UNIVERSIDADE POTIGUAR - UNP
PRÓ - REITORIA DE PESQUISA E GRADUAÇÃO
CURSO DE DIREITO
MARÍLIA VARELA SOARES DE GOIS
FALÊNCIA DO SISTEMA PRISIOMAL BRASILEIRO
Uma análise dos presídios da cidade de Natal
NATAL
2007
MARILIA VARELA SOARES DE GOIS
FALÊNCIA DO SISTEMA PRISIOMAL BRASILEIRO
Uma análise dos presídios da cidade de Natal
Artigo apresentado à Universidade
Potiguar – UNP, como parte dos
requisitos para obtenção do título de
Bacharel em Direito.
ORIENTADOR:
Muniz Marinho
NATAL
2007
Profº
Roosewelt
MARÍLIA VARELA SOARES DE GOIS
FALÊNCIA DO SISTEMA PRISIOMAL BRASILEIRO
Uma análise dos presídios da cidade de Natal
Artigo apresentado à Universidade
Potiguar – UnP, como parte dos
requisitos para obtenção do título
Bacharel em Direito.
Aprovado em: ____/____/_____
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Profº ROOSEWELT MUNIZ MARINHO
Orientador
Universidade Potiguar – UnP
__________________________________
Profª. Drª. ANA MARIA ROCHA
Universidade Potiguar – UnP
Dedico este trabalho a todos que de forma direta
ou indireta me ajudaram em sua conclusão.
De modo especial à minha mãe, fonte de
inspiração de todos os meus sonhos.
AGRADECIMENTOS
A Deus quem esteve comigo nas rotas turbulentas e me inspirou a tomar as
decisões mais sensatas. A ele toda minha devoção, amor e agradecimento por todos
os dias de minha vida e principalmente pela felicidade da realização de mais um
sonho.
A minha mãe, mulher que lançou um exemplo de força e determinação e a
qual eu tento seguir os passos cada dia de minha vida. A ela agradeço pelos dias de
trabalho e cansaço, sem ela nada disso poderia ser feito.
Aos meus irmãos que de forma direta e indireta me incentivaram neste longo
caminho
Comenta-se que ninguém de fato conhece uma
nação até que se veja numa de suas prisões.
Uma nação não deveria ser julgada pela forma
que trata seus mais ilustres cidadãos, mas como
trata os seus mais simplórios.
(Nelson Mandela)
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo comprovar a crise em que se encontra o
Sistema Prisional Brasileiro, a partir dos estabelecimentos prisionais localizados na
cidade de Natal, Rio Grande do Norte, bem como apontar soluções que possam
apresentar melhorias no tratamento do preso. Este trabalho foi feito através de
pesquisa bibliográfica, pesquisa de campo nas prisões de Natal e analise de
estatísticas do Sistema Prisional de Natal. Aborda inicialmente a evolução da pena
privativa de liberdade e aspectos históricos das leis de execução penal no país, bem
como sua finalidade nos dias atuais e a dos princípios constitucionais inseridos no
Processo Penal brasileiro. Posteriormente expõe os maiores problemas encontrados
nos cárceres durante as visitas às unidades prisionais, enfatizando nas maiores
reclamações dos detentos: ausência de Assessoria Jurídica e Morosidade da
Justiça. Apontar as conseqüências das condições sub-humanas as quais os presos
são submetidos e como a maneira a qual a sociedade trata os ex-presidiários só
piora a situação deploravel de violência do país. Expõe formas que podem
solucionar a crise existente no cumprimento da pena privativa de liberdade
enfocando nos problemas da Assistência Jurídica, na estruturação do Poder
Judiciário Estadual e na aplicação de penas alternativas, tendo em vista que a
solução desses problemas acarretaria na solução das outras questões complicadas
do Sistema Prisional. Conclui que as prisões de Natal não oferecem ao preso os
direitos a eles garantidos na Lei de Execução Penal, sendo assim, não o prepara ao
convívio na sociedade, precisando então de uma urgente reforma.
Palavras-chave: Sistema Prisional Brasileiro. Direitos dos Presos. Problemas.
Soluções.
ABSTRACT
The present project has as objective to prove the existent crises in which the Prison
System of Brazil is found, from the prisons establishments located in the city of Natal,
Rio Grande do Norte, as well as to point solutions that are able to present
improvements in the treatment of the prisoner. This project was done with
bibliographical research, research in the field in the prisons of Natal and analysis of
Natal‟s Prison‟s System. It approaches initially the private sanction of freedom‟s
evolution and historicals aspects of the penal execution‟s legislations in the country,
as well as its purpose in the current days and the purpose of the constitutional
principles inserted in the brazilian‟s Penal Process. Later exposes the biggest
problems found in jail during the visits to the prison‟s unities, emphasizing in the
biggest complaints of the prisoners: lack of law support and the Justice‟s slowness.
To point the consequences of the under human conditions in which the prisoners are
subdued and how the way society treats the former prisoners only make worse this
deplorable situation of violence of the country. Display ways that can solve the
existent crises in the fulfillment of the the private sanction of freedom focusing in the
issues of law support, in the State‟s Judiciary Power and in the application of
alternative sanctions, having in mind that the solutions of those problems would bring
the solutions of other complicated issues of the Prison‟s System. It concludes that
Natal‟s prisons don‟t offer to the prisoner his rights guaranteed in the penal
execution‟s legislations, being so, It does not prepare him to the life in society,
needing an urgent reform.
Key words: Brazilian Prison System. Prisoner‟s rights. Rights of the child. Problems.
Solutions.
SUMÁRIO
1.
INTRODUÇÃO ............................................................................................. 11
2.
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ...................................................................... 14
3
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS REGIMES PRISIONAIS E DO SISTEMA
PENITENCIÁRIO.......................................................................................... 16
3.1
O SISTEMA PENITENCIÁRIO PENSILVÂNICO .......................................... 17
3.2
O SISTEMA PENITENCIÁRIO AUBURNIANO ............................................. 18
3.5
O SISTEMA PENITENCIÁRIO PROGRESSIVO ................................................ 19
4.
HISTÓRICO DAS PRISÕES NO BRASIL ................................................... 21
5.
HISTÓRICO DAS LEIS DE EXECUÇÕES PENAIS .................................... 28
6
ASPECTOS E FINALIDADES DA ATUAL LEI DE EXECUÇÃO PENAL
BRASILEIRA ................................................................................................ 30
7
OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL ................ 33
7.1
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ...................................................................... 33
7.2
PRINCÍPIO DA IGUALDADE ....................................................................... 34
7.3
PRINCÍPIO DA HUMANIDADE .................................................................... 35
7.4
PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL ............................................ 35
7.5
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO .............................................................. 36
7.6
PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL .................................................................. 37
7.7
PRINCÍPIO DO ESTADO DE INOCÊNCIA .................................................. 37
7.8
PRINCÍPIO DO LIMITE AO PODER PUNITIVO DO ESTADO .................... 38
8
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS REGIMES PRISIONAIS E DO SISTEMA
PENITENCIÁRIO ............................................................................................40
CONDIÇÕES FÍSICAS....................................................................................40
SUPELOTAÇÃO..............................................................................................40
ASSISTÊNCIA MÉDICA..................................................................................41
SERVIÇOS SOCIAIS.......................................................................................43
O TRABALHO DENTRO DAS UNIDADES PRISIONAIS................................43
EDUCAÇÃO NOS PRESÍDIOS.......................................................................48
RECREAÇÃO NOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS.............................49
AUSÊNCIA DE CLASSIFICAÇÃO...................................................................51
9
AS QUEIXAS DOS PRESOS ....................................................................... 53
9.1
MOROSIDADE DA JUSTIÇA ....................................................................... 53
9.2
ASSESSORIA JURÍDICA ............................................................................. 54
9.2.1 Assistência do Defensor............................................................................ 58
PRESO PROVISÓRIO .........................................................................................60
10
O IMPACTO DA FALÊNCIA DO SISTEMA PRISIONAL NA
POPULAÇÃO CARCERÁRIA E NA SOCIEDADE......................................... 62
11
SOLUÇÕES PARA O PROBLEMA PRISIONAL...................................... ..... 68
11.1
11.2
11.3
ASSESSORIA JURÍDICA...............................................................................68
PODER JUDICIÁRIO......................................................................................70
PENAS ALTERNATIVAS................................................................................71
CONSIDERAÇÔES FINAIS.......................................................................................74
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 76
11
1 INTRODUÇÃO
Quase que diariamente vemos a imprensa noticiar a falta de vagas nos
presídios e o estado precário dos estabelecimentos já existentes, fatos que
deterioram as expectativas de recuperação dos presos; e também é sabido que o
alto custo para a criação e a manutenção dos estabelecimentos carcerários
determina um terrível desgaste da responsabilidade do Governo pela questão.
Porém, as soluções possíveis são diversas, todavia o que mais falta é vontade
política para determinar o fim do problema.
Em escorço histórico cronológico que começa com a contribuição do Marquês
de Beccaria para a humanização do castigo prisional na Europa de séculos atrás,
mostra a história das prisões no Brasil e vão até o estudo dos modelos de
penitenciáriao, intenta-se, neste estudo, mostrar a realidade da pena privativa de
liberdade no Brasil e, notadamente, no Estado do Rio Grande do Norte, onde o
problema, aliado à avalanche da criminalidade, atingiu seu ponto de saturação.
Nesta obra foram analisadas as modernas práticas utilizadas pelo Direito
Penitenciário brasileiro, analisando as inovadoras e completas normas instituídas no
complexo de leis que envolvem a Execução Penal na legislação Pátria.
Aqui, foi posicionado que o maior problema a ser enfrentado no campo da
repressão penal da delinqüência não é o relativo ao regramento punitivo formal e
sua aplicação em concreto, mas, sobretudo, aquele concernente a execução da
pena restritiva nos presídios enfeixados pelo sistema prisional brasileiro. De fato, a
pena restritiva de liberdade, quando imposta de modo inadequado e desumano,
deixa de ser justa, tornando-se maléfica e hostil a seus objetivos fundamentais de
tutela da sociedade em seu todo e de reinserção do egresso prisional no contexto
comunitário.
Tanto assim é que, neste trabalho através de pesquisas práticas, procedidas
junto aos presídios de Natal, restou inconcusso que não foi a pena prisional
propriamente dita que faliu, mas, sim, a maneira como ela é executada, arbitrária e
cruelmente,
em
estabelecimentos
de
clausura
nada
apropriados
para
a
ressocialização do sentenciado. São estabelecimentos sem quaisquer condições de
aplicabilidade das proposições modernas de tratamento penitenciário e entre elas: a
necessidade da fase
pré-analítica antes do tratamento; a psicologia da
12
aprendizagem laborativa; a auto-disciplina do apenando e a ocupação de seu tempo
livre; o trabalho do sentenciado e a sua formação e aperfeiçoamento profissionais;
as medidas de flexibilidade de execução; a ergoterapia; os médicos ortopsíquicos e
pedagógicos emendativos; as medidas especiais de assistência e tratamento; as
medidas introdutórias da liberdade; a fase de liberdade assistida; o tratamento em
meio-fechado, em semi-aberto, em semiliberdade, em meio livre e na assistência
pós-penal; etc.
Como conseqüência desses fatores são observadas a reincidência e a
decorrente superpopulação carcerária; a gritante omissão à progressividade no
cumprimento da pena, alvitada na prática penológica conquanto determinada em lei;
a afrontosa desobediência as fases de cumprimento de pena e a não colimaçãode
seus propósitos; o descrédito do pessoal penitenciário e a incontida de sua
autoridade; etc.
Este estudo mostra que as unidades prisionais natalenses em nenhum
momento lembram o fundamento do Direito Penitenciário de proteção da pessoa
humana. Representam total negação de tudo que se apregoa na moderna política
penitenciária, que inclusive é a adotada na teoria, pela nossa legislação de
execução penal. Torna evidente, também, que não há espetáculo mais doloroso e
chocante que o interior dos presídios que cercam a capital norte-riograndense.
Diante desta situação calamitosa, a obra mostra o impacto destas condições
desumanas as quais nossos detentos são condenados a viver dentro de seus
conscientes, do presídio e principalmente dentro da comunidade. É mostrada a
importância da análise e discussão deste tema para a sociedade, pois, é bastante
claro que apesar de termos uma lei avançada e completa no quesito de execução
penal, não conseguimos colocar as normas em prática, o que traz como
conseqüência um maior mal a sociedade. A segurança de cada um relaciona-se
intimamente com a maneira que esses presos são tratados nas prisões, a realidade
de nossos presídios contribui com a revolta dos já marginalizados e para a
“qualificação do bandido”. Mudanças radicais neste sistema se fazem urgentes, pois
as penitenciárias se transformaram em verdadeiras “usinas de revolta humana”, uma
bomba relógio que o judiciário brasileiro criou no passado a partir de uma legislação
que hoje não pode ser vista como modelo primordial para a carceragem no país.
