A Potencialidade do Pensamento de Boaventura Santos para os Estudos
Organizacionais
Autoria: Ana Lúcia de Medeiros, Maria Luisa Mendes Teixeira
Resumo
O artigo discute a potencialidade do pensamento de Boaventura Souza Santos
(BSS) para os estudos organizacionais. As idéias deste autor podem ser consideradas
contra-hegemônicas uma vez que o mesmo não só faz a crítica ao paradigma científico
dominante, como aponta alternativas epistêmicas para que se tenha outra compreensão
da realidade. Boaventura Santos identifica a sociologia das ausências e das emergências
como procedimentos sociológicos que buscam credibilizar as diferentes experiências
sociais e que estas possam estar disponíveis e que sejam também possíveis de acontecer.
O autor critica a razão indolente – ciência moderna – por ter sido responsável pelo
desperdício de experiências produzidas pelos diferentes saberes e práticas sociais. Isso
ocorreu porque se concebia o mundo como uma totalidade inesgotável e ao invés de
ampliar ou valorizar o presente resolveu apostar no alargamento do futuro. Fez isso por
meio de um conjunto de monoculturas que apontavam para a construção da realidade
numa concepção moderna e positivista. Boaventura Santos critica esse paradigma e
propõe a ecologia de saberes, do tempo, das diferenças, das escalas e da produção como
um conjunto de epistemologias que mostra que é possível construir um mundo livre das
monoculturas que o paradigma da ciência moderna produziu ao longo dos séculos. Este
trabalho foi realizado por meio de uma revisão bibliográfica com o propósito de analisar
os pressupostos da teoria de Boaventura Santos e a sua potencialidade para os estudos
organizações. Trata-se por sua vez de um ensaio teórico que apresenta o pensamento de
um cientista contemporâneo que aponta para a construção de um novo paradigma
científico. No que tange a potencialidade do pensamento de BSS para os estudos
organizacionais, acredita-se que assim como as teorias de Habermas, Focault e Derrida
reverberaram nessa área de conhecimento, as, deste cientista, poderão também dar uma
importante contribuição para os estudos organizacionais na medida em que aponta a
necessidade de superar o pensamento e os saberes hegemônicos. Ao fazer a crítica às
monoculturas, o autor apresenta uma linha teórica convincente o que possibilita
compreender os fenômenos organizacionais. Acredita-se que a superação da lógica da
monocultura da produtividade capitalista é um importante passo em direção a um novo
caminho a ser seguido pelas organizações. Identificar e credibilizar os diferentes saberes
presentes nas práticas sociais e nas práticas de gestão é um caminho que pode fazer com
que as relações sociais estabelecidas no interior das organizações sejam pautadas por
relações dignas e emancipatórias.
Palavras-Chave: organizações, monoculturas, sociologia das ausências e emergências.
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1 – Introdução
As organizações ocupam um papel importante no sistema capitalista de
produção por serem, entre outras coisas, responsáveis pela produção de mercadorias
(HARVEY, 2010; ADLER, 2009). Por ocupar essa função, estudiosos se debruçaram
sobre os fenômenos organizacionais buscando compreender a natureza das relações
humanas desenvolvidas no seu interior e a sua influência sobre a competitividade,
produtividade e eficiência produtiva. Há uma vasta literatura sobre o assunto, porém
ainda há uma diversidade e polêmicas sobre a identidade da área. (RODRIGUES;
CARRIERI, 2001).
É comum ver os fenômenos organizacionais serem estudados sob a luz do
paradigma funcionalista, que tem como base a epistemologia positivista. Essa é uma
questão que tem sido revisitada por vários estudiosos, uma vez que há um entendimento
de que as organizações são constituídas por relações sociais. Compreende-se que os
fenômenos organizacionais não devem ser vistos como casuais ou sistêmicos, eles estão
relacionados a questões humanas, e, por isso, devem ser singularizados ao invés de
coisificados, universalizados ou pré-determinados (DAVEL; VERGARA, 2005).
Está em processo de desenvolvimento um campo teórico que vem ao longo dos
últimos anos ganhando espaço na comunidade acadêmica mundial e brasileira. Os
estudos organizacionais que têm como base teórica a teoria crítica, o pensamento
complexo e o pós-moderno. (PAULA et al, 2010).
Quanto à teoria crítica destacam-se os trabalhos fundamentados nas obras da
Escola de Frankfurt e de Habermas. Os pensadores que se utilizam desses referenciais
para analisar as organizações “acreditam que as formas de organização do mundo
contemporâneo só podem ser compreendidas como resultados de um processo histórico
em todas as suas instâncias”. (FARIA, 2008, p. 28). Por isso há a necessidade de olhar
com atenção para os fenômenos relacionados às conseqüências do controle do trabalho
pelo capital e a exploração do trabalho dentre tantas outras questões.
Quanto ao pensamento complexo, destacam-se os trabalhos que usam o
pensamento de Morin como referência. A teoria da complexidade assume um papel
importante na análise dos fenômenos organizacionais quando se entende que as coisas
não obedecem a uma ordem definida (SCHLICKMANN; MELO, 2009). Há que se
considerar os desvios, ou as variáveis que não podem ser mensuradas e são colocadas
nos modelos de regressão como erros aleatórios. Não considerar os desvios pode se
tornar um problema funcional para a organização que é impedida de atingir seus
objetivos por conta do que não é previsto (erros, desvios) e isso rompe um modelo de
ordem, de equilíbrio, ideais perseguidos pelas organizações. (MORIN, 1986).
