A Potencialidade do Pensamento de Boaventura Santos para os Estudos Organizacionais Autoria: Ana Lúcia de Medeiros, Maria Luisa Mendes Teixeira Resumo O artigo discute a potencialidade do pensamento de Boaventura Souza Santos (BSS) para os estudos organizacionais. As idéias deste autor podem ser consideradas contra-hegemônicas uma vez que o mesmo não só faz a crítica ao paradigma científico dominante, como aponta alternativas epistêmicas para que se tenha outra compreensão da realidade. Boaventura Santos identifica a sociologia das ausências e das emergências como procedimentos sociológicos que buscam credibilizar as diferentes experiências sociais e que estas possam estar disponíveis e que sejam também possíveis de acontecer. O autor critica a razão indolente – ciência moderna – por ter sido responsável pelo desperdício de experiências produzidas pelos diferentes saberes e práticas sociais. Isso ocorreu porque se concebia o mundo como uma totalidade inesgotável e ao invés de ampliar ou valorizar o presente resolveu apostar no alargamento do futuro. Fez isso por meio de um conjunto de monoculturas que apontavam para a construção da realidade numa concepção moderna e positivista. Boaventura Santos critica esse paradigma e propõe a ecologia de saberes, do tempo, das diferenças, das escalas e da produção como um conjunto de epistemologias que mostra que é possível construir um mundo livre das monoculturas que o paradigma da ciência moderna produziu ao longo dos séculos. Este trabalho foi realizado por meio de uma revisão bibliográfica com o propósito de analisar os pressupostos da teoria de Boaventura Santos e a sua potencialidade para os estudos organizações. Trata-se por sua vez de um ensaio teórico que apresenta o pensamento de um cientista contemporâneo que aponta para a construção de um novo paradigma científico. No que tange a potencialidade do pensamento de BSS para os estudos organizacionais, acredita-se que assim como as teorias de Habermas, Focault e Derrida reverberaram nessa área de conhecimento, as, deste cientista, poderão também dar uma importante contribuição para os estudos organizacionais na medida em que aponta a necessidade de superar o pensamento e os saberes hegemônicos. Ao fazer a crítica às monoculturas, o autor apresenta uma linha teórica convincente o que possibilita compreender os fenômenos organizacionais. Acredita-se que a superação da lógica da monocultura da produtividade capitalista é um importante passo em direção a um novo caminho a ser seguido pelas organizações. Identificar e credibilizar os diferentes saberes presentes nas práticas sociais e nas práticas de gestão é um caminho que pode fazer com que as relações sociais estabelecidas no interior das organizações sejam pautadas por relações dignas e emancipatórias. Palavras-Chave: organizações, monoculturas, sociologia das ausências e emergências. 1 1 – Introdução As organizações ocupam um papel importante no sistema capitalista de produção por serem, entre outras coisas, responsáveis pela produção de mercadorias (HARVEY, 2010; ADLER, 2009). Por ocupar essa função, estudiosos se debruçaram sobre os fenômenos organizacionais buscando compreender a natureza das relações humanas desenvolvidas no seu interior e a sua influência sobre a competitividade, produtividade e eficiência produtiva. Há uma vasta literatura sobre o assunto, porém ainda há uma diversidade e polêmicas sobre a identidade da área. (RODRIGUES; CARRIERI, 2001). É comum ver os fenômenos organizacionais serem estudados sob a luz do paradigma funcionalista, que tem como base a epistemologia positivista. Essa é uma questão que tem sido revisitada por vários estudiosos, uma vez que há um entendimento de que as organizações são constituídas por relações sociais. Compreende-se que os fenômenos organizacionais não devem ser vistos como casuais ou sistêmicos, eles estão relacionados a questões humanas, e, por isso, devem ser singularizados ao invés de coisificados, universalizados ou pré-determinados (DAVEL; VERGARA, 2005). Está em processo de desenvolvimento um campo teórico que vem ao longo dos últimos anos ganhando espaço na comunidade acadêmica mundial e brasileira. Os estudos organizacionais que têm como base teórica a teoria crítica, o pensamento complexo e o pós-moderno. (PAULA et al, 2010). Quanto à teoria crítica destacam-se os trabalhos fundamentados nas obras da Escola de Frankfurt e de Habermas. Os pensadores que se utilizam desses referenciais para analisar as organizações “acreditam que as formas de organização do mundo contemporâneo só podem ser compreendidas como resultados de um processo histórico em todas as suas instâncias”. (FARIA, 2008, p. 28). Por isso há a necessidade de olhar com atenção para os fenômenos relacionados às conseqüências do controle do trabalho pelo capital e a exploração do trabalho dentre tantas outras questões. Quanto ao pensamento complexo, destacam-se os trabalhos que usam o pensamento de Morin como referência. A teoria da complexidade assume um papel importante na análise dos fenômenos organizacionais quando se entende que as coisas não obedecem a uma ordem definida (SCHLICKMANN; MELO, 2009). Há que se considerar os desvios, ou as variáveis que não podem ser