1 UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ FACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS Alessandra Redua Leonardecz RESPONSABILIDADE CIVIL DO CÔNJUGE CURITIBA 2 2011 RESPONSABILIDADE CIVIL DO CÔNJUGE CURITIBA 3 2011 Alessandra Redua Leonardecz RESPONSABILIDADE DO CÔNJUGE Trabalho de Conclusão do Curso apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador Professor Jefferson Grey Sant’Anna. CURITIBA 4 2011 TERMO DE APROVAÇÃO Alessandra Redua Leonardecz RESPONSABILIDADE CIVIL DO CÔNJUGE Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, __ de ________________ de 2011. ___________________________________ Direito Universidade Tuiuti do Paraná Orientador: Professor Jefferson Grey Sant’Anna 5 Dedico este trabalho, À Deus, por ter me concedido o dom do conhecimento. Aos meus pais, pela educação. À minha família, porque sempre acreditaram em mim. 6 Agradeço ao Prof. Jefferson Grey Sant’Anna, pelo tempo despendido na orientação e na elaboração deste trabalho. Ao meu amado Tiago, pela paciência e dedicação com que me auxiliou durante todos estes anos. 7 SUMÁRIO 1.INTRODUCAO ............................................................................................................................. 9 2.DA RESPONSABILIDADE CIVIL................................................................................................... 11 2.1.Conceito Histórico............................................................................................................. 11 2.2.Elementos da responsabilidade civil ................................................................................. 14 2.2.1.Do Ato Ilícito............................................................................................................... 14 2.2.2.Da Culpa ..................................................................................................................... 14 2.2.3.Nexo Causal................................................................................................................ 16 3.DO DANO.................................................................................................................................. 21 3.1.Dano Moral ....................................................................................................................... 23 4.DO DIREITO DE FAMÍLIA........................................................................................................... 26 4.1.Conceito e Histórico .......................................................................................................... 26 5. DO CASAMENTO ..................................................................................................................... 29 5.1.Do casamento Romano ..................................................................................................... 29 5.2.O Casamento e a Religião.................................................................................................. 30 5.3.O Casamento e o Estado ................................................................................................... 31 6.DA NATUREZA JURÍDICA DO CASAMENTO............................................................................... 33 7.DOS DIREITOS E DEVERES NO CASAMENTO ............................................................................ 36 8.DA HONRA E O DEVER DE INDENIZAR ..................................................................................... 41 9.RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA ................................................................ 44 10.RESPONSABILIDADE CIVIL ENTRE OS CÔNJUGES ................................................................... 46 11.CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 56 12.BIBLIOGRAFIA......................................................................................................................... 58 8 RESUMO O objetivo deste trabalho é explanar acerca de alguns aspectos gerais da responsabilidade civil, tais como seus elementos, causas de excludentes de responsabilidade abordando o tema dano e dano moral nas relações familiares, especificamente nas relações conjugais. Tendo em vista o que o presente trabalho aborda relações familiares, foi realizado um breve relato acerca do conceito e o histórico das famílias, a fim de compreender-se a evolução das destas. Além disso, tratando-se de cônjuges, foram abordados os aspectos históricos do casamento, bem como sua evolução para compreensão das modificações nas relações conjugais, além da posição do Estado ao tratar deste tema. A partir disto, foi possível compreender como os deveres dos cônjuges na constância do casamento e a natureza jurídica deste podem ou não serem aplicáveis ao instituto de responsabilidade civil no Direito de Família e, ainda, compreender aspectos individuais da dignidade da pessoa humana e sua honra nas relações familiares, através de posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais já presentes nos tribunais brasileiros. Palavras-chave: responsabilidade civil; deveres conjugais; dano moral 9 1. INTRODUÇÃO Desde o início da história a família tem se modificado juntamente com a sociedade. É inegável que a família, apesar de atualmente não possuir as mesmas bases e durabilidade das famílias de antigamente, ainda é considerada como uma das instituições mais fortes da humanidade, visto que independente de desenvolvimento de sociedades, guerras, crises financeiras mundiais, avanço tecnológico, a instituição família continua com seus alicerces firmes. No âmbito jurídico, verifica-se que desde o direito romano, as relações familiares vêm se modificando, e, com isso, o Direito também vem sendo modificado, objetivando adequar-se aos modos familiares que temos hoje. Em virtude destas mudanças, o Estado, visando a proteção das relações familiares, separou dispositivos especiais para tratar do assunto. Todavia, como é inviável ao legislador prever todos os fatos que podem ocorrer no âmbito familiar, bem como a impossibilidade de atualização do ordenamento a todo momento, a doutrina e a jurisprudência tem feito este papel, emitindo pareceres e decisões em casos específicos, ainda não dispostos no ordenamento de forma concreta, como a responsabilidade civil dos cônjuges. Assim, ante ao crescente número de divórcios nas últimas décadas, é cada vez maior a quantidade de pessoas que tem buscado o judiciário a fim de obter a reparação dos danos sofridos decorrentes de atos praticados pelo seu cônjuge, ou ex-cônjuge. 10 Entretanto, apesar do ordenamento jurídico manter-se omisso quanto a responsabilidade civil do cônjuge, fatos desta espécie ocorrem no cotidiano, com ações que afetam a ordem moral de uma pessoa por um ato de seu cônjuge. Por esta razão o judiciário, que é obrigado a julgar com fundamento o direito pleiteado, tem utilizado da analogia de normas gerais aplicando-as ao caso concreto. Nesse sentido, os tribunais brasileiros têm buscado fundamentos para suas decisões em posicionamentos doutrinários, bem como no direito comparado, buscando analisar se no caso concreto onde um cônjuge acusa o outro de ter realizado um ato que tenha lhe ofendido a honra pode ou não ser adequado aos requisitos da responsabilidade civil, podendo assim, dar ou não ensejo à reparação civil. Assim, o presente trabalho visa demonstrar os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da aplicação dos requisitos e dispositivos legais da responsabilidade civil no âmbito conjugal demonstrando a possibilidade ou não da reparação de danos morais nas relações conjugais. 11 2. DA RESPONSABILIDADE CIVIL 2.1. CONCEITO HISTÓRICO O termo responsabilidade deriva do latim respondere que significa garantir, assegurar. De acordo com a autora Maria Helena Diniz, a responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguam uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ele mesmo praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. (DINIZ, 1993) Para a teoria clássica, interpretada através do artigo 186 do código Civil, a responsabilidade civil possui três pressupostos, são eles: o dano, a culpa do autor e a relação de causalidade entre o fato culposo e o dano, visto que tal artigo dispõe que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Para Carlos Alberto Gonçalves, o instituto responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, pois a principal conseqüência prática de um ato ilícito é a obrigação que acarreta para o seu autor, de reparar o dano, obrigação esta de natureza pessoal, que se resolve em perdas e danos (GONÇALVES, 2005). Já Caio Mário da Silva Pereira, afirma que a responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da 12 responsabilidade civil, que então se enuncia como o princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano. (PEREIRA, 1992) Observando aspectos históricos da responsabilidade civil, verifica-se que os primeiros princípios e aplicações da responsabilidade civil surgiram com a Lei do Talião, na qual utilizava o entendimento de retribuir o mal com o mal, daí surge a famosa frase, muito utilizada na época, “olho por olho, dente por dente”, o que visava a reparação, visto que naquela época, não havia a análise do fator culpa.1 Ainda, que a Lex Aquilio (Lei Aquiliana), outro princípio da responsabilidade civil, foi um plebiscito aprovado por volta do século III ou no início do século II a. C., que possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens.(VENOSA 2006, p. 16) Tal lei foi um grande divisor de águas da responsabilidade civil, segundo Silvio de Salvo Venosa, uma vez que atingiu uma grande parte da civilização da época de Justiniano, sendo utilizada como um remédio jurídico na época, pois considerava o ato ilícito uma figura autônoma. Observando estas ideias, o Estado Romano começou a desenvolver os conceitos e aplicações da responsabilidade civil punindo a culpa por danos injustamente provocados, mesmo sem a existência de uma relação contratual entre as partes. 