No que tange ao pensamento pós-moderno destacam-se os trabalhos que
referenciam as obras de Foucault, Latour e de Derrida. A título de exemplo, pode-se
citar o trabalho desenvolvido por Alcadipani e Tureta (2009), que é fundamentado no
pensamento de Bruno Latour. Os trabalhos concebidos sob essa perspectiva se
debruçam principalmente sobre diversos fenômenos organizacionais sob uma
perspectiva crítica.
Ao trazer para o centro da questão os fenômenos e as teorias organizacionais sob
uma perspectiva pós-moderna, é importante colocar a baila o pensamento de Boaventura
Santos. Ao fazer a crítica ao paradigma dominante – positivista – e discutir a
possibilidade de emergir um novo paradigma, o autor aponta que é possível
compreender a realidade sob várias perspectivas, valorizando os diferentes saberes e
culturas. O autor acredita que apenas o saber científico e sua direção única não é
suficiente para dar respostas tão necessárias as questões que se evidenciam desde a
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metade do século XX. A ciência moderna se assentou sobre as monoculturas do saber e
do rigor cientifico, do tempo linear, da produtividade mercantil e do trabalho, da
naturalização das diferenças e da escala dominante. Ao fazer isso produziu cinco formas
de não-existências: o ignorante, o residual, o improdutivo, o inferior e o local. Para
mostrar que as experiências não podem ser desperdiçadas e que é possível dar voz ao
que não reverbera, visibilidade ao que é invisível, ele recorreu aos procedimentos
sociológicos: sociologia das ausências e das emergências. Para dar visibilidade ao que é
dado como invisível, apresenta a sociologia das ausências, e, para mostrar que o que é
dado como inexistente, mas, que pode emergir, recorre à sociologia das emergências.
(SANTOS, 2007; 2009; 2010a; 2010b;).
Por último apresenta a ecologia de saberes, do tempo, das diferenças, das escalas
e da produção como um conjunto de epistemologias que tem como pressuposto a
multiplicidade e diversidade das experiências disponíveis e possíveis. (SANTOS, 2006).
Esse conjunto de epistemologias busca credibilizar e fortalecer todas essas
possibilidades que se apresentam na sociedade e nas organizações (SANTOS, 2010a).
Este trabalho tem como objetivo apresentar a potencialidade do pensamento de
BSS para os estudos organizacionais. A metodologia utilizada se configurou como
pesquisa bibliográfica com o objetivo de elaborar um ensaio teórico para tratar das
questões epistêmicas que tangenciam os estudos organizacionais. Esse ensaio está
dividido em três seções além desta introdução e das considerações finais. Na primeira
seção apresenta-se uma discussão sobre o pensamento moderno e o pós-moderno. A
segunda seção se fez uma discussão sobre as idéias de autores pós-modernos sobre as
questões organizacionais. Por último, na terceira seção apresenta-se a potencialidade do
pensamento de BSS para os estudos organizacionais.
2. – Introduzindo o Pensamento Moderno e Pós-Moderno
O conhecimento científico moderno “baseava-se em seu rigor e sua
operacionalidade na medida e no cálculo” (MORIN, 2011, p. 12). A modernidade fez
emergir uma nova maneira de conhecer a realidade, porém, a história da ciência mostra
que apesar do progresso alcançado pela ciência, nos mais diversos campos, ela também
gerou déficits. Vários autores a exemplo de Boaventura Santos (2010b), Morin (2011),
Latour (1994), Foucault (1979; 2003; 2008), desenvolveram um pensamento que critica
os pressupostos da ciência moderna e apontam as lacunas existentes ou simplesmente
usam a denúncia para mostrar que é possível compreender a realidade por meio de
outras perspectivas paradigmáticas.
A epistemologia moderna é a forma de conhecimento que preside a ciência
moderna desde o século XVII e é pautada pela totalidade e se constituiu em um modelo
hegemônico de conhecimento e dependente da racionalidade técnica. (MORIN, 2011;
SANTOS, 2010b).
Esse modelo de racionalidade que sustentou a produção do conhecimento nos
últimos séculos foi o responsável pela morte de qualquer outra forma de saber e de
conhecimento, e, por isso é visto como o paradigma científico dominante (SANTOS,
1997; 2007; 2009; 2010). A hegemonia deste paradigma colocou sobre seus pés uma
concepção epistemológica positivista cujas idéias fundamentais se assentavam nas
seguintes idéias:
Distinção entre sujeito e objeto e entre natureza e sociedade ou
cultura; redução da complexidade do mundo a leis simples
susceptíveis de formulação matemática; uma concepção da
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realidade dominada pelo mecanismo determinista e da verdade
como representação transparente da realidade; uma separação
absoluta entre conhecimento científico – considerado o único
válido e rigoroso – e outras formas de conhecimentos como o
senso comum ou estudos humanísticos; privilegiamento da
causalidade funcional, hostil à investigação das causas últimas,
consideradas metafísicas, e centrada na manipulação e
transformação da realidade estudada pela ciência (SANTOS,
2010, p. 25).
