Linguagem “Dizer que somos seres falantes significa dizer que temos e somos linguagem, que ela é uma criação humana (uma instituição sociocultural), ao mesmo tempo que nos cria como humanos (seres sociais e culturais). A linguagem é nossa via de acesso ao mundo e ao pensamento [...]. Ter experiência de linguagem é ter uma experiência espantosa: emitimos e ouvimos sons, escrevemos e lemos letras, mas, sem que saibamos como, experimentamos sentidos, significados, significações, emoções, desejos, ideias.” CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. SP: Ática, 1994. DEFINIÇÃO • • Sistema de signos capaz de representar através de letra, som, cor, imagem, gesto, etc. significados básicos que resultam de uma interpretação da realidade e da construção de categorias mentais que representem os resultados dessa interpretação. No nosso dia-a-dia, convivemos com diferentes linguagens. As chamadas línguas naturais, a pintura, a música, a dança, os sistemas particulares de signos tais como o código morse, os mitos, os logotipos, os quadrinhos são exemplos de diferentes linguagens utilizadas pelo ser humano. Os signos LINGUÍSTICOS (verbais) VISUAIS (não verbais) Os signos visuais • • • Tendo em vista as diferentes representações visuais do real, é possível identificar três tipos de signos: Ícone: signo que apresenta relação de semelhança ou analogia com o referente; Índice: tipo de signo que, em oposição simultânea ao ícone e ao símbolo, mantém relação natural, casual, ou de contigüidade física com o referente; Símbolo: signo que, em oposição simultânea ao ícone e ao índice, fundamenta-se numa convenção social e mantém uma relação instituída, convencional, com o referente; signo arbitrário, signo imotivado. LINGUAGEM E OS NÍVEIS DE FALA VARIEDADES LINGUÍSTICAS O POETA DA ROÇA Sou fio das mata, canto da mão grossa, Trabáio na roça, de inverno e de estio. A minha chupana é tapada de barro, Só fumo cigarro de paia de mío. Sou poeta das brenha, não faço o papé De argun menestré, ou errante cantô Que veve vagando, com sua viola, Cantando, pachola, à percura de amô. Não tenho sabença, pois nunca estudei, Apenas eu sei o meu nome assiná. Meu pai, coitadinho! Vivia sem cobre, E o fio do pobre não pode estudá. Meu verso rastero, singelo e sem graça, Não entra na praça, no rico salão, Meu verso só entra no campo e na roça Nas pobre paioça, da serra ao sertão. (...) PATATIVA DO ASSARÉ Você acredita que a forma de falar e de escrever comprometeu a emoção transmitida por essa poesia? Patativa do Assaré era analfabeto (sua filha é quem escrevia o que ele ditava), mas sua obra atravessou o oceano e se tornou conhecida mesmo na Europa. Leia agora, um poema de um intelectual e poeta brasileiro, Oswald de Andrade, que, já em 1922, enfatizou a busca por uma "língua brasileira". Vício na fala Para dizerem milho dizem mio Para melhor dizem mió Para pior pió Para telha dizem teia Para telhado dizem teiado E vão fazendo telhados. Uma certa tradição cultural nega a existência de determinadas variedades linguísticas dentro do país, o que acaba por rejeitar algumas manifestações linguísticas por considerá-las deficiências do usuário. Nesse sentido, vários mitos são construídos, a partir do preconceito linguístico. Ai se sesse Se um dia nois se gostasse Se um dia nois se queresse Se nois dois se empareasse Se juntim nois dois vivesse Se juntim nois dois morasse Se juntim nois dois drumisse Se juntim nois dois morresse Se pro céu nois assubisse Mas porém acontecesse de São Pedro não abrisse a porta do céu e fosse te dizer qualquer tulice E se eu me arriminasse E tu cum eu insistisse pra que eu me arresolvesse E a minha faca puxasse E o bucho do céu furasse Tarvês que nois dois ficasse Tarvês que nois dois caisse E o céu furado arriasse e as virgi toda fugisse CORDEL DO FOGO ENCANTADO O modo de falar do brasileiro Alfredina Nery* Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação Toda língua possui variações linguísticas. Elas podem ser entendidas por meio de sua história no tempo (variação histórica) e no espaço (variação regional). As variações linguísticas podem ser compreendidas a partir de três diferentes fenômenos: 1) Em sociedades complexas convivem variedades linguísticas diferentes, usadas por diferentes grupos sociais, com diferentes acessos à educação formal; note que as diferenças tendem a ser maiores na língua falada que na língua escrita; 2) Pessoas de mesmo grupo social expressam-se com falas diferentes de acordo com as diferentes situações de uso, sejam situações formais ou informais; 3) Há falares específicos para grupos específicos, como profissionais de uma mesma área (médicos, policiais, profissionais de informática, metalúrgicos, alfaiates, por exemplo), jovens, grupos marginalizados e outros. São as gírias e jargões. Assim, além do português padrão, há outras variedades de usos da língua cujos traços mais comuns podem ser evidenciados abaixo Uso de “r” pelo “l” em final de sílaba e nos grupos consonantais: pranta/planta; broco/bloco. Alternância de “lh” e “i”: muié/mulher; véio/velho. Tendência a tornar paroxítonas as palavras proparoxítonas: arve/árvore; figo/fígado. Redução dos ditongos: caxa/caixa; pexe/peixe. Simplificação da concordância: as menina/as meninas. Ausência de concordância verbal quando o sujeito vem depois do verbo: “Chegou” duas moças. Uso do pronome pessoal tônico em função de objeto (e não só de sujeito): Nós pegamos “ele” na hora. Assimilação do “ndo” em “no”( falano/falando) ou do “mb” em “m” (tamém/também). Desnasalização das vogais postônicas: home/homem. Redução do “e” ou “o” átonos: ovu/ovo; bebi/bebe. Redução do “r” do infinitivo ou de substantivos em “or”: amá/amar; amô/amor. Simplificação da conjugação verbal: eu amo, você ama, nós ama, eles ama. VARIAÇÕES REGIONAIS: OS SOTAQUES Se você fizer um levantamento dos nomes que as pessoas usam para a palavra "diabo", talvez se surpreenda. Muitas pessoas não gostam de falar tal palavra, pois acreditam que há o perigo de evocá-lo, isto é, de que o demônio apareça. Alguns desses nomes aparecem em o "Grande Sertão: Veredas", Guimarães Rosa, que traz uma linguagem muito característica do sertão centro-oeste do Brasil: Demo, Demônio, Que-Diga, Capiroto, Satanazim, Diabo, Cujo, Tinhoso, Maligno, Tal, Arrenegado, Cão, Cramunhão, O Indivíduo, O Galhardo, O péde-pato, O Sujo, O Homem, O Tisnado, O Coxo, O Temba, O Azarape, O Coisa-ruim, O Mafarro, O Pé-preto, O Canho, O Duba-dubá, O Rapaz, O Tristonho, O Não-sei-que-diga, O Que-nunca-seri, O sem gracejos, Pai do Mal, Terdeiro, Quem que não existe, O Solto-Ele, O Ele, Carfano, Rabudo. Variações históricas • Drummond de Andrade, grande escritor brasileiro, elaborou o texto abaixo a partir de uma variação linguística relacionada ao vocabulário usado em uma determinada época no Brasil. Antigamente "Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio." Variações sociais ou culturais Como escreveríamos o texto de Drummond em um português de hoje, do século 21? Toda língua muda com o tempo. Basta lembrarmos que do latim, já transformado, veio o português, que, por sua vez, hoje é muito diferente daquele que era usado na época medieval. Variações são normais na língua. Devemos evitar o preconceito linguístico!