Salienta, este estudo que a ausência de uma Assessoria Jurídica dentro dos
presídios é o principal fator para esta calamitosa situação, pois, é por causa desta
13
falha que os presos não conseguem clamar por seus direitos e assim passam por
situações que denigrem sua condição de ser humano e vão além da pena imposta
pela legislação.
Mostra-se, enfim soluções para os problemas enfrentados, sabendo-se da
impossibilidade de se fazer cumprir a Lei de Execução Penal, neste estudo foram
criadas soluções que envolvem adaptações das regras da nossa Lei e a realidade
dos nossos presídios, chamando para a imperosidade de uma pronta intervenção
dos governantes, que não atentam para o processo real do contexto prisional e
praticamente relegam ao ostracismo as medidas alternativas de pena que realçam a
finalidade ética do trabalho e que, em muitos casos, poderiam evitar o drama da
imposição coativa.
14
2 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Os presídios talvez sejam o outro lado da moeda, a face obscura que
negamos a ver de nós mesmos. É difícil penetrar no interior dessas instituições
totais e resistir à estranha lógica produzida nos seus limites. Falamos de um mundo
à parte que, não obstante, é uma expressão desse mundo. Sua mais completa e
traiçoeira tradução. As reações daqueles que, em nome da sociedade, entram em
contato com o sistema prisional são, por certo, bem variadas. Há os que revelam a
inacreditável capacidade de transitar pelos corredores desses labirintos modernos
sem descobrir neles o indefinido mal estar que costumamos sentir diante do
implacável. Para esses, tudo se passa como se a instituição da própria sociedade
nos fosse legada em termos irrecorríveis. Os presídios, afirmam, são um mal
necessário. Assim, se há necessidade no mal, importa aceitá-lo e, ato contínuo,
identificar como mal inaceitável as pretensões críticas que o contestam. Se a
maldade cumpre, dessa forma, função legítima entre nós, então os que a sustentam
são funcionários do mal.
De outra parte, há os que, diante do horror construído pelo fenômeno
moderno da privação da liberdade, encontram sua própria identidade e se
reconhecem humanamente no sofrimento de internos e condenados. Não se trata,
por óbvio, de uma escolha, mas de uma imposição ditada por um determinado senso
moral. A solidariedade é uma conduta tanto mais urgente e evidente quanto maiores
forem as privações e a dor dos seres humanos que, quando conhecidas, passam a
ser compartilhadas por nós. A solidariedade devida aos encarcerados, entretanto, é
rarefeita em sociedades como a nossa e é superada largamente pela indiferença,
quando não pela noção medieval de vingança. Naturalmente, o senso comum
produz a redução de todos os seres humanos que cumprem a pena privativa de
liberdade à condição de "delinqüentes" ou, como prefere a cultura policial no Brasil,
à classificação de "vagabundos". Não há, entretanto, qualquer ontologia do crime ou
uma "essência"a definir o "criminoso". As pessoas que se encontram encarceradas
possuem entre si pouco em comum além do fato de serem invariavelmente pobres,
jovens e semi-alfabetizadas. O que as distingue não é, comumente, mais nem
menos do que aquilo que nos faz diferentes. Nesse sentido, a instituição prisional é
produtora de uma identidade criminosa além de ser, concretamente, um dos fatores
15
criminogênicos mais importantes. O fato é que as chamadas "instituições totais"
organizam de tal forma as privações e distribuem com tanta radicalidade o mal que,
imediatamente, nos vemos confrontados em nossa condição humana pela própria
desumanidade da instituição.
Quando falamos em presídios - como de resto de qualquer outro fenômeno
social - há, então, antes mesmo da fala, uma posição preliminar que seleciona nossa
atenção, que hierarquiza nossos sentimentos, que fixa ou desvia nosso olhar. A
depender da posição da qual falamos, teremos chances distintas de compreender o
que se passa e captar o real em suas dimensões mais significativas. Digo "posição",
mas poderia dizer "predisposição". Ocorre que não me refiro a um conjunto mais ou
menos coerente de noções político-ideológicas que estariam, necessariamente,
informando a atitude dos sujeitos. Antes disso, quero me referir a uma determinada
escala de valores que portamos e que, ao mesmo tempo, nos suporta. A idéia de
"dignidade", por exemplo, haverá de perturbar o visitante que a possua. O que
vemos no interior dos presídios, particularmente nas atuais condições de
encarceramento, é uma afronta permanente a este e a muitos outros valores
fundamentais
para
a
condição
humana.
É
impossível
dar
conta
desse
estranhamento a partir de uma visão formatada desde o exterior dos presídios.
Alguém que experimente as condições de vida em sociedade nesse final de século
vive, necessariamente, em coordenadas espaço-temporais que não guardam
qualquer relação com aquelas vividas realmente pelos encarcerados. Os seres
humanos dessa época são, também, aqueles que descobrem-se progressivamente
em um mundo onde as distâncias diminuem. Por conta disso, pode-se afirmar que
nossos espaços são infinitamente maiores do que já foram. Pela mesma razão,
nosso tempo é cada vez menor. Se disséssemos, então, que nossa época nos
oferece cada vez mais espaço e cada vez menos tempo estaríamos sintetizando
uma das mais importantes características da vida moderna. Os encarcerados, por
contraste, são aqueles para os quais não há qualquer espaço e que dispõem de
todo o tempo. "Todo o tempo" é o tempo infinito. Mas o sofrimento diante do tempo
infinito é, também, um sofrimento infinito. É preciso compreender isso para que
possamos situar verdadeiramente o primeiro pressuposto da experiência prisional.
16
3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS REGIMES PRISIONAIS E DO SISTEMA
PENITENCIÁRIO
A evolução dos regimes prisionais está intimamente ligada à evolução dos
próprios sistemas penitenciários.
As raízes do Direito Penitenciário começaram a formar-se no Século XVIII,
com os estudos de BECCARIA e HOWARD. Durante muito tempo o condenado foi
objeto da Execução Penal e só recentemente é que ocorreu o reconhecimento dos
direitos da pessoa humana do condenado, ao surgir a relação de Direito Público entre
o Estado e o condenado.
Realmente, o Direito Penitenciário resultou da proteção do condenado. Esses
direitos se baseiam na exigência Ética de se respeitar a dignidade do homem como
pessoa moral.
Os dois métodos aplicados no Direito Penitenciário são: método científico - é
um dos elementos da planificação da política criminal, especialmente quanto ao
diagnóstico do fenômeno criminal, a verificação do custo econômico-social, e a exata
aplicação do programa. Já a estatística criminal é estudada pelo método estatístico,
o qual destina-se a pesquisa da delinqüência como fenômeno massa. Estas
estatísticas dividem-se em três ordens: policiais, judiciais e penitenciárias.
Somente no Século XX avultou a visão unitária dos problemas da Execução
Penal, com base num processo de unificação orgânica, pelo qual normas de Direito
Penal e normas de Direito Processual, atividade da administração e função
jurisdicional obedeceram a uma profunda lei de adequação às exigências modernas
da Execução Penal.
Todo esse processo de unificação foi dominado por dois princípios do Código
Penal de 1930: a individualização da execução e o reconhecimento dos direitos
subjetivos do condenado.
BECARIA e HOWARD deram causa a uma grande evolução da doutrina de
Execução Penal, com a produção de longa série de tratados e revistas
especializadas (DE BEAUMONT, TOCQUEVILLE, DUCPETIAUX, PESSINA, VIDAL
e CUCHE). Sucessivamente realizaram-se congressos sobre o assunto, os quais já
assumiam caráter internacional, como o de Londres em 1872.
17
Os primeiros sistemas penitenciários surgiram nos Estados Unidos. Porém, a
filosofia de se utilizar a prisão como forma de pena começou a ser difundida
somente a partir do século XVIII.
O sistema americano, ao longo de seu desenvolvimento, foi quem forneceu as
bases filosóficas dos sistemas penitenciários da atualidade.
Os sistemas penitenciários podem ser basicamente divididos em três, os
quais, numa seqüência evolutiva, foram o pensilvânico, o auburniano e o
progressivo.
3.1 O SISTEMA PENITENCIÁRIO PENSILVÂNICO
Quando a Colônia da Pensilvânia (então uma das Treze Colônias inglesas na
América) foi criada em 1681 ela tinha como objetivo atenuar a dureza da legislação
penal inglesa. A cominação da pena de morte foi limitada ao crime de homicídio e
também foram substituídas as penas de castigos físicos e de mutilações pelas
penas privativas de liberdade e de trabalhos forçados, que em 1786 vieram
finalmente a ser abolidos, persistindo então apenas a do encarceramento.
O sistema pensilvânico tinha como característica fundamental o isolamento do
preso em uma cela, a oração e a abstinência total de bebidas alcoólicas. Tinha uma
forte fundamentação teológica, mas já apresentava a influência das idéias
iluministas de Howard e de Beccaria.
A religião era tida como instrumento capaz de recuperar o preso, não sendo
dado a ele o direito de se comunicar (silent system), mas apenas de permanecer em
silêncio em meditação e oração. Este isolamento celular se constituía praticamente
em uma tortura, que na verdade, em nada contribuía para a reabilitação do
criminoso, mas apenas conferindo à pena um caráter retributivo e expiatório.
3.2 O SISTEMA PENITENCIÁRIO AUBURNIANO
O sistema penitenciário auburniano surgiu da necessidade de se superar as
limitações e os defeitos do regime pensilvânico. A sua denominação decorre da
construção da prisão de Auburn, em 1816, na qual os prisioneiros eram divididos em
18
categorias, sendo que aqueles que possuíam um potencial maior de recuperação
somente eram isolados durante o período noturno, sendo lhes permitido trabalharem
juntos durante o dia.
No entanto, a motivação do surgimento do sistema auburniano decorreu não
tão somente de uma preocupação em se reformar o sistema pensilvânico que
vigorava até então, mas também de uma necessidade circunstancial decorrente do
contexto histórico-político-econômico da época.
Na primeira metade do século XVIII, a importação de escravos restringia-se
cada vez mais devido a uma nova legislação imposta pelo governo das Treze
Colônias, enquanto que a conquista de novos territórios e a rápida e crescente
industrialização produziam um vazio no mercado de trabalho, que não conseguia ser
suprido apenas pelos índices de natalidade e de imigração.
Desta forma, o sistema auburniano surgiu como forma de adequar a mão de
obra penitenciária aos intentos do sistema capitalista, submetendo o recluso ao seu
regime político-econômico, aproveitando-o como força produtiva.
O sistema auburniano tinha a filosofia de que o trabalho era, por si só, um
instrumento
reabilitador
do
preso,
considerando-o
como
um
agente
de
transformação e reforma da pessoa humana.
Os dois aspectos negativos que, ao logo do tempo, levaram o sistema
auburniano ao seu ocaso foram, primeiro, o fato de ele se constituir num regime
disciplinar excessivamente rigoroso, com a aplicação de castigos cruéis e
excessivos. Também com o passar do tempo, o trabalho nas prisões passou a
representar uma forte competição ao trabalho livre, o que passou a se tornar um
entrave na economia colonial.
A diferença básica do sistema auburniano para o pensilvânico era o fato de
que neste, os reclusos permaneciam separados durante todo o dia, já naquele, o
isolamento se dava apenas durante o período noturno. O sistema pensilvânico
fundamentava-se basicamente numa orientação religiosa, já o auburniano inspirouse claramente em motivações econômicas.
Apesar de se constituírem em sistemas que se baseavam no isolamento, na
imposição de castigos corporais e na exploração da mão de obra penitenciária,
ambos tinham por finalidade a ressocialização do recluso, mesmo essa não
ocorrendo de forma eficaz na prática.
19
O sistema auburniano – afastadas sua rigorosa disciplina e sua exigência
estrita de silêncio – constituiu uma das bases do sistema progressivo, ainda aplicado
hoje na maioria dos países.
3.3 O SISTEMA PENITENCIÁRIO PROGRESSIVO
A adoção do regime progressivo coincidiu com a idéia da consolidação da pena
privativa de liberdade como instituto penal (em substituição à pena de deportação e
a de trabalhos forçados) e da necessidade da busca de uma reabilitação do preso.