1 Lei de Talião, ou seja, da reparação do mal pelo mal, sintetizada nas fórmulas: “olho por olho, dente por dente” , “quem com ferro fere, com ferro será ferido”. Para coibir abusos, o poder público intervinha apenas apara declarar quando e como a vítima poderia ter o direito de retaliação, produzindo na pessoa do lesante dano idêntico ao que experimentou.” (DINIZ, 1984, P.9) 13 Com o fim da Segunda Guerra Mundial, as negociações e principalmente os contratos a responsabilidade civil passaram a tomar novas formas para se adequar à realidade das pessoas. Também, com a Revolução Industrial, as multiplicações das máquinas provocaram o aumento do número de acidentes, motivando o desenvolvimento e estudo da responsabilidade civil. Desta mesma forma, continua até os dias atuais, “as soluções indenizatórias, dentro ou fora do processo judicial, devem ser constantemente renovadas para estarem adequadas às necessidades práticas do homem contemporâneo.”2 Segundo Silvio de Salvo Venosa, Toda atividade que acarreta um prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar (...) O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deve arcar com as consequências de um ato, fato ou negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar. Desse modo, o estudo da responsabilidade civil abrange todo o conjunto de princípios e normas que regem a obrigação de indenizar. (2008 p. 1). No mesmo sentido, o autor Afranio Lyra descreve, Quem pratica um ato, ou incorre numa omissão de que resulte dano, deve suportar as conseqüências do seu procedimento. Trata-se de uma regra elementar de equilíbrio social, na qual se resume, em verdade, o problema da responsabilidade. Vê-se, portanto, que a responsabilidade é um fenômeno social. (1977, p.30). Deste modo, cumpre mencionar alguns aspectos fundamentais da responsabilidade civil. São eles o ato ilícito, a culpa e o nexo causal. Acerca destes elementos, faz-se mister explanar brevemente acerca de cada um deles. 2 VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil: responsabilidade civil, 8 ª Ed. – São Paulo: Atlas, 2008, p. 18 14 2.2. ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL 2.2.1 Do Ato Ilícito De modo singelo, pode-se afirmar que o ato ilícito são atos que descendem direita ou indiretamente da vontade ocasionando efeitos jurídicos contrários ao ordenamento. Na visão de Carlos Roberto Gonçalves, que entende a responsabilidade civil como parte do campo do direito das obrigações, descreve: As obrigações derivadas dos “atos ilícitos” são as que constituem por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente, praticadas, com infração a um dever de conduta das quais resulta dano para outrem. A obrigação que, em consequência surge, é a de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado. (2005, p.2). Para o autor Silvio de Salvo Venosa afirma que os atos ilícitos são os que promanam direta ou indiretamente da vontade e ocasionam efeitos jurídicos, mas contrários ao ordenamento (VENOSA, 2010). Dessa forma, se verifica que os atos ilícitos são ações ou omissões praticadas pelo agente causador do dano e, que tal ato é contrário ao ordenamento e, ainda, que por força de lei a prática de um ato contrário à lei civil pode ensejar na reparação do dano causado. 2.2.2. Da Culpa De acordo com a doutrina dominante, a culpa é difícil de ser compreendida nas relações sociais e, no caso concreto, contudo, segundo Venosa, “em sentido amplo, culpa é inobservância de um dever que o agente devia conhecer e observar”3 3 VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil: responsabilidade civil, 8 ª Ed. – São Paulo: Atlas, 2008, p. 25 15 Já para José de Aguiar Dias, define a culpa: A culpa é a falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na observação das consequências eventuais de sua conduta. (1979, p.25). Já para Rui Stoco a culpa, genericamente entendida, é pois, fundo animador do ato ilícito, da injúria, da ofensa ou má conduta imputável. Nessa figura encontram-se dois elementos: o objetivo, expressado na ilicitude, e o subjetivo, do mau procedimento imputável (STOCO, 1999). Apesar da definição do conceito de culpa, o Código Civil de 2002 trás no artigo 186, todos os requisitos que preenchem o aspecto culpa, vejamos; Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Deste modo, verifica-se que para ocorrer a configuração da culpa, é necessário que o agente causador do danos haja por meio de um fazer ou deixar de fazer, que este ato seja partido de sua vontade livre e própria, ou que descenda de um ato que tinha o dever de fazer mas deixou de faze-lo, ou ainda, se seu ato descender falta de aptdão técnica. Ressalte-se que o código trás que aquele que violar o direito de outrém, por através de um dos meios acima exportos, ainda que sejam tais danos exclusivamente morais, comete um ato ilícito e, consequentemente, por força do artigo 927, está obrigado a repara-lo. Sobre o assunto Antunes Varela, afirma que agir com culpa significa atuar o 16 agente em termos de, pessoalmente, merecer a censura ou reprovação do direito. E o agente só pode ser pessoalmente censuarado, ou reprovado na sua conduta, quando, em face das circunstâncias concretas da situação, caiba afirmar que ele podia e devia ter agido de outro modo. (VARELA, 1982). Definidos o conceito de culpa e seus elementos, faz-se mister mencionar que para a caracterização da culpa é necessária, ainda, a comparação do ato praticado pelo agente como ato do homem médio, pois conforme tal comparação, poderá verficar-se o grau da culpa do ato praticado pelo agente causador do fato danoso. Esta análise é fundamental para que, posteriormente, o Magistrado possa verficar a extenção do dano, pois consoante o artigo 944 do Código Civil de 2002, a indenização mede-se pela extensão do dano, sendo que se houver excessiva desproporção entre a culpa e o dano, o juiz poderá reduzir, equitativamente, a indenização. 2.2.3. Nexo Causal O nexo causal é tido como o liame que une a conduta do agente e o dano. Este é elemento indispensável da responsabilidade civil. Enquanto a culpa pode ser dispensada, nos casos determinados pela lei, o nexo causal é elemento fundamental para caracterização da responsabilidade civil, sendo que seu rompimento impede a reparação civil. Por ser um elemento difícil de ser verificado nas alegações das partes, muitas vezes ele é analisado pelo magistrado em sede de instrução, ao apreciar as provas. 17 Neste sentido, cumpre mencionar o entendimento de Caio Mário da Silva Pereira acerca do assunto nexo causa afirma: é estabelecer, em face do direito positivo, que houve uma violação do direito alheiro e um dano, e que existe um nexo causal, ainda que presumido, entre uma e outro. Ao juiz cumpre decidir com base nas provas que ao demandante incumbe produzir.(1999) Para alguns autores, o nexo causal traduz-se como causa ao dano. Neste raciocínio, para existir nexo de causalidade, deve haver uma ligação da conduta do agente ao dano sofrido pela vítima, de modo que se pode concluir não ser possível a responsabilização civil sem comprovação de nexo de causalidade. Nesse sentido é a doutrina de Caio Mário da Silva Pereira: Não basta que o agente haja procedido contra direito, isto é, não se define a responsabilidade pelo fato de cometer um “erro de conduta”, não basta que a vítima sofra um “dano”, que é o elemento objetivo do dever de indenizar, pois se não houver um prejuízo a conduta antijurídica não gera obrigação ressarcitória. É necessário que se estabeleça uma relação de causalidade entre a injuricidade da ação e o mal causado [...]. (1994, p.75). Havendo o liame causal, a responsabilização se dá mesmo que a conduta do agente não seja o único fator a gerar o dano, ou até mesmo quando o dano tenha sido gerado indiretamente, conforme a doutrina de Maria Helena Diniz, “este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela consequência. O dano poderá ter efeito indireto, mas isso não impede que seja, concomitantemente, um efeito necessário da ação que o provocou.” 4 4 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p.97. 18 Venosa faz uma importante ressalva ao discorrer sobre a causalidade, quando afirma que uma causalidade seria a essencial, mas “nem todos os antecedentes podem ser levados à conta do nexo causal, o que nem sempre satisfaz no caso concreto”.5 Assim, deve estar comprovado o nexo de causalidade para que se possa vir a falar em responsabilidade civil. Ocorre que, sendo o nexo causal pressuposto de existência da responsabilidade civil, sua quebra, afasta o dever de indenizar. Nesse sentido, faz-se mister destacar as causas consideradas excludentes de responsabilidade. O autor Sílvio Rodrigues, cita casos em que ao afastar o nexo causal, consequentemente, afasta-se o dever de indenizar. Se o acidente ocorreu não por culpa do causador do dano, mas por culpa da vítima, é manifesto que faltou o liame de causalidade entre o ato daquele e o dano por esta experimentado. Se o automobilista atropelou e matou uma pessoa, ordinariamente deverá indenizar seus sucessores, na forma do art.948 do Código Civil. Todavia, se resultar provado que a vítima, embriagada, tentou atravessar à noite uma auto-estrada, parece fora de dúvida que o acidente derivou de sua culpa exclusiva e desse modo faltou a relação de causalidade entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima. De modo que o agente não deve indenização às pessoas que experimentarem dano pela morte do imprudente pedestre.(VENOSA, 2008, p.43) A autora Maria Helena Diniz enumera como excludentes do nexo causal a culpa exclusiva da vítima; a culpa concorrente da vítima e do agente, a culpa comum, por culpa de terceiro. 5 VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil: Responsabilidade Civil, 8 ª Ed. – São Paulo: Atlas, 2008 p. 43 19 Acerca do fato de terceiro preleciona Silvio de Salvo Venosa, em consonância com Maria Helena Diniz, afirma que no caso concreto importa verificar se o terceiro foi causador exclusivo do prejuízo ou se o agente indigitado também concorreu para o dano. Quando a culpa é exclusiva de terceiro, em princípio não haverá nexo causal. O fato de terceiro somente exclui a indenização quando realmente se constituir em causa estranha à conduta, que elimina o nexo causal. Quanto a excludente de responsabilidade por culpa exclusiva da vítima, Sílvio de Salvo Venosa aduz que “com a culpa exclusiva da vítima, desaparece a relação de causa e efeito entre o dano e seu causador.”6 Importante ainda, frisar dois elementos que rompem o nexo causal, e que fazem parte genericamente de diversos casos, são eles caso fortuito e força maior, que de modo geral excluí a responsabilidade e afastam a culpabilidade. Conforme preceitua Maria Helena Diniz: O caso fortuito e a força maior se caracterizam pela presença de dois requisitos: o objetivo, que se configura na inevitabilidade do evento, e o subjetivo, que é a ausência de culpa na produção do acontecimento. No caso fortuito e na força maior há sempre um acidente que produz prejuízo. (2003, p.105). Segundo a autora, na força maior o fato que gera o dano é conhecido e decorrente de uma força da natureza. Em sentido contrário, o caso fortuito decorre de causa desconhecida, inesperada, ou ainda, “fato de terceiro” que compromete o cumprimento da obrigação. Consoante entendimento da Maria Helena Diniz, nem sempre o caso fortuito e a força maior excluem o nexo causal, e consequentemente, da responsabilidade. 