mensuradas e são colocadas nos modelos de regressão como erros aleatórios. Não considerar os desvios pode se tornar um problema funcional para a organização que é impedida de atingir seus objetivos por conta do que não é previsto (erros, desvios) e isso rompe um modelo de ordem, de equilíbrio, ideais perseguidos pelas organizações. (MORIN, 1986). No que tange ao pensamento pós-moderno destacam-se os trabalhos que referenciam as obras de Foucault, Latour e de Derrida. A título de exemplo, pode-se citar o trabalho desenvolvido por Alcadipani e Tureta (2009), que é fundamentado no pensamento de Bruno Latour. Os trabalhos concebidos sob essa perspectiva se debruçam principalmente sobre diversos fenômenos organizacionais sob uma perspectiva crítica. Ao trazer para o centro da questão os fenômenos e as teorias organizacionais sob uma perspectiva pós-moderna, é importante colocar a baila o pensamento de Boaventura Santos. Ao fazer a crítica ao paradigma dominante – positivista – e discutir a possibilidade de emergir um novo paradigma, o autor aponta que é possível compreender a realidade sob várias perspectivas, valorizando os diferentes saberes e culturas. O autor acredita que apenas o saber científico e sua direção única não é suficiente para dar respostas tão necessárias as questões que se evidenciam desde a 2 metade do século XX. A ciência moderna se assentou sobre as monoculturas do saber e do rigor cientifico, do tempo linear, da produtividade mercantil e do trabalho, da naturalização das diferenças e da escala dominante. Ao fazer isso produziu cinco formas de não-existências: o ignorante, o residual, o improdutivo, o inferior e o local. Para mostrar que as experiências não podem ser desperdiçadas e que é possível dar voz ao que não reverbera, visibilidade ao que é invisível, ele recorreu aos procedimentos sociológicos: sociologia das ausências e das emergências. Para dar visibilidade ao que é dado como invisível, apresenta a sociologia das ausências, e, para mostrar que o que é dado como inexistente, mas, que pode emergir, recorre à sociologia das emergências. (SANTOS, 2007; 2009; 2010a; 2010b;). Por último apresenta a ecologia de saberes, do tempo, das diferenças, das escalas e da produção como um conjunto de epistemologias que tem como pressuposto a multiplicidade e diversidade das experiências disponíveis e possíveis. (SANTOS, 2006). Esse conjunto de epistemologias busca credibilizar e fortalecer todas essas possibilidades que se apresentam na sociedade e nas organizações (SANTOS, 2010a). Este trabalho tem como objetivo apresentar a potencialidade do pensamento de BSS para os estudos organizacionais. A metodologia utilizada se configurou como pesquisa bibliográfica com o objetivo de elaborar um ensaio teórico para tratar das questões epistêmicas que tangenciam os estudos organizacionais. Esse ensaio está dividido em três seções além desta introdução e das considerações finais. Na primeira seção apresenta-se uma discussão sobre o pensamento moderno e o pós-moderno. A segunda seção se fez uma discussão sobre as idéias de autores pós-modernos sobre as questões organizacionais. Por último, na terceira seção apresenta-se a potencialidade do pensamento de BSS para os estudos organizacionais. 2. – Introduzindo o Pensamento Moderno e Pós-Moderno O conhecimento científico moderno “baseava-se em seu rigor e sua operacionalidade na medida e no cálculo” (MORIN, 2011, p. 12). A modernidade fez emergir uma nova maneira de conhecer a realidade, porém, a história da ciência mostra que apesar do progresso alcançado pela ciência, nos mais diversos campos, ela também gerou déficits. Vários autores a exemplo de Boaventura Santos (2010b), Morin (2011), Latour (1994), Foucault (1979; 2003; 2008), desenvolveram um pensamento que critica os pressupostos da ciência moderna e apontam as lacunas existentes ou simplesmente usam a denúncia para mostrar que é possível compreender a realidade por meio de outras perspectivas paradigmáticas. A epistemologia moderna é a forma de conhecimento que preside a ciência moderna desde o século XVII e é pautada pela totalidade e se constituiu em um modelo hegemônico de conhecimento e dependente da racionalidade técnica. (MORIN, 2011; SANTOS, 2010b). Esse modelo de racionalidade que sustentou a produção do conhecimento nos últimos séculos foi o responsável pela morte de qualquer outra forma de saber e de conhecimento, e, por isso é visto como o paradigma científico dominante (SANTOS, 1997; 2007; 2009; 2010). A hegemonia deste paradigma colocou sobre seus pés uma concepção epistemológica positivista cujas idéias fundamentais se assentavam nas seguintes idéias: Distinção entre sujeito e objeto e entre natureza e sociedade ou cultura; redução da complexidade do mundo a leis simples susceptíveis de formulação matemática; uma concepção da 3 realidade dominada pelo mecanismo determinista e da verdade como representação transparente da realidade; uma separação absoluta entre conhecimento científico – considerado o único válido e rigoroso – e outras formas de conhecimentos como o senso comum ou estudos humanísticos; privilegiamento da causalidade funcional, hostil à investigação das causas últimas, consideradas metafísicas, e centrada na