A idéia de um sistema penitenciário progressivo surgiu no final do século XIX,
mas, no entanto, sua utilização generalizou-se através da Europa só depois da I
Guerra Mundial. A essência desse regime consistia em distribuir o tempo de duração
da condenação em períodos, ampliando-se em cada um deles os privilégios que o
recluso poderia desfrutar, de acordo com sua boa conduta e do avanço alcançado
pelo tratamento reformador. Outro aspecto importante era o fato de possibilitar ao
recluso reincorporar-se à sociedade antes do término da condenação. Basicamente,
o sistema progressivo tinha como fundamento dois princípios: estimular a boa
conduta do recluso e obter sua reforma moral para uma futura vida em sociedade.
O avanço considerável obtido pelo sistema progressivo justifica-se pela
importância por ele dada à vontade do recluso e de que ele diminuíra o rigor
excessivo na aplicação da pena privativa de liberdade.
Da filosofia original do sistema progressivo surgiram várias variantes e
peculiaridades em outros sistemas, o que na verdade se constituíam num
aperfeiçoamento do próprio sistema progressivo.
As primeiras mudanças decorreram do surgimento do sistema progressivo
inglês, desenvolvido pelo capitão Alexandre Maconochie, no ano de 1840, na Ilha de
Norfolk, na Austrália. Esse sistema consistia em medir a duração da pena através de
uma soma do trabalho e da boa conduta imposta ao condenado, de forma que a
medida em que o condenado satisfazia essas condições ele computava um certo
número de marcas (mark system), de tal forma que a quantidade de marcas que o
condenado necessitava obter antes de sua liberação deveria ser proporcional à
gravidade do delito por ele praticado.
20
A duração da pena baseava-se então da conjugação entre a gravidade do delito,
o aproveitamento do trabalho e pela conduta do apenado.
A divisão do sistema dava-se em três períodos. No primeiro, chamado de
isolamento celular diurno e noturno tinha a finalidade de fazer com que o apenado
refletisse sobre seu comportamento delituoso. Num segundo momento, vinha o
trabalho, de acordo com o sistema silencioso durante o dia, matendo-se a
segregação noturna no período noturno. Por fim vinha à liberdade condicional, que
se não fosse determinada a sua revogação, o condenado vinha então a adquirir sua
liberdade de forma definitiva.
Apesar de obter grande sucesso e difusão por toda a Europa, o sistema
progressivo inglês foi posteriormente substituído pelo irlandês, que tinha os seus
mesmos fundamentos e a sua mesma ideologia, tendo como única diferença a
inserção de uma fase intermediária entre o período de trabalho do condenado e o de
liberdade condicional.
Neste período intermediário, o preso trabalhava ao ar livre e em prisões
especiais, preferencialmente agrícolas. Não usava uniforme de preso e não mais
sofria castigos corporais. Podia comunicar-se com a população livre e ainda
dispunha de parte de remuneração de seu trabalho.
Apesar de sua efetividade ter sido constantemente questionada, o sistema
progressivo irlandês foi adotado a ainda vigora em inúmeros países, embora muitos
considerem que ele tenha sido paulatinamente se convertido no sistema de
individualização científica, que é o hoje adotado pelo sistema penitenciário espanhol.
Paralelamente ao sistema progressivo irlandês, foi criado o sistema de
Montesinos, um coronel espanhol que foi nomeado diretor do Presídio de Valência
em 1835. O sistema deste espanhol não se diferenciava muito do irlandês, no
entanto, a sua grande contribuição foi a filosofia de que o poder disciplinar em uma
prisão deve reger-se pelo princípio da legalidade, e que não devia ser aplicado ao
preso qualquer medida ou tratamento de natureza infame ou que atentasse contra
sua dignidade.
Ele foi ainda o precursor da idéia das prisões abertas, das concessões de
licença de saída e defensor ferrenho de que a pena tinha de possuir um caráter
eminentemente ressocializador, se efetivando principalmente através do trabalho do
preso, que deveria servir não como meio de exploração de mão de obra, mas sim
como meio de ensinamento.
21
4 HISTÓRICO DAS PRISÕES NO BRASIL
Em 1551, já se falava sobre a existência em Salvador, Bahia, sede do
governo-geral do Brasil, de uma “cadeia muito boa e bem acabada com casa de
audiência e câmara em cima [...] tudo de pedra e barro, rebocadas de cal, e telhado
com telha”. 1
Nas cidades e vilas, as prisões se localizavam no andar térreo das câmaras
municipais e faziam parte constitutiva do poder local. Serviam para recolher
desordeiros, escravos fugitivos e, evidentemente criminosos à espera de julgamento
e punição. Não eram cercadas por muros, e os presos mantinham contato com
transeuntes, através das grades; recebiam esmolas, alimentos, informações.
2
As prisões estavam alocadas também em prédios militares e fortificados,
que foram construídos em pontos estratégicos para a defesa do território e, com o
tempo, perderam a função.
O Aljub, antiga cadeia localizada no Rio de Janeiro, foi instituída pelo bispo
Antônio de Guadalupe em 1735. A cadeia do Aljube era conhecida como “prisão
eclesiástica do Aljube”, em função da origem árabe da palavra Aljube que significava
cárcere eclesiástico e era usada para punição de religiosos. Com a vinda da família
real para o Brasil, esta área de reclusão foi transformada em prisão comum,
recebendo o nome de Cadeia da Relação em 1823. Em 1929, uma comissão de
inspeção nomeada pela Câmara Municipal afirmaria: “O aspecto dos presos nos faz
tremer de horror” 3.
Esta prisão, encostada ao morro da Conceição, é subterrânea de um lado, e
de outro faz frente á rua do mesmo nome; é, por isto defeituosíssima,
porque a comunicação imediata com a rua a torna pouco segura, e não
permite que se estabeleça, no seu interior, a disciplina conveniente para
reforma dos presos; pela sua situação, já se vê que ela deve ser úmida,
insalubre, inabitável, sobretudo do lado da montanha. (...) Foi com grande
dificuldade que a Comissão pode vencer a repugnância que deve sentir
todo o coração humano, ao penetrar nesta sentina de todos os vícios, neste
antro infernal, onde tudo se acha confundido, o maior facínora com uma
1
RUSSEL-WOOD, (1981, p. 39)
SALLA, (1999, p. 41)
3
HOLLOWAY, (1997, p. 66)
2
22
simples acusada, o assassino o mais inumano com um miserável, vítima da
4
calunia ou da mais deplorável administração da justiça.
Eram 390 detentos, e cada um dispunha de uma área aproximada de 0,60
por 1,20 metro. Em 1831, o número de presos passaria de 500.5 Em 1856, prestes a
ser desativado, o aljube seria definido pelo chefe de polícia da Corte como um
“protesto vivo contra o nosso progresso moral”.
Um decreto de 1821, ano anterior à Independência firmado pelo príncipe
regente D. Pedro, marca o início da preocupação das autoridades com o estado das
prisões do país: ninguém será “lançado” em “masmorra estreita, escura ou infecta”
porque “a prisão deve só servir para guardar as pessoas e nunca para as adoecer e
flagelar”.6
A Constituição de 1824, além de ter abolido o açoite (mantido para
escravos), a tortura, a marca de ferro quente e outras penas cruéis e costumes
punitivos antigos, disciplinados pelas Ordenações do Reino de Portugal,
determinava que as cadeias fossem “seguras, limpas e bem arejadas, havendo
diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza
dos seus crimes”.
Em rigor, a pena privativa de liberdade só foi instituída pelo Código Criminal
do Império, em 1830. A pena de morte, na forca, ficou reservada para casos de
homicídio, latrocínio e insurreição de escravos. É uma mudança importante: no
antigo regime, a pena de morte era prevista para mais de 70 infrações. 7 Em 1835,
como reação ao levante de negros mulçumanos ocorridos na Bahia, uma lei
draconiana ampliaria as hipóteses de pena capital para escravos que matassem,
tentassem matar ou ferissem gravemente o senhor ou o feitor.
Foi mantida a pena de galés, que, na época do Código, não significava
remar, e sim fazer trabalhos forçados em obras públicas: os presos usavam “calceta
no pé e corrente de ferro”. Realizaram obras urbanas importantes no Rio de Janeiro.
4
Relatório da Comissão encarregada de visitar os estabelecimentos de caridade, as prisões públicas,
militares e eclesiásticas apresentado a Ilustríssima Câmara Municipal da Corte em 1830, Apud
MORAES, Evaristo de. Prisões e Instituições Penitenciárias no Brazil . Rio de Janeiro: Livraria Editora
Conselheiro Candido de Oliveira, 1923, p.8.
5
HOLLOWAY, (1997, p. 199)
SALLA, (1999, p. 43)
7
DOTTI, (1998, p. 52)
6
23
A principal novidade do Código Criminal de 1830 era, de fato, o surgimentos
das penas de prisão com trabalho (o condenado tinha a obrigação de trabalhar
diariamente dentro do recinto dos presídios), que em alguns casos podia ser
perpétua, e de prisão simples, que consistia na reclusão pelo tempo marcado na
sentença, a ser cumprida nas prisões públicas que oferecerem maior comodidade e
segurança e na maior proximidade que for possível dos lugares dos delitos.
As cadeias, porém, não eram adequadas. O Código determinava que, até a
construção de novos estabelecimentos, a prisão com trabalho se converteria em
prisão simples, com o acréscimo de mais um sexto na duração da pena.
A cadeia da cidade de São Paulo foi regularmente visitada entre 1829 e
1841 por comissões formadas de “cidadãos probos”, e a percepção foi sempre a pior
possível. Segundo o relatório de 1831, era “imunda”, “pestilenta”, “estreita”, com o
“ar infectado”; os presos eram tratados com a última desumanidade.
Dois estabelecimentos foram projetados para suprir a lacuna, um no Rio de
Janeiro e o outro em São Paulo. Eram as Casas de Correção, inauguradas
respectivamente em 1850 e 1852. Pode-se dizer que elas simbolizam a entrada do
país na era da modernidade punitiva,
Foram idealizadas sob os influxos da arquitetura penitenciária de Benthan,
praticada nos EUA e na Europa. A do Rio de Janeiro só não reproduziu o modelo de
Panóptico por um erro de construção.
Contavam com oficinas de trabalho, pátios e celas individuais. Buscavam a
regeneração do condenado por intermédio de regulamentos inspirados no sistema
de Auburn, segundo os quais os presos trabalhavam em silêncio durante o dia e se
recolhiam às celas a noite.
Mas as duas Casas de Correção, ilhas de excelência, espécie de ruptura na
realidade punitiva existente, não deixavam de espelhar a situação geral de um país
escravista e repressivo. Além de abrigarem presos condenados à prisão com
trabalho, à prisão simples e também às galés (a partir da segunda metade do século
19, com o declínio do uso da pena de morte, muitos escravos tiveram sentenças
capitais comutadas pelo imperador em galés perpétuas), elas hospedavam presos
correcionais (não-sentenciados), grupo composto de vadios, mendigos, desordeiros,
índios e menores arbitrariamente trancafiados pelas autoridades.
Possuíam também um recinto especial, o calabouço, destinado a abrigar
escravos fugitivos e entregues pelos proprietários à autoridade pública, em depósito,
24
ou para que recebessem a pena de açoite. O Código Criminal determinava que o
escravo que cometesse um crime pelo qual não fosse condenado à morte ou às
galés, fosse condenado ao açoite. O número de chibatadas, a ser determinado pela
sentença judicial, estava limitado a 50 por dia. Depois de cumprida a decisão, o
escravo era devolvido a seu senhor, que se obrigava a “trazê-lo com um ferro pelo
tempo que o juiz designar”. Só em 1886 o açoite seria abolido para os escravos.
Ao longo do Império, entre os anos de 1822 a 1940, começa a se formar no
país uma cultura sobre o assunto.
Juristas e funcionários viajaram ao exterior para conhecer sistemas
penitenciários. É debatida a criação de colônias penais marítimas, agrícolas e
industriais. Nasce a preocupação com estudo cientifico da personalidade do
delinqüente. O criminoso passa a ser visto como um doente, a pena como um
remédio e a prisão como um hospital.
