SIMBOLISMOS NA HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA RESENHA DO LIVRO DE MICHEL PASTOUREAU 1. Michel Pastoureau (2004), historiador e diretor da Escola Prática de Altos Estudos (l’École pratique des hautes études) em Paris destaca a importância dos símbolos para a compreensão da história da Idade Média Ocidental. Trata-se de um outro olhar sobre um largo período de cerca de mil anos, que vai do fim do império romano no Ocidente até a Renascença. 2. No livro Uma História Simbólica da Idade Média Ocidental (Une histoire Symbolique du Moyen Âge Occidental) Pastoureau aborda o simbolismo histórico nas seguintes dimensões: 1) o animal; 2) o vegetal; 3) a cor; 4) o emblema; 5) o jogo. Em cada uma dessas dimensões o historiador desvela ou revela o que estava oculto por trás do símbolo: “O símbolo é sempre ambíguo, polivalente, proteiforme (que muda frequentemente de forma); ele não pode ser resumido em qualquer fórmula” – p. 12. 3. O leão, o javali, o cervo e o corvo, por exemplo, são bastante representados como símbolos heráldicos, nos escudos da cavalaria andante e também nas bandeiras dos condados da Idade Média desde pelo menos o Sagrado Império Romano-Germano de Carlos Magno (742 – 814 d. C.). Mas, considerando que se trata de um período dominado pela religião cristã, como máxima representação ideológica, há vários significados na representação figurada ou expressa dos símbolos: o leão significa a realeza, a força, um animal muito figurado na história bíblica; o javali é feroz, promíscuo e também impuro; o cervo significa pureza, símbolo do cristianismo; o corvo é maligno, um mensageiro do inferno, etc. 4. Para o autor, por trás dessas representações simbólicas há diversos significados na esfera do religioso, do cultural e, claro, da importância histórica. O animal está no imaginário da Idade Média e às vezes representa o real e vice-versa. Copular com um bode ou com uma cabra, por exemplo, é o mesmo que ter relações com o maligno, com o diabo, passível de ser condenado pela inquisição. Os animais também podem ser julgados por supostos “crimes”, como a porca que devorou duas crianças, na Normandia no ano de 1376, que acabou sendo esquartejada como castigo, num longo relato do autor, pp. 35 e s. 5. O destaque no que concerne ao vegetal no livro de Pastoureau é a flor de lis. Símbolo de pureza na cristandade da Idade Média e representação pictórica do poder real da monarquia francesa. Da mesma forma, com este e outros símbolos da dimensão simbólica do vegetal na Idade Média há polivalência de significados, o que permite um olhar bastante curioso, interessante sobre um período histórico pejorativamente chamado de “idade das trevas”. 6. O uso das cores é sobretudo significativa na esfera do cristianismo, em relação ao culto, o que vale como regra até hoje, depois de várias normatizações em concílios da Igreja Católica Romana. Alguns exemplos, bastante citados por Pastoureau: o branco como símbolo da pureza, usado em diversas cerimônias, como no Natal e na Páscoa; o vermelho, que lembra o sangue vertido por Jesus, usado nas festas dos apóstolos e na Pentecoste; o preto, ligado ao luto e a penitência, nas missas pelos mortos e no Advento; e o verde, como cor intermediária entre o branco, o preto e o vermelho (une couleur intermédiaire entre le blanc, le noir e le rouge – cf. p. 168). De se notar que é tudo simbólico, inclusive o uso de tais cores nas cerimônias religiosas e no cotidiano. Estavam longe, portanto, de uma teoria científica das cores ou do significado real delas, o que só foi acontecer de fato a partir do século XVIII. 7. O emblema, quarta dimensão destacada pelo autor, está muito relacionado com a heráldica (que descreve brasões, armas e escudos). São figuras e também dizeres ou dísticos representados em escudos, bandeiras e brasões das famílias aristocráticas e nas armas dos cavaleiros. Nesses casos, tirando o significado semântico dos lemas, emblemas e dísticos, a representação figurada inclui por vezes animais e vegetais, como o leão e a flor de lis. 8. O jogo também está presente na representação simbólica da Idade Média. Horas de lazer para atividades ou exercícios lúdicos é uma das características da humanidade, em todos os tempos. No que concerne ao livro de Pastoureau, em relação a Idade Média, o destaque é para o jogo de xadrez, por causa da sua simbologia com as guerras de conquista, com o poder e, claro, com o lazer proporcionado aos jogadores. O jogo, importado do Oriente, também se relaciona com a simbologia das peças em marfim, aos animais aos quais ele é retirado, e à nomenclatura cristã-ocidental: bispo, cavalo, torre, rainha e rei. 9. O empobrecimento dos símbolos nas histórias de vulgarização do conhecimento, tão em voga, segundo o autor e diretor da Escola de Altos Estudos em Paris, deturpa a compreensão da história da Idade Média. Nesse sentido, a ideia central do livro de Pastoureau é justamente destacar a importância simbólica do imaginário medieval, vivido como verdadeiro e real, naquele contexto histórico. Claro, o enfoque do livro, em relação ao método de exposição, é um recorte histórico sobre a dimensão simbólica na Idade Média. O autor lança luz sobre temas que geralmente estão ausentes na historiografia sobre a Idade Média, com um olhar sobre detalhes que escapam a uma visão geral. 10. O detalhe, a importância do símbolo para se entender o significado, considerando outra leitura a partir do texto de Pastoureau, pode também ser compreendido ou comparado a outras épocas da história e em espaços geográficos distintos, para além da Idade Média e do Ocidente. É uma apreensão que podemos tirar da leitura de Uma história simbólica da Idade Média Ocidental. Ou seja, a representação simbólica está presente no cotidiano das pessoas, das comunidades, das nações. Ontem e hoje. REFERÊNCIAS: PASTOUREAU, Michel. Une histoire Symbolique du Moyen Âge Occidental. Éditions du Seuil, Paris, 2004. SOUZA, Antonio. Resenha para o blog IC FAMA – A Iniciação Científica da FAMA na Web, agosto de 2013.