manipulação e transformação da realidade estudada pela ciência (SANTOS, 2010, p. 25). Os pressupostos do positivismo serviram para dar respostas aos fenômenos naturais, e, mais tarde, foram transladados para os estudos das ciências sociais e para todas as ciências que buscavam compreender a realidade sob uma perspectiva objetiva e totalitária. (SANTOS, 1995). É digno de nota, evidenciar as mudanças sócio-culturais iniciadas na década de 60 que celebraram entre tantas coisas, a emancipação feminina, o anseio da juventude por liberdade de expressão e críticas às instituições oficiais (SANTOS, 2005a). A partir dessa década pode-se dizer que tais movimentos instauraram, mesmo que simbolicamente, uma política cultural alternativa que ensejou um novo olhar e uma nova forma de conhecer, compreender e entender o mundo. O paradigma dominante – positivista e hegemônico - faz inferências universais por meio de métodos simplificadores, logo, se atém a enxergar os fenômenos à luz das aparências e da sua objetividade. Nesse contexto, entende-se que observar a realidade considerando a relação de causa e efeito entre duas variáveis é entender que a realidade só pode ser conhecida por meio da simplificação e do pensamento universal. “Vivemos sob o império dos princípios de disjunção, de redução e de abstração cujo conjunto constitui o que chamo de paradigma de simplificação” (MORIN, 2011, p. 11). A teoria da complexidade desenvolvida por Edgar Morin se coloca numa posição contrária ao paradigma de simplificação – modernidade - porque procura compreender o mundo levando em consideração as suas múltiplas faces. “A patologia moderna da mente está na hipersimplificação que não deixa ver a complexidade do real (MORIN, 2011, p. 15). O final do século XX já apresentou sinais de que está surgindo uma nova era que exige dos estudiosos, uma linha de pensamento que seja possível ultrapassar ou pelo menos alargar as fronteiras que delimitam o conhecimento. Ao invés de considerar uma ordem estabelecida que conduza ao progresso, a razão, a identidade, a objetividade e a emancipação universal, projeta-se um pensamento considerado pós-moderno que vê o mundo como contingente, gratuito, diverso, instável, imprevisível, um conjunto de culturas que gera descrença em relação a objetividade da verdade. (GIDDENS, 1991; JAMESON, 2006; EAGLETON, 1998). 2.1 – Os Estudos Pós-Modernos e as Organizações A evolução do pensamento epistêmico está relacionada com a transformação social. Cabe nesse momento, relembrar o processo de construção da ciência, uma vez que a contribuição de Foucault (1979) nos obriga a refletir sobre o conhecimento, o poder e corpo. Segundo Rowlinson e Carter (2002), para os pensadores modernos, a verdade está associada ao conhecimento e está livre do poder. Nesse sentido, o aspecto subjetivo ou os aspectos políticos - poder - (grifo nosso) não é considerado ponto central para os pensadores que defendem os 4 pressupostos do paradigma funcionalista (ROWLINSON; CARTER, 2002). A contribuição de Foucault no processo de construção da ciência e do conhecimento parte de uma perspectiva política, ou seja, de poder (ROWLINSON; CARTER, 2002). No estado natural descrito por Hobbes (1997), a disciplina se dava por meio da força física nos diversos agrupamentos sociais, inclusive no seio familiar. O poder deve ser concebido e cristalizado na Instituição-Estado, assim, ele tem o poder de harmonizar a sociedade, tirando-a da sua ordem natural. Com a criação do Estado, enquanto aparelho que absorve para si todo o poder dos homens da sociedade, esse monopólio de reprimir e de disciplinar passa a ser das instituições e do Estado, como diz Althusser (1983): escola, televisão, etc. Segundo Weber (1993, p. 60) “O estado se transforma na única fonte do direito à violência”. O modo disciplinar substituiu o tradicional em menos de um século, assim como o gosto do público para o castigo físico e 'espetáculo' diminuiu, o castigo começou lentamente e em um ou dois lugares isolados em primeiro lugar para tornar-se dirigida para a "alma", a mente e a vontade (FOUCAULT, 1979). Extremos de violência infligida ao corpo rapidamente foram reduzidos e, em alguns casos, até mesmo desapareceram, mas foram substituídos, segundo Foucault (1979), por panópticos, como formas sutis de correção e de controle. Sob essa perspectiva, entende-se que a sociedade contemporânea não é mantida por um aparelho de estado visível de guardas nacionais e da polícia estadual, menos ainda por compartilhados sistemas de valores, mas pelas técnicas de disciplina sempre escondido no trabalho das 'Instituições Carcerárias (FOUCAULT, 1979). Ao analisar a obra de Foucault, percebe-se à primeira vista que ele, a exemplo de Weber, trabalha a idéia do entrelaçamento entre ciência e política – poder e saber (FOUCAULT, 2006). A luz do seu pensamento, entende-se que a sociedade é um corpo subordinado ao poder disciplinador. Na sociedade capitalista predomina o poder sobre o corpo, a disciplina se dá por meio dos hospitais, das prisões, da escola e das organizações. Nesse sentido, ocorre o aprisionamento da mente e da subjetividade dos indivíduos. No sistema de produção, por exemplo, a obediência do corpo se dar por meio dos diversos