História da Doença
Celíaca
Luiz Carlos Bertges
Departamento de História da Medicina
Sociedade de Medicina e Cirurgia de Juiz de Fora MG
1
Primeira Referência
Sec II AD
Médico Grego: Aretaeus de Capadócia
2
Primeira Referência
Sec II AD
O trabalho de Aretaeus foi traduzido por
Francis Adms e publicado pela Sociedade
Sydenham em 1856
 Pequeno trecho da tradução:


The stomach being the digestive organ,
labours in digestion when diarrhoea seizes
the patient. If this diarrhoea does not proceed
from a slight cause of only one or two days'
duration, and if, in addition, the patient's
general system be debilitated by atrophy of
the body, the Coeliac Disease of a chronic
nature is formed.
3
Traduzindo
O estômago sendo um órgão digestivo,
trabalha na digestão, enquanto a diarréia
afeta o paciente.
 Se uma diarréia leve não desaparece em
um a dois dias, e, se o estado geral do
paciente fica debilitado pela atrofia do
corpo, a Doença Celíaca de natureza
crônica está estabelecida

4
Etmologia
O termo grego "koiliakos" usado por
Aretaeus significa “a pessoa que sofre dos
intestinos"
 Para o Latim o 'k' foi substituído por 'c' , o
'oi' foi substituído por 'oe', e com a retirada
da terminação adjetival 'os' deu origem à
palavra coeliac.

5
Aretaeus achava que a doença era
devido a:


O calor digere o alimento
Com a diminuição do calor
1.
2.
3.
O alimento não é digerido e não produz o
quimo
O alimento fica sob a forma semi-digerida
Sem esta digestão o alimento modifica seu
estado, ficando malcheiroso, com cor
diferente, e consistência diferente
6
4.
5.
6.
A cor fica branca e sem bile
O paciente fica flatulento e as fezes com
cheiro ofensivo
A consistência fica líquida, uma vez que
o processo digestivo só ocorreu no início
7
Descreveu o paciente como sendo:
1.
2.
Macilento, atrofiado, pálido, fraco e
incapaz de executar algumas tarefas
usuais
Se tentar andar os membros falham e as
veias ficam proeminentes,
principalmente nas têmporas
8
3.
4.
5.
Não só não ocorre a digestão adequada
como não há distribuição do que é
digerido
A doença acomete apenas adultos, em
idade mais avançada, e principalmente
as mulheres
O tratamento consistia de repouso e
jejum
9
6.
7.
8.
9.
A digestão era recuperada evitando-se o
frio e restaurando o calor
Mudanças no modo de vida e
massagens eram recomendadas
Se isto falhava tentava-se emetizantes
fortes, e purgativos
Mencionou de passagem o uso de dieta
10
1669 - Vincent Ketelaer, Médico
alemão

Publicou um livro sobre doença diarréica
em que as fezes ficavam volumosas,
necessitando “muitas bacias e potes para
as acumulações”

Possívelmente doença celíaca
11
1737 - John Bricknell

Escreveu um livro mencionando pacientes
que sofriam de um “fluxo branco”

Possivelmente doença celíaca
12
Outubro de 1887; 1700 anos depois
de Arataeus - Dr. Samuel Jones Gee
13
Dr. Samuel Jones Gee - 1887
Dr Samuel Jones Gee tornou a chamar a
atenção para a doença celíaca
 O título de sua palestra foi:



"On the Coeliac Affection.“
O mesmo título usado por Aretaeus, e tido
como uma homenagem ao médico grego
14
Dr. Samuel Jones Gee - 1887
Gee foi o primeiro a notar que a doença
afetava todas as idades
 Há um tipo de indigestão crônica que
atinge pessoas de todas as idades,
especialmente crianças entre 1 e 5 anos

15
Dr. Samuel Jones Gee - 1887

Sinais da doença:

fezes amolecidas, não formadas, volumosas
para a quantidade de alimento ingerido,
brancacentas, o alimento parece sofrer
putrefação e não digestão
16
Dr. Samuel Jones Gee - 1887
Era da opinião que a dieta era a parte
principal do tratamento
 Prescrevia poucos alimentos farináceos,
contudo permitia roscas e pães cortados
finamente e tostados dos dois lados

17
Dr. Samuel Jones Gee - 1887

Descreveu várias dietas, sendo uma sui
generis
Crianças alimentadas com mexilhões
melhoravam de forma espetacular
 Quando as estações dos mexilhões
terminavam os sintomas recidivavam

