FILOSOFIA MODERNA III
A TRADIÇÃO EMPIRISTA: A
EXPERIÊNCIA COMO GUIA
CARLA G. MEASSI –
COLÉGIO KUARUP - 2010
O empirismo
• O termo empirismo tem sua origem no grego empeiria, que significa
“experiência” sensorial.
O empirismo é considerado uma doutrina relativa à natureza do
conhecimento.
O “empirismo”é uma escola da filosofia clássica moderna, contrastando-se o
“empirismo inglês” (Francis Bacon, Hobbes, Locke, Berkeley, Hume) com o
“racionalismo continental” (Descartes, Spinoza, Leibniz, Wolff).
Para os empiristas modernos a mente é como que uma espécie de livro em
branco no qual se gravam as “impressões” do mundo externo. Porém,
quando se compara as filosofias dos grandes empiristas ingleses verifica-se
que isto é uma simplificação excessiva.
Entretanto, há algo comum a todos esses pensadores, que é a tendência de
proporcionar uma explicação genética do conhecimento e a usar termos
como “sensação”, “impressão”, “ideia”. Para esses pensadores, o
conhecimento é visto como resultado da experiência sensível. Limita-se
assim o conhecimento à vivência, só aceitando verdades que possam ser
comprovadas pelos sentidos.
• Rejeita os enunciados metafísicos, baseados em conceitos que
extrapolam o mundo físico, devido à impossibilidade de teste ou
controle.
A noção de gravidade, por exemplo, faz parte do mundo sensível; já o
conceito de bem é do mundo metafísico.
O empirismo provoca uma revolução na ciência.
A partir da valorização da experiência, o conhecimento científico, que
antes se contentava em contemplar a natureza, passa a querer dominála, buscando resultados práticos.
• Para o empirismo contemporâneo, também chamado de Positivismo
lógico, representado pelo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951), a
filosofia deve limitar-se à análise da linguagem científica, expressão do
conhecimento baseado na experiência.
• Os defensores do empirismo afirmam que a razão, a verdade e as
ideias racionais são adquiridos por nós através da experiência. Antes da
experiência, dizem eles, nossa razão é como uma “folha em branco”,
onde nada foi escrito; uma “tábula rasa”, onde nada foi gravado, como
uma cera sem forma e sem nada impresso nela, até que a experiência
venha escrever na folha, gravar na tábula, dar forma à cera.
• Nada vem a mente sem antes ter passado pela experiência
Francis Bacon e o método
experimental
• O iniciador do empirismo é Francis Bacon. Ele
enalteceu a experiência e o método dedutivo
de tal modo que o transcendente e a razão
acabam por desaparecer.
• Falta-lhe, no entanto, a consciência crítica do
empirismo, que foram aos poucos
conquistando os seus sucessores e discípulos
até Hume.
• A principal obra de Bacon é a Instauratio
magna scientiarum, vasta síntese que deveria
ter compreendido seis grandes partes, mas
terminou apenas duas, deixando sobre o resto
esboços e fragmentos.
• As duas partes acabadas são: I - De dignitate
et argumentis scientiarum; II - Novum organum
scientiarum. Como se vê pelos títulos, e mais
ainda pelo conteúdo, trata-se de pesquisas
gnosiológicas, críticas e metodológicas, para
lançar as bases lógicas da nova ciência, da
nova filosofia, que deveria dar ao homem o
domínio da realidade
• A ciência deve restabelecer o imperium hominis (império do homem) sobre
as coisas.
• A filosofia verdadeira não é apenas a ciência das coisas divinas e humanas.
É também algo prático. Saber é poder.
• A mentalidade científica somente será alcançada através do expurgo de
uma série de preconceitos por Bacon chamados de ídolos (falsas noções
(ídolos) que se revelam responsáveis pelos erros cometidos pela ciência ou
pelos homens que dizem fazer ciência ).