controles desenvolvidos e utilizados pelas organizações (FOUCAULT, 1979). Compreende-se que com o surgimento da sociedade industrial se ensejou o compartilhamento dos valores das organizações que eram desejáveis pelos capitalistas como uma forma de controle das subjetividades dos trabalhadores. A esse compartilhamento de valores e comportamentos no corpo dos indivíduos, Foucault (2008) chamou de biopoder. Segundo Cooper (1984), essas instituições, tomadas como construções sociais reificadas, são combatidas por Foucault e por seu discípulo Derrida. Foucault combateu as instituições na forma de estruturas de poder que levam os indivíduos a compartilharem normas que pensam ser escolhas autônomas. Derrida combateu as instituições através de três construtos: desconstrução, escrita e differance (COOPER, 1989). Entende-se que num processo de desconstrução procura-se estudar os textos (que podem ser falas, escritos, organizações), de forma contextualizada, considerando a vida do autor, a posição em que a obra se encontra no todo (no caso de textos escritos) e o contexto histórico do texto. A escrita para Derrida é um processo em que o autor constrói e é construído por ela. Segundo Cooper (1984), nesse processo entram fatores inconscientes, que podem ser provenientes da socialização primária e secundária (BERGER; LUCKMANN, 2001). 5 Segundo Cooper (1989), o conceito de differance para Derrida inclui duas idéias: diferir e deferir. Diferir significa que cada construto inclui em si seu oposto, que difere dele mesmo. O que seria o sentido de deferir para o outro ou para outra ocasião seria que as intenções iniciais dos autores são compreendidas após certo intervalo de tempo e de acordo com as visões de outros intérpretes (COOPER, 1989). Foucault, Derrida, Deleuze e Latour são considerados os principais representantes do pensamento pós-moderno. As teorias desenvolvidas por eles estão sendo empregadas nos estudos organizacionais em todo o mundo. Em contraposição ao pensamento moderno rejeita as grandes narrativas, o princípio de universalismo e da formação do consenso (LATOUR, 1994). A ciência administrativa surgiu sob as bases da epistemologia moderna, ela é de cunho positivista, isto é, se assenta sobre os pressupostos das ciências naturais. “(...) o desenvolvimento de uma ciência administrativa aplicada que serviria aos gestores, tal como as ciências físicas servem aos engenheiros e as ciências biológicas servem aos médicos” (MARSDEN; TOWNLEY, 2007, p. 39). Considerando tais aspectos, é possível compreender porque alguns estudiosos vêem as organizações como máquinas. Essa metáfora mostra a base do pensamento do paradigma funcionalista que segundo Morgan (2005, p.58), “é baseado na suposição de que a sociedade tem existência concreta e real, e um caráter sistêmico orientado para produzir um sistema social ordenado e regulado”. As organizações são analisadas por diferentes paradigmas científicos, sendo o funcionalista o de maior notoriedade no campo das ciências administrativas. Autores, a exemplo de Lex Donaldson, defendem que este paradigma é capaz de lidar com questões teóricas e práticas quando elas surgem. “(...) aquele núcleo de conceitos funcionalistas é bastante razoável, tanto conceitual quanto filosoficamente” (BURRELL, 2007, p. 437). O que se percebe é que há um vasto campo teórico e metodológico que se assentou sobre as bases deste paradigma. Nas últimas três décadas vários pesquisadores começaram a utilizar novas lentes para observar os fenômenos organizacionais. Ganhou notoriedade neste campo de conhecimento o pensamento de Habermas, Michel Foucault, Derrida, e Deleuze (COOPER; BURRELL, 1988; ALVESSON, 1995; REED, 2007; ROWLINSON; CARTER, 2002; DONALDSON, 2003). Esses pensadores (sociólogos e filósofos) romperam com o paradigma funcionalista e pode-se dizer com a episteme da modernidade (ALVESSON, 1995). As idéias de Habermas são consideradas por muitos estudiosos como sendo modernas, e, seu pensamento se assenta nas bases do paradigma da teoria crítica.. As idéias de Habermas reverberaram nos estudos organizacionais por meio da ação comunicativa em contraposição a lógica da racionalidade técnica. (ALVESSON; DEETZ, 2007). Segundo Cooper e Burrell (1988) a organização num discurso moderno atua na base do controle, da crescente racionalização e colonização progressiva da natureza e das pessoas, enquanto trabalhadores, consumidores ou sociedade. Segundo Foucault (1979), os homens não são vistos pelas suas subjetividades, mas, no aspecto da dominação de seus corpos (abordagem concreta). Pode-se dizer que o poder é exercido de tal forma que as normas formuladas por uma elite são introjetadas como se fossem o natural, o moralmente correto. De acordo com o pensamento de Foucault, o poder exercido nas organizações não está nas pessoas, mas, nas “demarcações e nos sistemas de discurso que as sustentam, incluindo os arranjos materiais, por exemplo, recrutamento e procedimentos de seleção” (ALVESSON; DEETZ, 2007, p. 253). 