PESQUISA QUALITATIVA DE AVALIAÇÃO SOBRE AS CONDIÇÕES DE ACESSO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE E EDUCAÇÃO, A PARTIR DO ACOMPANHAMENTO DAS CONDICIONALIDADES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA. ficha técnica Instituição executora: pessoa física Equipe Responsável: Ligia Rosa de Rezende Pimenta Equipe SAGI: Renata Mirandola Bichir, Elizabete Ana Bonavigo, Jomar Alace Santana Órgão de Cooperação Técnica Internacional: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) Projeto: BRA04/046 – Fortalecimento Institucional para Avaliação e Gestão da Informação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Período de realização da pesquisa: maio de 2011 a junho de 2012 apresentação da pesquisa Objetivos da pesquisa A pesquisa teve como objetivo identificar as condições de acesso dos beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF) aos serviços de saúde e educação, a partir do acompanhamento das condicionalidades impostas pelo Programa. Buscou-se analisar a situação social das famílias beneficiárias, bem como investigar os motivos pelos quais algumas delas não cumprem as condicionalidades exigidas para participar do Programa. Procedimentos metodológicos Foram realizadas entrevistas em profundidade com os gestores e demais atores envolvidos com a gestão e operacionalização do PBF (incluindo gestores do Cadastro Único para Programas Sociais, dirigentes e técnicos responsáveis pelo acompanhamento das condicionalidades nos municípios e gestores municipais do PBF), e grupos focais com as famílias beneficiárias do Programa, que cumprem e que não cumprem as condicio- nalidades de saúde e educação. As atividades foram realizadas em três municípios, de três diferentes unidades da federação da região Nordeste. A escolha dos municípios pautou-se por diferentes critérios: o porte municipal, segundo as definido nas Normas Operacionais Básicas do Sistema Único de Assistência Social (NOB-SUAS)1, abrangendo um município de pequeno II (no estado do Rio Grande do Norte), médio (no Ceará) e grande (em Pernambuco) portes; e a incidência do descumprimento das condicionalidades da saúde e da educação. Ao todos, foram realizados nove grupos focais e vinte e uma entrevistas em profundidade. Principais resultados A partir dos resultados dos grupos focais realizados nos três municípios foi possível perceber que as famílias entrevistadas dominam os aspectos básicos do Programa necessários à manutenção de seus benefícios e ao cumprimento das condicionalidades da educação e da saúde, como: manter os filhos na escola, pesar, medir e vacinar as crianças, além de aspectos operacionais relacionados ao recadastramento, mesmo não dominando a frequência do mesmo. Também sabem onde buscar informações sobre o Programa, privilegiando os postos de atendimento do PBF, os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), as escolas e os postos de saúde. A comunicação informal – o “boca a boca” – é também um meio bastante reconhecido e validado por elas, assim como a televisão e o rádio. Todavia, o acúmulo de informação não implica necessariamente um aumento da capacidade de ação compreensiva. Percebe-se, por exemplo, a ausência de estruturas interpretativas que poderiam mobilizar indagações referentes aos motivos dos bloqueios e fortalecer as famílias frente aos mesmos. Porte populacional: pequeno I (até 20.000 hab.); pequeno II (de 20.001 a 50.000 hab.); médio (de 50.001 a 100.000 hab.); grande (de 100.001 a 900.000 hab.) e metrópoles (mais de 900.000 hab.). 1 Nos três municípios, outro aspecto importante, foi a menção à durabilidade do PBF. Muitos beneficiários o reconhecem como provisório e, paralelamente, tem muito medo de perder o benefício. Nos municípios de médio porte no CE e pequeno porte no RN, as famílias se preocupam com o término do benefício e com os critérios de desligamento do mesmo relacionando-os a mudanças políticas. No município de grande porte em PE, os beneficiários fazem referência ao término da participação no Programa e ao final da dependência do benefício com o estabelecimento de relação de transitoriedade. Elas projetam situações de saída do Programa com cenários em que não precisarão mais do beneficio, por meio de inserção no mercado de trabalho e ampliação de renda. Esses rumores que confundem e criam insegurança e poderiam ser seriam minimizados com a informação mais sistemática sobre o Programa. Em todos os grupos focais houve questionamentos em relação aos critérios utilizados para ingresso no PBF e os valores dos benefícios recebidos. As famílias fizerem referência à necessidade de maior fiscalização das possíveis irregularidades que dizem conhecer ou já viram em reportagens na televisão ou ouviram de outras pessoas, fato esse relatado com maior ênfase no município de pequeno porte no RN. Por não compreenderem a assimetria dos valores dos benefícios pagos e a forma de cálculo do valor, muitas vezes a percepção dos beneficiários sobre essas diferenças se confunde com as irregularidades na execução do Programa e termina por comprometer a credibilidade na transparência da gestão da PBF. De acordo com essa percepção, eles identificam que o valor recebido é associado ao grau de necessidade financeira e ao número de filhos da família, mas ao compararem os valores, sentem-se injustiçados e dizem não conhecer o PBF de forma suficiente. É importante também, ressaltar a percepção