Consolida-se o sentimento de que o país não tratava adequadamente seus
prisioneiros. Havia falta de espaço, e muitos eram remetidos para o arquipélago
Fernando de Noronha, que, em 1872, abrigava 1.338 condenados (178 militares) em
situação de absoluta miséria. Nas províncias, os presos viviam em completa
ociosidade. Em 1884, o formato das duas Casas de Correção seria objeto de crítica
de uma comissão inspetora nomeada pelo presidente da província de São Paulo:
para essa comissão, o regime adotado, “em vez de regenerar ou de moralizar o
delinqüente, tende a corrompê-lo ainda mais”.8
O sistema ideal, para os propósitos de uma nação moderna, passa a ser o
progressivo, formalmente adotado pelo Código republicano de 1890.
Com a República, desapareceram do cenário punitivo a forca e as galés.
Ficou estabelecido, ainda, o caráter temporário das penas restritivas da liberdade
individual. Não poderiam exceder a 30 anos – princípio que prevalece até a
atualidade.
A base do sistema de penas adotado pelo novo Código era a prisão celular,
prevista pra a grande maioria de condutas criminosas. Deveria ser cumprida em
estabelecimento especial. O preso teria um período de isolamento na cela
(Filadélfia) e depois passaria ao regime de trabalho obrigatório em comum,
segregação noturna e silêncio diurno (Auburn). O condenado a pena superior a seis
8
SALLA, (1999, p. 139)
25
anos, com bom comportamento, faltando dois anos para o fim da pena, teria a
perspectiva do livramento condicional.
O Código de 1890 criou outras medidas privativas de liberdade individual,
mas de aplicação mais restrita: reclusão, para crimes políticos, “em fortalezas,
praças de guerras ou presídios militares”; prisão disciplinar para menores vadios e
capoeiras, em penitenciárias agrícolas. Os capoeiras, “bailarinos da rasteira ou do
berimbau”, considerados “malfeitores” durante o Império,
9
continuaram sendo
tratados como marginais depois de proclamada a República.
Mais uma vez configurou-se um abismo entre a fria letra da lei e a realidade
dos presídios. O primeiro Código imperial permitiria que a prisão celular fosse
executada
conforme
os
antigos
moldes
da
prisão
com
trabalho,
nos
estabelecimentos existentes e, onde eles não existissem, como prisão simples, com
o acréscimo de mais um sexto à duração da sentença.
Assim, o novo regime penitenciário quase não saía do papel. Em 1906,
havia em São Paulo 976 condenados à prisão celular e apenas 160 vagas. Solução
improvisada, os presos foram direcionados para a abertura, construção e
conservação de estradas públicas de rodagem.
Em 1920, é inaugurada a penitenciária de São Paulo, que ainda permanece
em atividade, no bairro do Carandiru. Projeto de Ramos de Azevedo foi saudada
entusiasticamente como um marco na evolução das prisões e era visitada por
juristas e estudiosos do Brasil e do mundo, como “instituto de regeneração modela”.
Construída para 1.200 presos, oferecia o que havia de mais moderno em matéria de
prisão: oficinas, enfermarias, escola, corpo técnico, acomodações adequadas,
segurança. Tudo parecia perfeito.
Segundo Salla a nova penitenciária se encaixava num amplo projeto de
organização social elaborado pelas elites do período, no qual um estabelecimento
prisional deveria estar à altura do progresso material e moral do Estado.10
Apresentaria, no entanto, os vícios e violências de qualquer outra prisão: o poder
psiquiátrico interfere na concessão dos benefícios previstos na lei para os presos, e
o rigor disciplinar é exercido segundo critérios subjetivos.
A própria estrutura disciplinar da época, elaborada com base na regra do
silêncio entre os presos, não se sustentava na prática. Conforme relatório de um de
9
GOULART, (1971, p. 113)
SALLA, (1999, p. 185)
10
26
seus dirigentes, os “mortos” das prisões comunicavam-se por “sinais convencionais”
e por tubos dos aparelhos sanitários que têm comunicação com as celas vizinhas. O
silêncio imposto pelos antigos sistemas é a fonte do surgimento de códigos de
comunicação alternativos que perduram até hoje: aproveitam desde o alfabeto
manual dos surdos-mudos até técnicas desenvolvidas pelos próprios prisioneiros,
como a do “abano”, que consiste na troca de letras de uma palavra pela quantidade
de acenos a ela correspondente.
Em 1940, é editado o Código Penal, atualmente em vigor, com alterações
importantes em 1977, 1984, 1989 e 2005.
Foram criadas duas penas privativas de liberdade. Para crimes mais graves,
a reclusão, de no máximo 30 anos, sujeitava o condenado a isolamento diurno por
até três meses e, depois, trabalho em comum dentro da penitenciária ou, fora dela,
em obras públicas. A detenção, de no máximo três anos, foi concebida para crimes
de menor impacto: os detentos deveriam estar separados dos reclusos e poderiam
escolher o próprio trabalho, desde que de caráter educativo,
A ordem de separação nunca foi obedecida pelas autoridades brasileiras, e
as diferenças práticas entre reclusão e detenção desapareceriam com o tempo,
permanecendo válidas apenas as de caráter processual.
Condenados primários à pena de detenção não superior a dois anos, assim
como menores de 21 anos e maiores de 70 anos condenados à pena de dois anos
de reclusão, benefeciavam-se do sursis (suspensão condicional) e, em princípio, não
eram aprisionados.
O cárcere é a espinha dorsal do sistema criado em 1940. Cerca de 300
infrações definidas no Código Penal são punidas em tese com pena privativa de
liberdade (reclusão e detenção). A Lei de Contravenções Penais, de 1941, definiu 69
infrações de gravidade menor e previu 50 vezes a pena de prisão simples, a ser
cumprida sem rigor penitenciário.11
Outro símbolo da historia das prisões brasileiras é a Casa de Detenção de
São Paulo, também no Carandiru, que chegou a hospedar mais de oito mil homens,
apesar de só ter 3.250 vagas. Inaugurada em 1956 para presos à espera de
julgamento, sua finalidade se corrompeu ao longo dos anos, pois a Casa de
Detenção passou a abrigar também condenados. O governo estadual a desativou
11
DOTTI, (1998, p. 68 e 90)
27
em setembro de 2002, quando os últimos 74 presos foram transferidos para
presídios no interior do Estado. A iniciativa foi batizada de “fim do inferno” e removeu
mais de sete mil presos para onze novos presídios, menores e longínquos. 12
A casa de detenção, cidade murada e dantesca, ficou mundialmente
conhecida pela miséria de seu interior e pela extensa coleção de motins, fugas e
episódio de desmando e violência, sobretudo o massacre dos 111 presos em 1992,
pela Polícia Militar.
Com a reforma parcial do Código Penal em 1977, começou a prevalecer,
pelo menos entre especialistas, o entendimento de que a prisão deveria ser
reservada para crimes mais graves e delinqüentes perigosos. A superlotação
carcerária já preocupava as autoridades. A lei ampliou os casos de sursis, instituiu a
prisão-albergue e estabeleceu os atuais regimes de cumprimento da pena de prisão
(fechado, semi-aberto e aberto).
O movimento se acentuou com mais uma reforma parcial em 1984, que,
criou as penas alternativas entre outras medidas. Nesse mesmo ano foi instituída a
Lei de Execução Penal que tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou
decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do
condenado e do internado.
Em contrapartida, nas últimas duas décadas, os índices crescentes de
criminalidade, os episódios marcantes de violência e o sentimento de impunidade
têm incentivado retrocessos legislativos capazes de levar para as prisões pessoas
que, objetivamente, nelas não precisariam estar.
12
Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, Programa de Desativação da Casa de
Detenção “Prof. Flamínio Fávero”. Disponível em: www.admpenitenciária.sp.gov.br. Em 31/12/2001, o
chamado complexo do Carandiru abrigava a Penitenciária Feminina, o Hospital Central Penitenciário,
o Centro de Observação Criminológica e a Escola Penitenciária.chamado complexo do Carandiru
abrigava a Penitenciária Feminina, o Hospital Central Penitenciário, o Centro de Observação
Criminológica e a Escola Penitenciária.
28
5 HISTÓRICO DAS LEIS DE EXECUÇÕES PENAIS
A tentativa de constituir um código que estabelecesse as normas relativas ao
direito penitenciário no Brasil vem de longa data. A matéria era disposta dentro do
Código Criminal do Império até que em 1933 o jurista Cândido Mendes de Almeida
presidiu uma comissão que visava elaborar o primeiro código de execuções
criminais da República.
O projeto era inovador e já tinha como princípio a individualização e
distinção do tratamento penal, como no caso dos toxicômanos e dos psicopatas.
Previa também a figura das Colônias Penais Agrícolas, da suspensão condicional da
execução da pena e do livramento condicional. No entanto o projeto não chegou
nem mesmo a ser discutido em virtude da instalação do regime do Estado Novo, em
1937, que acabou por suprimir as atividades parlamentares.
Ainda carente de uma legislação que viesse a dispor sobre a matéria
penitenciária, em 1951 o então deputado Carvalho Neto produziu um projeto que
estabelecia normas gerais de direito penitenciário, mas o qual, no entanto, não se
convertera em lei.
Da necessidade de se reformular e se atualizar a lei de execução criminal,
em 1957 foi sancionada a Lei nº 3.274, que dispunha sobre normas gerais de regime
penitenciário. Mas já diante de sua inicial insuficiência, em 1957 foi elaborado pelo
Professor Oscar Stevenson, a pedido do ministro da justiça o projeto de um novo
código penitenciário. Nesse projeto, a execução penal era tratada distintamente do
Código Penal e a competência para a execução penal era dividida sob a forma de
vários órgãos.
Já em 1962 veio o primeiro anteprojeto de um Código de Execuções Penais,
do jurista Roberto Lyra, que inovava pelo fato de dispor de forma distinta sobre as
questões relativas às detentas e também pela preocupação com a humanidade e a
legalidade na execução da pena privativa de liberdade.
Os dois últimos projetos acima não chegaram nem mesmo à fase de revisão,
e, com um nome idêntico e com a mesma finalidade, em 1970 foi apresentado o
projeto do professor Benjamim Moraes Filho, o qual teve a colaboração de juristas
como José Frederico Marques, e inspirava-se numa Resolução das Nações Unidas,
29
datada de 30 de Agosto de 1953, que dispunha sobre as Regras Mínimas para o
Tratamento de Reclusos.
A esse projeto seguiu-se o de Cotrim Neto, o qual apresentava como
inovações às questões da previdência social e do regime de seguro contra os
acidentes de trabalho sofridos pelo detento. O projeto baseava-se na idéia de que a
recuperação do preso deveria basear-se na assistência, educação, trabalho e na
disciplina.
Sem lograr êxito, os projetos apresentados pelos juristas não se convertiam
em lei, e a República continuava carecendo de uma legislação que tratasse de forma
especifica a questão da execução penal. Por outro lado, o direito executivo penal
cada vez mais se consolidava como sendo uma ciência autônoma, distinta do direito
penal e do direito processual penal, e também jurídica, não apenas de caráter
meramente administrativo. O próprio direito positivo através da Constituição Federal
de 1988 elevou o direito penitenciário à categoria de ciência autônoma, dispondo am
seu artigo 24 a competência da União para legislar sobre suas normas.
Finalmente então em 1983 é aprovado o projeto de lei do Ministro da Justiça
Ibrahim Abi Hackel, o qual se converteu na Lei nº 7.210 de 11 de Julho de 1984, a
atual e vigente Lei de Execução Penal.
A lei de execução penal brasileira é tida como sendo de vanguarda, e seu
espírito filosófico se baseia na efetivação da execução penal como sendo forma de
preservação dos bens jurídicos e de reincorporação do homem que praticou um
delito à comunidade. A execução penal é definitivamente erigida à categoria de
ciência jurídica e o princípio da legalidade domina o espírito do projeto como forma
de impedir que o excesso ou o desvio da execução penal venha a comprometer a
dignidade ou a humanidade na aplicação da pena.
De fato, a Lei de Execução Penal é moderna e avançada, e está de acordo
com a filosofia ressocializadora da pena privativa de liberdade. Porém, depois de
tanta luta e tantos desacertos para que o país pudesse ter uma legislação que
tratasse de forma específica e satisfatória sobre o assunto, o problema enfrentado
hoje é a falta de efetividade no cumprimento e na aplicação da Lei de Execução
Penal, o que será abordado posteriormente em tópico específico dentro deste
trabalho.
30
6 ASPECTOS E FINALIDADES DA ATUAL LEI DE EXECUÇÃO PENAL
BRASILEIRA
Na Lei de Execução Penal estão instituídas as normas fundamentais que
regem os direitos e obrigações do sentenciado no curso da execução da pena.