6 VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito civil, responsabilidade civil, 8 ª Ed. – São Paulo: Atlas, 2008 p.48 20 Em sentido contrário, destaca Sílvio de Salvo Venosa ao afirmar que o caso fortuito e a força maior são excludentes do nexo causal, porque o cerceiam, ou o interrompem. Na verdade, no caso fortuito e na força maior inexiste relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o resultado danoso. (VENOSA, 2008). Para o autor, alguns doutrinadores, como Aguiar Dias, entendem que o caso fortuito e a força maior são sinônimos, não havendo diferenciação de conceito. Todavia, para Venosa, há diferenças na conceituação de ambos, contudo, no campo da responsabilidade civil seus efeitos são os mesmos. Nas palavras do autor, “ambas as figuras equivalem-se, na prática, para afastar o nexo causal”. Ainda, aduz Venosa, que qualquer critério que se adote a distinção nunca terá consequências práticas: os autores são unânimes em frisar que juridicamente os efeitos são os mesmos. Para o autor, “de qualquer forma, o caso fortuito e a força maior devem partir de fatos estranhos à vontade do devedor ou do interessado. Se há culpa de alguém pelo evento, não ocorre o seccionamento ou rompimento do nexo causal. Desse modo, desaparecido o nexo causal, não há responsabilidade. (VENOSA, 2008). Em suma, verifica-se o cuidado da doutrina em identificar o nexo causal a fim de evitar a reparação indevida, gerando enriquecimento ilícito de uma das partes, bem como outros elementos da responsabilidade civil, o que dependerá sempre do caso concreto. Nas palavras do autor, Rui Stoco: Enfim, independentemente da teoria que se adote, como a questão só se apresenta ao juiz, caberá à este, na análise do caso concreto, sopesar as provas, interpretá-las em conjunto e estabelecer se houve violação de direito alheio, cujo resultado seja danoso, e se existe nexo causal entre esse comportamento do agente e o dano verificado. (1999). 21 Deste modo, cabe ao juiz, verificar a presença dos pressupostos da responsabilidade, bem como da extensão do dano a fim de fixar uma indenização justa, que vise a reparação do dano sofrido pela vítima e, que esta não gere enriquecimento ilícito. 22 3. DO DANO Para Agostinho Alvim o termo dano, em sentido amplo, vem a ser a lesão de qualquer bem jurídico, e aí se inclui o dano moral. Mas, em sentido estrito, dano é, para Alvim, a lesão do patrimônio; e patrimônio é o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro. Aprecia-se o dano tendo em vista a diminuição sofrida de modo que só interessa o estudo do dano indenizável. (ALVIM, 1966), O mesmo raciocínio possui Carlos Roberto Gonçalves ao preceituar que indenizar significa reparar o dano causado á vítima, integralmente. Se possível, restaurando o statu quo ante, isto é, devolvendo-a ao estado em que se encontrava antes da ocorrência do ato ilícito. Todavia, como na maioria dos casos se torna impossível tal desiderato, busca-se uma compensação monetária. (GONÇALVES, 2005). Para Silvo de Salvo Venosa, o “dano consiste no prejuízo sofrido pelo agente”, ainda, no discorrer de sua tese destaca que além de haver o dano, este deve ser decorrente de ato ilícito para ensejar indenização, deste modo, deve ocorrer um “dano injusto”. No mesmo sentido, defende o doutrinador Caio Mário da Silva Pereira: Quando opto pela definição do dano como toda ofensa a um bem jurídico, tenho precisamente em vista fugir da restrição à patrimonialidade do prejuízo. Não é raro que uma definição de responsabilidade civil se restrinja à reparabilidade da lesão imposta ao patrimônio da vítima. Não me satisfaz essa restrição, porque sempre entendi, e o tenho definido em minha obra doutrinária, que toda lesão a qualquer direito tem como conseqüência a obrigação de indenizar.(1998, p.53) 23 Curial relembrar o artigo 186 do Código Civil, anteriormente mencionado, que destaca os pressupostos da responsabilidade civil. A partir da análise de tal dispositivo legal, verifica-se os pressupostos legais impostos para a responsabilização civil o dano. Assim, se pode verificar que o dano é elemento fundamental da responsabilidade civil, pois não havendo dano, não há que se falar em reparação. Rui Stoco bem assevera que é uma característica inafastável da responsabilidade civil a necessidade de prova da ocorrência de dano, ou seja, prejuízo: “Ao contrário do que ocorre no Direito Penal, que nem sempre exige um resultado danoso para estabelecer a punibilidade do agente, no âmbito civil é a extensão ou o quantum do dano que dá a dimensão da indenização”.7 Ainda, verifica-se maior completude no conceito de dano citado por Fernando Noronha, segundo o autor, dano é o prejuízo, de natureza individual ou coletiva, econômico ou não econômico, resultante de ato ou fato antijurídico que viole qualquer valor inerente à pessoa humana, ou atinja coisa do mundo externo que seja juridicamente tutelada. (NORONHA, 2003). Importante destacar que o dano somente é passível de ser indenizado quando protege interesses socialmente relevantes, não se importando o direito de interesses mínimos e inúteis, especialmente no tocante à concessão de indenização por danos morais, que tem sido banalizada em nosso Poder Judiciário. 7 STOCCO. Rui, Tratado de Responsabilidade Civil – Responsabilidade Civil e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial. 6. ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2004. 24 Além de ter certa relevância, o dano, para ser indenizável, necessita, segundo Silvio de Salvo Venosa, ser “atual e certo; não sendo indenizáveis, a princípio, danos hipotéticos. Sem dano ou sem interesse violado, patrimonial ou moral, não se corporifica a indenização”.8 Maria Helena Diniz sintetiza os requisitos necessários para que seja constatada a ocorrência de dano indenizável: 1)diminuição ou destruição de um bem jurídico, patrimonial ou moral, pertencente a uma pessoa, ou seja, deve estar presente a ideia de prejuízo, na esfera material ou moral; 2) efetividade ou certeza do dano, o dano deve ser concreto, e não hipotético, de forma que a certeza do dano, portanto, constitui sempre uma constatação de fato atual que poderá projetar, no futuro, uma consequência necessária, pois, se esta for contingente, o dano será incerto; 3) causalidade, portanto, faz-se necessária, além da presença do dano analisado, o nexo causal, vez que o dano deve decorrer da ação do agente; 4) subsistência do dano, isso significa que ao pedir a indenização do dano, este ainda não pode ter sido reparado; 5) ausência de causas excludentes de responsabilidade, situações nas quais, mesmo havendo danos, não há responsabilização, haja vista a presença de exculpantes, que tornam a conduta do agente aceita pelo direito. (DINIZ, 1997). Assim sendo, da análise doutrinária é possível verificar que o dano é um requisito da responsabilidade civil que não pode ser afastado, visto que não havendo dano, não há que se falar em reparação. 8 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. Vol.4. 3°ed. São Paulo: Atlas S.A., 2003, p.28 25 3.1. DANO MORAL Feitas breves considerações acerca do dano, importante destacar que os danos são classificados em danos patrimoniais e morais. Maria Helena Diniz diferencia, no tocante ao dano moral e ao dano material, a espécie e função da reparação. No dano moral, a função prevalente é a de “equivalência”, já no dano material são as funções “satisfatória” e de “pena”. (DINIZ, 2006). Para o autor Arnoldo Wald, ao explanar acerca do dano, preceitua: Dano é a lesão sofrida por uma pessoa no seu patrimônio ou na sua integridade física, constituindo, pois, uma lesão causada a um bem jurídico, que pode ser material ou imaterial. O dano moral é o causado a alguém num dos seus direitos de personalidade, sendo possível à cumulação da responsabilidade pelo dano material e pelo dano moral (1989, p.407). Segundo Maria Helena Diniz, "dano moral vem a ser a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo" (DINIZ, 1998). Na definição de Arnaldo Rizzardo, dano moral, ou não-patrimonial, ou ainda extrapatrimonial, reclama dois elementos, em síntese, para configurar-se: o dano e a não diminuição do patrimônio. Apresenta-se como aquele mal ou dano – que atinge valores eminentemente espirituais ou morais, como a honra, a paz, a liberdade física, tranquilidade de espírito, a reputação, a beleza etc.(2005, p.72) Sobre o assunto, ao autor Clayton Reis afirma a lesão do direto que atinge o patrimônio da vítima e resulta sempre em uma imediata obrigação indenizatória. (REIS, 2001) 26 Na obra Dano Moral, o doutrinador Clayton Reis, ao verificar o posicionamento dos autores acerca do conceito de dano moral, conclui: Todos os autores consagram um perfil a respeito do dano moral, como sendo aquele que atinge o patrimônio ideal das pessoas, ou seja, capaz de ensejar um sentimento negativo no espírito da vítima, causando-lhe sensações desagradáveis decorrentes das perturbações psíquicas causadas pela agressão. (2010, p.23) Todavia, na mesma obra, Clayton Reis menciona que os Tribunais têm entendido e aplicado a responsabilidade civil por danos extrapatrimoniais como de função essencialmente reparadora e compensatória, sendo a função punitiva mera consequência, vejamos: Nossas Cortes de Justiça não abandonaram, ainda, a idéia consubstanciada no fato de que o processo indenizatório não possui substancialmente uma função punitiva, senão a de restabelecer um equilíbrio violado. Sob esse prisma, devemos adotar a idéia consistente na circunstância de que o objetivo da indenização é basicamente compensatória, particularmente reparadora, já que esta circunstância representa um verdadeiro avanço em direção à ampla função do processo indenizatório almejado pelo legislador. De acordo com o doutrinador, ainda é bastante forte a ideia de que a responsabilidade civil não serve apenas para reparação dos danos, mas é utilizada como punição, visando impedir que o agente volte a praticar o ato ilícito lesivo. No Brasil, o modelo adotado por nossos tribunais e pela doutrina tem sido o binômio compensação-punição, sob o pressuposto de melhor atender aos princípios da indenização dos danos não-patrimoniais, por considerar que, na medida em que compensa os prejuízos sofridos, pune o ofensor para desestimulá-lo à prática de novos atos lesivos. A incompatibilidade entre esses princípios é notória, considerando que cada um deles desempenha funções distintas e, ainda, que os princípios punitivo e preventivo não se encontram expressamente previstos em nosso ordenamento jurídico. Ademais, o sistema de punição pessoal do ofensor não mais se amolda aos princípios gerais da responsabilidade civil, cuja preocupação reside na satisfação integral dos prejuízos da vítima. 