Alfabetismo e continuidade dos estudos na EJA: um desafio ainda atual no Nordeste. Luiz Gonzaga Gonçalves UFPB • O tema é essencial, mexe diretamente com cada um(a) de nós: • Estamos lutando para consolidar uma educação pública e gratuita de EJA como direito universal de aprender e perseverar nela; • Queremos valorizar os conhecimentos e saberes acumulados ao longo da vida, não restritos à escolarização. • As primeiras escolas das letras no Egito antigo, na Grécia voltadas para crianças ou jovens criou uma novidade na aventura humana da busca pelo conhecimento; • Pela primeira vez a aprendizagem acontecia não exatamente no momento e no lugar onde o mestre realizava sua tarefa profissional; • Pela primeira vez, sentado, em local separado, aprendia-se,uma técnica relevante, a de ler e escrever; • O chicote era coadjuvante do mestre, porque não se facilitava didaticamente o caminho da aprendizagem. • Na Grécia, os recortes de textos dos poetas para o ler e o escrever falavam de um tempo arcaico, quando a oralidade e a inteligência prática eram muito valorizadas; • os poetas/educadores itinerantes eram autores respeitados como pessoas especiais e inspiradas; • Em seus poemas, Homero, Hesíodo, evocavam figuras lendárias, como Ulisses, homens astutos, aventureiros, guerreiros ou trabalhadores que sabiam fazer um pouco de tudo e vencer grandes dificuldades numa vida incerta. • Os professores que eram contratados para ensinar a ler e a escrever eram desprezados pelos gregos; • Com o passar dos séculos a escola foi criando independência das suas origens mais antigas. Platão, mesmo, criticava a leitura dos poetas antigos, para ele, tais saberes se moviam no domínio da doxa, ou seja, do saber pratico, incerto; • Com os séculos, o saber escolar ganhou status próprio, sem a necessidade de vincular-se aos saberes das coisas comuns, legitimados fora dos livros e de seus autores. • Muitos de nós, hoje, que temos origem popular, ou rural, depois da escola temos dificuldades para aproximar saber escolar e saber da vida prática; • Educadores(as) brasileiros(as) da década de 60, lutaram para vencer isso, apelando para a investigação e a atenção aos saberes dos não escolarizados. • Nos dez departamentos do MCP, o primeiro não era o de ensino, era o de pesquisa, o ensino vinha em seguida. • A investigação, a pesquisa não eram entendidas apenas como o trabalho de especialistas, mas do(a) educador(a); • Essa disposição investigativa foi um dos grandes pilares que fez o trabalho de educação popular daquele período ter sido criativo e inspirador até hoje; • Quando o MCP falava em “elevar o nível cultural do povo”, pairava uma grande dúvida: o que sabemos do modo como as pessoas do povo pensam, se relacionam, fazem seus projetos de vida? • Talvez possamos avançar aqui e admitir que a forma popular de conhecer o mundo esta mais alojada em cada um de nós do que admitimos. Vejamos... • Vanilda Paiva diz que em 1890 nós tínhamos no Brasil 85% de não alfabetizados; • Iniciamos o século XX com 75% de pessoas nessas condições. • Em 1940 tínhamos 55% de não alfabetizados da população acima dos 5 anos; no Nordeste havia 70% de não alfabetizados acima dos 18 anos; • Entre 2008 e 2009 temos 10% da população acima de 15 anos (14,1 milhões de não alfabetizados), o Nordeste está próximo de 19% com cerca de 7 milhões de não alfabetizados. • Com os não alfabetizados da população brasileira, nossos bisavós, avós e pais, nossa herança significativa é de uma inteligência e de uma sensibilidade de ordem prática, fora da escola. Tivemos sucesso nos estudos e na faculdade com essa herança popular. Não precisamos torná-la mais consciente para conseguirmos resultados na EJA? • Numa comparação com o meu país, a França, vejo que lá a escola é uma instituição mais forte do que no Brasil, uma instituição na qual o aluno tem o direito de pertencer para aprender coisas de que ele goste ou não. Mas o que mais me chama a atenção no caso brasileiro é a importância que é dada ao lado afetivo do saber. Existe aqui uma relação muito forte entre o saber e o corpo: o saber deve ter efeitos emocionais para ter valor. E isso acontece tanto na cabeça do aluno como na da professora”. B. Charlot • Vejamos alguns depoimentos de alunos do PROEJA do interior da Paraíba: • Eu sou jardineiro (podador), faço manutenção em piscina, sou auxiliar de serviços gerais, eletricista, encanador, faço cobertura de casas, pintura e ainda tem as coisas do dia- a- dia que a gente tem que desenrolar né?(Pedro – aluno aprovado) Eu aprendi essas coisas, olhando. Sempre que eu vejo uma pessoa fazendo um serviço, eu fico no pé observando porque eu sou muito curioso. Eu também fiz um curso rápido de eletricista, mas as outras coisas eu aprendi pela curiosidade. (Pedro) • “Tem tantas coisas que eu sei fazer. Eu faço unhas, escovo cabelos, faço bonecas, bordo, pinto em tecido e também sei cozinhar.” Essas coisas eu fui aprendendo observando as pessoas fazerem. Basta eu ver uma pessoa fazendo uma vez que eu já aprendo. (Edineidereprovada). • “Eu trabalho com funilaria, pintura de carro, sou laqueador de móveis, torneiro, marceneiro e faço projeto de móveis. Não sou formado, mas desenho qualquer tipo de móveis.” (Andersom desistente) • Eu não sei como aprendi estas coisas. Inclusive eu toco violão, gaita e ninguém nunca me ensinou. Acho que fui vendo as pessoas fazerem e acabei aprendendo. Acho que foi com a ajuda de Deus. Acho que já nasci com isto. (sorriu) (Andersondesistente). • A professora de geografia sempre envolvia a gente com coisas do dia-a-dia, ela fez trabalhos sobre produtos de limpeza, reciclagem e outros. O professor de Química também trabalhou com fabricação de perfumes. Essas aulas eram boas porque a gente ficava curioso pra aprender mais. Essas disciplinas eram as que eu mais gostava porque botava a mão na massa mesmo. Era estudando com a matéria mesmo na mão. (Pedro) • (...) “A exposição do professor e o livro texto foram os veículos principais para levar os jovens as especulações do espírito e todas as aquisições formais do saber. Para consegui-lo, sintetizou-se e dosificou-se a ciência. O que fez que a escola se assemelhasse a uma fábrica. O professor, usando uma linguagem abstrata e convencional, tratava de dirigir-se diretamente ao intelecto dos jovens”. • (...) As novas linguagens nos evidenciaram que se comunicar não consiste somente em transmitir idéias, fatos, mas sim oferecer novas formas de ver as coisas (...) Gustavo Gutiérrez • Referências: • PAIVA, Vanilda. Educação Popular e educação de adultos. São Paulo, Loyola. 1983 • Gutiérrez Francisco in GADOTTI. História das idéias pedagógicas. São Paulo. Atica, 1995. • http://www.acaoeducativa.org.br/downloads/i naf05.pdf. • http://www.crmariocovas.sp.gov.br/ent_a.php ?t=006