Constitui-se na Carta Magna dos presos, tendo como finalidade precípua de atuar
como um instrumento de preparação para o retorno ao convívio social do recluso.
Já em seu artigo 1º, a lei deixa claro que sua orientação baseia-se em dois
fundamentos: o estrito cumprimento dos mandamentos existentes na sentença e a
instrumentalização de condições que propiciem a reintegração social do condenado.
O espírito da lei é o de conferir uma série de direitos sociais ao condenado,
visando assim possibilitar não apenas o seu isolamento e a retribuição ao mal por
ele causado, mas também a preservação de uma parcela mínima de sua dignidade
e a manutenção de indispensáveis relações sociais com o mundo extramuros.
Se fosse efetivada integralmente, a Lei de Execução Penal certamente
propiciaria a reeducação e ressocialização de uma parcela significativa da
população carcerária atual. No entanto, o que ocorre é que, assim como a maioria
das leis existentes em nosso país, a Lei de Execução Penal permanece satisfatória
apenas no plano teórico e formal, não tendo sido cumprida por nossas autoridades
públicas.
A lei deixa bem claro que é pressuposto da ressocialização do condenado a
sua individualização, a fim de que possa ser dado a ele o tratamento penal
adequado. Já encontramos aqui então o primeiro grande obstáculo do processo
ressocializador do preso, pois devido à superlotação de nossas unidades prisionais
torna-se praticamente impossível ministrar um tratamento individual a cada preso.
A
própria
superlotação
dos
presídios
é
uma
conseqüência
do
descumprimento da Lei de Execução Penal, que dispõe em seu artigo 84 que “o
estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com sua estrutura e sua
finalidade”. A lei ainda previu a existência de um órgão específico responsável pela
delimitação dos limites máximos de capacidade de cada estabelecimento – o
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – no intuito de que fosse
estabelecido com precisão um número adequado de vagas de acordo com as
peculiaridades de cada estabelecimento.
31
Também devido à superlotação torna-se muito difícil de se efetivar o
disposto na lei no que se refere ao trabalho do preso, que é inclusive previsto como
sendo um direito seu. O Estado, através de seus estabelecimentos prisionais não
tem condições financeiro-econômicas de propiciar e de supervisionar a atividade
laborativa dos presos, sendo ainda que, na maioria das vezes, quando essas
atividades são oferecidas, elas têm pouca aceitação ou não são devidamente
adequadas às exigências do mercado de trabalho, o que acaba não requalificando o
preso como mão-de-obra apta a retornar e a concorrer a uma vaga neste campo tão
competitivo atualmente.
Outro flagrante de inobservância quanto ao cumprimento do disposto na LEP
é o fato de que os estabelecimentos prisionais colocam nas mesmas celas os presos
provisórios, primários ou que cometeram delitos de menor gravidade e repercussão
social,
junto
aos presos
reincidentes e
criminosos
contumazes,
de
alta
periculosidade. Esse é um fator que acaba indo de encontro à idéia de recuperação
do preso que tem um potencial maior de ser regenerado, em razão de que o
convívio em um ambiente promíscuo e cheio de influências negativas causadas por
esses criminosos fará com que ele adquira uma “subcultura carcerária”, que se
constitui num dos maiores obstáculos a ressocialização do recluso.
A Lei de Execução Penal, orientando-se no sentido de que a aplicação da
pena deve ser individualizada em relação à pessoa do criminoso, previu a figura do
exame criminológico, que tem o objetivo de conhecer a personalidade e de aferir a
periculosidade do preso, a fim de determinar em qual grupo social ele deverá ser
inserido no curso da execução da pena. O laudo do exame criminológico também se
constitui num dos requisitos necessários para a concessão dos benefícios da
progressão de regime no cumprimento da pena e também da própria revogação
desses benefícios.
Porém, o que se tem verificado na prática, é que esses laudos são
elaborados de forma superficial, constituindo-se em elementos autômatos, apenas
funcionando como cumprimento da formalidade prescrita em lei. São todos
praticamente idênticos e não avaliam a fundo a personalidade do sentenciado. Em
síntese, não cumprem a finalidade objetivada pela lei, mas sim apenas a sua
exigência puramente formal.
Por fim, como uma das afrontas mais graves à Lei de Execução Penal,
salientamos os excessos ou desvios que ocorrem na execução da pena privativa de
32
liberdade. O artigo 3º da lei dispõe que “ao condenado e ao internado serão
assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”. Dessa forma,
infere-se que a execução da pena deve reger-se pelo princípio da legalidade estrita,
sendo que a prática de qualquer ato fora dos limites fixados pela sentença ou por
normas legais ou regulamentares constitui-se em excesso ou desvio de execução.
Assim, verifica-se que todas as mazelas sofridas pelo preso durante a
execução da pena privativa de sua liberdade, além de não fazer com que essa
implemente suas finalidades, são expressamente ilegais, pelo fato de incidirem em
desvio ou excesso de execução, conforme disposição da própria Lei de Execução
Penal, causando assim um descompasso entre o disposto na sentença penal
condenatória
e
ao
que
efetivamente
o
recluso
é
submetido
durante
o
encarceramento, ferindo, desse modo, o princípio da legalidade, o qual deveria
nortear todo o procedimento executivo penal.
33
7 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL
Serão analisados agora os mais importantes princípios constitucionais que
regem o processo penal, não com o objetivo de exaurir toda a matéria relativa ao
tema, mais tendo como principal interesse dirimir eventuais dúvidas, fazendo uma
abordagem crítica valorizando a relevância da temática tratada no processo penal e
no ordenamento jurídico.
Os princípios constitucionais são considerados os pilares de todo o
ordenamento jurídico, pois orientam o interprete de como agir diante das normas
jurídicas, e das situações concretas a ele apresentadas no cotidiano. Muitos são os
princípios do processo penal que encontram garantia na Constituição Federal, sendo
alguns deles, os mais importantes, e que serão abordados nesse trabalho: o
princípio da legalidade, da igualdade, da humanidade, do devido processo legal, do
contraditório, do juiz natural e do estado de inocência.
7.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Este princípio seja talvez o mais revelante e se encontra na Declaração dos
Direitos do Homem de 1789, que relata: “Ninguém pode ser acusado, preso ou
detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta
prescrita”. Este é sem dúvida um dos pilares básicos do Estado Democrático de
Direito previsto no art. 5°, inciso II, da Constituição Federal que assegura a que
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei”, demosntrando assim uma observância ao que foi previsto na Declaração.
O princípio da legalidade é inegavelmente um limite constitucional ao poder
do Estado para que não puna arbitrariamente seus indivíduos, impedindo que este
haja senão em virtude de lei. No processo penal ainda é exigido que a lei tenha sido
produzida pelo ente competente, nesse caso a União, devido ao que dispõe o art.
22, inciso I, diz que é de competência privativa da União legislar sobre o direito
processual.
Na esfera penal-processual o princípio da legalidade está também bastante
relacionado ao art. 5°, inciso XXXIX da CF, pois o mesmo o mesmo revela que “não
há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Esse
34
princípio tem uma abrangência ampla, estabelece que os comandos jurídicos devem
ver realizados por regra normativa geral, sendo assim acaba que todos os
comportamentos humanos estão submetidos ao principio da legalidade.
7.2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE
A Constituição Federal prevê no art. 5°, inciso I, que todos são iguais
perante a lei, em direitos e obrigações. Obviamente nem todas pessoas têm a
mesma condição, nem estão no mesmo nível econômico e social, no entanto todos
merecem o mesmo tratamento jurídico. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos prevê que “Todas as pessoas são iguais perante aos tribunais e as cortes
de justiça.” Dessa forma, a isonomia perante a lei traduz também igualdade
processual, e no processo penal a isonomia é ainda mais efetiva visto que se for
violada a ação penal torna-se nula.
A Carta Magna veda as descriminações, os tratamentos desiguais, salvo
casos previstos em lei, nesse sentido afirma Alexandre de Morais:
"A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável
ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as
diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se
indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com
critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se
em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente
por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a
finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias
constitucionalmente protegidos. Assim, os tratamentos normativos diferenciados são
compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma
finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado".
È preciso ressaltar que o foro especial por prerrogativa de função estabelece
vantagens, como se o individuo detentor do foro estivesse em melhor condições por
ser julgado num tribunal e não por um juiz de direito diretamente, ferindo assim o
principio da igualdade judicial, no entanto o que a Constituição quis foi proteger não
o individuo e sim a função pública ou a dignidade do cargo que ocupa, obviamente
ele acaba por se beneficiar, mesmo que reflexamente. Está é uma questão
complexa e polêmica que vem dividindo opiniões na doutrina, para alguns deveria
35
ser extinto o privilegio concedido pelo foro especial por ferir frontalmente o principio
aqui tratado; para outros não existe descumprimento do principio devendo
prevalecer o que a Constituição Federal previu sobre o tema.
7.3 PRINCÍPIO DA HUMANIDADE
A Declaração Universal dos Direitos Humanos considera o principio da
humanidade e da dignidade como os mais relevantes princípios, relata no seu
preâmbulo: “Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os
membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis constitui o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (...) Considerando que as
Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do homem,
na dignidade e valor da pessoa humana (...)” Ainda prevê no arts. V e VI que no
plano internacional que "Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou
castigo cruel, desumano ou degradante" e que "Todo homem tem o direito de ser em
todos os lugares reconhecido como pessoa perante a lei".
Na Constituição Federal no art. 1° inciso III, está previsto a dignidade da
pessoa humana, no art. 5° incisos III e XLIX, está previsto o principio da
humanidade. Do inciso III, do art. 5° que diz "ninguém será submetido à tortura nem
a tratamento desumano ou degradante", ficam estabelecidas certas garantias
processuais que de o processo penal não pode expor o homem a situações
degradantes e torturante, não pode ele mesmo assumir forma desumana, não pode
aplicar penas de tortura ou pena de morte, cabendo assim a todos direitos que
devem ser providenciados pelo Estado como: um processo acusatório rápido,
limitação a prisão preventiva, separação de presos condenados dos processados e
dos provisórios, bem como a integridade física e moral do preso (art. 5° inciso XLIX),
pois o processo penal priva o homem da sua liberdade mais não da sua dignidade.
7.4 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 asseverava que
“Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei
e de acordo com as formas por esta prescrita. Os que solicitam, expedem executam
ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos (...)". A Declaração das
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Nações Unidas, de 1948, repete a regra no seu art. IX: "Ninguém pode ser
arbitrariamente preso, detido ou exilado". Por arbítrio, entende-se a inexistência de
lei ou o abuso de direito.
A Constituição Federal no art. 5°, inciso LIV, que "ninguém será privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Dessa forma é assegurado
a todos um processo segundo a lei, não podendo ninguém ser privado de sua
liberdade e dos seus bens, senão forem cumpridas a tramitações legais.
O doutrinador Scarance Fernandes afirmou, durante algum tempo, que
visualizava o devido processo legal de uma forma individualista, onde eram
resguardados os direitos públicos subjetivos da partes. Contudo modificou sua forma
de pensar, pois diante de um posicionamento publicista teve que considerar os
princípios e garantias das partes e do próprio processo, como um instrumento justo
da prestação jurisdicional, afirmando que cabe ao juiz resolver os casos a ele
apresentados da forma mais justa, evitando a arbitrariedade do Estado.
Dessa forma, não deve assim ser aceito provas ilícitas no processo penal,
pois se fosse concebida tal hipótese estaria se ferindo o principio do devido
processo legal, inclusive o Supremo Tribunal Federal já decidiu a esse respeito, pois
se descumprida tal garantia, a sanção seria a nulidade de acordo com a teoria fruit
of the poisonous tree (“fruto da arvore envenenada”).
7.5 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
A Constituição Federal consagrou em seu artigo 5°, inciso LV, que "aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes, pois garante a ampla defesa do acusado”. Esse princípio é uma garantia
fundamental da justiça, isso porque deve ser permitida a ambas partes a paridade
de armas, sendo assim todo ato produzido dentro do processo caberá igual direito à
outra parte de discordar, aceitar ou simplesmente modificar os fatos e o direito
alegado pelo autor, de acordo com o que lhe seja mais conveniente.
De acordo com Júlio Fabrini Mirabeti e Fernando da Costa Tourinho Filho
acreditam que do contraditório decorrem duas regras importantes a da igualdade
processual e da liberdade processual. Scarance Fernandes diferencia o contraditório
da igualdade processual:
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O contraditório põe uma parte em confronto com a outra, exigindo que tenha
ela ciência dos atos da parte contrária, com possibilidade de contrariá-los. O
princípio da igualdade, por outro lado, colocam as duas partes em posição de
similitude perante o Estado e, no processo, perante o juiz. Não se confunde com o
contraditório, nem o abrange. Apenas se relacionam, pois ao se garantir a ambos os
contendores o contraditório também se assegura tratamento igualitário.