Os pressupostos do positivismo serviram para dar respostas aos fenômenos
naturais, e, mais tarde, foram transladados para os estudos das ciências sociais e para
todas as ciências que buscavam compreender a realidade sob uma perspectiva objetiva e
totalitária. (SANTOS, 1995).
É digno de nota, evidenciar as mudanças sócio-culturais iniciadas na década de
60 que celebraram entre tantas coisas, a emancipação feminina, o anseio da juventude
por liberdade de expressão e críticas às instituições oficiais (SANTOS, 2005a). A partir
dessa década pode-se dizer que tais movimentos instauraram, mesmo que
simbolicamente, uma política cultural alternativa que ensejou um novo olhar e uma
nova forma de conhecer, compreender e entender o mundo.
O paradigma dominante – positivista e hegemônico - faz inferências universais
por meio de métodos simplificadores, logo, se atém a enxergar os fenômenos à luz das
aparências e da sua objetividade. Nesse contexto, entende-se que observar a realidade
considerando a relação de causa e efeito entre duas variáveis é entender que a realidade
só pode ser conhecida por meio da simplificação e do pensamento universal. “Vivemos
sob o império dos princípios de disjunção, de redução e de abstração cujo conjunto
constitui o que chamo de paradigma de simplificação” (MORIN, 2011, p. 11).
A teoria da complexidade desenvolvida por Edgar Morin se coloca numa
posição contrária ao paradigma de simplificação – modernidade - porque procura
compreender o mundo levando em consideração as suas múltiplas faces. “A patologia
moderna da mente está na hipersimplificação que não deixa ver a complexidade do real
(MORIN, 2011, p. 15).
O final do século XX já apresentou sinais de que está surgindo uma nova era que
exige dos estudiosos, uma linha de pensamento que seja possível ultrapassar ou pelo
menos alargar as fronteiras que delimitam o conhecimento. Ao invés de considerar uma
ordem estabelecida que conduza ao progresso, a razão, a identidade, a objetividade e a
emancipação universal, projeta-se um pensamento considerado pós-moderno que vê o
mundo como contingente, gratuito, diverso, instável, imprevisível, um conjunto de
culturas que gera descrença em relação a objetividade da verdade. (GIDDENS, 1991;
JAMESON, 2006; EAGLETON, 1998).
2.1 – Os Estudos Pós-Modernos e as Organizações
A evolução do pensamento epistêmico está relacionada com a transformação
social. Cabe nesse momento, relembrar o processo de construção da ciência, uma vez
que a contribuição de Foucault (1979) nos obriga a refletir sobre o conhecimento, o
poder e corpo. Segundo Rowlinson e Carter (2002), para os pensadores modernos, a
verdade está associada ao conhecimento e está livre do poder.
Nesse sentido, o aspecto subjetivo ou os aspectos políticos - poder - (grifo
nosso) não é considerado ponto central para os pensadores que defendem os
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pressupostos do paradigma funcionalista (ROWLINSON; CARTER, 2002). A
contribuição de Foucault no processo de construção da ciência e do conhecimento parte
de uma perspectiva política, ou seja, de poder (ROWLINSON; CARTER, 2002). No
estado natural descrito por Hobbes (1997), a disciplina se dava por meio da força física
nos diversos agrupamentos sociais, inclusive no seio familiar. O poder deve ser
concebido e cristalizado na Instituição-Estado, assim, ele tem o poder de harmonizar a
sociedade, tirando-a da sua ordem natural. Com a criação do Estado, enquanto aparelho
que absorve para si todo o poder dos homens da sociedade, esse monopólio de reprimir
e de disciplinar passa a ser das instituições e do Estado, como diz Althusser (1983):
escola, televisão, etc. Segundo Weber (1993, p. 60) “O estado se transforma na única
fonte do direito à violência”.
O modo disciplinar substituiu o tradicional em menos de um século, assim como
o gosto do público para o castigo físico e 'espetáculo' diminuiu, o castigo começou
lentamente e em um ou dois lugares isolados em primeiro lugar para tornar-se dirigida
para a "alma", a mente e a vontade (FOUCAULT, 1979). Extremos de violência
infligida ao corpo rapidamente foram reduzidos e, em alguns casos, até mesmo
desapareceram, mas foram substituídos, segundo Foucault (1979), por panópticos, como
formas sutis de correção e de controle. Sob essa perspectiva, entende-se que a sociedade
contemporânea não é mantida por um aparelho de estado visível de guardas nacionais e
da polícia estadual, menos ainda por compartilhados sistemas de valores, mas pelas
técnicas de disciplina sempre escondido no trabalho das 'Instituições Carcerárias
(FOUCAULT, 1979).
Ao analisar a obra de Foucault, percebe-se à primeira vista que ele, a exemplo de
Weber, trabalha a idéia do entrelaçamento entre ciência e política – poder e saber
(FOUCAULT, 2006). A luz do seu pensamento, entende-se que a sociedade é um corpo
subordinado ao poder disciplinador.
Na sociedade capitalista predomina o poder sobre o corpo, a disciplina se dá por
meio dos hospitais, das prisões, da escola e das organizações. Nesse sentido, ocorre o
aprisionamento da mente e da subjetividade dos indivíduos. No sistema de produção,
por exemplo, a obediência do corpo se dar por meio dos diversos controles
desenvolvidos e utilizados pelas organizações (FOUCAULT, 1979).