27 Ainda, ao contrário do dano material, no dano extrapatrimonial, não é possível retornar ao status quo ante, razão pela qual utiliza-se a reparação como forma de diminuir de alguma forma a lesão sofrida, ainda, a reparação não visa repor o que foi perdido, mas tenta confortar, compensar a vítima, sendo essa ideia utilizada para a projeção do quantum indenizatório. 4. DO DIREITO DE FAMÍLIA 4.1. CONCEITO E HISTÓRICO Dentre as diversas instituições existentes no mundo é possível dizer que a instituição família é uma das que merecem destaque, pois desde sua instituição, difícil de precisar uma época específica, ela se mantém apesar de todas as mudanças que o mundo sofreu desde sua criação até os dias atuais. Nas palavras do autor Eduardo de Oliveira Leite, descritas em sua obra Tratado de Direito de Família: Origem e Evolução do casamento verificamos seu posicionamento acerca do assunto: De todas as instituições criadas pelo espírito humano, a família e o casamento foram as únicas que resistiram, de forma contínua e indestrutível, a marcha inexorável da humanidade. Os ciclos econômicos, as conquistas industriais, a variabilidade dos regimes políticos, as revoluções sociais, a indescritível persistência das guerras, as vitórias científicas, a evolução do pensamento e das mentalidades, nada conseguiu destruir a noção de família, que perdura inabalável através da história da civilização. (1991,p.3). A palavra “família”, deriva do latim famulus, que de acordo com o entendimento de Eduardo de Oliveira Leite, quer dizer escravo, segundo o autor, tal 28 termo surgiu na Roma Antiga e era utilizado para classificar um determinado grupo social que, na época, surgia entre as tribos introduzidas na escravidão legalizada e na agricultura da época (LEITE, 2005). Pode-se dizer que a família é a instituição mais antiga da qual temos referencia, visto que temos é possível vê-la na bíblia, na civilização maia, inca, nos estudos acerca da evolução do homem das cavernas, do império Romano e assim sucessivamente até os dias atuais. Segundo o autor Eduardo de Oliveira Leite, as famílias descendem desde a época primitiva, no estado selvagem. Com a descoberta do fogo e dos metais, o homem passa a ter um pouco mais de domínio sobre a natureza, o que por sua vez o levou a se desenvolver um pouco mais, quando o homem passou a praticar a caça, a pesca. Para o Direito de Família, família “é o conjunto de regras aplicáveis às relações entre pessoas ligadas pelo casamento, pelo parentesco, pela afinidade e pela adoção”9 Há diversos autores que mencionam acontecimentos e dados históricos acerca das famílias, como exemplo, o livro A cidade Antiga, do autor Fustel de Coulanges, que narra o nascimento das primeiras famílias com o cuidado e o zelo com o fogo sagrado, bem como o zelo da vida dos mortos. Em tal narração é possível perceber a formação do vínculo a partir de um objeto, o fogo, e mais adiante, a família por afinidade, nos casos em que os vivos eram responsáveis por 9 GOMES, Orlando, Direito de Família, p.1, obra citada por LEITE, Eduardo de Oliveira, Direito Civil Aplicado, vol. 5, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 29 cuidar das viúvas e das famílias que ficavam desoladas com a perda de seus familiares. Ainda, é possível verificar as primeiras formas de sucessões e outras regras que evoluíram com o avanço e desenvolvimento da civilização. (COULANGES, 1961). Segundo Eduardo de Oliveira Leite, na obra Origem e Evolução do Casamento, o surgimento da noção de família deu-se com a família consangüínea, na qual se permitiu-se a união entre irmãos, sendo que as relações sexuais não possuíam restrições. Assevera Venosa que no estado primitivo das civilizações o grupo familiar não se assentava em relações individuais. Assim, sempre se reconhecia a mãe, mas não o pai, em razão disto as famílias possuíam um caráter matriarcal. Ainda, aduz que, na vida primitiva, as guerras, a carência de mulheres e talvez uma inclinação natural levaram os homens a buscar mulheres de outras tribos e, aos poucos estas relações foram tornando-se monogâmicas, o que levou ao patriarcalismo. (VENOSA, 2004). Com o passar do tempo as famílias se desenvolveram, acompanhando as mudanças do mundo, tendo principalmente mudanças nas obrigações do casamento, conforme se verifica nos tópicos que abaixo seguem. 30 5. DO CASAMENTO 5.1. DO CASAMENTO ROMANO Segundo o autor Eduardo de Oliveira Leite, na obra Origem e Evolução do Casamento, o casamento era tido como a base da família natural, na convivência entre homem e mulher com intenção de ser esposo e esposa, de viver uma vida em comum. O casamento romano visava o afeto e a procriação. Todos os romanos deveriam casar e ter filhos. Os romanos não exigiam uma forma jurídica de casamento, sendo apenas religioso. Ainda, era um ato privado, ou seja, não havia interferência estatal. (LEITE, 1991) Assevera Eduardo de Oliveira Leite, que a família romana era formada por um grupo de pessoas e de coisas que estavam subordinadas a um chefe, o pater famílias, que detinha inclusive poder de vida e morte sobre a família. Desse 31 modo, as mulheres, ao contraiam matrimônio cun manu, subordinando-se à autoridade do marido e do pater famílias do marido. De acordo com o autor, na obra supramencionada, o casamento romano se dissolvia por causas involuntárias como a morte, ou voluntárias, como por exemplo, o repúdio entre os cônjuges. No inicio a dissolução do casamento era comum, e, ocorrendo, a mulher era devolvida à sua família de origem para submeter-se ao poder do seu pater famílias. Acerca das relações na dissolução do casamento, Eduardo de Oliveira Leite diz que, com o crescimento do poder da Igreja na época, os casamentos se tornaram cada vez mais formais, sendo exigidos documentos escritos que impediam a dissolução da união conjugal até que os princípios da Igreja conseguiram abranger grande espaço no Império Romano, e o casamento passou a ser indissolúvel. (LEITE, 1991) 5.2. O CASAMENTO E A RELIGIÃO Para Eduardo de Oliveira Leite, em sua obra Tratado de Direito de Família, Origem e Evolução do Casamento, Não foi a religião que criou a família, esta é fruto espontâneo da evolução humana, mas foi seguramente a Igreja que lhe impôs as regras, os contornos legais, a forma jurídica, como hoje a entendemos. A moral religiosa consolidou uma ética jurídica, voltada ao domínio dos atos determinando o que é lícito ou proibido.(1991, p. 3) Relatando fatos históricos, Eduardo de Oliveira Leite descreve que com o desenvolvimento da civilização e a chegada à Idade Média, a Igreja aumenta seu poder frente ao Estado. As questões de Direito de Família antes discutidas pelo 32 Estado passam a ser discutidas pela Sé Romana. A Igreja passa então a ter mais poder que o próprio Estado, de modo que é instituído o Direito Canônico, passando o casamento ser considerado uma instituição divina. Ainda, com a chamada Reforma, narra Eduardo de Oliveira Leite, que confronta diversas questões acerca do Direito Canônico, influencia nos aspectos do casamento. Lutero, líder da reforma, compreende que o casamento não é um sinal divino nem religioso, mas um negócio civil, de modo que as questões matrimoniais deveriam ser discutidas pelo Estado e, não pelo clero. Assim, começam os defensores da dissolução do casamento e, indiretamente, a aceitação do divórcio. A Reforma é um divisor de águas entre o mundo real e o mundo espiritual, separando o que é divino ou sagrado para a Igreja e, o que não é, ao Estado. A Igreja, por sua vez, retificou a doutrina clássica do casamento, através do Concilio de Trento, passando a formalizar a união entre os cônjuges, sendo necessária a contração de núpcias perante um padre. O casamento passa a ser um dos sete sacramentos da lei evangélica, sendo, portanto proibido o divorcio, a virgindade e o celibato são superiores ao casamento e, todas as causas que envolvam questões matrimoniais são de competência exclusiva dos juízes eclesiásticos. (LEITE, 1991). Rui Magalhães Ribeiro explica o Conselho de Trento em sua obra Instituições de Direito de Família: A intervenção obrigatória do sacerdote na celebração do casamento, estabeleceu o rito patrimonial a ser observado, consignando que depois de três publicações durante a missa, os nubentes deveriam comparecer perante o sacerdote, na presença de três testemunhas, que os uniria em matrimônio. (2000. p. 32). 33 Em suma, o concilio não alterou nada em matéria patrimonial, mas reafirmou a doutrina do casamento que, mais tarde foi utilizada na elaboração dos códigos civis de diversas nações no mundo. 5.3. O CASAMENTO E O ESTADO Discorrendo historicamente acerca da evolução do casamento desde seus primórdios, o autor Eduardo de Oliveira Leite, ao estudar o casamento no século XIX, verifica que após a Reforma, o casamento que até então era considerado um sacramento da Igreja, passa a ser compreendido como um contrato, passando ao Estado a competência para legislar sobre o assunto. Assevera que o autor que com a Revolução Francesa, tem-se que a estrutura familiar deve ser baseada na idéia de igualdade e felicidade individual. Neste ínterim, surge a idéia de família como um “ninho afetivo”, alterando a idéia de matrimonio até então vigente, retirando-lhe o caráter religioso e submetendo-o a um regime leigo, liberal e igualitário. Assim, após o período de guerras os casais passam a ter autonomia familiar, organizando sua vida conjugal como bem entendem, fixando o número de filhos que entendem ser suficientes, sem a intervenção do Estado e da Igreja no matrimonio. (LEITE, 1991). 