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O que não pode faltar na lei orçamentária do Município
Flavio Corrêa de Toledo Junior
Ex-Assessor Técnico do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo;
Consultor da Fiorilli Software.
I- Apresentação
Tendo
em
vista
os
prazos
constitucionais,
o
bimestre
agosto/setembro marca o processo de elaboração do orçamento anual,
ou seja, a lei mais importante da Administração Pública, sem a qual
não é possível realizar qualquer ação de governo (art. 167, I e II, da
CF).
Conforme o então Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF),
o ex-ministro Carlos Ayres Britto, “abaixo da Constituição, não há lei mais
importante para o país do que a lei orçamentária anual, porque a que mais
influencia o destino da coletividade” (STF, Tribunal Pleno, ADI 4048-
MC/DF).
É por isso que o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo tem
feito muitas e várias advertências contra orçamentos insatisfatórios;
isso, quando tal desacerto não se acresce aos motivos de rejeição do
balanço anual do Prefeito.
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De ressaltar que o orçamento irrealista, fantasioso, fictício, tem
no Poder Legislativo uma boa dose de culpa. Tanto é assim que alguns
Relatores daquela Corte têm responsabilizado a Câmara Municipal por
inércia e omissão. Afinal, o orçamento é uma lei formal, nela se
integrando os dois Poderes do Município.
Nesse cenário, este artigo ofertará um checklist (lista de
verificação) sobre conteúdos indispensáveis da lei em questão.
II- Pontos indispensáveis na elaboração do projeto de lei
orçamentária anual:
1- A receita deve ser estimada com muita cautela, considerando o
atual quadro recessivo da Nação, que reduz as transferências de
impostos e os convênios, além de aumentar a inadimplência nos
tributos próprios.
2- Por isso, conveniente que a receita para 2016 se igualasse à
média corrigida do triênio 2012/2014; caso haja recuperação
econômica, abrirá a Administração créditos suplementares
baseados no excesso de arrecadação, utilizando-se da margem
concedida na lei orçamentária anual (vide item 17).
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3- Melhor assim que superestimar a receita, prática fortemente
combatida pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, nisso
atentando que os municípios, regra geral, pouco se valem do
instituto da limitação de empenho (art. 9º, da LRF).
4- De toda forma, localidades de maior porte devem observar a
recentíssima Lei Complementar 151, de 2015, que liberou, em
favor do erário, 70% dos depósitos judiciais e administrativos, a
serem utilizados no pagamento de precatórios, da dívida ou no
financiamento de investimentos e déficits do regime próprio de
previdência.
5- A eficiente consulta aos setores que operam as atividades
finalísticas da Administração, as bem conduzidas audiências com
a população, esses dois fatores evitam a grande modificação do
orçamento ao longo de sua execução, quer seja isso feito
mediante
créditos
adicionais
ou
pelos
mecanismos
da
transposição, remanejamento e transferência. Muitas alterações
desqualificam tal peça como instrumento vital de política
pública, lembrando que o TCE-SP vem reiteradamente
advertindo contra a acentuada diferença entre planejamento e
efetiva realização.
6- Na estimativa da despesa de pessoal, há de se considerar que,
frente à recessão da economia, a Lei de Responsabilidade Fiscal
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duplica os prazos de ajuste daquele gasto; de 8 para 16 meses
(art. 66).
7- Deve-se também atentar que, indenizadas, as férias e a licençaprêmio não ingressam no gasto laboral, da mesma forma que
não entram os serviços terceirizados, pois aqui a mão-de-obra é
questão afeta, tão somente, à empresa contratada, não havendo
qualquer
relação
Administração.
A
empregatícia
e
hierárquica
Lei
de
2014,
13.019,
com
reforça
a
esse
entendimento, ao determinar que o poder público, em hipótese
alguma, assumirá responsabilidade com o pessoal das ONGs
subvencionadas, seja com salários ou encargos patronais. A
propósito, foi bem assim o que decidiu o Tribunal de Contas do
Estado de São Paulo, no TC 2.615/026/07:
“Pois bem, a fim de que não se contornasse os índices impostos pela
nova ordem, criou-se o mecanismo para que os gastos com a
substituição de mão-de-obra também fossem incluídos nos índices de
verificação.