Compreende-se que com o surgimento da sociedade industrial se ensejou o
compartilhamento dos valores das organizações que eram desejáveis pelos capitalistas
como uma forma de controle das subjetividades dos trabalhadores. A esse
compartilhamento de valores e comportamentos no corpo dos indivíduos, Foucault
(2008) chamou de biopoder.
Segundo Cooper (1984), essas instituições, tomadas como construções sociais
reificadas, são combatidas por Foucault e por seu discípulo Derrida. Foucault combateu
as instituições na forma de estruturas de poder que levam os indivíduos a
compartilharem normas que pensam ser escolhas autônomas. Derrida combateu as
instituições através de três construtos: desconstrução, escrita e differance (COOPER,
1989).
Entende-se que num processo de desconstrução procura-se estudar os textos (que
podem ser falas, escritos, organizações), de forma contextualizada, considerando a vida
do autor, a posição em que a obra se encontra no todo (no caso de textos escritos) e o
contexto histórico do texto.
A escrita para Derrida é um processo em que o autor constrói e é construído por
ela. Segundo Cooper (1984), nesse processo entram fatores inconscientes, que podem
ser provenientes da socialização primária e secundária (BERGER; LUCKMANN,
2001).
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Segundo Cooper (1989), o conceito de differance para Derrida inclui duas
idéias: diferir e deferir. Diferir significa que cada construto inclui em si seu oposto, que
difere dele mesmo. O que seria o sentido de deferir para o outro ou para outra ocasião
seria que as intenções iniciais dos autores são compreendidas após certo intervalo de
tempo e de acordo com as visões de outros intérpretes (COOPER, 1989).
Foucault, Derrida, Deleuze e Latour são considerados os principais
representantes do pensamento pós-moderno. As teorias desenvolvidas por eles estão
sendo empregadas nos estudos organizacionais em todo o mundo. Em contraposição ao
pensamento moderno rejeita as grandes narrativas, o princípio de universalismo e da
formação do consenso (LATOUR, 1994).
A ciência administrativa surgiu sob as bases da epistemologia moderna, ela é de
cunho positivista, isto é, se assenta sobre os pressupostos das ciências naturais. “(...) o
desenvolvimento de uma ciência administrativa aplicada que serviria aos gestores, tal
como as ciências físicas servem aos engenheiros e as ciências biológicas servem aos
médicos” (MARSDEN; TOWNLEY, 2007, p. 39). Considerando tais aspectos, é
possível compreender porque alguns estudiosos vêem as organizações como máquinas.
Essa metáfora mostra a base do pensamento do paradigma funcionalista que segundo
Morgan (2005, p.58), “é baseado na suposição de que a sociedade tem existência
concreta e real, e um caráter sistêmico orientado para produzir um sistema social
ordenado e regulado”.
As organizações são analisadas por diferentes paradigmas científicos, sendo o
funcionalista o de maior notoriedade no campo das ciências administrativas. Autores, a
exemplo de Lex Donaldson, defendem que este paradigma é capaz de lidar com
questões teóricas e práticas quando elas surgem. “(...) aquele núcleo de conceitos
funcionalistas é bastante razoável, tanto conceitual quanto filosoficamente”
(BURRELL, 2007, p. 437).
O que se percebe é que há um vasto campo teórico e metodológico que se
assentou sobre as bases deste paradigma. Nas últimas três décadas vários pesquisadores
começaram a utilizar novas lentes para observar os fenômenos organizacionais. Ganhou
notoriedade neste campo de conhecimento o pensamento de Habermas, Michel
Foucault, Derrida, e Deleuze (COOPER; BURRELL, 1988; ALVESSON, 1995; REED,
2007; ROWLINSON; CARTER, 2002; DONALDSON, 2003).
Esses pensadores (sociólogos e filósofos) romperam com o paradigma
funcionalista e pode-se dizer com a episteme da modernidade (ALVESSON, 1995). As
idéias de Habermas são consideradas por muitos estudiosos como sendo modernas, e,
seu pensamento se assenta nas bases do paradigma da teoria crítica.. As idéias de
Habermas reverberaram nos estudos organizacionais por meio da ação comunicativa em
contraposição a lógica da racionalidade técnica. (ALVESSON; DEETZ, 2007).
Segundo Cooper e Burrell (1988) a organização num discurso moderno atua na
base do controle, da crescente racionalização e colonização progressiva da natureza e
das pessoas, enquanto trabalhadores, consumidores ou sociedade. Segundo Foucault
(1979), os homens não são vistos pelas suas subjetividades, mas, no aspecto da
dominação de seus corpos (abordagem concreta). Pode-se dizer que o poder é exercido
de tal forma que as normas formuladas por uma elite são introjetadas como se fossem o
natural, o moralmente correto. De acordo com o pensamento de Foucault, o poder
exercido nas organizações não está nas pessoas, mas, nas “demarcações e nos sistemas
de discurso que as sustentam, incluindo os arranjos materiais, por exemplo,
recrutamento e procedimentos de seleção” (ALVESSON; DEETZ, 2007, p. 253).