• O conhecimento, o saber, é apenas um meio vigoroso e seguro de
conquistar poder sobre a natureza.
Classificação das ciências
• Bacon propõe a classificação das ciências em três grupos:
• Poesia ou ciência da imaginação;
• História ou ciência da memória;
• Filosofia ou ciência da razão.
• A história é subdividida em natural e civil e a filosofia é subdividida em
filosofia da natureza e em antropologia.
• O objetivo do método baconiano é constituir uma nova maneira de
estudar os fenômenos naturais. Para Bacon, a descoberta de fatos
verdadeiros não depende do raciocínio silogístico aristotélico mas sim da
observação e da experimentação regulada pelo raciocínio indutivo. O
conhecimento verdadeiro é resultado da concordância e da variação dos
fenômenos que, se devidamente observados, apresentam a causa real
dos fenômenos.
• Para isso, no entanto, deve-se descrever de modo pormenorizado os
fatos observados para, em seguida, confrontá-los com três tábuas que
disciplinarão o método indutivo: a tábua da presença (responsável pelo
registro de presenças das formas que se investigam), a tábua de
ausência (responsável pelo controle de situações nas quais as formas
pesquisadas se revelam ausentes) e a tábua da comparação
(responsável pelo registro das variações que as referidas formas
manifestam).
• Com isso, seria possível eliminar causas que não se relacionam com o
efeito ou com o fenômeno analisado e, pelo registro da presença e
variações seria possível chegar à verdadeira causa de um fenômeno.
Estas tábuas não apenas dão suporte ao método indutivo mas fazem uma
distinção entre a experiência vaga (noções recolhidas ao acaso) e a
experiência escriturada (observação metódica e passível de verificações
empíricas). Mesmo que a indução fosse conhecida dos antigos, é com
Bacon que ela ganha amplitude e eficácia.
A teoria das ideias de Locke e a
crítica ao inatismo
• Para John Locke a busca do conhecimento deveria ocorrer através
de experiências e não por deduções ou especulações. Desta forma,
as experiências científicas devem ser baseadas na observação do
mundo. O empirismo filosófico descarta também as explicações
baseadas na fé.
• Locke julga, como Bacon, que o fim da filosofia é prático. Entretanto
- diversamente de Bacon, que julgava que o fim da filosofia seria o
conhecimento da natureza para dominá-la (fim econômico) - Locke
pensa que o fim da filosofia é essencialmente moral; quer dizer: a
filosofia deve proporcionar uma norma racional para a vida do
homem.
• E, como os seus predecessores empiristas, ele sente, antes de mais
nada, a necessidade de instituir uma investigação sobre o
conhecimento humano, elaborar uma gnosiologia, para achar um
critério de verdade. Podemos dizer que a sua filosofia se limita a
este problema gnosiológico, para logo passar a uma filosofia moral
(e política, pedagógica, religiosa
• Locke não partedo ser e sim do pensamento. No nosso pensamento
acham-se apenas ideias (no sentido genérico das representações):
qual é a sua origem e o seu valor?
• Locke exclui absolutamente as ideias e os princípios que deles se
formam: antes da experiência o espírito é como uma folha em
branco, uma tabula rasa.
• No entanto, a experiência é dúplice: externa e interna. A primeira
realiza-se através da sensação, e nos proporciona a representação
dos objetos (chamados) externos: cores, sons, odores, sabores,
extensão, forma, movimento, etc.
• A segunda realiza-se através da reflexão, que nos proporciona a
representação das próprias operações exercidas pelo espírito sobre
os objetos da sensação, como: conhecer, crer, lembrar, duvidar,
querer, etc.
• Nas idéias proporcionadas pela sensibilidade externa, Locke
distingue as qualidades primárias, absolutamente objetivas, e as
qualidades secundárias, subjetivas(objetivas apenas em sua
causa).