18
Dr. R A Gibbons 1889
Foi discípulo do Dr. Gee
 Escreveu 2 artigos no Edinburgh Medical
Journal com o título "The Coeliac Affection
in Children.“
 Descreveu 4 casos tratados por ele de
acordo com as sugestões de Gee

19
Dr. R A Gibbons 1889

Os exames post-mortem não revelavam
nada
Nenhuma perda da membrana mucosa
 Nenhuma ulceração
 Nenhuma perda dos folículos de Lieberkuhn
 Afirmou que a maioria das crianças com a
doença morriam e que as crianças afetadas
tinham grande objeção para subir escadas

20
Dr. R A Gibbons 1889

Conclusões sobre as causas da doença:

Como não haviam alterações
anatomopatológicas a doença dependia de
um distúrbio funcional, do suprimento nervoso
do fígado, pâncreas, glândulas de Brunner e
folículos de Lieberkuhn, possivelmente
também do estômago e glândulas salivares
21
Dr. R A Gibbons 1889

As alterações funcionais causam graves
alterações do processo digestivo, a
comida é rapidamente decomposta e a
absorção dos elementos deletérios para o
sangue produz acentuado agravo á saúde
22
Dr. W B Cheadle 1903
14 anos mais tarde

Publicou sua palestra na St Mary's
Medical School.
Escolheu chamar a doença de "Acholia“, pela
aparente ausência de bile nas fezes
 Achava que ocorria habitualmente em
crianças abaixo de 5 anos, a maioria nos 2
primeiros anos

23
Dr. W B Cheadle 1903

Na acolia não há icterícia, as fezes
geralmente são brancas como as da
icterícia obstrutiva, a bile está
absolutamente ausente nos intestinos,
mas não há reabsorção da bile para o
sangue, que deve ser rapidamente
destruída no próprio intestino, já que não
há impregnação dos tecidos e não
aparece na urina
24
Dr. W B Cheadle 1903
Seu tratamento era similar ao de Gee e
Gibbons, com a adição do uso de
chicletes em caso de alterações dentárias
 A importância deste artigo foi que pela
primeira vez foi notado que havia excesso
de gordura nas fezes, analisada por
estimativa

25
Herter 1908
Publicou o livro Infantilism from Chronic
Intestinal Infection
 Novo conceito:


Achava que a doença era devido a
inflamação do intestino causada por
persistência ou supercrescimento da flora
intestinal na infância, principalmente bacillus
bifidus e bacillus infantilis, daí o termo
infantilismo intestinal
26
Herter - 1908

Observou que as proteínas eram muito
bem toleradas, as gorduras
moderadamente toleradas e os
carboidratos muito mal tolerados
27
G F Still - 1918
Dez anos mais tarde
Deu três palestras no Royal College of
Physicians of London
 Sua hipótese é que estava lidando com
uma doença específica
 Que tinha pouco a acrescentar aos
aspectos clínicos
 As crianças afetadas pareciam ser até 3
ou 4 anos mais velhas

28
G F Still - 1918
O tratamento tem de ser mais ou menos
empírico
 Uma forma de amido que parece agravar
os sintomas é o pão


Repetiu a observação de Aretaeus, também
sem perceber o seu significado
29
G F Still - 1918

Encerrou com o aforisma de Heráclito:
“Those who seek for gold dig much earth and
find little“
 “Aquele que procura por ouro cava muita
terra e encontra muito pouco”

30
Sidney Hass - 1924
Descreveu o tratamento de 8 crianças
com Doença Celíaca
 Alguns anos antes tinha tratado com
sucesso um caso de anorexia nervosa
com uma dieta com bananas
 Achava que o efeito da banana era devido
a um hormônio

31
Sidney Hass - 1924

Como na Doença Celíaca a anorexia era
um sintoma importante, tentou a dieta com
bananas


Excluiu pão, biscoito, batata e cereais
Apresentou 8 casos tratados com sucesso
e dois não tratados que faleceram
32
Sidney Hass - 1924
Observou que em Porto Rico os
trabalhadores urbanos que comiam muito
pão apresentavam alta incidência de
Doença Celíaca, e que os rurais, que
comiam muita banana não apresentavam
 Este tratamento dietético continuou até os
anos 50