34 6. DA NATUREZA JURÍDICA DO CASAMENTO Quando discute-se acerca da natureza jurídica do casamento, assim como em vários conceitos jurídicos, há mais de um posicionamento sobre o assunto, já que a doutrina se divide em basicamente três correntes. A Teoria Clássica, que compreende o casamento como um contrato, a Teoria Institucional, que defende que o casamento é uma instituição e, a Teoria Mista ou Eclética, que mescla ambos conceitos. A Teoria Clássica surgiu desde o Código Napoleônico, determinou que o casamento fazia parte da teoria geral dos contratos. É importante frisar que, como anteriormente explanado, na época do Código Napoleônico, a França ainda recebia 35 grandes influências da Revolução Francesa, que separou o poder da Igreja do Estado. Adepto à este entendimento, pode-se mencionar o autor Silvio Rodrigues que na obra Direito de Família discorre acerca de tal teoria. (RODRIGUES, 2008) Defende este posicionamento de Venosa, ao mencionar em sua obra que “o casamento amolda-se à noção de negócio jurídico bilateral, na teoria dos atos jurídicos”.10 Todavia, com a leitura do Código Civil, percebe-se que o casamento possui várias formalidades e, ainda, que os consortes não podem dispor deste contrato livremente, visto que isto o Estado delimita tais regras. Nesse sentido, destaca-se a Teoria Institucionalista, que defende a idéia de que o casamento é uma instituição, criada pelo Estado e disposta através da lei, já que o instituto estaria dominado por interesses públicos e, que a família se encontra sob a proteção do estado. (GOMES, 2002) Neste sentido adere o autor Washington de Barros Monteiro ao afirmar que o casamento é uma grande instituição social, que, de fato, nasce da vontade dos contraentes, mas que, da imutável autoridade da lei, recebe sua forma, suas normas e seus efeitos. A vontade individual é livre para fazer surgir a relação, mas não pode alterar a disciplina estatuída pela lei” (MONTEIRO, 2004) Orlando Gomes discorda desta teoria, alegando: 10 VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil, Direito de família – volume 6, 2004, 4ª edição, Ed. Atlas, São Paulo, pág.40 36 O fato de ser presidido por interesses transcendentes da conveniência individual, determinantes da imperatividade dos seus preceitos não é suficiente para situá-lo no campo do direito público, nem aceitável a suposição de que esses interesses hajam levado o Estado a regular o direito matrimonial em termos de assimilação de suas obrigações aos deveres de direito público. (2002, p. 57) Já a Teoria Mista, une as ideias da Teoria Clássica com a Teoria Institucional. Tal teoria entende que os nubentes ao decidirem contrair o casamento, o fazem através de um contrato, no qual estão estabelecidos os direitos e deveres dos cônjuges, contudo, quando Estado outorga o status de casado aos consortes, impondo o regime de bens e adequando a relação as regras estatais, surge a instituição do casamento. Tal teoria busca conciliar as duas teorias principais e considera o casamento como contrato em sua formação, pela imprescindibilidade do acordo de vontades, e instituição em sua duração, pela intervenção do poder público na fixação imperativa das regras e na celebração e pela inalterabilidade de seus efeitos, considerando-o um com ato complexo, segundo o entendimento de Paulo Nader, “trata-se de negócio jurídico complexo, pois se perfaz com o consentimento dos interessados.” (NADER, 2008). Sobre o assunto, Silvio de Salvo Venosa conclui “em uma síntese das doutrinas, pode-se afirmar que o casamento-ato é um negócio jurídico bilateral; o casamento-estado é uma instituição.” 11 11 VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil, Ed. Atlas, São Paulo, 2005, p. 159 37 Tem-se portanto, que na realidade, a doutrina brasileira não possui um posicionamento definido acerca da natureza jurídica do casamento, havendo uma zona cinzenta que norteia tal assunto. 7. DOS DIREITOS E DEVERES NO CASAMENTO Analisando o Código Civil, no artigo 1.565, a respeito ao casamento, tem-se através deste, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família. 38 Não obstante as regras morais impostas pela sociedade, grupos sociais, tradições familiares, entre outros, o legislador buscando a proteção da família, dispôs em nosso ordenamento, algumas regras para a boa convivência dos cônjuges na constância do casamento. Consoante denota-se no artigo 1.566 do Código Civil de 2002, são deveres de ambos os cônjuges, a fidelidade recíproca, a vida em comum, no domicílio conjugal, mútua assistência, o sustento, guarda e educação dos filhos, o respeito e consideração mútuos. Assim sendo, segundo Rui Ribeiro Guimarães, tem se que ao tratar dos deveres recíprocos, principia o Código Civil pela fidelidade, por considerá-la essência matrimonial, expressão máxima da monogamia, dever de ordem moral que os cônjuges devem observar em nome do equilíbrio e da constância da sociedade conjugal. 12 Para Euclides Benedito Celso O. da Costa, o dever de fidelidade recíproca tem por objeto a dedicação exclusiva e sincera do consorte, de cada um dos cônjuges aos outro. Vale dizer que é uma leal dedicação de vida, tanto na dimensão física quanto na espiritual assim, conceituada, a noção de fidelidade acolhe no sentido ético da relação matrimonial e se insere no eixo do mesmo da noção básica da comunhão de vida. (COSTA, 1987) 12 MAGALHÃES; Rui Ribeiro de. Op. Cit., p. 108 39 Além disso, os consortes devem prezar por uma vida em comum saudável, amparados pela mutua assistência, dividindo as tarefas, obrigações, do cotidiano. Obviamente que o legislador não pode prever todos os direitos e deveres que devem nortear uma relação conjugal, todavia, prevê os mais importantes, os que mais se evidenciam na sociedade como um todo, cabendo a cada casal a busca pela felicidade doméstica. Até por que, se o legislador tentasse restringir nos códigos todas as modalidades de direitos e deveres entre os cônjuges, o ordenamento necessitaria ser reformado com maior brevidade, visto que atualmente, tem ocorrido com mais frequência a quebra de deveres conjugais por meios virtuais. Segundo a advogada Marilene Silveira Guimarães, em seu artigo “Adultério Virtual/Infidelidade Virtual, num artigo publicado em 22/04/2004 no site do Instituto Brasileiro de Direito de Família, cogita uma hipótese que já começa a ser discutida em nossos tribunais ante o avanço tecnológico e a mudança do comportamento do homem atual. Em seu artigo, expõe acerca da fidelidade aplicada à tecnologia hoje existente, para ela, as relações virtuais constituem uma nova forma de relacionamento que partem da descoberta de afinidades, ao contrário do enamoramento tradicional que parte do olhar e do contato físico. Este relacionamento pode representar apenas uma fuga da realidade sem maiores consequências. Porém, muitas vezes, a intimidade e a cumplicidade nascidas no espaço virtual estabelecem um laço erótico-afetivo importante que pode ser causa da dissolução do casamento ou da união estável. O relacionamento virtual pode 40 evoluir e conduzir à prática de adultério. (GUIMARÃES, 2004) Isso demonstra que atualmente o dever de fidelidade não se restringe apenas às relações sexuais, mas abrange a liberdade e o desenvolvimento da personalidades, na comunhão formada pelo casamento. O dever de respeito abrange a integridade física e moral dos consortes, preservando-se a vida, a saúde, a honra e o bom nome. Do mesmo modo, a mútua assistência. Para Washington de Barros Monteiro, no aspecto material, tem o significado de auxílio econômico necessário à subsistência dos cônjuges. No aspecto imaterial consubstancia-se na proteção aos direitos da personalidade do consorte, dentre os quais se destacam a vida, a integridade física e psíquica, a honra e a liberdade. E é nesse aspecto, de ordem imaterial, que merece maior destaque a mútua assistência, por exemplo, configurada na proteção ao cônjuge doente ou idoso, no consolo por ocasião do falecimento de um ente querido, na defesa em suas adversidades com terceiros.(MONTEIRO, 2004). É de se concluir que a mútua assistência não é apenas uma ajuda superficial, mas também um auxílio de caráter moral, de transmissão mútua de valores que passam a sensação ao cônjuge de que ele realmente está inserido em uma estrutura de bem estar e proteção sem a qual o casamento não teria sentido de ser realizado já que a felicidade, objetivo primordial do casal, não seria alcançado com sucesso. 41 A felicidade não seria alcançada da maneira almejada, pois a vida é cheia de obstáculos, dificuldades e limitações que necessitam de superação. No entanto, para que essa superação seja feita, a mútua assistência é primordial. Ainda o artigo 1566 do Código Civil, no intuito de proteger a família iniciada pelo casamento, prevê diversos deveres dos cônjuges, a saber. A vida em comum no domicílio conjugal. Tal previsão legal é decorrência da união dos cônjuges, do intuito que possuem em iniciar uma família, começando pela satisfação recíproca das necessidades sexuais. O abandono do lar conjugal e a recusa do débito carnal são omissões do dever de coabitação. No entanto não pode um cônjuge obrigar o outro a cumprir o dever, sob pena de violação do preceito constitucional da liberdade individual. (NETO, 2005) A despeito do sustento, guarda e educação dos filhos, estes são aspectos fundamentais do casamento, e inerentes à paternidade, visto que mesmo com a dissolução do casamento os deveres dos pais para com os filhos permanecem. (CZAJKOWSKI, Rainer, obra citada por NETO, 2005), O respeito e a consideração mútuos, concernem ao ambiente de vivencia do casal, e, segundo Silvio de Salvo Venosa, não podem implicar em violação dos direitos da personalidade ou de direitos individuais.13 13 VENOSA, Silvio de Salvo. Op. Cit., p. 159 42 Além disso, o casal tem ainda, o dever de coabitação, que nas palavras de Regina Beatriz da Silva Papa dos Santos, estão implícitos na vida dos cônjuges já que nas palavras desta: A vida em comum no domicilio conjugal, alem da convivência sob o mesmo teto, tem o significado de contato físico entre os cônjuges, de modo que seu descumprimento não deriva apenas do abandono voluntario e injustificado do lar, mas, decorre também da recusa quanto à manutenção do relacionamento sexual com o consorte.