6 3 – A Potencialidade do Pensamento de Boaventura Santos para os Estudos Organizacionais Do ponto de vista epistemológico existe uma discussão entre os teóricos organizacionais acerca do debate entre duas epistemologias: a moderna e a pósmoderna. De acordo com os pressupostos da ciência moderna é possível dizer à luz desta epistemologia que a organização pode ser vista em termos de princípios gerais ou de leis que governam seu funcionamento. Entende-se que sob essa perspectiva a organização assume uma função econômico-administrativa circunscrita que se assenta em um sistema de racionalidade (COOPER; BURRELL, 1988). Por outro lado, a epistemologia pós-moderna enfatiza diferenças, ambivalências, contradições internas e dependência mútua (MARSDEN; TOWNLEY, 2007). Considerando a complexidade da sociedade e do mundo, deve ser salutar introduzir no campo do conhecimento pensamentos alternativos para a compreensão da realidade organizacional. No que tange aos estudos dos fenômenos organizacionais existe um campo paradigmático e teórico relativamente demarcado. Sob a perspectiva da epistemologia da modernidade destaca-se o paradigma funcionalista, e, considerando o pensamento pós-moderno como uma nova forma de conhecimento, destacam-se os trabalhos realizados à luz do pensamento de Michel Foucault. Em meio as diferentes formas de pensar o mundo, e, em especial, refletir sobre os fenômenos organizacionais que é um vasto campo para explorar conhecimento, é possível introduzir novos saberes e métodos de investigação. Para cumprir com esse objetivo, este trabalho apresenta um pensamento teórico que pode se transformar em um novo olhar que seja capaz de enxergar novas realidades na organização. Apesar de o pensamento crítico ter aberto uma discussão acerca de como poderia ser o mundo e tentar desnudar os fenômenos e ir além da sua aparência, não conseguiu apontar alternativas que fossem além do paradigma da modernidade. (SANTOS, 1997, 2009, 2010a). O pensamento de Boaventura Santos (1997, 2005, 2007, 2009, 2010) se aventura a pensar um novo mundo e a propor uma nova maneira de conhecer a realidade. A sua proposta não é tão somente crítica, denunciadora, mas, sobretudo, libertadora. Ela permite que se faça a crítica, a denuncia, no entanto, suas idéias diferem das que predominam na literatura sem, no entanto, renegá-las. Ao fazer isso, propõe uma epistemologia que seja emancipadora e que permita as nações a liberdade, a justiça, a autonomia e a dignidade. O autor acredita ser possível criar um paradigma que ao invés de separar os saberes, os unam, ao invés de monocultural seja pluricultural. Boaventura Santos apresenta em sua obra as pistas e os pressupostos de um paradigma emergente fundamentado na razão cosmopolita em contraposição à razão indolente. As armas do pensamento crítico do paradigma da modernidade, que eram poderosas e mesmo revolucionárias, transformaram-se com o tempo em pistolas de sabão que, como a de Woody Allen, se derretem à chuva quando com elas pretendemos forçar a nossa fuga da prisão. Afirmar que o projecto da modernidade se esgotou significa, antes de mais, que se cumpriu em excessos e défices irreparáveis. São eles que constituem a nossa contemporaneidade e é deles que temos de partir para imaginar o futuro e criar as necessidades radicais cuja satisfação o tornará diferente e melhor que o presente (SANTOS, 2005, p. 102). 7 Ao fazer a crítica ao pensamento crítico moderno, BSS lança o olhar sobre uma nova forma de fazer ciência porque acredita que o paradigma dominante e hegemônico está em crise. Em seus estudos reafirma que o mundo está vivendo uma transição paradigmática (SANTOS, 1995; 1997; 2005; 2009; 2010). Mostra que se faz necessário uma epistemologia que tenha um pensamento alternativo às alternativas e não apenas alternativas para problemas que na sua visão não são mais modernos. Para problemas não modernos devem-se usar soluções não modernas (SANTOS, 2009; 2010a). Segundo Santos (2009), com a ciência moderna, ocorreu a primeira ruptura epistemológica, ou seja, ocorreu um salto qualitativo do senso comum para o conhecimento científico. De acordo com este autor, a ciência pós-moderna, parte do conhecimento científico para o senso comum e do princípio de que nenhuma forma de conhecimento em si é racional, “só a configuração de todas elas”. Com isso presume-se uma segunda ruptura epistemológica. (SANTOS, 2009, p. 70). Reafirma que, o conhecimento científico pós-moderno só se realiza enquanto tal na medida em que se converte em senso comum. A ciência pós-moderna, ao sensocomunizar-se, não despreza o conhecimento, que produz tecnologia, mas entende que tal como o conhecimento se deve traduzir em auto-conhecimento, o desenvolvimento tecnológico deve traduzir-se em sabedoria de vida. (SANTOS, 1995, p. 57). Boaventura Santos entende que essa nova episteme deve-se colocar em função não apenas do conhecimento prudente, mas, sobretudo que torne a vida decente (SANTOS, 2009; 2010a). Entende-se que novos conhecimentos são necessários para reduzir os déficits produzidos pelo pensamento moderno. Estes se apresentam sob a forma de exclusão social e destruição do meio ambiente quando o objetivo principal das organizações e dos países foi pautado pela produção de riqueza e maximização do lucro. Fazer ciência na perspectiva que vai além da modernidade é buscar uma nova epistemologia, sem, no entanto negar a que existe, a moderna. É necessário avançar e procurar novas