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3 – A Potencialidade do Pensamento de Boaventura Santos para os Estudos
Organizacionais
Do ponto de vista epistemológico existe uma discussão entre os teóricos
organizacionais acerca do debate entre duas epistemologias: a moderna e a pósmoderna. De acordo com os pressupostos da ciência moderna é possível dizer à luz
desta epistemologia que a organização pode ser vista em termos de princípios gerais ou
de leis que governam seu funcionamento. Entende-se que sob essa perspectiva a
organização assume uma função econômico-administrativa circunscrita que se assenta
em um sistema de racionalidade (COOPER; BURRELL, 1988). Por outro lado, a
epistemologia pós-moderna enfatiza diferenças, ambivalências, contradições internas e
dependência mútua (MARSDEN; TOWNLEY, 2007).
Considerando a complexidade da sociedade e do mundo, deve ser salutar
introduzir no campo do conhecimento pensamentos alternativos para a compreensão da
realidade organizacional.
No que tange aos estudos dos fenômenos organizacionais existe um campo
paradigmático e teórico relativamente demarcado. Sob a perspectiva da epistemologia
da modernidade destaca-se o paradigma funcionalista, e, considerando o pensamento
pós-moderno como uma nova forma de conhecimento, destacam-se os trabalhos
realizados à luz do pensamento de Michel Foucault. Em meio as diferentes formas de
pensar o mundo, e, em especial, refletir sobre os fenômenos organizacionais que é um
vasto campo para explorar conhecimento, é possível introduzir novos saberes e métodos
de investigação. Para cumprir com esse objetivo, este trabalho apresenta um
pensamento teórico que pode se transformar em um novo olhar que seja capaz de
enxergar novas realidades na organização.
Apesar de o pensamento crítico ter aberto uma discussão acerca de como poderia
ser o mundo e tentar desnudar os fenômenos e ir além da sua aparência, não conseguiu
apontar alternativas que fossem além do paradigma da modernidade. (SANTOS, 1997,
2009, 2010a).
O pensamento de Boaventura Santos (1997, 2005, 2007, 2009, 2010) se aventura
a pensar um novo mundo e a propor uma nova maneira de conhecer a realidade. A sua
proposta não é tão somente crítica, denunciadora, mas, sobretudo, libertadora. Ela
permite que se faça a crítica, a denuncia, no entanto, suas idéias diferem das que
predominam na literatura sem, no entanto, renegá-las. Ao fazer isso, propõe uma
epistemologia que seja emancipadora e que permita as nações a liberdade, a justiça, a
autonomia e a dignidade. O autor acredita ser possível criar um paradigma que ao invés
de separar os saberes, os unam, ao invés de monocultural seja pluricultural. Boaventura
Santos apresenta em sua obra as pistas e os pressupostos de um paradigma emergente
fundamentado na razão cosmopolita em contraposição à razão indolente.
As armas do pensamento crítico do paradigma da modernidade,
que eram poderosas e mesmo revolucionárias, transformaram-se
com o tempo em pistolas de sabão que, como a de Woody Allen,
se derretem à chuva quando com elas pretendemos forçar a
nossa fuga da prisão. Afirmar que o projecto da modernidade se
esgotou significa, antes de mais, que se cumpriu em excessos e
défices irreparáveis. São eles que constituem a nossa
contemporaneidade e é deles que temos de partir para imaginar o
futuro e criar as necessidades radicais cuja satisfação o tornará
diferente e melhor que o presente (SANTOS, 2005, p. 102).
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Ao fazer a crítica ao pensamento crítico moderno, BSS lança o olhar sobre uma
nova forma de fazer ciência porque acredita que o paradigma dominante e hegemônico
está em crise. Em seus estudos reafirma que o mundo está vivendo uma transição
paradigmática (SANTOS, 1995; 1997; 2005; 2009; 2010).
Mostra que se faz necessário uma epistemologia que tenha um pensamento
alternativo às alternativas e não apenas alternativas para problemas que na sua visão não
são mais modernos. Para problemas não modernos devem-se usar soluções não
modernas (SANTOS, 2009; 2010a).
Segundo Santos (2009), com a ciência moderna, ocorreu a primeira ruptura
epistemológica, ou seja, ocorreu um salto qualitativo do senso comum para o
conhecimento científico. De acordo com este autor, a ciência pós-moderna, parte do
conhecimento científico para o senso comum e do princípio de que nenhuma forma de
conhecimento em si é racional, “só a configuração de todas elas”. Com isso presume-se
uma segunda ruptura epistemológica. (SANTOS, 2009, p. 70). Reafirma que,
o conhecimento científico pós-moderno só se realiza enquanto
tal na medida em que se converte em senso comum. A ciência
pós-moderna, ao sensocomunizar-se, não despreza o
conhecimento, que produz tecnologia, mas entende que tal como
o conhecimento se deve traduzir em auto-conhecimento, o
desenvolvimento tecnológico deve traduzir-se em sabedoria de
vida. (SANTOS, 1995, p. 57).
Boaventura Santos entende que essa nova episteme deve-se colocar em função
não apenas do conhecimento prudente, mas, sobretudo que torne a vida decente
(SANTOS, 2009; 2010a). Entende-se que novos conhecimentos são necessários para
reduzir os déficits produzidos pelo pensamento moderno. Estes se apresentam sob a
forma de exclusão social e destruição do meio ambiente quando o objetivo principal das
organizações e dos países foi pautado pela produção de riqueza e maximização do lucro.