O contraditório não admite violações nem exceções, pela sua natureza
constitucional, devendo assim ser consideradas inconstitucionais as normas que
firam materialmente e formalmente esse principio, é o que acreditam Grinover e
Dinamarco.
7.6 PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL
A Constituição Federal no art. 5°, inciso LIII, diz que: “Ninguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.Daí a garantia de
ser ter um juiz imparcial, técnico, competente para resolver os conflitos demandados
no Poder Judiciário, evitando assim o que ocorra nulla pena sine judice.
O descumprimento desse principio, anulará a sentença (condenatória e
absolutória), pois ninguém pode ser condenado por juízo excepcional ou tribunal de
exceção. O Código de Processo Penal prevê algumas exceções a esse principio
como os processos de competência do júri, substituição de juizes por motivos
diversos como férias e falecimento, por exemplo, e mudanças de competência como
criação de novas varas ou redistribuição de processos, por exemplo.
Esse é um dos princípios constitucionais mais relevantes no processo penal,
pois é através dele que ficam vedados os juízos e tribunais de exceção, art. 5° inciso
XXXVII, limitando o poder punitivo do Estado, já que se faz necessário previa
organização das cortes e tribunais, da delimitação da jurisdição e da competência.
7.7 PRINCÍPIO DO ESTADO DE INOCÊNCIA
A Declaração Francesa afirmava que:
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Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado (...)". A
Declaração Universal dos Direitos do Homem relata também: "Toda pessoa
acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente, até
que a culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento
público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias
necessárias à sua defesa" (art. XI). A Constituição Federal também prevê
no art. 5°, inciso LVII, “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória”. Diante dessas afirmativas, fica
evidente que o Estado é quem deve provar os fatos criminais do individuo,
havendo dúvida o juiz absolver o réu, não podendo assim condená-lo, sob
pena de exercício arbitrário de poder.
Esse princípio admite exceções previstas no ordenamento jurídico como as
prisões preventivas, anteriores ao trânsito em julgado da sentença condenatória.
Nesse caso não haverá violação ao princípio do estado de inocência, segundo
sinaliza o STJ na súmula n° 9, "A exigência de prisão provisória, para apelar, não
ofende a garantia constitucional da presunção de inocência". No entanto muitas
críticas foram feitas à cerca dessa posição do Superior Tribunal de Justiça, sendo
que ainda há alguns doutrinadores firmes em posição divergente a essa.
Vale ressaltar que o juiz deve observar no caso concreto se há mesmo a
necessidade da restrição antecipada da liberdade do acusado, bem como o efeito de
desobrigar ao réu a prova da sua inocência posto que cabe ao Ministério Público
provar a culpa do acusado.
7.8 LIMITE AO PODER PUNITIVO DO ESTADO
Como foi demonstrado ao longo do trabalho, os princípios constitucionais
limitam o poder punitivo do Estado, principalmente no que tange a liberdade do réu.
Dessa forma não se repetirá aqui o já exposto, no entanto vale analisar o
pensamento de Edson Luis Baldan:
O processo penal condenatório não é um instrumento de arbítrio do Estado.
Ele representa, antes, um poderoso meio de contenção da persecução
penal. Ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu, que
jamais presume culpado, até que sobrevenha irrecorrível sentença
condenatória, o processo penal revela-se instrumento que inibe a opressão
judicial e que, condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe ao órgão
acusador o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao
39
acusado, que jamais necessita demonstrar sua inocência, o direito de
defender-se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório,
todos os elementos probatórios apresentados pelo Ministério Público.
A própria existência de um processo judicial limita o poder coercitivo do
Estado, para tanto devem ser respeitadas as normas, os princípios constitucionais e
as garantias dadas ao individuo, para que não haja abusos e violações aos seus
direitos, a sua dignidade em quanto ser humano.
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8 A REALIDADE DO SISTEMA PRISIONAL NO BRASIL – O QUE ACONTECE
NAS PRISÕES NATALENSES.
8.1 CONDIÇÕES FÍSICAS
Os presos nas prisões de Natal são normalmente forçados a permanecer em
terríveis condições de vida nos presídios, cadeias e delegacias. Devido à
superlotação, muitos deles dormem no chão de suas celas, às vezes no banheiro,
próximo ao buraco do esgoto. Nos estabelecimentos mais lotados, onde não existe
espaço livre nem no chão, presos dormem amarrados às grades das celas ou
pendurados em redes. A maior parte dos estabelecimentos penais conta com uma
estrutura física deteriorada, alguns de forma bastante grave.
Forçados a conseguir seus próprios colchões, roupas de cama, vestimentas
e produtos de higiene pessoal, muitos presos dependem do apoio de suas famílias
ou de outros fora dos presídios. A luta por espaço e a falta de provisão básica por
parte das autoridades leva à exploração dos presos por eles mesmos. Assim, um
preso sem dinheiro ou apoio familiar é vítima dos outros presos.
8.2 SUPELOTAÇÃO
A Lei de Execução Penal prevê que os detentos sejam mantidos em celas
individuais de pelo menos seis metros quadrados. De acordo com essa norma,
muitos dos presídios brasileiros possuem celas individuais em toda ou boa parte de
suas áreas de reclusão. Mesmo assim a superlotação superou os planos originais:
ao invés de manter um preso por cela, as celas individuais são normalmente usadas
para dois ou mais detentos. Além de celas individuais, grande parte dos presídios
possui celas grandes ou dormitórios que foram especificamente planejados para
convivência em grupo. As delegacias policiais normalmente possuem celas
pequenas ou médias desenhadas para manter entre cinco a dez detentos.
41
Muitos estabelecimentos penais, bem como muitas celas, e dormitórios têm
de duas a cinco vezes mais ocupação do que a capacidade prevista pelos projetos.
Em alguns estabelecimentos, a superlotação atingiu níveis desumanos, com presos
amontoados em grupos. Essa superlotação gera sujeira, odores fétidos, ratos e
insetos, agravando as tensões entre os presos. Os detentos são responsáveis por
manter as dependências limpas e, obviamente, alguns fazem o trabalho melhor do
que outros: quanto mais lotada a cela, mais difícil a tarefa.
8.3 ASSISTÊNCIA MÉDICA
Nos precisos termos do art. 14, caput, e § 2º, da Lei de Execução Penal, a
assistência à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo e curativo,
compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico. Quando o
estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica
necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do
estabelecimento.
A realidade nos mostra, entretanto, que os estabelecimentos penais não
dispõem de equipamentos e pessoal apropriados para o atendimento médico,
farmacêutico e odontológico.
Várias doenças infecto-contagiosas tais como tuberculose e Aids atingiram
níveis epidêmicos entre a população carcerária brasileira. Ao negar o tratamento
adequado dos presos, o sistema prisional não apenas ameaça a vida dos presos
como também facilita a transmissão dessas doenças à população em geral através
das visitas conjugais e o livramento dos presos. Como os presos não estão
completamente isolados do mundo exterior, uma contaminação não controlada entre
eles representa um grave risco à saúde pública.
Populações carcerárias em toda parte tendem a requerer mais assistência
médica do que a população como um todo. Não apenas os presídios mantêm uma
grande proporção de pessoas com maior risco de adoecer, como usuários de drogas
injetáveis, mas também o próprio ambiente prisional contribui para a proliferação de
doenças. Dentre os fatores que favorecem a alta incidência de problemas de saúde
42
entre os presos está o estresse de seu encarceramento, condições insalubres, celas
superlotadas com presos em contato físico contínuo e o abuso físico.
Em reconhecimento à precariedade da situação de saúde dos presos, as
Regras Mínimas incluem um número de provisões determinando que os presos
recebam assistência médica básica e, particularmente, que presos doentes sejam
examinados diariamente por um médico. Como as autoridades prisionais do Brasil
geralmente não prestam serviços de assistência médica, sua ausência torna-se
grande fonte de reclamações entre os presos.
Na maioria dos presídios em Natal os presos por não terem acesso a um
atendimento médico e aos devidos equipamentos dentro do presídio têm que
esperar o Diretor do Presídio agendar consultas nos postos de saúde e hospitais
públicos próximos para obter atendimento médico e odontológico. A situação das
detentas ainda é pior, pois, maior parte das mulheres encarceradas não tem acesso
a assistência médica especializada para atendimento ginecológico e obstétrico, já
que existem várias presas grávidas, como orienta a Organização das Nações Unidas
(ONU). As presas ficam de fora das campanhas de vacinação ou da realização de
exames de mamografia, também. Outro direito negado é a construção de berçários e
creches para os filhos das detentas nas penitenciárias, como prevê a Lei de
Execução Penal.
Ocorre, entretanto, que também a rede pública que deveria prestar tais
serviços, é carente e não dispõe de condições adequadas para dar atendimento de
qualidade nem mesmo à camada ordeira da população e que também necessita de
tal assistência Estatal. O Estado não conseguiu efetivar tais direitos. Não os
assegura, de fato, ainda hoje, nem mesmo aos pagadores de impostos.
Mas já estão sendo dados os primeiros passos para uma melhoria na
assistência médico e odontológica nos presídios do Estado. Em outubro deste ano,
começou a ser implantado o Plano Estadual de Saúde Penitenciária nas unidades
prisionais da Grande Natal. Entretanto, o plano já está apresentando dificuldade na
contratação de profissionais da área de saúde.
Apesar de previsto em Lei, os cargos da área médica do Sistema
Penitenciário não chegaram a ser criados. Por outro lado, a criação de novos cargos
está momentaneamente impedida, pelas recomendações da Controladoria Geral do
Estado (CONTROL), já que o Rio Grande do Norte atingiu o chamado Limite
Prudencial estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal.
43
Essa pendência está sendo superada com a colaboração da Secretaria
Estadual da Saúde, por meio da contratação temporária de profissionais médicos,
que ficaram a disposição do Sistema Penitenciário.
A assistência médica dos detentos vinha sendo prestada por profissionais
voluntários, alguns da Pastoral Carcerária, ou pela remoção dos enfermos para
Postos e Hospitais da Rede Pública de Saúde. Nos casos de maior complexibilidade
são utilizados os serviços do SAMU para o transporte dos presos para as unidades
de saúde.
Os detentos portadores de distúrbios mentais ou condenados a medidas de
segurança são tratados no Hospital de Custódia, integrante do Sistema
Penitenciário. Foi disponibilizado um médico clinico, com uma carga horária de 40
horas semanais, que será distribuída com Cadeia Pública de Natal (Presídio
Provisório Dr. Raimundo Nonato Fernandes) e as Penitenciárias de Alcaçuz e
Parnamirim.
Também serão requisitados alguns outros profissionais para complementar o
quadro de profissionais da saúde para o Sistema Penitenciário. Os medicamentos e
o material hospitalar serão supridos pela UNICAT -Unidade Central de Agentes
Terapêuticos, da Secretaria Estadual da Saúde.
Em Alcaçuz, uma parceria da Pastoral Carcerária com as Secretarias
Estadual e Municipal de Saúde (Nisia Floresta) vai disponibilizar exames
laboratoriais e vacinação em massa.
Na Cadeia Pública de Natal outra parceria entre Estado e Município
proporcionou a realização de testes para HIV, VDRI e Hepatite Viral. Paralelamente,
a Secretaria da Justiça e da Cidadania (SEJUC) está providenciando modificações
nas estruturas fisicas das Unidades que serão contempladas pelo Projeto que foi
encaminhado ao Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), do Ministério da
Justiça, para o recebimento de equipamentos e aparelhos hospitalares.
8.4 SERVIÇOS SOCIAIS
Um obstáculo final que os presos enfrentam para obter o livramento
condicional ou outros benefícios é a escassez de assistência social. Para
qualificarem-se para o livramento condicional, os presos devem ser avaliados por
assistentes sociais que avaliam se eles preenchem requisitos ou não para tal
44
benefício. Neste caso também a demanda por tais serviços em muitos presídios
supera a oferta, como evidenciado pelas inúmeras reclamações dos presos sobre o
assunto.