Contudo, a Lei Fiscal não definiu precisamente o que seja “substituição
de mão-de-obra”, razão pela qual o Manual próprio desta E. Corte,
contribuindo para o tema, estabeleceu que “contratos de prestação de
serviços, com inclusão de mão-de-obra, não se inserem, via de regra,
naquele comando fiscal, uma vez que, no caso, a relação empregatícia
é de responsabilidade do prestador de serviços, inexistindo aqui
subordinação funcional à Administração”.
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Portanto, a solução da questão se vale dos conceitos da lei trabalhista
para
a
caracterização
da
figura
do
empregado,
ou
seja:
contraprestação, pessoalidade, continuidade e subordinação. Desses
pressupostos, o que mais chama atenção nos contratos relacionados
pela Auditoria é a falta de subordinação direta à hierarquia
estabelecida na Administração. Logo, não havendo qualquer desses
elementos, toda contratação de pessoal é regida pela lei civil; e, no
caso, não se pode conformar aos limites da lei fiscal.
Ademais, a Lei 8666/93, em princípio, também definiu que a
responsabilidade pelos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não
seriam transferidos à Administração Pública.
Aliás, nesse sentido, o próprio E. Tribunal Superior do Trabalho
procurou combater a prática irregular da interposição de empresas,
contudo, considerando válida e sem formação de vínculo trabalhista, a
contratação para serviços de limpeza, conservação, vigilância, bem
como para a execução de atividade-meio (Súmula 331).
8- Na expectativa de dívida líquida de curto prazo (déficit
financeiro) em 31.12.2015, a despesa orçamentária deve ser,
ainda que ligeiramente, menor que a receita orçamentária,
imobilizando-se a diferença em um dos tipos de Reserva de
Contingência. Tal é recomendado em Comunicado do TCE-SP:
COMUNICADO SDG nº29, de 2010
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo comunica que, na
elaboração do projeto de lei orçamentária, deve a Administração atentar
para os seguintes cuidados.
(...)
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7-Caso ainda exista dívida líquida de curto prazo (déficit financeiro), há de
haver previsão de superávit orçamentário, contendo-se parte da despesa sob
a forma de Reserva de Contingência.
SDG, 6 de agosto de 2010
SÉRGIO CIQUERA ROSSI
SECRETÁRIO DIRETOR GERAL
9- Desde que mencionado superávit divirja das metas fiscais da lei
de diretrizes orçamentárias (LDO), a explicação acontecerá em
anexo próprio: o do art. 5º, I, da Lei de Responsabilidade Fiscal:
10-
Entre a formulação da LDO (março/abril) e a construção do
orçamento (agosto/setembro), em tal período podem sobrevir
outros riscos fiscais. É o caso de ações trabalhistas, de inadiáveis
passivos de empresas municipais insolventes. Sob tal hipótese,
nada impede a majoração do outro tipo de Reserva de
Contingência: a de riscos fiscais (art. 5º, III, “b”, da LRF), sendo a
divergência com a LDO justificada no sobredito apêndice à lei
orçamentária anual (art. 5º, I, da LRF).
11-
Não concretizados os riscos fiscais, a correlata Reserva de
Contingência pode ser remanejada para qualquer outra despesa
orçamentária.
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12-
Incluído no regime especial de precatórios, o Município
proverá Sentenças Judiciais em dotação suficiente para, até o
final de 2020, honrar todo o passivo judicial, aumentando, se for
o caso, o depósito mensal em proporção à receita corrente
líquida (vide Modulação do STF, em 25.03.2015, da derrubada da
Emenda Constitucional 62/2009).
13-
Enquadrado no regime normal de precatórios, o Município
alocará, em Sentenças Judiciais, valor bastante para suprir os
precatórios apresentados até 1º de julho de 2015 e, também, as
anteriores dívidas judiciais.
14-
O orçamento será detalhado até o elemento de despesa,
assim como quer o art. 15 da Lei 4.320/1964, e exige o princípio
orçamentário da transparência e da especificação do gasto
público.
15-
Sendo assim, resta claro que a dotação vai até os elementos
de despesa; entre estes a permuta requer crédito suplementar se
acontecer dentro de uma mesma ação de governo (ex.:
intercâmbio entre Material de Consumo e Vencimentos do Pessoal
na Atividade Operação de Creches); em rumo diverso, os
institutos da transposição, do remanejamento e da transferência
amparam trocas orçamentárias entre diferentes ações de
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governo, seja a Atividade, o Projeto ou a Operação Especial (art.
167, VI, da CF).