(1999, p.72). O autor Sergio Severo, menciona ainda que, na doutrina francesa, já vem sendo admitidas situações em que a perda da capacidade sexual entre os cônjuges pode acarretar dano moral, por geral dano na modalidade chamada ricochete, aquele no qual de um ato, surgem vários danos. Do mesmo modo, a mulher que se torna frígida. Para o autor, o prejuízo sexual quando afeta pessoa casada, tem uma característica especial: atinge os cônjuges, configurando uma situação em que há um dano próprio e um dano por ricochete. Nesta situação poder-se-ia adotar a noção de grupo familiar, uma vez que são inegáveis as repercussões negativas que tal evento exercerá sobre a família. Assim, o prejuízo sexual pode apresentar dois tipo de danos, sofridos por ambos os cônjuges: a impossibilidade de uma relação íntima e a incapacidade de gerar filhos. (SEVERO, 1996). Deste modo, denota-se que uma das principais características da sociedade conjugal é a sua constância, existência e convivência que, uma vez rompido tal vinculo, inexiste o casamento e sua forma não sobrevive. 43 8. DA HONRA E O DEVER DE INDENIZAR Como se sabe, a família é instituição protegida pelo Estado, visto que há no ordenamento jurídico várias regras e normas que protegem a família, seus integrantes e as relações jurídicas que envolvem o Direito de Família. Assim sendo, insta frisar que a preocupação com a proteção da dignidade da pessoa no relacionamento familiar é tão importante que também se submete ao princípio da reparação de danos. Também, é importante mencionar que além da proteção à família, o Estado presta tutela especial à hora da pessoa, conferindo-lhe dignidade. Tais argumentos podem ser verificados no texto da Carta Magna, em seu art. 5º, X, que preceitua: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” Neste sentido, cumpre destacar o ensinamento do autor Gilmar Ferreira Mendes, ao preceituar em sua obra Curos de Direito Constituicional que respeita-se a dignidade da pessoa quando o indivíduo é tratado como sujeito com valor intrínseco, posto acima de todas as coisas criadas e em patamar de igualdade de direitos com seus semelhantes. Há o desrespeito ao princípio quando a pessoa é tratada como objeto, como meio para satisfação de algum interesse imediato. Prossegue o autor, afirmando que o ser humano não pode ser exposto – máxime contra a sua vontade – à mera curiosidade de terceiros, para satisfazer 44 instintos primários, nem pode ser apresentado como instrumento de divertimento alheio, com vistas a preencher o tempo de ócio de certo público. (MENDES, 2008). Assim, quando violada a honra da pessoa, há a existência de um dano extrapatrimonial, consoante entendimento de Fernando Noronha, que afirma que em contraposição aos danos patrimoniais, são extrapatrimoniais aqueles que se traduzem na violação de quaisquer interesses não suscetíveis de avaliação pecuniária. A estes danos é tradicionalmente dada, no Brasil, a denominação de danos morais que é adotada também em textos legislativos, com destaque para os incs. V e X do artigo 5º Constituição Federal e para o artigo 186 do Código Civil de 2002 (preceito que é o único deste diploma que fala em “dano moral”, mas constituindo este fato significativo progresso em relação ao Código Civil de 1916, que a este respeito era simplesmente omisso). É em atenção a essa designação tradicional que dizemos que os danos extrapatrinoniais podem ser chamados também de danos morais em sentido amplo.(NORONHA, 2005). Já a autora Aparecida Amarante, preceitua que na configuração atual, a tutela da honra deve abranger as ofensas ao respeito, ao decoro, à dignidade, à consideração e à reputação, tanto da pessoa como de terceiros. Ainda, afirma a autora, que a honra constitui um bem interno, uma vez que representa a“essência moral da pessoa”, mas também manifesta um bem externo, pois corresponde ao seu valor social.(AMARANTE, 1999). Deste modo, tem-se que o Estado além de tutelar as relações familiares, tutela a honra das pessoas, a qual ao ser violada, pode ensejar em ato ilícito que deve ser reparado. 45 Assim, trazendo estes aspectos para o Direito de Família que a agressão a honra do cônjuge, pode ensejar a reparação civil, com base nos aspectos constitucionais. 46 9. RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA O direito sempre protegeu, as relações familiares, contudo, apenas recentemente a doutrina passou a discutir a possibilidade de indenização entre entes familiares como pais e filhos, cônjuges, companheiros. Curial destacar que a responsabilidade civil no direito de família, visa proteger a dignidade da pessoa humana. Frise-se que família é a relação mais pessoal do direito civil, razão pela qual se faz necessária proteção da dignidade da pessoa no âmbito familiar. Neste sentido, cumpre citar o entendimento de Venosa acerca do assunto: Em sede se família, em síntese, busca-se a tutela da personalidade e, consequentemente, da dignidade humana. Os valores da família, mais acentuadamente que outros quadrantes do Direito, são dinâmicos e mutantes por essência. Porém, nessas últimas décadas sofreram modificações mais sensíveis. Hoje, fala-se de um direito geral da personalidade, de molde a garantir o respeito mútuo e recíproco em sociedade: desse modo, impõe-se que seja reconhecido um feixe de direitos que proteja esses aspectos e reprima as distorções. (...) No curso da convivência de homem e mulher, unidos ou não pelo vínculo do casamento, podem ser praticados atos que extrapolam os limites do normal e aceitável e tragam ao outro cônjuge ou companheiro prejuízos materiais e imateriais. (...) Em princípio, toda responsabilidade civil decorre do artigo 186: injúria, calúnia, sevícia, adultério ou qualquer outra infração que traduza um ato danoso na relação entre homem e a mulher seguem a regra geral de responsabilidade civil. Ocorrendo o dano, surge o dever de indenizar. (2008, p.284) O autor Inácio de Carvalho Neto, ao discorrer sobre a responsabilidade no Direito de Família, afirma: 47 É possível concluirmos com segurança se perfeitamente cabível a indenização dos danos causados pelo ato culposo do cônjuge condenado na ação de separação litigiosa. Os pressupostos da obrigação estão assentados: há ação ou omissão do agente; está presente o dolo ou a culpa deste; houve o dano á vítima; está configurada a relação de causalidade entre o ato culposo e o dano gerado. Aperfeiçoada está, em consequência, a obrigação de reparar o dano. (2005, p. 270). No mesmo sentido, Pontes de Miranda, entendia que as consequências para o descumprimento dos deveres do casamento são somente os mencionados no próprio direito de família, vejamos: A lei prevê, quase sempre, as consequências de toda infração dos deveres de direito de família, sejam conjugais, sejam parentais. Daí a opinião, que se alastrou no sentido de não haver ação de perdas e danos, ou de indenização, quando alguém faltasse aos seus deveres de direito de família, conjugais ou parentais. Tal opinião foi posta de lado, porque, além da infração e consequente sanção de direito de família, é possível haver causa suficiente para a indenização ou reparação, com fundamento noutra regra de direito civil (direito das coisas, direito das sucessões, direito das obrigações). Desde que houve o dano, e é de invocar-se alguma norma relativa à indenização por ato ilícito, no sentido das obrigações, ou da Parte 14 Geral, cabe ao cônjuge ou ao parente a ação correspondente. Com base nos argumentos acima mencionados, verifica-se a possibilidade da aplicação da responsabilidade civil no Direito de Família, correlacionando os elementos deste instituto com fatos decorrentes do Direito de Família, sejam eles a quebra de deveres, ou a prática de ato contrário ao ordenamento, passível de indenização. 14 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito de família, ob. cit. v. 1, p.76 48 10. RESPONSABILIDADE CIVIL ENTRE OS CÔNJUGES É certo que no nosso atual ordenamento jurídico não há especificação ou tratado quanto a responsabilidade civil entre os cônjuges. Contudo, apesar desta lacuna, a jurisprudência, bem como parte da doutrina tem compreendido a aplicabilidade da responsabilidade civil do casal com base nas regras gerais de tal instituto. Cumpre observar que as primeiras questões acerca deste tema versavam sobre a questão de alimentos devidos ao outro cônjuge nos casos de dissolução conjugal por culpa de um destes. Para o autor Clayton Reis, o casamento faz nascer entre os cônjuges direitos e deveres recíprocos, destacando-se entre eles os deveres de lealdade, respeito, fidelidade e de coabitação, ora elencados no art. 1.566 do Código Civil de 2002. (REIS, 2010). Desse modo, mesmo não sendo o casamento considerado um contrato para que somente a partir de seu inadimplemento verifique-se a hipótese de responsabilidade civil, o descumprimento dos deveres conjugais também tem sido considerados motivos que poderão ensejar em reparação moral. De acordo com o autor Luiz Felipe Haddad, na esfera jurídico-familiar podem, ás vezes, aparecer hipóteses de reparação de dano moral em determinados atos ilícitos e crimes praticados por um cônjuge contra o outro, que sejam alheios ao 49 problema da ruptura do compromisso diretamente, e se equivalham a qualquer ato danoso praticado por qualquer indivíduo. O marido que, covardemente, espanca a mulher a ponto de aleijá-la ou lhe acarretar minusvalia neuropsíquica causa, é certo, dano moral à ela (podendo causar dano estético se lesar sua beleza física). A mulher que espalha que o marido é impotente ou que não é o verdadeiro pai de seus filhos estará certamente infligindo-lhe dano moral. Neste casos, extrapola o problema da quebra de compromisso, para se enquadrar em pura agressão á dignidade da pessoa.