Ai se sesse
Se um dia nois se gostasse
Se um dia nois se queresse
Se nois dois se empareasse
Se juntim nois dois vivesse
Se juntim nois dois morasse
Se juntim nois dois drumisse
Se juntim nois dois morresse
Se pro céu nois assubisse
Mas porém acontecesse de São Pedro
não abrisse a porta do céu e fosse te
dizer qualquer tulice
E se eu me arriminasse
E tu cum eu insistisse pra que eu me
arresolvesse
E a minha faca puxasse
E o bucho do céu furasse
Tarvês que nois dois ficasse
Tarvês que nois dois caisse
E o céu furado arriasse e as virgi toda
fugisse
CORDEL DO FOGO ENCANTADO
O SEGUNDO VERSO DA CANÇÃO
Passar cinquenta anos sem poder falar sua língua com alguém é
um exílio agudo dentro do silêncio. Pois há cinquenta anos, Jensen, um
dinamarquês, vivia ali nos pampas argentinos. Ali chegara bem jovem, e
desde então nunca mais teve com quem falar dinamarquês.
Claro que, no princípio, lhe mandavam revistas e jornais. Mas
ninguém manda com assiduidade revistas e jornais para alguém
durante cinquenta anos. Por causa disto, ali estava Jensen há inúmeros
anos lendo e relendo o som silencioso e antigo de sua pátria. E como as
folhas não falavam, punha-se a ler em voz alta, fingindo ouvir na
própria voz a voz do outro, como se um bebê pudesse em solidão cantar
para inventar a voz materna.
Cinquenta anos olhando as planuras dos pampas, acostumado
já às carnes generosas dos churrascos conversados em espanhol (...).
{
Um dia, um viajante de carro parou naquele lugarejo. Seu carro precisava
de outros reparos além da gasolina. Conversa-vai-conversa-vem, no posto ficam
sabendo que seu nome também era Jensen. Não só Jensen, mas um dinamarquês. E
alguém lhe diz: aqui também temos um dinamarquês que se chama Jensen e aquele
é o seu filho. O filho se aproxima e logo se interessa para levar o novo Jensen
dinamarquês ao velho Jensen dinamarquês – pois não é todos os dias que dois
dinamarqueses chamados Jensen se encontram nos pampas argentinos.
(...) Quando Jensen entrou na casa de Jensen e disse “bom dia” em
dinamarquês, o rosto do outro Jensen saiu da neblina e ondulou alegrias. “É um
compatriota!” E a uma palavra seguiram outras, todas em dinamarquês, e as frases
corriam em dinamarquês, e o riso dinamarquês e a camaradagem dinamarquesa,
tudo era um ritual desenterrando ao som da língua a sonoridade mítica da alma
viking.
(...) Em poucas horas, povoou sua mente de nomes de artistas, rostos de
vizinhos, parques e canções. Tudo ia se descongelando no tempo ao som daquela
língua familiar.
Mas havia um problema exatamente neste tópico das canções. Por isto,
terminada a festa, depois dos vinhos e piadas, quando vem à alma a exilada
vontade de cantar, Jensen chama Jensen num canto, como se fosse revelar algo
grave e inadiável:
– Há cerca de cinquenta anos que estou tentando cantar uma canção e
não consigo. Falta-me o segundo verso. Por favor (disse como se pedisse seu mais
agudo socorro, como se implorasse: retira-me da borda do abismo), por favor,
como era mesmo o segundo verso desta canção?
Sem o segundo verso nenhuma canção ou vida se completa. Sem o
segundo verso a vida de um homem, dentro e fora dos pampas, é como uma
escada onde falta um degrau, e o homem para. É um piano onde falta uma tecla.
É uma boca de incompleta dentição.
Se falta o segundo verso, é como se na linha de montagem faltasse uma
peça e não houvesse produção. De repente, é como se faltasse ao engenheiro a
pedra fundamental e se inviabilizasse toda a construção. Isto sabe muito bem
quem andou cinquenta anos na ausência desse verso para cantar a canção.
Jensen olhou Jensen e disse pausadamente o segundo verso faltante. E
ao ouvi-lo, Jensen – o exilado – cantou de volta o poema inteiro preenchendo
sonoramente cinqüenta anos de solidão. Ao terminar, assentou-se num canto e
batia os punhos sobre o joelho dizendo: “Que alegria! Que alegria!”
Era agora um homem inteiro. Tinha, enfim, nos lábios toda a canção.
AffOnsO ROMAnO de sAnT’AnnA
www.educacaopublica.rj.gov.br
TEXTO II – HISTÓRIAS
Duas semanas em Milão, acompanhando o Flamengo
numa excursão em 83, deixaram o massagista Isaías
atrapalhado com o idioma italiano. Não entendia nada e
tudo o que precisava só conseguia por meio de ajuda, nem
sempre presente.