16-
Sob essa hoje predominante linha de entendimento, pode-se
solicitar, com moderação, percentual específico também para
créditos suplementares financiados pela anulação, parcial ou
total, de outras dotações (art. 43, § 1º, III da Lei 4.320, de 1964).
17-
Bem por isso, assim propõe o Boletim Fiorilli de
Administração Pública Municipal:
Art. ..... Fica o Poder Executivo autorizado a:
I- Abrir créditos suplementares até
o limite de 15% (quinze por cento) da despesa fixada
no artigo 1º, utilizando, como fonte de cobertura, o
superávit financeiro do exercício de 2015, os recursos
provenientes do excesso de arrecadação e o produto
de operações de crédito (art. 43, § 1º, I, II e IV, da Lei
nº 4.320, de 1964).
II- Abrir créditos suplementares até
o limite de 10% (dez por cento) da despesa fixada no
artigo 1º, utilizando, como fonte de cobertura, a
anulação parcial ou total de dotações orçamentárias
(inciso III do sobredito parágrafo).
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18-
Aqueles percentuais se compatibilizam com os permitidos,
todo ano, no orçamento do Governo Estado de São Paulo, cujo
Poder Executivo pode abrir, por ato próprio (decreto), créditos
suplementares até 17%, além de 20% baseados somente no
esvaziamento de outras dotações e, ainda, 9% para o reforço de
verbas relativas a inativos, precatórios, serviço da dívida e
gastos de anos anteriores. É o que se vê no orçamento paulista
para o ano de 2015 (Lei 15.646, de 23.12.2014):
Artigo 9º - Fica o Poder Executivo autorizado a:
I - abrir, durante o exercício, créditos suplementares até o limite de
17% (dezessete por cento) da despesa total fixada no artigo 4º desta
lei, (....)
§ 1º - Não onerarão o limite previsto no inciso I deste artigo, os
créditos:
1. destinados a suprir insuficiências nas dotações orçamentárias,
relativas a inativos e pensionistas, honras de aval, débitos constantes
de precatórios judiciais, serviços da dívida pública, despesas de
exercícios anteriores e despesas à conta de recursos vinculados, até o
limite de 9% (nove por cento) do total da despesa fixada no artigo 4º
desta lei;
2. abertos mediante a utilização de recursos na forma prevista no
artigo 43, § 1º, inciso III, da Lei federal nº 4.320, de 17 de março de
1964, até o limite de 20% (vinte por cento) do total da despesa fixada
no artigo 4º desta lei
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19-
Conforme a Emenda Constitucional nº 86, de 2015, as
emendas legislativas ao orçamento, até 1,2% da receita corrente
líquida, haverão de ser cumpridas pelo Executivo; são as
emendas impositivas, de execução obrigatória.
20-
Metade daquele 1,2% será destinada à Saúde, sendo que
estes 0,6% não poderão financiar despesas de pessoal, quer
salários ou encargos patronais (§ 10 do art. 166, da CF).
21-
Nessas intervenções sobre o projeto original, devem os
Vereadores
atentar
que
as
emendas
haverão
de
se
compatibilizar com o plano plurianual e a lei de diretrizes
orçamentárias e, a menos que haja subestimativa da receita, não
poderão as emendas, sob hipótese alguma, aumentar a despesa
proposta pelo Executivo, amparando-se, por consequência, na
redução de outra verba, que não de pessoal ou alusiva a serviço
da dívida (art. 166, § 3º, da CF).
22-
A partir da efetiva vigência da Lei nº 13.019/2014, os
recursos para auxílios, subvenções e contribuições só poderão
ser repassados após a formalização dos termos de colaboração
ou de fomento, ou seja, tais repasses se sujeitarão ao marco
regulatório das organizações da sociedade civil (MROSC). É o
que determina o art. 60 das Instruções nº 1/2015, do Tribunal de
Contas do Estado de São Paulo:
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Artigo 60 - As transferências voluntárias a organizações da sociedade
civil com classificação econômica de subvenções, auxílios e
contribuições, nos termos da Lei Federal nº 4.320/64, serão realizadas
exclusivamente mediante parcerias com a formalização de termo de
colaboração ou termo de fomento, observadas as disposições legais
pertinentes.