formas de conhecimento sem que seja necessário romper com a epistemologia vigente. Pode ser possível realizar “um conhecimento compreensivo e íntimo que não nos separe e antes nos una ao que estudamos” (SANTOS, 1997, p. 53). Seria interessante criar alternativas para o novo mundo que tenha a intenção de romper com a unidimensionalidade do homem, reduzir os déficits sociais frutos dos fundamentos do paradigma moderno (SANTOS, 1997). Para isso, seria importante, portanto, transcender a racionalidade ocidental ou a epistemologia da ciência moderna, para uma racionalidade mais ampla e que esteja de acordo com as necessidades de hoje. Ela não necessita cobrir todo o campo da ciência porque não há conhecimento geral; tão pouco há ignorância geral (SANTOS, 2007). Na matriz da modernidade ocidental há dois modelos, dois tipos de conhecimento distintos: o conhecimento de regulação e o da emancipação. “O conhecimento-emancipação deve ser construído a partir da relação entre o respeito à igualdade e o respeito às diferenças”. (SANTOS, 2007, p. 62). Essa nova forma de “conhecer” aspira a uma nova psicologia, a uma nova construção da subjetividade. “Não basta criar um novo conhecimento, é preciso que alguém se reconheça nele” (SANTOS, 2005c, p. 333). 8 Esse auto-reconhecimento pode ser necessário para que os sujeitos busquem também novas formas de viver, de trabalhar, de gerir e de fazer ciência. Esse novo jeito de fazer as coisas deveria ser realizado pelo viés da emancipação e da dignidade humana. Um conhecimento emancipatório destaca a relação entre o respeito à igualdade e ao reconhecimento das diferenças, aos direitos e deveres dos seres humanos. (SANTOS, 2007). Ao destacar a idéia de se produzir um conhecimento emancipatório é possível depreender que uma sociedade emancipada é aquela que respeita as pessoas e as suas idiossincrasias. Entende-se que para compreender a realidade que é multifacetada deveria ser necessário entender que os processos são incompletos, os saberes são incompletos, a cultura é também incompleta. Santos (2007; 2009; 2010a), defende a idéia de que é necessária uma nova epistemologia para ajudar a compreender o mundo, porque existe uma riqueza social que “está a ser desperdiçada”. (SANTOS, 2010a, p. 94). É para evitar esse desperdício de experiências que a ecologia dos saberes, do tempo, da escala, das diferenças e da produção enquanto um “conjunto de epistemologias parte da possibilidade de diversidade e da globalização contra-hegemônica e pretende contribuir para as credibilizar e fortalecer”. (SANTOS, 2010a, p. 154). Santos (2007) vale-se do termo razão indolente ao fazer a crítica ao paradigma dominante – racionalidade ocidental e moderna. Pode-se dizer que ao longo dos séculos, a ciência moderna não conseguiu produzir conhecimento suficiente para dar respostas aos problemas que se avizinhavam em decorrência da própria evolução das relações sociais. Segundo Santos (2006; 2010), a experiência social em todo o mundo é muito maior do que a racionalidade moderna entende e apresenta como relevante. A compreensão do mundo está relacionada com a questão das temporalidades e por último, a característica fundamental deste paradigma é o fato de contrair o presente e ampliar o futuro. Segundo Bauman (2001, p. 37), “a consumação está sempre no futuro, e os objetivos perdem sua atração e potencial de satisfação no momento de sua realização, se não antes”. O que fundamentou a crítica de Santos ao paradigma dominante – razão indolente – foi o entendimento de que a mesma se assenta nas razões impotente, arrogante, metonímica e proléptica. A razão impotente é aquela que não exerce porque pensa que nada pode fazer contra uma necessidade concebida como exterior a ela própria. A razão arrogante, não sente necessidade de exercer-se porque se imagina incondicionalmente livre e, por conseguinte, livre da necessidade de demonstrar a sua própria liberdade. A razão metonímica que se reivindica como a única forma de racionalidade. A razão proléptica não se aplica a pensar o futuro, porque julga que sabe tudo a respeito dele e o concebe como uma superação linear do presente (SANTOS, 2010, p.95). As razões que dão sustentação ao paradigma dominante se cristalizaram nas formas de determinismo/realismo, livre-arbítrio/construtivismo, a parte tomada pelo todo e pelo domínio da natureza (SANTOS, 2006). Entende-se que a razão metonímica e a proléptica são as formas que melhor evidenciam as principais categorias da modernidade: a relação entre natureza e cultura, sujeito e objeto, o determinismo e a totalidade. Ao raciocinar de forma dual não se abre espaço para pensar em outras 9 possibilidades porque as únicas consideradas pelo pensamento moderno se esgotaram. Com isso não se percebe os saberes alternativos, porque também não são necessários para explicar a realidade, visto ser ela determinada e passível de ser conhecida pela aplicação dos métodos científicos e pelos pressupostos do pensamento moderno. Ao julgar que o paradigma dominante já se encontra esgotado, Boaventura Santos se destina a pensar outro mundo e para isso lança a mão de três pressupostos meta-sociológicos: a sociologia das ausências, a sociologia das emergências e o trabalho de tradução. Ao