Manteiga era burro, cerveja era birra, janela era
finestra e por aí afora, deixando o Isaías confuso e irritado.
Por isso, no avião de volta, ao ser prontamente atendido
pela aeromoça brasileira, desabafou contente:
- Língua é a nossa. Em português não há como errar.
Manteiga é manteiga, cerveja é cerveja, janela é janela...
(Sandro Moreira)
CÃO (português)
 DOG (inglês)
 CHIEN (francês)
 HUND (alemão)

SIGNIFICANTES
SIGNIFICADO
Signo Linguístico (verbal)
TEXTO III - NOHTAS
Trein bão - Isto é do BlogCora INTERNETC... Eu não poderia
deixar de transcrever, em homenagem a meus conterrâneos mineiros
– sou mineiro honorário, falo Uai sem sotaques. Leiam em voz alta.
Vão ouvir o Itamar falando.
“Sapassado, era séssetembro, taveu na cuzinha tomano uma
pincumel e cuzinhano um kidicarne com mastumate pra fazê uma
macarronada com galinhassada.
Quascai di susto, quando uvi um barui vino di denduforno,
pareceno um tidiguerra.
A receita mandopô midipipoca dentro da galinha praassá. O
forno isquentô, o mistorô e a galinha ispludiu!
Nossinhora! Fiquei branco quinein um lidileite. Foi um trem
doidim, uai!
Quascaí dendapia!
Fiquei sensabê doncovim, proncovô, oncotô. Oiprocevê
quelucura! GrazaDeus ninguém si maxucô!”
(Millôr Fernandes. JB, 02/02/2003, pág. A 20)
TEXTO IV
Sou fio das mata, canto da mão grossa,
Trabáio na roça, de inverno e de estio.
A minha chupana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de paia de mío.
Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argun menestré, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.
Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! Vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.
Meu verso rastero, singelo e sem graça,
Não entra na praça, no rico salão,
Meu verso só entra no campo e na roça
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.
(...)
PATATIVA DO ASSARÉ
O POETA DA ROÇA
Você acredita que a forma de falar e de escrever
comprometeu a emoção transmitida por essa poesia? Patativa do
Assaré era analfabeto (sua filha é quem escrevia o que ele ditava),
mas sua obra atravessou o oceano e se tornou conhecida mesmo na
Europa.
Leia agora, um poema de um intelectual e poeta brasileiro, Oswald
de Andrade, que, já em 1922, enfatizou a busca por uma "língua
brasileira".
VÍCIO NA FALA
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados
Uma certa tradição cultural nega a existência de
determinadas variedades linguísticas dentro do país, o
que acaba por rejeitar algumas manifestações
linguísticas por considerá-las deficiências do usuário.
Nesse sentido, vários mitos são construídos, a partir
do preconceito linguístico
VARIEDADES LINGUÍSTICAS
As variações linguísticas podem ser compreendidas a partir de três diferentes
fenômenos:
1) Em sociedades complexas convivem variedades linguísticas diferentes, usadas
por diferentes grupos sociais, com diferentes acessos à educação formal; note que
as diferenças tendem a ser maiores na língua falada que na língua escrita;
2) Pessoas de mesmo grupo social expressam-se com falas diferentes de acordo
com as diferentes situações de uso, sejam situações formais ou informais;
3) Há falares específicos para grupos específicos, como profissionais de uma
mesma área (médicos, policiais, profissionais de informática, metalúrgicos,
alfaiates, por exemplo), jovens, grupos marginalizados e outros. São as gírias e
jargões.
o filho de mil homens, alfaguara 2011
esta é a história de crisóstomo que, chegando aos
quarenta anos, lida com a tristeza de não ter tido um
filho. do sonho de encontrar uma criança que o
prolongue e de outros inesperados encontros, nasce
uma família inventada, mas tão pura e fundamental
como qualquer outra.
as histórias do crisóstomo e do camilo, da isaura, do
antonino e da matilde mostram que para se ser feliz é
preciso aceitar ser o que se pode, nunca deixando
contudo de acreditar que é possível estar e ser sempre
melhor. as suas vidas ilustram igualmente que o amor,
sendo uma pacificação com a nossanatureza, tem o
poder de a transformar.
tocando em temas tão basilares à vida humana como o
amor, a paternidade e a família, o filho de mil homens
exibe, como sempre, a apurada sensibilidade e o
esplendor criativo de valter hugo mãe.
walter hugo mãe
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O SEGUNDO VERSO DA CANÇÃO