas Frequentemente é convidado a participar das aulas Raramente é convidada a participar das aulas Não é convidado a participar das aulas Não é convidado a participar das aulas Eventualmente é convidada a participar das aulas Não é convidado a participar das aulas Eventualmente é convidada a participar das aulas Eventualmente é convidada a participar das aulas Não é convidado a participar das aulas Não é convidado a participar das aulas Não é convidado a participar das aulas Freqüentemente é 49 palavras com a escrita, já escreve o próprio nome; convidado a participar resolve atividades matemáticas. das aulas Não consegue escrever o próprio nome, tem Não é convidado a dificuldades em relacionar o som das palavras com a participar das aulas J.D escrita; tem dificuldades em resolver atividades matemáticas. Quadro 10: Desenvolvimento curricular do grupo pesquisado. Fonte: trabalho de campo em agosto/2009. Para elaboração do quadro acima, foram observadas as atividades desenvolvidas na sala de aula durante a realização da pesquisa. Ao ler o campo das observações percebe-se que a participação dos discentes na sala de aula durante as atividades pedagógicas possui influencia em seu desenvolvimento curricular. As crianças que participam de maneira mais ativa das aulas e atividades realizadas na classe possuem um desenvolvimento maior que as demais. Enquanto que as crianças que não participam da mesma forma possuem dificuldades na escrita e na conclusão das atividades em sala de aula. Além da influencia da própria ação pedagógica, algumas crianças, não freqüentam regularmente a escola, fato que também influencia no desenvolvimento curricular. Porém trata-se apenas de uma ressalva da aludida situação, pois a presente pesquisa não pretende contemplar esta vertente. No ano de 2009 foi realizado um diagnóstico da escola, elaborado pela professora regente, a fim de levantar dados para disponibilizar à Prefeitura, onde seria avaliado o processo de aprendizagem dos discentes, porém não houve acesso aos resultados, apenas foi relatado que a maioria das crianças do grupo cinco encontrava-se no nível silábico da alfabetização. Tal informação é bastante genérica e não abrange os objetivos específicos da pesquisa. Diante de tal informação, dos episódios e dados expostos neste trabalho, fica claro que as informações relatadas pela regente da classe apenas categoriza de forma genérica o nível de desenvolvimento da turma, quando na realidade existem várias crianças que possuem dificuldades em apropriar-se do conteúdo ministrado em sala de aula, por motivos variados, bem como, pela própria ação pedagógica, que segrega, classifica e impõe suas impressões de forma arbitrária, acarretando desta 50 forma nos indivíduos daquele grupo uma espécie de estigma que contribui de maneira desastrosa em seu rendimento curricular. Segundo Furt e Wachs citados por Mizukami (1986), a criança não aprende a pensar, a criança pensa e assim desenvolve mecanismos mais avançados de pensamentos. Assim não é possível desconsiderar as lógicas e idéias estabelecidas pelos discentes, pois é durante a interação e troca de idéias que eles aprendem novos significados e ampliam os conhecimentos. O educador deve criar situações que propiciem condições de aprendizado mutuo, respeitando as características estruturais própria de cada individuo. Através da educação o sujeito pode reconhecer-se como cidadão capaz de refletir sobre a sua condição social contribuindo de forma significativa para uma sociedade mais igualitária. Porém, ao invés disso a escola tem se tornado espaço de desenvolvimento de atitudes preconceituosas, classificatórias, que exigem um determinado padrão considerado “ideal”, onde a violência simbólica tem sido reproduzida de maneira dissimulada através de discursos e práticas que têm trazido resultados desastrosos no processo de aprendizagem dos seus discentes. 51 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A violência simbólica é bastante difícil de ser percebida, e muitas vezes é exercida de maneira sutil sem ser reconhecida como violência por parte de quem sofre. E na educação infantil esse reconhecimento torna-se mais difícil, pois os discentes que compõem este ambiente ainda não possuem maturidade para tal entendimento. Pois é justamente neste período que a criança começa a desenvolver a capacidade de expressão e compreensão do mundo. Neste momento torna-se relevante retomar os objetivos expostos no início da pesquisa, a fim de viabilizar uma reflexão sobre as abordagens realizadas. Os objetivos então propostos foram: compreender a dimensão do fenômeno no ambiente escolar; em especifico, conhecer as várias manifestações da violência simbólica no contexto escolar, observar a influência no desempenho curricular dos discentes e perceber o comportamento das crianças diante deste tipo de violência. As observações realizadas ao longo deste trabalho permitem à conclusão de que a violência simbólica se manifesta de diversas formas dentro da instituição de ensino. Como foi exposto no capítulo anterior, vários episódios de violência simbólica, através da discriminação social; preconceito racial; segregação; desvalorização do indivíduo; exposição ao ridículo; desestimulo a auto-estima, dentre outros. Também foi possível perceber o cotidiano burocrático existente na escola, onde as metas precisam ser cumpridas de qualquer maneira, sem ser considerado os aspectos peculiares do processo de aprendizagem, impossibilitando o exercício da autonomia por parte do docente. Há também a falta de diálogo e reflexão acerca da ação pedagógica e seus resultados reais em sala de aula com os atores que compõem a escola, esta prática consolida e fortalece o exercício da violência simbólica. 