23-
Do princípio orçamentário da exclusividade, a Constituição
só excepciona a permissão de créditos suplementares e
operações de créditos (art. 165, § 8º). Tudo o mais é matéria
estranha à previsão de receitas e despesas. Sendo assim, as
transposições, remanejamentos e transferências não podem
estar autorizadas na lei orçamentária anual.
24-
No entanto, aquele trio poderá estar consentido, de forma
genérica, em instrumento precedente: a lei de diretrizes
orçamentárias (LDO). Foi bem isso o que recomendou o TCE-SP
nas contas do Governador (2014), visto que o orçamento
estadual, de forma incorreta, possibilitava, de forma global, a
abertura de transposição, remanejamento e transferência. Eis o
que diz essa pertinente ressalva daquela Corte de Contas:
Extirpe do texto da Lei Orçamentária Anual o conteúdo dos itens 1 e 2
do §2º do artigo 9º, bem como do artigo 10, passando a utilizar-se de
leis específicas a tais escopos, admitindo-se, no caso da transposição,
remanejamento e transferência, também a permissão inespecífica,
mas de forma limitada e com razoabilidade, a ser inserta na Lei de
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Diretrizes Orçamentárias (LDO), devendo, ainda, a Secretaria de
Planejamento e Gestão ser especificamente cientificada para o
acompanhamento e adoção providências de sua alçada acerca de tais
recomendações.
25-
É também assim que entende o Supremo Tribunal Federal
(STF):
ADIn: Lei estadual 503/2005, do Estado de Roraima, que dispõe
sobre as diretrizes orçamentárias para o exercício de 2006 (....)
Permitidos a transposição, o remanejamento e a transferência de
recursos de uma categoria de programação para outra, desde que
mediante prévia autorização legislativa, no caso substantivada no
dispositivo impugnado (da LDO) (....). (ADI 3.652, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-12-2006, Plenário, DJ de
16-3-2007.
26-
À vista de determinações constitucionais e legais, deve-se
alocar, no respectivo fundo, recursos para ações de proteção à
criança e ao adolescente. Observe o leitor a seguinte passagem
do respectivo Estatuto:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do
poder público assegurar, com absoluta prioridade, (....):
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: (...)
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas
com a proteção à infância e à juventude.
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Nesse cenário, a Corte Paulista de Contas fez o seguinte alerta:
Comunicado SDG n° 08/2011
O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, (....) COMUNICA
que deve a Administração atentar para o seguinte:
1. As disposições contidas no art. 227, caput, da Constituição Federal e
art. 4º, caput e parágrafo único, alíneas “b”, “c” e “d”, da Lei nº
8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente possuem aspecto
vinculativo para os gestores municipais, reclamando previsão
orçamentária de recursos que efetivem o princípio da absoluta
prioridade à criança e ao adolescente, de acordo, inclusive, com as
deliberações dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do
Adolescente e mediante instituição do Fundo Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente(....).
SDG, 12 de fevereiro de 2011.
SÉRGIO CIQUERA ROSSI
SECRETARIO-DIRETOR GERAL
27-
Têm sido muitas as recusas de conta por insuficiente
aplicação do Fundo da Educação Básica (Fundeb). Diferente da
aplicação do mínimo constitucional de 25%, só se pode
empenhar, no caso, a arrecadação anual daquele fundo, isto é,
não há margens de cautela possibilitadas pela alargada receita
de impostos, sobre a qual se baseiam aqueles 25%. Se o Prefeito
despende 100% do Fundeb, mas vê impugnadas certas despesas,
não logra cumprir o art. 21 da Lei 11.494, de 2007, sofrendo o
parecer desfavorável do Controle Externo. Nesse cenário, as
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dotações do Fundeb precisam se vincular, de forma estrita, a
atividades e projetos ligados, tão somente, a educação formal,
em sala de aula, não oferecendo qualquer risco de glosa.
28-
Dito de outro modo, uma vez que não se pode empenhar
102%, 103%, 104% do Fundeb, há de ser meticulosa a alocação
de despesas à conta daquele fundo, observando-se, com rigor, as
possibilidades e vedações dos artigos 70 e 71 da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
29-
O orçamento específico da Prefeitura, em hipótese alguma,
deve abrigar gastos da Câmara, vez que estas se sujeitam a
rigoroso freio constitucional (art. 29-A). Do contrário, o Controle
Externo realiza o ajuste, o que pode levar à superação daquele
limite e, portanto, à reprovação da conta dos dois chefes de
Poder: o Prefeito e o Presidente da Mesa Diretora.
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