33
Sir Christopher Booth
Dicke - Pediatra Alemão
Palestra na Derby Medical Society
 Observou que durante a guerra, em
períodos de escassez de pães na
Holanda, diminuía muito a incidência de
D. Celíaca
 Descreveu que em 1930 um surto agudo
numa criança em que a mãe descreveu
que quando evitava pães e biscoitos a
pele da criança melhorava

34
Sir Christopher Booth
Dicke - Pediatra Alemão

Quando aviões Suecos despejavam pães
sobre a Holanda, os casos de crianças
com D.Celíaca recidivavam
Convenceu-se da toxicidade do trigo
 O fator tóxico existia no glúten

35

Apesar das observações de Dicke o
tratamento empírico com bananas
preconizado por Hass persistiu até 1963
quando publicou a seguinte frase:

A demonstração de Dicke foi um achado
científico de grande valor para o estudo da D.
Celíaca, mas clinicamente foi um desserviço
uma vez que ignorou outros carbohidratos
como agentes etiológicos
36
Dr Paulley - 1954

Chamou a atenção para a Histopatologia:
Salientou a dificuldade em se obter material
satisfatório do jejuno “Post Mortem”
 Afirmou que havia necessidade de material
adequado para o avanço no conhecimento da
doença

37
Kenamore - 1940
Idealizou uma pinça de biópsias adaptada
ao gastroscópio semi-flexível de Schindler
 Permitia biópsias gástricas sob visão
direta

38
Wood and Doig

Apresentaram em Melbourne um tubo
flexível para biópsias gástricas sem a
ajuda do gastroscópio ou de RX
Útil apenas para diagnóstico de doenças
difusas como gastrites, anemia perniciosa,
etc
 Por acaso fazia um ou outro diagnóstico de
câncer

39
1955

A “santidade” do duodeno foi violada
40
Royer na Argentina (1955) e Margot
Shiner
na Inglaterra (1956)

Desenharam um tubo para biópsias
duodenais baseando-se no instrumento de
Wood
41
Margot Shiner
na Inglaterra (1956)

A pinça de biópsias
atingiu com sucesso o
duodeno, sob controle
fluoroscópico, em 12 de
19 tentativas
42
Margot Shiner
na Inglaterra (1956)

Publicou a primeira biópsia de jejuno num
paciente gastrectomizado a Polya

Achou que com pequenas modificações
poderia fazer biópsias do jejuno em posição
normal
43
Margot Shiner
na Inglaterra (1956)


Idealizou um balão
adaptado na
extremidade distal,
que era inflado depois
de atingir o duodeno
Extremamente
incômodo para o
paciente
44
Tenente coronel - W H Crosby
& Heinz W Kugler - 1957
 Porto
Rico
 Cápsula de
Crosby-Kugler
45
Cápsula de Crosby-Kugler
46
47
48
49
50
1965

Dermatologistas observaram que
pacientes com prurido, rash cutâneo,
dermatite herpetiforme tinham achados
anormais nas biopsias de jejuno, da
mesma forma que na doença celíaca, e
que o rash geralmente desaparecia com a
suspensão do glúten da dieta
51
1968 – Elizabeth Segal e Peter
Beneson
Criaram a Coeliac Society (agora Coeliac
UK) com a finalidade de chamar a atenção
para a doença e desenvolver alimentos
apropriados
 Com 70,000 membros.

52
Início dos anos 70
Identificados os marcadores genéticos da
doença celíaca, embora os gens que
causam a doença não estejam
completamente conhecidos
 Esperança de novos tratamentos

53
Últimos 25 anos
Facilidade de biópsias usando
endoscópios de fibra óptica
 Testes sanguíneos confiáveis

Aumentou o número de casos diagnosticados
 Estimativa: 1% da população sofre de doença
celíaca
 A maioria não diagnosticada

54
2005
Coeliac UK criou o maior programa de
pesquisa em Doença Celíaca do mundo
 Arrecadou em doações cerca de £760,000

55
Novembro de 2006

Twelfth International Conference on
Coeliac Disease em Nova York
Discussão de novos achados
 Planejamento de novos projetos

56
Referências
Paveley WF. From Aretaeus to Crosby: a
history of coeliac disease. BMJ. 1988;
297:1646-49.
 Steward JS. History of the Coeliac
Condtion. Disponível em:
http://osiris.sunderland.ac.uk/~cs0rel/hist.h
tm em 20/05/2007.

57
Muito Obrigado
1930
2000
Vista de Juiz de Fora MG
58
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História da Doença Celíaca