propor a sociologia das ausências, Boaventura Santos procura dar voz ao que a razão metonímica traduz como não existente, “transformar objetos impossíveis em possíveis e com base neles transformar as ausências em presenças” (SANTOS, 2010a, p. 102). Ao propor a sociologia das emergências o autor busca apontar alternativas que cabem no horizonte das possibilidades concretas. Com ela se “produz experiências possíveis, que não estão dadas porque não existem alternativas para isso, mas são possíveis e já existem como emergência” (SANTOS, 2007, p.38). Ao propor o trabalho de tradução busca-se criar inteligibilidade entre os saberes gerando com isso o interconhecimento (SANTOS, 2009; 2010). As ausências e as emergências podem ser encontradas na sociedade em seus mais diversos espaços. No espaço do conhecimento, da produção, do trabalho, do reconhecimento, da comunicação e da democracia, dentre outros. Para evidenciá-las se faz necessário o trabalho da tradução para se produzir interconhecimento (SANTOS, 2006). Segundo Santos (2009), a sociedade se organiza em espaços estruturais que são localizações sedimentadas de unidades de ação (estado, nação, sistema capitalista, sociedade de consumo, cidadania). Uma ação enseja uma prática social que é “sempre uma constelação de algumas ou de todas as diferentes formas de ação” (SANTOS, 2009, p. 309). Essas ações podem ser individuais e coletivas e são realizadas em diferentes espaços estruturais que são unidades de práticas sociais. Segundo Wenger (2001), o conceito de prática está diretamente associado à idéia de fazer não apenas no aspecto explícito, mas, sobretudo, no aspecto implícito. Nesse sentido, o conceito de prática vai além do fazer e se assenta no contexto histórico e social agregando a idéia de significado a ele próprio. “Nesse sentido, prática é sempre prática social” (WENGER, 2001, p. 71). O conceito de prática inclui o que se fala e o que se dá como suposto. A linguagem, os instrumentos, os documentos, as imagens, os símbolos, os papéis definidos, os procedimentos codificados, as normas e contratos que as diversas práticas exigem para os fins específicos são incluídos como práticas. Além destas incluem também todas as relações implícitas, as convenções tácitas, os pequenos sinais, as normas escritas, as intuições reconhecíveis, as percepções específicas, as sensibilidades sintonizadas, os entendimentos consagrados, os pressupostos subjacentes e as noções compartilhadas da realidade que em sua maior parte não conseguem expressar (WENGER, 2001). A partir do conceito de prática social pode-se inferir que a prática social é fruto de uma relação social, de interações individuais, coletivas e grupais. Segundo Santos (2009), o que faz de uma relação social um exercício de poder é a intensidade com que são desigualmente tratados os interessados que compartilham uma mesma relação, ou seja, é o grau em que um grupo afeta outro de maneira inversa aos interesses do último. A sociedade capitalista é caracterizada pela assimetria de poder e isso pode ser percebido ao se observar os diferentes níveis de hierarquia que constituem a sociedade. Santos (2009, p. 272), aponta que “as sociedades capitalistas são formações ou constelações políticas, constituídas por seis modos básicos de 10 produção de poder que se articulam de maneiras específicas”. Essa articulação se dá em seis espaços estruturais que geram também seis formas de poder: no espaço doméstico a forma de poder é o patriarcado; no espaço da produção, a forma de poder é exploração, no espaço do mercado, a forma de poder é o fetichismo da mercadoria, no espaço da comunidade, a forma de poder é a diferenciação desigual entre quem pertence à comunidade e quem não pertence; no espaço da cidadania a forma de poder é a dominação e no espaço do mundo a forma de poder é o intercâmbio desigual. (SANTOS, 2005a; 2005c; 2007; 2009). O espaço doméstico é o conjunto de relações sociais de produção e reprodução da domesticidade e do parentesco. O espaço da produção é o conjunto de relações sociais desenvolvidas em torno da produção de valores de troca econômicos e de processo de trabalho, de relações de produção em sentido amplo e de relações na produção. O espaço de mercado é o conjunto de relações sociais de distribuição e consumo de valores de troca através das quais se produz e reproduz a mercadorização das necessidades e dos meios de as satisfazer. O espaço da comunidade é constituído pelas relações sociais desenvolvidas em torno da produção e da reprodução de territórios físicos e simbólicos e de identidades e identificações com referência a origens ou destinos comuns. O espaço da cidadania é o conjunto de produção da obrigação política vertical entre os cidadãos e o Estado. O espaço mundo é, por conseguinte, a matriz organizadora dos efeitos pertinentes das condições e das hierarquias mundiais sobre os demais espaços de uma determinada sociedade (SANTOS, 2009, p. 278). A relação entre os espaços mundo e de produção são recíprocas e pode ser vista sob a ótica do processo de acumulação de capital. Este processo é caracterizado por desigualdades nas relações de produção e na produção pela distribuição desigual da mais-valia por todo o sistema mundial. Essa