Fazer ciência na perspectiva que vai além da modernidade é buscar uma nova
epistemologia, sem, no entanto negar a que existe, a moderna. É necessário avançar e
procurar novas formas de conhecimento sem que seja necessário romper com a
epistemologia vigente. Pode ser possível realizar “um conhecimento compreensivo e
íntimo que não nos separe e antes nos una ao que estudamos” (SANTOS, 1997, p. 53).
Seria interessante criar alternativas para o novo mundo que tenha a intenção de
romper com a unidimensionalidade do homem, reduzir os déficits sociais frutos dos
fundamentos do paradigma moderno (SANTOS, 1997).
Para isso, seria importante, portanto, transcender a racionalidade ocidental ou a
epistemologia da ciência moderna, para uma racionalidade mais ampla e que esteja de
acordo com as necessidades de hoje. Ela não necessita cobrir todo o campo da ciência
porque não há conhecimento geral; tão pouco há ignorância geral (SANTOS, 2007).
Na matriz da modernidade ocidental há dois modelos, dois tipos de
conhecimento distintos: o conhecimento de regulação e o da emancipação. “O
conhecimento-emancipação deve ser construído a partir da relação entre o respeito à
igualdade e o respeito às diferenças”. (SANTOS, 2007, p. 62). Essa nova forma de
“conhecer” aspira a uma nova psicologia, a uma nova construção da subjetividade. “Não
basta criar um novo conhecimento, é preciso que alguém se reconheça nele” (SANTOS,
2005c, p. 333).
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Esse auto-reconhecimento pode ser necessário para que os sujeitos busquem
também novas formas de viver, de trabalhar, de gerir e de fazer ciência. Esse novo jeito
de fazer as coisas deveria ser realizado pelo viés da emancipação e da dignidade
humana. Um conhecimento emancipatório destaca a relação entre o respeito à igualdade
e ao reconhecimento das diferenças, aos direitos e deveres dos seres humanos.
(SANTOS, 2007).
Ao destacar a idéia de se produzir um conhecimento emancipatório é possível
depreender que uma sociedade emancipada é aquela que respeita as pessoas e as suas
idiossincrasias. Entende-se que para compreender a realidade que é multifacetada
deveria ser necessário entender que os processos são incompletos, os saberes são
incompletos, a cultura é também incompleta.
Santos (2007; 2009; 2010a), defende a idéia de que é necessária uma nova
epistemologia para ajudar a compreender o mundo, porque existe uma riqueza social
que “está a ser desperdiçada”. (SANTOS, 2010a, p. 94). É para evitar esse desperdício
de experiências que a ecologia dos saberes, do tempo, da escala, das diferenças e da
produção enquanto um “conjunto de epistemologias parte da possibilidade de
diversidade e da globalização contra-hegemônica e pretende contribuir para as
credibilizar e fortalecer”. (SANTOS, 2010a, p. 154).
Santos (2007) vale-se do termo razão indolente ao fazer a crítica ao paradigma
dominante – racionalidade ocidental e moderna. Pode-se dizer que ao longo dos séculos,
a ciência moderna não conseguiu produzir conhecimento suficiente para dar respostas
aos problemas que se avizinhavam em decorrência da própria evolução das relações
sociais. Segundo Santos (2006; 2010), a experiência social em todo o mundo é muito
maior do que a racionalidade moderna entende e apresenta como relevante. A
compreensão do mundo está relacionada com a questão das temporalidades e por
último, a característica fundamental deste paradigma é o fato de contrair o presente e
ampliar o futuro. Segundo Bauman (2001, p. 37), “a consumação está sempre no futuro,
e os objetivos perdem sua atração e potencial de satisfação no momento de sua
realização, se não antes”.
O que fundamentou a crítica de Santos ao paradigma dominante – razão
indolente – foi o entendimento de que a mesma se assenta nas razões impotente,
arrogante, metonímica e proléptica.
A razão impotente é aquela que não exerce porque pensa que
nada pode fazer contra uma necessidade concebida como
exterior a ela própria. A razão arrogante, não sente necessidade
de exercer-se porque se imagina incondicionalmente livre e, por
conseguinte, livre da necessidade de demonstrar a sua própria
liberdade. A razão metonímica que se reivindica como a única
forma de racionalidade. A razão proléptica não se aplica a
pensar o futuro, porque julga que sabe tudo a respeito dele e o
concebe como uma superação linear do presente (SANTOS,
2010, p.95).
As razões que dão sustentação ao paradigma dominante se cristalizaram nas
formas de determinismo/realismo, livre-arbítrio/construtivismo, a parte tomada pelo
todo e pelo domínio da natureza (SANTOS, 2006). Entende-se que a razão metonímica
e a proléptica são as formas que melhor evidenciam as principais categorias da
modernidade: a relação entre natureza e cultura, sujeito e objeto, o determinismo e a
totalidade. Ao raciocinar de forma dual não se abre espaço para pensar em outras
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possibilidades porque as únicas consideradas pelo pensamento moderno se esgotaram.