dos beneficiários sobre o PBF: em alguns grupos focais o benefício apareceu como “ajuda” do governo, “ajuda de Deus” ou milagre, estando ausente qualquer associação com os direitos de proteção social. Os beneficiários que cumprem as condicionalidades de educação e de saúde demonstraram compreender a necessidade dessas exigências, apesar de afirmarem que não saberiam explicá-las para outras pessoas. A partir da análise das informações fornecidas pelos gestores da Educação e pelas diretoras de escolas entrevistadas percebeu-se que a escola exerce um papel central junto aos beneficiários, com relação ao cumprimento das condicionalidades do Programa, mas a equipe escolar costuma responder as demandas dos beneficiários sobre a educação de forma pontual e desconhece o aspecto intersetorial do Programa, impedindo uma informação mais global sobre o PBF. Outra questão observada é a má qualidade dos dados das listas de frequência escolar dos alunos e membros das famílias beneficiárias, sob a responsabilidade das escolas municipais. É comum encontrar erros no registro das faltas dos alunos e atrasos na entrega das listas pelos gestores escolares, as quais devem ser enviadas à Secretaria Municipal de Educação. Ao receber as listas de frequência em formulários impressos pelas próprias escolas a Secretaria de Educação alimenta o Sistema Presença de Acompanhamento da Frequência Escolar do PBF. Foram identificados casos nos quais as beneficiárias afirmam cumprir as condicionalidades de educação, mas, mesmo assim, sofrem suspensão ou bloqueio do benefício. As explicações estão associadas a erros de registro do Cadastro Único e aos seguintes motivos alegados por parte das famílias: • Situações de doença dos filhos e a impossibilidade de conseguir um atestado médico para abonar as faltas. • Falta de comunicação entre as mães beneficiárias e a equipe escolar onde o filho estuda considerando-se que, muitas vezes, elas desconhecem que eles não estão frequentando a escola. No caso das mulheres, o principal motivo da evasão é a gravidez precoce entre adolescentes e no caso dos homens é o desinteresse. • Outro fator dificultador observado foi a falta de professores e o consequente vazio na grade escolar, deixando os alunos desestimulados para continuar os estudos. • Dificuldades com o transporte escolar, com a ausência ou o atraso dos ônibus que são ofertados pelo município, fatores que obrigam os alunos a perder aulas, ir a pé até a escola, pagar transporte particular ou ficar hospedado em casa de algum outro familiar que resida mais perto da escola (município de pequeno porte, RN). Sobre as condicionalidades de saúde, os casos estudados apontaram as dificuldades de acesso aos serviços de saúde pública municipal como o principal dificultador do cumprimento das condicionalidades e de outros motivos alegados pelas famílias ou gestores: • Falta de visita domiciliar por parte dos agentes comunitários de saúde (ACS), em função da baixa cobertura da Estratégia Saúde da Família. • Escassez ou desencontro de informações por parte dos ACS sobre os procedimentos antropométricos e erros de registro nas carteiras de saúde, o que demanda capacitações dos mesmos. • Impressão dos mapas de acompanhamento das condicionalidades de saúde sem a discriminação das famílias por território. Essa situação gera um esforço adicional por parte dos ACS que se veem na incumbência de separar os mapas por regiões para localizar as famílias com o perfil saúde2. 2 O Mapa de Acompanhamento do Programa Bolsa Família é um formulário do Ministério da Saúde no qual se faz o registro do acompanhamento dos beneficiários para posterior inserção dos dados no Sistema PBF na Saúde. Apesar de a intersetorialidade ser um conceito central no desenho do PBF, aparentemente, este elemento está funcionando de forma pontual e ainda não conseguiu integrar localmente as unidades gestoras dos serviços e as políticas. Não foram identificados aspectos da coordenação e da complementaridade relativos à intersetorialidade. As famílias também não conseguem fazer a conexão entre os diferentes atores do Programa e vivem a fragmentação das ações e a lógica da departamentalização dos serviços, projetos e programas. Em síntese, foram encontrados níveis de conhecimento muito similares por parte das famílias pesquisadas, não sendo possível, com as informações levantadas, concluir em que medida a vulnerabilidade presente e o grau de conhecimento por parte das famílias interferem diretamente no enfrentamento das famílias frente às situações de descumprimento das condicionalidades. As famílias se apropriaram das informações operacionais do PBF, sabem como proceder para cumprir as condicionalidades, mas enfrentam obstáculos decorrentes da gestão do Programa e das demais políticas setoriais (erros nos registros, problemas nas ofertas dos serviços intersetoriais, a dificuldade no acesso aos atestados médicos), que repercutem no alcance dos objetivos do PBF, bem como obstáculos relacionados à própria vulnerabilidade social em que vivem. A percepção valorativa, por parte dos membros das famílias beneficiárias, que resulta do significado que construíram em relação à participação no PBF, como se percebem enquanto beneficiárias do programa e que grau de consciência desenvolvem em relação ao papel que representam, também interfere no nível das capacidades presentes para o enfrentamento das situações de vulnerabilidade.