8.5 O TRABALHO DENTRO DAS UNIDADES PRISIONAIS
De acordo com a Lei de Execução Penal, todos os presos condenados
devem trabalhar. É preciso notar, porém, que as obrigações legais com relação ao
trabalho prisional são recíprocas: os detentos têm o direito de trabalhar e as
autoridades carcerárias devem, portanto, fornecer aos detentos oportunidades de
trabalho. Apesar das determinações legais, entretanto, os estabelecimentos penais
do país não oferecem oportunidades de trabalho suficientes para todos os presos.
Art.28. O trabalho do condenado , como dever social e condição de
dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.
Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena.
Art. 128. O tempo remido será computado para a concessão de livramento
condicional e indulto.
Laborterapia trata-se de ocupar o tempo fazendo uma atividade profissional.
Poderão os detentos desenvolver atividades que varia da manutenção do presídio,
panificação, cozinha e faxina, até atividades como a confecção de bolas, caixões e
outras tantas atividades mais que possam ser desenvolvidas dentro dos presídios.
As prisões deves ser reformuladas com a criação de oficinas de trabalho,
para que a laborterapia possa ser aplicada de fato, dando oportunidade para que o
condenado possa efetivamente ser recuperado para a vida em sociedade. Nas
visitas feitas aos presídios de nossa cidade, pode-se comprovar que nem todos os
estabelecimentos penais oferecem trabalho aos detentos, violando assim seus
direitos e deveres.
A situação é pior ainda nas delegacias policiais, nos centros de detenção
provisória e na Cadeia Pública. A única oportunidade de trabalho que elas oferecem
é a de serviço gerais, e mesmo assim, não recebem nenhuma remuneração pelo
trabalho, em troca desses pequenos serviços podem ter mais tempo fora das celas.
45
Apenas poucos detentos em cada carceragem trabalham nesse serviço, geralmente
de dois a seis detentos, dependendo do tamanho do estabelecimento. Todos os
outros detentos, condenados ou não, ficam ociosos.
Deve-se ressaltar que o reduzido número de detentos empregados é
resultado da escassez de oportunidades de trabalho, e não de falta de interesse da
parte dos detentos. Para começar, de acordo com a Lei de Execução Penal o
trabalho deveria ser obrigatório, e não opcional. Mas ainda mais convincente, na
prática, é o incentivo criado pela própria lei para a redução de sentenças. De acordo
com esse dispositivo legal, para cada três dias de trabalho, um dia deve ser debitado
da sentença do detento. Ansiosos para sair da prisão o mais rápido possível, quase
todos os detentos estão dispostos a trabalhar, mesmo sem receber. Na verdade, os
detentos reclamaram muitas vezes da falta de oportunidades de trabalho. A
escassez de trabalho nas carceragens das delegacias é uma das muitas razões
pelas quais os detentos se revoltam para serem transferidos para as prisões. Os que
possuem trabalho, estes variam da manutenção, limpeza e reparos, oferecidos nas
prisões, que são contratos por empresas particulares.
Algumas prisões têm oficinas controladas pela Fundação Nacional
Penitenciaria (FUNAP), órgão encarregado de gerir o trabalho profissional. Nessas
oficinas os presos trabalham em serviços de costura e carpintaria. O salário varia de
prisão para prisão, e conforme a Lei de Execução Penal, é determinado que os
detentos recebam três quartos do salário mínimo por mês, sendo que muitas prisões
não pagam nada aos detentos, violando assim a lei. O salário varia de prisão para
prisão, e conforme a Lei de Execução Penal, é determinado que os detentos
recebam três quartos do salário mínimo por mês, sendo que muitas prisões não
pagam nada aos detentos, violando assim a lei.
No Rio Grande do Norte existem alguns projetos que proporcionam o ensino
de um labor ao preso, mas nem todos os estabelecimentos prisionais recebem esse
incentivo.
Na Penitenciária Feminina localizada no Complexo Penal Dr. João Chaves e
na Penitenciária Estadual de Parnamirim os detentos têm a oportunidade de
participar do Projeto Operat, uma parceria entre a Secretaria da Justiça e da
Cidadania e o pelo Instituto FAL, e que no ano de 2006 contou com o patrocínio da
COSERN. Nesta ação os presos aprendem a confeccionar bolsas e assessórios, no
curso Arte em Papel, aprendem a fazer porta-trecos, pintura, cartões. Também
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aprendem decupagem, onde eles terão a oportunidade de aprender a técnica do
aproveitamento de madeira para fazer caixas decoradas e outros objetos.
O trabalho que eles realizam contam como remissão da pena, além de ser
uma fonte de renda para a família deles, pois, todo o material que foi produzido é
vendido e a renda revertida para a família dos apenados.
Também na Penitenciária Estadual de Parnamirim foi ministrado um Curso
de Artes Plásticas, coordenado pelo professor de desenho e pintura, Gilson da Silva
Nascimento, que desenvolveu técnicas de desenho e pintura, para aperfeiçoar o
trabalho dos alunos.
Foram produzidos um painel de 5 metros de largura por 2,5m de altura e 28
telas, que reproduzem um pouco da vida dos presidiários e a visão de mundo que
eles possuem atualmente dentro da penitenciária.
O Projeto Pintando a Liberdade, resultado de um convênio firmado entre o
Governo do Estado e o Ministério do Esporte consiste na fabricação de bolas para a
prática esportiva na rede pública de ensino. O projeto utiliza mão-de-obra dos
apenados do sistema penitenciário do Rio Grande do Norte das unidades prisionais
de Mossoró, Caicó, Caraúbas, Pau dos Ferros e na Penitenciária de Alcaçuz em
Nísia Floresta.
Atualmente, o projeto de ressocialização está dando ocupação e renda a
cerca de 400 apenados - o que também serve para a remissão da pena (cada três
dias de trabalho diminui um dia no cumprimento da pena).
O projeto já até possibilitou a vinda do Instrutor técnico do Ministério do
Esporte no Paraná, Luiz Galdino, que esteve no Estado ministrando aulas sobre a
fabricação de bolas e de outros materiais esportivos, como redes de futebol, futsal,
handebol, basquete e voleibol.
Outra parceria entre a Secretaria Estadual da Justiça e da Cidadania (Sejuc)
e a Faculdade de Natal (FAL), através do Instituto FAL e do FAL Solution,
proporcionou às detentas da Penitenciária Feminina de Natal um Curso de
Empreendedorismo.
O curso foi ministrado por professores da FAL, com matérias direcionadas
ao empreendedorismo, voltadas, inicialmente, para a comercialização dos produtos
fabricados pelas detentas no cárcere. As disciplinas incluíram desde noções de
como gerenciar um negócio até conceitos de marketing, direito, cidadania e recursos
humanos.
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No Complexo Penitenciário Doutor Mário Negócio, em Mossoró, foi
implantado o projeto Nascer da Terra, resultado de uma integração entre o Ministério
da Justiça, através do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e do Ministério
do Desenvolvimento Agrário, representado pela Secretaria de Reodenamento
Agrário. No Rio Grande do Norte, o Projeto Nascer da Terra é desenvolvido pela
Secretaria Estadual da Justiça e da Cidadania (Sejuc) e pela Secretaria de Assuntos
Funidários e de Apoio à Reforma Agrária (Seara).
As ações visam contribuir com o processo de reintegração social da
população prisional brasileira oriunda do meio rural e suas famílias, como parte do
compromisso
do
Governo
Federal
em
integrar
as
políticas
públicas
no
desenvolvimento de ações intersetoriais voltadas às pessoas em privação ou
restrição de liberdade, aos egressos do sistema penitenciário e seus familiares.
Os participantes do projeto serão capacitados para acessarem as políticas
públicas contidas no Programa Nacional de Crédito Fundiário, dentre elas:
financiamento para aquisição de terras e para infra-estrutura básica e produtiva,
investimento agropecuário, acesso à capacitação profissional e à Assistência
Técnica de Extensão Rural (ATER). Para isso, será utilizada uma metodologia de
capacitação e aprendizagem em cidadania, políticas públicas, desenvolvimento rural
sustentável, agricultura e pecuária, agroindústria e agricultura familiar.
O Rio Grande do Norte disputou o programa juntamente com o Estado de
Alagoas. Porém o nosso Estado apresentou mais condições de implantar o
programa. O Complexo Penitenciário Doutor Mário Negócio tem 616 hectares de
terra, água. O crédito fundiário, de acordo com o secretário, possibilitará ao apenado
e sua família, também, a compra de terras para plantio.
Outro trabalho desenvolvido na Penitenciária Agrícola Mário Negócio é a
fabricação das estantes do projeto "Arca das Letras". Através de uma parceria da
Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania com a Secretaria de Estado de
Assuntos Fundiários e Apoio à Reforma Agrária do Rio Grande do Norte (SEARA)
são fornecidas arcas para cidades do Rio Grande do Norte e Paraíba. Essa
minibiblioteca ambulante foi idealizada pela Seara para se instalar em comunidades
rurais da região. A intenção é levar o saber a essas comunidades. O Arca das Letras
cumpre ainda outra função social: ele cria oportunidades de trabalho para os presos
do estado, que fabricam as caixas de madeira.
48
Uma parceria da PAMN com a Universidade Federal da Região do SemiÁrido (UFERSA), antiga Esam, viabilizou o projeto de Apicultura onde meia dúzia de
apenados atua desde a fabricação da colméia à produção do mel e cera. Na
penitenciária também têm as atividades esporádicas realizadas individualmente
pelos presos e que incentivam à remissão das penas.
Dois projetos da Penitenciária foram reativados: a fabricação de sandálias e
de velas. Para cada atividade foram designados seis apenados. Eles ganham o
percentual das vendas.
O percentual de 20% do lucro é voltado para eles e outra parte cobre as
despesas com a matéria-prima. O corte da borracha, confecção e montagem das
sandálias são coordenadas por um apenado Semanalmente são produzidos 100
pares de todos os tamanhos. Na fábrica de velas, são comercializadas cerca de 100
mil velas ao mês.
Já a parte agrícola da Penitenciária é responsável por quase 20 presos.
Chegando a serem plantados 10 hectares de milho e quatro de gergelim. Existem
também apenados trabalhando no cultivo de hortas e hortaliças. Cada preso exerce
uma atividade peculiar baseada em sua aptidão.
Não participam dessas atividades apenas quem estiver no regime fechado e
não tiver interesse ou oferecer riscos, permanecendo em suas celas. Para participar
bastar ter uma conduta de ressocialização.
Todos os afazeres são remunerados. A cada três dias de trabalho o
apenado tem a remissão de um dia de pena. Eles recebem um salário mínimo no fim
do mês e o restante é depositado na conta-poupança deles para saque apenas no
fim do ano. Dessa forma o apenado tem uma poupança e contribui financeiramente
com a sua família.
Ainda em Mossoró, a Secretaria de Justiça e Cidadania oferece aos presos
trabalhos no setor de alimentação, onde os próprios presos, a maioria do regime
semi-aberto, produzem a comida distribuída no Complexo Penal da cidade, ganham
um salário mínimo e ainda reduzem a pena.
O mesmo programa é aplicado em outras unidades prisionais do Estado,
como por exemplo, as da cidade de Natal, e produzem a alimentação do Complexo
Penal Dr. João Chaves, e o CDP da Zona Norte.
Os presos do regime semi-aberto de Natal também podem participar de um
programa de ressocialização promovido pela Secretaria de Justiça que possibilita
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aos presos trabalhar em órgãos públicos e ganhar um salário mínimo, o qual é dada
metade à família do preso e a outra metade é depositada em uma poupança que o
preso recebe assim que estiver em liberdade.
50
8.6 EDUCAÇÃO NOS PRESÍDIOS
O nível educacional geralmente baixo das pessoas que entram no sistema
carcerário reduz seus atrativos para o mercado de trabalho. Isso sugere que
programas educacionais podem ser um caminho importante para preparar os
detentos para um retorno bem-sucedido à sociedade. Reconhecendo essa
possibilidade, a Lei de Execução Penal determina que os detentos recebam
oportunidades de estudo, garantindo-lhes, em especial, educação escolar primária.
A lei também promete aos detentos treinamento vocacional e profissional.
Quanto mais superlotada, barulhenta e perigosa a prisão, é óbvio que menos
estímulo à educação ela oferece. Algumas prisões tais como a Cadeia Pública e os
Centros de Detenção Provisória, não oferecem aos detentos qualquer oportunidade
educacional. Em outras prisões apenas uma fração da população carcerária pode
estudar, e mesmo assim apenas do processo de alfabetização, ao preso não é
oferecido
nenhum
curso
mais
avançado
como
ensino
secundário
ou
profissionalizante. De maneira semelhante acontece nas delegacias policiais, estas
também não oferecem aos detentos qualquer oportunidade de estudo.