(HADDAD, 1991). Acerca do assunto, cumpre citar uma decisão inédita no Tribunal de Justiça de São Paulo, que considerou devida indenização por dano moral decorrente de simulação do estado de gravidez para fins escusos, pela esposa com repercussão negativa – perturbação as relações psíquicas do marido. “6ª Câmara do TJSP: A atitude da ré, sem dúvida alguma, constituiu uma agressão à dignidade pessoal do autor, ofensa que constitui dano moral, que exige compensação indenizatória pelo gravame sofrido. De fato, dano moral, como é sabido, é todo sofrimento humano resultante de lesão de direitos da personalidade, cujo conteúdo é a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, em geral um dolorosa sensação experimentada pela pessoa. Não se pode negar que a atitude da ré difundiu, por motivos escusos, um estado de gravidez inexistente provocou um abalo moral que requer reparação, e com perturbação nas relações psíquicas, na tranquilidade, nos sentimentos, e nos afetos do autor, alcançando, desta forma, os direito da personalidade agasalhados nos incs. V e C do art. 5° da CF” (apel. 15 272.221-1/2, 10.10.1996) No mesmo sentido, tratando de casos relacionados à lealdade e sinceridade com o cônjuge, em decisão mais recente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu: “Direito civil e processual civil. Recursos especiais interpostos por ambas as partes. Reparação por danos materiais e morais. Descumprimento dos deveres conjugais de lealdade e sinceridade 15 CAHALI, Yussef Said, Dano Moral, 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 757 50 recíprocos. Omissão sobre a verdadeira paternidade biológica. Solidariedade. Valor indenizatório. - Exige-se, para a configuração da responsabilidade civil extracontratual, a inobservância de um dever jurídico que, na hipótese, consubstancia-se na violação dos deveres conjugais de lealdade e sinceridade recíprocos, implícitos no art. 231 do CC/16 (correspondência: art. 1.566 do CC/02). Transgride o dever de sinceridade o cônjuge que, deliberadamente, omite a verdadeira paternidade biológica dos filhos gerados na constância do casamento, mantendo o consorte na ignorância. O desconhecimento do fato de não ser o pai biológico dos filhos gerados durante o casamento atinge a honra subjetiva do cônjuge, justificando a reparação pelos danos morais suportados. A procedência do pedido de indenização por danos materiais exige a demonstração efetiva de prejuízos suportados, o que não ficou evidenciado no acórdão recorrido, sendo certo que os fatos e provas apresentados no processo escapam da apreciação nesta via especial. Para a materialização da solidariedade prevista no art. 1.518 do CC/16 correspondência: art. 942 do CC/02), exigese que a conduta do "cúmplice" seja ilícita, o que não se caracteriza no processo examinado. A modificação do valor compulsório a título de danos morais mostra-se necessária tão-somente quando o valor revela-se irrisório ou exagerado, o que não ocorre na hipótese examinada. Recursos especiais não conhecidos.” (Recurso Especial n° 742137, Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, 21/08/2007) No âmbito do deveres conjugais, considerando que o respeito deve prevalecer entre o casal, na constância do casamento, visto que existem em tal relação limites, que ao serem ultrapassados, pode geral um ato ilícito, como assédio à esposa para a pratica da atos sexuais anômalos, permitindo a existência de atentado ao pudor ou ofensa à honra da mulher, neste sentido, decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: ”8ª Câmara do TJRS: O coito anal, embora inserido dentro da mecânica sexual, não integral o débito conjugal, porque este se destina a procriação. A mulher somente está sujeita à cópula vagínica e não a outras formas de de satisfação sexual, que violem sua integridade física e seus princípios morais. A mulher que acusou o marido de assédio sexual no sentido de que cedesse à pratica da sodomia, e não demonstrou o alegado, reconhecidamente de difícil comprovação, assume o ônus da acusação que fez sem nada provar (07.03.1996, RJTJRS 176/763)” No mesmo sentido, decidiu a 2ª Câmara do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, vejamos: 51 “2ª Câmara do TJSC: O sadismo erótico do marido tornando sobremaneira difícil o relacionamento sexual dos cônjuges e, em consequência, insuportável a vida em comum, constatada essa anomalia pela mulher após o matrimonio, configura erro essencial quanto à identidade civil e social do outro cônjuge, autorizando a anulação das núpcias, seja com base no n. I, seja com fundamento do n. III do art. 219 do CC [incs. I e III do art. 1.557 do CC/02]” (apel. 97.003247, 08.05.1997, Rep. IOB Jurisp. 3/13.453) Quanto ao dever de fidelidade, a jurisprudência também já emitiu seu ponto de vista no sentido de admitir o dano moral nos casos de infidelidade, vejamos: “5ª Câmara do TJRS: O apelo não pode vingar. Correta a sentença que extinguiu o feito, sem julgamento de mérito, forte no art. 267,I do CPC. Na vestibular o autor asseverou que, acompanhado de duas testemunhas, flagrara sua esposa trocando “carícias íntimas“ com outro homem, o que, segundo aduziu “feriu todos os princípios que norteiam qualquer sociedade conjugal”. Sucede, todavia, que tendo narrado tal fato e denominado a ação de “ação de ressarcimento por dano moral”, o demandante culminou por formular pedido de indenização tão somente por dano material. Embora tenha pedido a condenação da ré ao ressarcimento de “todos” os prejuízos que lhe causou a narrada a conduta ilícita, especificou-os “como“ o valor da cota que subscreveu a sociedade que ambos fundaram, assim, como o pagamento das dívidas contraídas em nome da sociedade as quais teria que honrar. Com efeito, mesmo quês, segundo a consagrada jurisprudência desta Câmara, o dano moral independa de prova dele mesmo, sendo encontrado por inferência do próprio fato noticiado ao juiz, não se pode deferir pedido inexistente. Em outras palavras, mesmo que se enxergue com nitidez o dano moral, verte impossível deferir a correspondente indenização porquanto, na espécie, não foi pedida.” (apel. 596241893, Rel, Pila Hofmeister, 247/2/1997) Também acerca de danos à terceiros envolvidos em casos de infelicidade, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se posicionou: “Responsabilidade Cvil. Dano Moral. Adultério. Ação Ajuizada pelo marido traído em face do cúmplice da ex-exposa. Ato ilícito. Inexistência. Aus~encia de violação de norma posta. 1. O cúmplice de cônjuge infiel não tem o dever de indenizar o traído, uma vez que o conceito de ilicitude está imbricado na violação de um dever legal ou contratual, do qual resulta dano para outrem, e não há no ordenamento jurídico pátrio norma de direito público ou privado que obrigue terceiros a velar pela fidelidade conjugal em casamento do qual não faz parte. 2. Não há como o Judiciário impor um "não fazer" ao cúmplice, decorrendo disso a impossibilidade de se indenizar o ato por inexistência de norma posta - legal e não moral - que assim determine. O réu é estranho à relação jurídica existente entre o autor e sua ex-esposa, relação da qual se origina o dever de fidelidade mencionado no art. 1.566, inciso I, do Código Civil de 2002. 3. De outra parte, não se reconhece solidariedade do réu por suposto ilícito praticado pela ex-esposa do autor, tendo em vista que o art. 942, caput e § único, do CC/02 (art. 1.518 do 52 CC/16), somente tem aplicação quando o ato do co-autor ou partícipe for, em si, ilícito, o que não se verifica na hipótese dos autos. 4. Recurso especial não conhecido. (Recurso Especial n° 1122547, Ministro Luis Felipe Salomão, T4 – Quarta Turma, 10/11/2009) Já o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul adota posicionamento contrário, afirmando que infrações aos deveres matrimoniais não geram dano moral, vejamos: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. RELACIONAMENTO EXTRACONJUGAL E FILHO FORA DO CASAMENTO. DESCABIMENTO NO CASO CONCRETO. A doutrina e a jurisprudência admitem a indenização por dano moral no casamento e na união estável em face do cometimento de ilícito penal de um cônjuge ou companheiro contra o outro, mas não em razão da infração aos deveres matrimoniais. Assim, a traição e a geração de um filho fora do casamento, por si só, não acarretam o dever de indenização por dano moral. Recursos desprovidos.” (Apelação Cível Nº 70026482075, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 22/07/2009) Ainda, o Superior Tribunal de Justiça também se posicionou acerca do assunto, recentemente, conforme decisão exarada no Recurso Especial n° 37.051, de 17.04.01 do STJ, publicada no informativo n° 92 do ano de 2001, do mencionado tribunal: “DANO MORAL. SEPARAÇÃO. CULTURA ORIENTAL. Prosseguindo o julgamento, a Turma entendeu, por maioria, restabelecer a indenização por dano moral à recorrente, em separação judicial por culpa exclusiva do marido, na medida em que o argumento de que se deva “temperar o julgamento do caráter do varão com o travo de sua origem oriental”, tal qual pretendido pelo acórdão recorrido, não procede diante das sevícias praticadas. Valores orientais não podem servir de escusas para a prática de conduta contrária ao ordenamento jurídico brasileiro, que levou à instabilidade psíquica da recorrente, bem como à ruptura do casamento.” (REsp 37.051-SP, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 17/4/2001). E, confirmando a possibilidade de reparação por danos morais no casamento, o Relator Nilson Naves : Separação judicial. Proteção da pessoa dos filhos (guarda e interesse). Danos morais (reparação). Cabimento. 1. O cônjuge responsável pela 53 separação pode ficar com a guarda do filho menor, em se tratando de solução que melhor atenda ao interesse da criança. Há permissão legal para que se regule por maneira diferente a situação do menor com os pais. Em casos tais, justifica-se e se recomenda que prevaleça o interesse do menor. 2. O sistema jurídico brasileiro admite, na separação e no divórcio, a indenização por dano moral. Juridicamente, portanto, tal pedido é possível: responde pela indenização o cônjuge responsável exclusivo pela separação. 