distribuição desigual é também responsável pelas hierarquias que se perpetuam no sistema mundo (SANTOS, 2009). Para enxergar essa realidade é possível observar a posição que cada país ocupa no mundo. O status dessa posição geralmente está associado à capacidade de produção dos países associados a sua forma de poder que é a exploração. Santos (2009) destaca que existe uma dinâmica de desenvolvimento entre os espaços da produção e do mundo que são simbióticas e recíprocas. No momento em que esses espaços se consolidam enquanto constelações sociais podem reforçar o processo de globalização hegemônica caracteristicamente marcada por exploração e desigualdade. À luz do pensamento de Santos, entende-se que para superar esse processo, se faz necessário caminhar em outras direções e estabelecer relações que ao invés de dominação seja de solidariedade e de respeito, que ao invés de ser orientada para a destruição do meio ambiente e das relações domésticas seja focada na construção de um novo mundo que tenha como tônica a construção de uma política emancipatória de direitos humanos. Considerando que as organizações produtivas se encaixam no espaço da produção que tem como forma de poder a exploração, entende-se que esta se faz presente nas relações sociais relativas às práticas de gestão das organizações. Assim, depreende-se que a exploração é usada nessas relações com o objetivo de aumentar a 11 produtividade do trabalho e aprofundar o processo de acumulação de capital que é gestado pelas organizações produtoras de bens e serviços. Nesse sentido, pode-se dizer que ao se produzir esse modelo norteado pela exploração do trabalho, a epistemologia moderna gerou um déficit no conhecimento ao não apresentar outro modelo alternativo a esse processo. Ao fazer isso produziu ausências e se encarregou de silenciar os saberes alternativos e fez isso por meio das monoculturas, principalmente as relativas ao rigor científico, ao tempo linear e a produtividade mercantil e do trabalho (SANTOS, 2007). Boaventura Santos propõe como pensamento alternativo a possibilidade de construção da emancipação a partir de uma nova relação entre o respeito à igualdade e o princípio do reconhecimento da diferença, ou seja, respeitar a capacidade que os indivíduos têm de ter direitos (SANTOS, 2009; 2010). Assim, pode-se inferir que as relações sociais relativas às práticas de gestão em organizações devem ser permeadas pelos princípios da igualdade e do reconhecimento das diferenças, ou seja, que busquem garantir a dignidade humana, a inclusão social, a auto-determinação com o objetivo de potencializar a sua liberdade e emancipação (SANTOS, 2009). A partir dessa concepção, a forma de poder presente no espaço da produção poderá dar lugar a outras formas de poder, assim como a monocultura da produtividade do trabalho e mercantil poderá dar lugar a uma ecologia produtivista centrada em outras formas de produção e em outros modelos de gestão. Estes são alguns desafios que se colocam para aqueles que desejam pesquisar os fenômenos organizacionais. Esta compreensão será feita não pela perspectiva de analisar o que existe, pela produção do que é visível, do que é aparente, mas por uma lente que consiga captar a produção das não-existências, do invisível e das ausências. Acredita-se que ao tentar percorrer esse caminho será possível encontrar meios alternativos para se fazer gestão numa perspectiva contra-hegemônica sem deixar de lado a função específica das organizações que é a produção de mercadorias para atender as necessidades da sociedade. Espera-se que o pensamento de BSS possa contribuir para mostrar que as organizações, enquanto um espaço de produção possa ser capaz não apenas de dar visibilidade as ausências que são refletidas nas práticas de gestão, mas, também de fomentar as emergências que podem ser refletidas nas mesmas práticas. Para isso será necessário compreender que há múltiplas e diversas experiências que são possíveis e podem ser exploradas pelas organizações. 4 – Conclusão Tendo em vista o objetivo a que este trabalho se propôs, entende-se que o pensamento de BSS apresenta pressupostos teóricos capazes de apontar alternativas para a compreensão dos fenômenos organizacionais. Considerando que o campo de análise é vasto e apostando que há muito a ser conhecido no que tange as questões organizacionais, o pensamento de BSS será mais um a perfilhar dentre os estudos de natureza crítica. É possível dizer que este pensador apresenta uma construção teórica contrahegemônico e que poderá ser útil para analisar os fenômenos organizacionais, mesmo sabendo que na atualidade, os paradigmas que procuram compreendê-los foram disseminados por pensadores naturais das nações que detém a hegemonia do pensamento científico e do poder econômico. (RODRIGUES; CARRIERI, 2001). Este trabalho não tem a intenção de defender um modelo de auto-gestão, mas, sobretudo, um modelo que não seja responsável pelo aprofundamento do processo de 12 exclusão social, pelo desrespeito aos direitos humanos e a dignidade humana, pela destruição do meio ambiente, mas, sobretudo, que leve em consideração as subjetividades do trabalhador e o seu direito de ser humano. 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