52 É comum associar a violência à desigualdade social, pobreza, a falta de informação. Porém este tipo de comportamento está relacionado com abuso de poder nas mais variadas formas e nos mais variados contextos sociais, não podendo ser reduzida a um único setor. A violência simbólica não é legitimada apenas quando o indivíduo se reconhece como vítima. Ela encontra-se presente em todo o cotidiano escolar, nas relações entre os pares conforme exposto no capítulo quatro, no episódio onde as crianças demonstram satisfação ao verem seus colegas serem constrangidos; na ação pedagógica que exclui, segrega, rotula e classifica. Esta forma de violência ocorre quando as escolas impõem conteúdos destituídos de objetivos, apenas para cumprir prazos ou metas pré-estabelecidas; quando o professor não preza pela qualidade das suas aulas; ou quando não respeitam seus discentes; quando classificam, rotulam ou desmerecem. Existem também situações em que os professores são desestimulados, ou impedidos de exercerem a sua autonomia em sala de aula através da imposição de planejamentos que não visam às necessidades de cada grupo de acordo com a sua realidade. As implicações da violência simbólica podem ser observadas no resultado do desempenho das crianças, durante o desenvolvimento das atividades em sala de aula. Aquelas que constantemente estão participando das atividades em classe encontram-se mais desenvolvidas no processo de aquisição da linguagem escrita, leitura, bem como conseguem resolver as atividades e problemas relacionados à matemática. Enquanto que as demais crianças, que são consideradas sem capacidade, possuem dificuldade na escrita, leitura e com as atividades matemáticas. Uma das propostas da educação infantil é contribuir para o desenvolvimento pleno do indivíduo, garantindo-lhe experiências que viabilizem seu aperfeiçoamento intelectual, moral e físico. E o melhor caminho para alcançar este objetivo é o diálogo e reflexão da prática pedagógica, indicando as possibilidades para superação dos problemas existentes no âmbito escolar. Para tanto é necessário a abertura de espaços que propiciem a interlocução entre os diversos segmentos da 53 escola, buscando a interação, conhecendo conceitos diversificados, visões, idéias inovadoras, valores, dentre outros. A realidade da sala de aula numa escola pública de educação infantil em nosso país, não é incentivadora, pois diante das observações realizadas durante a pesquisa verificou-se a escassez dos recursos em todos os aspectos, porém esta situação não pode ser fator determinante para uma prática pedagógica que consolide a desigualdade. Assim Freire (1996, p. 77) afirma que “Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra. Não posso estar no mundo de luvas nas mãos constatando apenas. Os resultados desta pesquisa trazem informações importantes para a compreensão do fenômeno e suas implicações no contexto escolar. È importante salientar aqui que a violência simbólica não é o único fator responsável pelos resultados negativos no currículo escolar ou comportamento dos discentes pode ser vários os fatores que contribuem para esta situação, mas existem aqueles que podem ser identificados por provocarem sentimentos e sensações visíveis através do comportamento e respostas dos alunos diante de determinadas circunstâncias. Compreende-se que os conceitos de valores e outros aspectos presentes na sociedade influenciam a configuração do mundo atual. E Nesse contexto a escola como lugar de interação e formação do individuo como sujeito, precisa superar a violência por meio de um trabalho dinâmico que envolva seus atores, e os levem refletir sobre suas atitudes, seu contexto, desenvolvendo a capacidade de crítica e participativa. Portanto conclui-se este trabalho monográfico, no qual foi empreendido esforço no sentido de levantar novas reflexões sobre o estudo da violência simbólica no âmbito escolar. Outrossim, ressalva-se que não existe a pretensão de esgotar-se por aqui esta pesquisa, haja vista, tal tema possua vertentes amplas e variadas nos diversos campos do conhecimento, que buscam viabilizar formas para a superação deste fenômeno nas escolas. 54 REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, Miriam. Violência nas escolas. Brasília: Unesco. Instituto Ayrton Senna, UNADS. Banco Mundial. USAID. Fundação Ford. CONSED. UNDIME, 2004. ______. Cotidiano das escolas: entre violências Brasília: UNESCO, Observatório de Violência, Ministério da Educação, 2005. ARAÚJO,Marcelo José . A Violência simbólica: uma difícil percepção. Disponível em http://www.ufrgs.br/gt13anped/textos26ra/zildalopeszandonato.pdf e http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010132621998000400002&lng=en&nrm=iso Acesso em: 02 Abr 2009. ATHAYDE, Celso; MV, Bill; SOARES, Luis Eduardo. Cabeça de porco, Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes T. 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