3. Caso em que, diante do comportamento injurioso do cônjuge varão, a Turma conheceu do especial e deu provimento ao recurso, por ofensa ao art. 159 do Cód. Civil, para admitir a obrigação de se ressarcirem danos morais.” (Recurso Especial n° 37051, Ministro Nilson Naves, Terceira Turma, 17/04/2001) Contudo, em sentido contrário, há o entendimento de parte da doutrina que prefere aplicar casos concretos análogos com base no que preceitua o artigo 186 do Código Civil de 2002. Adere a este entendimento Moacyr Mario Porto, quando menciona que acerca do mencionado artigo, contudo referindo-se a este na versão do código civil de 1916; a concessão judicial da pensão não tira do cônjuge abandonado a faculdade de demandar o cônjuge culpado para obter uma indenização por outro prejuízo que porventura tenha sofrido ou advindo do comportamento reprovável do outro cônjuge, de acordo com o artigo 159 do Código Civil. (1966, p.65). Coaduna tal entendimento, Álvaro Vilhaça na sua obra Contrato de casamento, sua extinção e renuncia a alimentos na separação consensual in Estudos em homenagem ao Professor Washington de Barros Monteiro que entende que, provado o juízo decorrente do ato ilícito, seja qual for, o reclamo indenizatório não só de direito, como de justiça, é de satisfazer-se. De direito porque o art. 159 [atual art. 186 CC/02] possibilita, genericamente, o pagamento de indenização para cobertura de qualquer dano causado por atuação ilícita, contratual ou extracontratual; e de justiça, porque quem causa prejuízo diminui o patrimônio 54 alheio, desfalca-o com seu comportamento condenável, daí não poder restar indene de apenação, repondo essa perda patrimonial ocasionada, de modo completo e eficaz. (VILHAÇA, 1982). Por sua vez, a autora Regina Betriz Tavares da Silva, além de seguir o mesmo entendimento, postula ainda, corrente da qual apenas uma parte da doutrina é adepta, a qual defende que o casamento é um contrato especial e de Direito de Família, sendo deste modo sujeitos às regras contratuais, portanto, inserindo-se no conceito de responsabilidade civil, vejamos; A prática de ato ilícito pelo cônjuge, que descumpre dever conjugal e acarreta dano ao consorte, ensejando a dissolução culposa da sociedade conjugal, gera a responsabilidade civil e impõe a reparação dos prejuízos, com o caráter ressarcitório ou compensatório, consoante o dano seja de ordem material ou moral. O princípio da reparação civil de danos também se aplica à ‘separação-remédio’, em face do descumprimento de dever de assistência do sadio para o enfermo mental, após a dissolução da sociedade e do vínculo conjugal. Por ser o casamento um contrato, embora especial, e de Direito de Família, a responsabilidade civil nas relações conjugais é contratual, de forma que a culpa do infrator emerge do descumprimento do dever assumido, bastando ao ofendido demonstrar a infração e os danos oriundos para que se estabeleça o efeito, que é responsabilidade do faltoso. Na demonstração dos danos, não olvidamos que, sendo morais, surgem da própria ofensa, desde que grave e apta a produzi-lo. Porém, os danos indenizáveis na responsabilidade contratual são aqueles decorrentes direta e imediatamente da execução do dever preestabelecido, de forma que os danos imediatos, que derivam do rompimento do matrimônio e somente têm relação ligação indireta com o descumprimento do dever conjugal, não reparáveis no direito posto. (1999, p. 184) Ainda, cumpre mencionar que a responsabilidade civil do cônjuge na constância do casamento, dá-se, para parte da doutrina, por força do aspecto obrigacional-contratual que possui o casamento, e ainda, para outra parte, que entende que apenas o desrespeito dos deveres conjugais, são suficientes para ocasionar danos ao cônjuge ofendido, o que dá à este direito de pugnar a reparação de danos. 55 Para Regina Tavares da Silva, “uma vez violados esses deveres [dos cônjuges], com a ocorrência de danos, surge o direito do ofendido à reparação.”16 Ainda, sobre este prisma dispõe a autora que a lei estabelece deveres aos cônjuges e, obriga-os à prática de certos atos e à abstenção de outros. Uma vez violados estes deveres, com a ocorrência de danos surge o direito do ofendido à reparação, em razão do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil – cão, dano nexo causal -, assim como ocorre diante da prática de ato ilícito em outras relações jurídicas. (2007, p. 116). No mesmo sentido preceitua o autor René Satier quando afirma que “o texto que obriga uma pessoa a fazer ou não fazer alguma coisa tem, normalmente, caráter absoluto. É oponível por toda a vítima da inobservância desse texto. É oponível a todo o autor dessa violação. Toda violação a dever matrimonial acarreta uma responsabilidade entre os consortes.”17 Clayton Reis também defende este argumento ao alegar que parece não haver a mínima dúvida de que o mesmo ato ilícito que configurou infração grave dos deveres conjugais, posto como um fundamento para a separação judicial contenciosa com causa culposa, presta-se igualmente para legitimar uma ação de indenização de direito comum por eventuais prejuízos que tenham resultado diretamente do ato ilícito para o cônjuge afrontado. (REIS, 2010) 16 SILVA, Regina Tavares da, Afetividade e responsabilidade nas relações de família, Revista do Advogado, Ano XXVII, maio de 2007, n° 97p. 115 SILVA, Regina Tavares da, Afetividade e responsabilidade nas relações de família, Revista do Advogado, Ano XXVII, maio de 2007, n° 97p. 116 –René Savatier, cit. p.11 17 56 Mais adiante, prossegue aduzido acerca da reparação sendo esta além da pensão alimentícia. Afirma o mencionado autor que nos termos em que vem sendo assim colocada, não há dúvida de que o cônjuge agredido em sua integridade física ou moral pelo outro tem contra este ação de indenização, com fundamento no art. 927 do CC (correspondente, em parte ao art. 159 do anterior CC). (REIS, 2010). Em sentido contrário, Rodrigo da Cunha Pereira afirma que existe uma tendência mundial de se acabar com o critério da culpa em relação à dissolução do casamento, por se acreditar que na dissolução da família, não há cônjuge inocente e nem culpado, muito menos vencido ou vencedor da demanda, pois quem sempre perde com o fim da sociedade conjugal é a família como um todo. (PEREIRA, 2001). Seguindo o mesmo entendimento, João Batista Villela, na década de 70, já defendia a idéias de que a tentativa de apontar um culpado nas separações conjugais era um atraso do ordenamento jurídico, afirmando que de um lado, não cabe ao Estado intervir na intimidade do casal para investigar quem é culpado e quem é inocente nesta ou naquela dificuldade supostamente invencível. Dizer quem é culpado e quem não o é, quando se trata de um relacionamento personalíssimo, íntimo e fortemente interativo como é o conjugal, chegaria a ser pedante, se antes disso não fosse sumariamente ridículo. Nem os cônjuges, eles próprios, terão muitas vezes a consciência precisa de onde reside a causa de seu malogro, quase sempre envolta da obscuridade que, em maior ou menos grau, impregna todas as relações humanas. (VILELLA, 1979). 57 Tal ponto de vista teve o Relator Rui Portanova, da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em decisão recente, afirmando que o Estado não deve intervir na vida do casal para declarar um culpado pelo fim do matrimonio, vejamos: “APELAÇÃO CÍVEL. SEPARAÇÃO. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA. Descabe perquirir acerca da culpa pelo rompimento da relação conjugal. A traição, por si só, não gera o dever de indenizar. Da mesma forma, as consequências que eventualmente advém desse fato não podem gerar, na medida em que estão fora da esfera de responsabilidade do dos cônjuges. As alegações de conhecimento da sociedade acerca do ocorrido ou mesmo o sentimento de humilhação por parte da vítima estão implícitas ao próprio fato e, por isso, fora do alcance do demandado. Discussão que não leva a objetivo algum, senão a satisfação pessoal de erigir-se como inocente na estrutura do casamento. Difícil, contudo, definir o verdadeiro responsável pela deterioração matrimonial. Logo, não se mostra razoável que o Estado invada a privacidade do casal para apontar aquele que, muitas vezes, nem é o autor da fragilização do afeto. NEGARAM PROVIMENTO. (Apelação Cível Nº 70038823811, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 16/12/2010)” Deste modo, verifica-se que a doutrina majoritária, bem como os tribunais tem entendido como possível a reparação civil do cônjuge, independente a dissolução conjugal, por descumprimentos de deveres do casamento ou atos que ofendam a honra do outro, todavia, há autores que compreendem que o casamento é uma relação íntima na qual o Estado não deve intervir para solucionar conflitos. 58 11. CONCLUSÃO Pode-se constatar que o Direito vem procurando se adequar às mudanças das sociedades conjugais, sempre em consonância e respeito aos princípios fundamentais estabelecidos pela Carta Magna. A responsabilidade civil na sociedade conjugal ressalta a importância e necessidade do juiz, num processo que envolva tal tema, possui em dedicar sua atenção para verificar o desenvolvimento da sociedade em geral, já que as decisões que tem sido tomadas a respeito de tal tema, tem aumentado o número de casos envolvendo a reparação civil no âmbito do casamento. Ainda, com as novas tendências e modelos que as famílias atuais tem se mantido, a tendência é que essas questões comecem a ser ampliadas para outros tipos de relações familiares, como na união estável entre heterossexuais e, até mesmo entre homossexuais, visto que recentemente o Superior Tribunal Federal reconheceu como válida tal união. Também, percebe-se que a doutrina e a jurisprudência tem se utilizado do bom senso e analogia das aplicações das normas civilistas nas práticas de Direito de Família, visto que até o momento, o legislador não se manifestou em inovar ou regulamentar a questão da responsabilidade civil no direito de família. Através das decisões e posicionamentos doutrinários, percebe-se que já começa haver uma busca em estabelecer critérios específicos ao tratar-se da responsabilidade civil dos cônjuges, já que com as modificações do casamento e, as maiores facilidades para a dissolução da sociedade conjugal, o número de divórcios 59 cresce cada vez mais e, atos que antes não eram tidos como ofensa à honra, ou não se atentavam para tais fatos, hoje, começam a tomar um espaço cada vez maior nos nossos tribunais, fazendo com que o mundo jurídico reconheça estas situações a fim de que o judiciário possa dar o direito àquele que pleiteia de forma justa e em consonância com o ordenamento jurídico pátrio. 60 12. BIBLIOGRAFIA AFRANIO Lyra, Responsabilidade civil, Bahia, 1977 AMARANTE, I. Aparecida, Responsabilidade civil por dano à honra, Belo Horizonte: Del Rey, 1999 ALVIM, Agostinho, Da inexecução das obrigações e suas conseqüências, 3, Ed. 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