Com isso não se percebe os saberes alternativos, porque também não são necessários
para explicar a realidade, visto ser ela determinada e passível de ser conhecida pela
aplicação dos métodos científicos e pelos pressupostos do pensamento moderno.
Ao julgar que o paradigma dominante já se encontra esgotado, Boaventura
Santos se destina a pensar outro mundo e para isso lança a mão de três pressupostos
meta-sociológicos: a sociologia das ausências, a sociologia das emergências e o trabalho
de tradução.
Ao propor a sociologia das ausências, Boaventura Santos procura dar voz ao que
a razão metonímica traduz como não existente, “transformar objetos impossíveis em
possíveis e com base neles transformar as ausências em presenças” (SANTOS, 2010a,
p. 102). Ao propor a sociologia das emergências o autor busca apontar alternativas que
cabem no horizonte das possibilidades concretas. Com ela se “produz experiências
possíveis, que não estão dadas porque não existem alternativas para isso, mas são
possíveis e já existem como emergência” (SANTOS, 2007, p.38). Ao propor o trabalho
de tradução busca-se criar inteligibilidade entre os saberes gerando com isso o
interconhecimento (SANTOS, 2009; 2010).
As ausências e as emergências podem ser encontradas na sociedade em seus
mais diversos espaços. No espaço do conhecimento, da produção, do trabalho, do
reconhecimento, da comunicação e da democracia, dentre outros. Para evidenciá-las se
faz necessário o trabalho da tradução para se produzir interconhecimento (SANTOS,
2006).
Segundo Santos (2009), a sociedade se organiza em espaços estruturais que são
localizações sedimentadas de unidades de ação (estado, nação, sistema capitalista,
sociedade de consumo, cidadania). Uma ação enseja uma prática social que é “sempre
uma constelação de algumas ou de todas as diferentes formas de ação” (SANTOS,
2009, p. 309). Essas ações podem ser individuais e coletivas e são realizadas em
diferentes espaços estruturais que são unidades de práticas sociais.
Segundo Wenger (2001), o conceito de prática está diretamente associado à idéia
de fazer não apenas no aspecto explícito, mas, sobretudo, no aspecto implícito. Nesse
sentido, o conceito de prática vai além do fazer e se assenta no contexto histórico e
social agregando a idéia de significado a ele próprio. “Nesse sentido, prática é sempre
prática social” (WENGER, 2001, p. 71).
O conceito de prática inclui o que se fala e o que se dá como suposto. A
linguagem, os instrumentos, os documentos, as imagens, os símbolos, os papéis
definidos, os procedimentos codificados, as normas e contratos que as diversas práticas
exigem para os fins específicos são incluídos como práticas. Além destas incluem
também todas as relações implícitas, as convenções tácitas, os pequenos sinais, as
normas escritas, as intuições reconhecíveis, as percepções específicas, as sensibilidades
sintonizadas, os entendimentos consagrados, os pressupostos subjacentes e as noções
compartilhadas da realidade que em sua maior parte não conseguem expressar
(WENGER, 2001). A partir do conceito de prática social pode-se inferir que a prática
social é fruto de uma relação social, de interações individuais, coletivas e grupais.
Segundo Santos (2009), o que faz de uma relação social um exercício de poder é
a intensidade com que são desigualmente tratados os interessados que compartilham
uma mesma relação, ou seja, é o grau em que um grupo afeta outro de maneira inversa
aos interesses do último. A sociedade capitalista é caracterizada pela assimetria de
poder e isso pode ser percebido ao se observar os diferentes níveis de hierarquia que
constituem a sociedade. Santos (2009, p. 272), aponta que “as sociedades capitalistas
são formações ou constelações políticas, constituídas por seis modos básicos de
10
produção de poder que se articulam de maneiras específicas”. Essa articulação se dá em
seis espaços estruturais que geram também seis formas de poder: no espaço doméstico
a forma de poder é o patriarcado; no espaço da produção, a forma de poder é
exploração, no espaço do mercado, a forma de poder é o fetichismo da mercadoria, no
espaço da comunidade, a forma de poder é a diferenciação desigual entre quem pertence
à comunidade e quem não pertence; no espaço da cidadania a forma de poder é a
dominação e no espaço do mundo a forma de poder é o intercâmbio desigual.
(SANTOS, 2005a; 2005c; 2007; 2009).
O espaço doméstico é o conjunto de relações sociais de
produção e reprodução da domesticidade e do parentesco. O
espaço da produção é o conjunto de relações sociais
desenvolvidas em torno da produção de valores de troca
econômicos e de processo de trabalho, de relações de produção
em sentido amplo e de relações na produção. O espaço de
mercado é o conjunto de relações sociais de distribuição e
consumo de valores de troca através das quais se produz e
reproduz a mercadorização das necessidades e dos meios de as
satisfazer. O espaço da comunidade é constituído pelas relações
sociais desenvolvidas em torno da produção e da reprodução de
territórios físicos e simbólicos e de identidades e identificações
com referência a origens ou destinos comuns. O espaço da
cidadania é o conjunto de produção da obrigação política
vertical entre os cidadãos e o Estado. O espaço mundo é, por
conseguinte, a matriz organizadora dos efeitos pertinentes das
condições e das hierarquias mundiais sobre os demais espaços
de uma determinada sociedade (SANTOS, 2009, p. 278).