• As ideias ou representações dividem-se em ideias simples e ideias
complexas, que são uma combinação das primeiras. Perante as
ideias simples - que constituem o material primitivo e fundamental
do conhecimento - o espírito é puramente passivo; pelo contrário, é
ele ativo na formação das ideias complexas. Entre estas últimas, a
mais importante é a substância: que nada mais seria que uma
coleção constante de ideias simples, referida pelo espírito a um
misterioso substrato unificador.
• O espírito é também ativo nas sínteses que são as ideias de
relação, e nas análises que são as ideias gerais.
• Às ideias de relação pertencem as relações temporais e espaciais e
de ideias simples dos complexos a que pertencem e da
universalização da ideia assim isolada, obtendo-se, desse modo, a
ideia abstrata (por exemplo, a brancura).
• Locke é, mais ou menos, nominalista: existem, propriamente, só
indivíduos com uma essência individual, e as ideias gerais não
passam de nomes, que designam caracteres comuns a muitos
indivíduos. Entretanto, os nomes que designam uma ideia abstrata,
isto é, uma propriedade semelhante em muitas coisas, têm um valor
e um escopo práticos: auxiliar os homens a se conduzirem na vida.
O ceticismo de Hume
• Hume quis ser o Newton da psicologia. O subtítulo de seu Tratado da
Natureza Humana é, nesse sentido, bastante esclarecedor: "Uma tentativa
de introdução do método de raciocínio experimental nas ciências morais”.
• A análise psicológica do entendimento operada por Hume parece, à
primeira vista, muito próxima da de Locke. Ele parte do princípio de que
todas as nossas "ideias" são cópias das nossas "impressões", isto é, dos
dados empíricos: impressões de sensação, mas, também, impressões de
reflexão (emoções e paixões).
• Para Hume, ir da ideia à impressão consiste em apenas perguntar qual é o
conteúdo da consciência que se oculta sob as palavras. Fala-se de
substância, de princípios, de causas e efeitos. Que existe
verdadeiramente no pensamento quando se discorre sobre isso? A quais
impressões vividas correspondem todas essas palavras? Aquilo que
Hume chama de impressão e que ele caracteriza pelos termos "vividness",
"liveliness" é o pensamento atual, vivo, que se precisa redescobrir sob as
palavras (no empirismo de Hume, diz Laporte, há que ver "antes o ódio ao
verbalismo do que o preconceito do sensualismo")
• O empirismo de Hume surge então como um ceticismo; explicar
psicologicamente a crença no princípio de causalidade é recusar
todo valor a esse princípio
• De fato, “não existe, na ideia de causalidade, senão o peso do meu
hábito e da minha expectativa”. Espero invencivelmente a ebulição
da água que coloquei no fogo. Mas essa expectativa não tem
fundamento racional. Em suma, poderia ocorrer - sem contradição que essa água aquecida se transformasse em gelo!
• "Qualquer coisa, diz Hume, pode produzir qualquer coisa." No
domínio das proposições lógicas, A não pode ser não-A .
• O princípio de causalidade, inteiramente explicado por uma ilusão
psicológica, não tem o menor valor de verdade. Pascal, que já
esboçara essa análise psicológica da indução, dizia em fórmula
surpreendente: "Quem reduz o costume a seu princípio, anula-o" .
• Na realidade, o ceticismo de Hume, ao abolir o princípio de
causalidade, lança a suspeita em toda ciência experimental. Em
todos os princípios do conhecimento ele descobre as ilusões da
imaginação e do hábito.
• A crença no princípio de causalidade, absurda no plano da reflexão,
é natural, instintiva. A teoria de Hume é simultaneamente um
dogmatismo instintivo e um ceticismo reflexivo. Ceticismo e
dogmatismo não se apresentam nele segundo os domínios do
saber, mas segundo os níveis do pensamento. Ninguém mais do
que ele separou filosofia e vida. Ele filosofa ceticamente segundo
uma reflexão rigorosa e dissolvente.
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