A relação entre os espaços mundo e de produção são recíprocas e pode ser vista
sob a ótica do processo de acumulação de capital. Este processo é caracterizado por
desigualdades nas relações de produção e na produção pela distribuição desigual da
mais-valia por todo o sistema mundial. Essa distribuição desigual é também responsável
pelas hierarquias que se perpetuam no sistema mundo (SANTOS, 2009).
Para enxergar essa realidade é possível observar a posição que cada país ocupa
no mundo. O status dessa posição geralmente está associado à capacidade de produção
dos países associados a sua forma de poder que é a exploração. Santos (2009) destaca
que existe uma dinâmica de desenvolvimento entre os espaços da produção e do mundo
que são simbióticas e recíprocas. No momento em que esses espaços se consolidam
enquanto constelações sociais podem reforçar o processo de globalização hegemônica
caracteristicamente marcada por exploração e desigualdade.
À luz do pensamento de Santos, entende-se que para superar esse processo, se
faz necessário caminhar em outras direções e estabelecer relações que ao invés de
dominação seja de solidariedade e de respeito, que ao invés de ser orientada para a
destruição do meio ambiente e das relações domésticas seja focada na construção de um
novo mundo que tenha como tônica a construção de uma política emancipatória de
direitos humanos.
Considerando que as organizações produtivas se encaixam no espaço da
produção que tem como forma de poder a exploração, entende-se que esta se faz
presente nas relações sociais relativas às práticas de gestão das organizações. Assim,
depreende-se que a exploração é usada nessas relações com o objetivo de aumentar a
11
produtividade do trabalho e aprofundar o processo de acumulação de capital que é
gestado pelas organizações produtoras de bens e serviços.
Nesse sentido, pode-se dizer que ao se produzir esse modelo norteado pela
exploração do trabalho, a epistemologia moderna gerou um déficit no conhecimento ao
não apresentar outro modelo alternativo a esse processo. Ao fazer isso produziu
ausências e se encarregou de silenciar os saberes alternativos e fez isso por meio das
monoculturas, principalmente as relativas ao rigor científico, ao tempo linear e a
produtividade mercantil e do trabalho (SANTOS, 2007).
Boaventura Santos propõe como pensamento alternativo a possibilidade de
construção da emancipação a partir de uma nova relação entre o respeito à igualdade e o
princípio do reconhecimento da diferença, ou seja, respeitar a capacidade que os
indivíduos têm de ter direitos (SANTOS, 2009; 2010). Assim, pode-se inferir que as
relações sociais relativas às práticas de gestão em organizações devem ser permeadas
pelos princípios da igualdade e do reconhecimento das diferenças, ou seja, que busquem
garantir a dignidade humana, a inclusão social, a auto-determinação com o objetivo de
potencializar a sua liberdade e emancipação (SANTOS, 2009).
A partir dessa concepção, a forma de poder presente no espaço da produção
poderá dar lugar a outras formas de poder, assim como a monocultura da produtividade
do trabalho e mercantil poderá dar lugar a uma ecologia produtivista centrada em outras
formas de produção e em outros modelos de gestão. Estes são alguns desafios que se
colocam para aqueles que desejam pesquisar os fenômenos organizacionais.
Esta compreensão será feita não pela perspectiva de analisar o que existe, pela
produção do que é visível, do que é aparente, mas por uma lente que consiga captar a
produção das não-existências, do invisível e das ausências.
Acredita-se que ao tentar percorrer esse caminho será possível encontrar meios
alternativos para se fazer gestão numa perspectiva contra-hegemônica sem deixar de
lado a função específica das organizações que é a produção de mercadorias para atender
as necessidades da sociedade.
Espera-se que o pensamento de BSS possa contribuir para mostrar que as
organizações, enquanto um espaço de produção possa ser capaz não apenas de dar
visibilidade as ausências que são refletidas nas práticas de gestão, mas, também de
fomentar as emergências que podem ser refletidas nas mesmas práticas. Para isso será
necessário compreender que há múltiplas e diversas experiências que são possíveis e
podem ser exploradas pelas organizações.
4 – Conclusão
Tendo em vista o objetivo a que este trabalho se propôs, entende-se que o
pensamento de BSS apresenta pressupostos teóricos capazes de apontar alternativas para
a compreensão dos fenômenos organizacionais.
Considerando que o campo de análise é vasto e apostando que há muito a ser
conhecido no que tange as questões organizacionais, o pensamento de BSS será mais
um a perfilhar dentre os estudos de natureza crítica.
É possível dizer que este pensador apresenta uma construção teórica contrahegemônico e que poderá ser útil para analisar os fenômenos organizacionais, mesmo
sabendo que na atualidade, os paradigmas que procuram compreendê-los foram
disseminados por pensadores naturais das nações que detém a hegemonia do
pensamento científico e do poder econômico. (RODRIGUES; CARRIERI, 2001).
Este trabalho não tem a intenção de defender um modelo de auto-gestão, mas,
sobretudo, um modelo que não seja responsável pelo aprofundamento do processo de
12
exclusão social, pelo desrespeito aos direitos humanos e a dignidade humana, pela
destruição do meio ambiente, mas, sobretudo, que leve em consideração as
subjetividades do trabalhador e o seu direito de ser humano.
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