Embora alguns professores sejam trazidos para a prisão especialmente para
ensinar, a maioria das aulas é dada pelos próprios detentos, normalmente aqueles
que têm maior nível educacional ou apresentam habilidades especiais.
Em 2005 foi implantado o Projeto Lendo e Aprendendo, fruto de uma
parceria entre a Secretaria Estadual de Educação, Secretaria de Justiça e Cidadania
e Banco do Brasil para expandir o alcance social do programa, que visa
alfabetização, aos detentos. A alfabetização é feita na Penitenciária Feminina de
Natal e no Hospital de Custódia.
Na Penitenciária de Alcaçuz foi instituído o Projeto de Educação para jovens
adultos. Trata-se de um programa de formação de cidadãos-leitores críticos e
professores com visão de educadores populares. Caracteriza-se como um projeto de
inclusão de pessoas menos favorecidas econômica, social e culturalmente no
processo de educação. O projeto é uma parceria das Secretarias de Educação e de
Justiça e Cidadania.
Os presos que são alfabetizados através do programa tornam-se agentes
multiplicadores de conhecimentos sendo habilitados para ministrar aulas aos outros
51
detentos, mas mesmo assim, ainda são poucos presos que querem participar dos
projetos educacionais, não passando de 15 por unidade.
52
8.7 RECREAÇÃO NOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS
A Lei de Execução Penal determina "proporcionalidade" entre o tempo
dedicado pelos detentos ao trabalho e o tempo dedicado ao descanso e à
recreação.
É claro que, já que a maioria dos presos passa pouco tempo trabalhando,
conseqüentemente tem muito tempo disponível para se exercitar, jogar, relaxar ou
dormir. O acesso dos detentos a instalações recreacionais, - em especial, a quadras
e campos de futebol ao ar livre, de extensão razoável -, contudo, varia
consideravelmente de prisão para prisão.
Algumas prisões têm solários, ao lado dos blocos de celas, e os presos
passam o dia inteiro nesses locais, como no caso das presas da Penitenciária
Feminina do Complexo Penal Dr. João Chaves. Em outras prisões, detentos de
pavilhões ou galerias diferentes são levados para as áreas de recreação em turnos.
Nos Centros de Detenção Provisória e na Cadeia Pública de Natal, os presos podem
ficar cerca de três horas e meia no banho de sol, onde podem relaxar e jogar futebol,
exceto isso, os detentos ficam trancados em suas celas durante o dia inteiro.
O exercício é praticamente impossível nas delegacias policiais. Se as
carceragens tivessem o pequeno número de presos para a qual foram planejadas,
então algumas atividades recreacionais seriam possíveis, mas a superlotação
eliminou essa opção. Em vez disso, para passar o tempo, os presos escutam rádio,
cantam, jogam cartas e conversam, mas não têm ao menos o banho de sol.
Tanto nas prisões como nas delegacias, a fuga através da televisão, do
rádio e das drogas é comum entre os presos.
Entretanto, na Penitenciária Estadual de Parnamirim e na Penitenciária de
Alcaçuz foi a implantação do Projeto Mente Livre que consiste na prática da ioga
para manter corpo e mente sãos. O Mente Livre é coordenado, no presídio, por um
reeducando do professor José Hermógenes de Medeiros, um dos maiores nomes de
referência da ioga no Brasil e fora dele, Luís Henrique Gusson Coelho. A
implantação do projeto é uma iniciativa do Ministério Público do Estado, com o apoio
da Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania,
Outro projeto que visa preencher esse espaço ocioso na vida do preso é
efetivado na Penitenciária Estadual de Parnamirim é o “Teatro Oprimido nas prisões”
53
que o promovido pelo Governo do Estado, através da Secretaria Estadual da Justiça
e Cidadania através de convênio com o Centro de Teatro do Oprimido (CTO/Rio) e
com o Ministério da Justiça,
Foi realizado um curso de capacitação de servidores penitenciários do Rio
Grande do Norte, que foram treinados para se tornarem agentes multiplicadores do
Teatro do Oprimido. Realizam-se oficinas teatrais em suas unidades, produzindo
espetáculos com detentos ou servidores. Os espetáculos são encenados dentro e
fora dos presídios. O objetivo é fazer com que a sociedade conheça a realidade dos
presídios e ajude-nos a transformar esta realidade.
O projeto utiliza técnicas do teatrólogo Augusto Boal dentro das
penitenciárias, por meio do Teatro-Fórum, uma metodologia que visa apresentar à
sociedade os problemas comuns aos estabelecimentos prisionais, estimulando
agentes carcerários, técnicos e autoridades a buscarem alternativas para a solução
desses problemas. O projeto é uma iniciativa do CTO/RIO e do Ministério da Justiça.
8.8 AUSÊNCIA DE CLASSIFICAÇÃO
A Lei de Execução Penal (Lei 7.210 de 1984) inclui orientações
determinando que os presos sejam classificados e separados por sexo,
antecedentes criminais, status legal (condenados ou provisórios) e outras
características, reproduzindo os padrões internacionais sobre este assunto.
Na prática, poucas destas regras são respeitadas. As mulheres presidiárias
são separadas dos homens e os menores são mantidos fora das prisões de adultos;
ainda assim, na maior parte das instituições penais, pouco mais é realizado no
sentido de separar as diferentes categorias de presos.
Acima de tudo, há pouco empenho para separar os presos potencialmente
perigosos
de
seus
companheiros
mais
vulneráveis.
Alguns
estados
têm
penitenciárias especiais de segurança máxima para manter os indivíduos mais
perigosos e propensos a fugas, mas elas contêm apenas uma pequena parcela dos
presidiários.
Existe uma tentativa pelos diretores de procurar colocar pelo menos na
mesma cela presos de crimes co-relatos, mas obviamente a superlotação dos
54
presídios impede que seja feita uma correta classificação, fazendo com todos se
misturem e aprendam novos crimes.
Essa situação combinada com as condições difíceis das prisões, a ausência
de supervisão efetiva, a abundância de armas e a falta de atividades, resulta em
situações de abuso entre os presos. Nas prisões mais perigosas os detentos
poderosos matam outros presos impunemente, enquanto até mesmo em prisões de
segurança relativa, extorsão e outras formas mais brandas de violência são comuns.
55
9 AS QUEIXAS DOS PRESOS
Dentre os diversos problemas encontrados no Sistema Prisional do Brasil, e
mais especificamente em Natal, faz-se destacar a ausência de assistência jurídica e
a morosidade da Justiça. Estes dois fatores são elementos cruciais para a crise
encontrada no sistema atual e estão intimamente interligados, já que uma
assistência jurídica praticada corretamente garante ao preso um andamento mais
rápido do seu processo e assegura seus direitos dentro do estabelecimento
prisional.
9.1 MOROSIDADE DA JUSTIÇA
Outra queixa constante dos presos é em relação à morosidade da Justiça,
fator “altamente explosivo”: muitas vezes há uma demora de um ano para se obter
uma resposta de um pedido de benefício. As maiores reclamações são com relação
à expedição da sentença e à progressão de regime.
Quanto à expedição da sentença, constatou-se que existe um grande
número de presos na situação de provisórios pela demora na decisão de sua
condenação, ficando o preso muito tempo sem saber seu destino e sofrendo muitas
vezes inocentemente da privação da liberdade, e pior, com as precárias condições
dos presídios provisórios e delegacias de polícias onde são colocados.
A outra grande queixa é com relação à demora na progressão de regime,
quando é feita a devida progressão. A individualização e a progressão de pena de
cada preso é um pilar fundamental para vários dos elementos da Lei de Execução
Penal. Isto significa, primeiro, que o juiz deve considerar as circunstâncias
individuais do acusado antes de determinar a sentença. Assim, por exemplo, a
questão sobre se o preso é um reincidente ou um réu primário é relevante na
determinação se ele será encarcerado em uma prisão de regime fechado, regime
aberto ou prestará serviço comunitário.
Em segundo, o juiz de execução penal deve fiscalizar continuamente seu
caso enquanto estiver encarcerado, ajustando os termos da sentença segundo sua
56
conduta. Normalmente, um preso que inicia o cumprimento de sua sentença em
regime fechado, após cumprir uma parte de sua pena deveria ser transferido para
um estabelecimento de regime semi-aberto e de lá, após mais um tempo, para um
de regime aberto e finalmente retornar à sociedade. Em síntese, a visão do
encarceramento é de um processo dinâmico e não simplesmente um prazo fixo de
determinados anos.
No entanto, as exigências da Lei de Execução Penal com respeito à
progressão de penas não têm sido postas em prática. Grande parte dos presos
nunca vê um estabelecimento de regimes aberto ou semi-aberto; ao invés disso,
cumpre toda sua pena numa prisão de regime fechado ou até mesmo em
delegacias.
O fracasso da progressão da pena tem várias causas, inclusive a falta de
assistência jurídica, a escassez de juízes para processar seus casos, como por
exemplo, aqui em Natal que tem apenas uma Vara de Execução Penal, e o pequeno
número de estabelecimentos de regimes aberto ou semi-aberto. Mas manter presos
que se qualificam para a progressão das penas em prisões de regime fechado não
apenas contribui com a superlotação como também deixa os presos frustrados e
irritados, resultando em rebeliões freqüentes. Tais presos foram literalmente
esquecidos pelo sistema judiciário, o sentimento de injustiça e abandono por parte
dos presos é óbvio para qualquer visitante.
Durante pesquisas feitas nos Estabelecimentos Prisionais da cidade de Natal,
foi unânime uma afirmativa: Há um total descaso do Juiz da Vara de Execução Penal, o
Dr. Carlos Adel, bem como do Promotor de Justiça da mesma vara o Dr. José Braz
Paulo Neto que quase nunca vistam os presídios, não podendo observar a situação dos
presos.
9.2 ASSESSORIA JURÍDICA
Entende-se por justa, no contexto da Constituição brasileira, uma sociedade
onde sejam preservadas a liberdade e a igualdade sem distinção de qualquer
natureza, onde seja vedado o tratamento desumano ou degradante, onde a lei seja
observada e obedecida servindo de baliza para o trabalho de um Judiciário
independente, onde seja assegurado o devido processo legal para a privação da
57
liberdade e, após, o respeito à integridade física e moral dos presos. Tudo isso é
direito e/ou garantia constitucional. Não é nosso desenvolvimento intelectual, mas
está na Lei Maior, é de aplicabilidade imediata.
Mas para que tudo isso se concretize (o devido processo legal, a ampla
defesa, o contraditório, a presunção da inocência, etc.) também se faz
imprescindível a intervenção do advogado, essencial à administração da justiça (art.
133). A adequada assistência jurídica é de evidente importância para a população
carcerária. Quando existe a supressão da liberdade antes do julgamento, a prisão
temporária, a figura do advogado é muito importante. Observando a legislação
criminal e processual, tendo em vista ainda que a regra geral é a da liberdade e da
presunção de inocência, havendo possibilidade legal do acusado permanecer em
liberdade até que se defina sua situação processual (até o trânsito em julgado da
ação penal), toda diligência deverá ser tomada nesse sentido. . Paralelamente, é
óbvio, deverá ser efetivado o acompanhamento no curso do processo crime no
sentido de ver absolvido da acusação que é imputada, isso sem prejuízo da
assistência jurídica geral, no respeito à integridade física e moral, dignidade, às
regras de ordem e disciplina, de saúde, etc.
Em
havendo
sentença
condenatória,
poderá propor e encaminhar
devidamente a apelação.
Na hipótese de condenação transitada em julgado, o advogado representa
uma proteção importante na fase de execução das penas privativas de liberdade,
tendo em vista que ele pode assegurar ao preso, as constantes na Lei de Execução
Penal (n. º 7.210/84). O advogado observa que a progressão de regime deve ser
rigorosamente concedida, em cada caso, em face da regra geral de liberdade, bem
como a aplicação de prestações sociais alternativas A liberdade é algo tão
importante e de um valor tão significativo que a própria Constituição trata de garantir
indenização ao preso que permanecer preso além daquele tempo fixado na
sentença (art. 5o, LXXV).
A maioria da população carcerária, porém, não tem condições de constituir
advogado, quer durante a ação penal de conhecimento, quer pra defender suas
pretensões nos incidentes de execução ou no acompanhamento da fase executória
da sentença.
Por essa razão a Constituição Brasileira e a Lei de Execução Penal
instituíram algumas normas. Nos precisos termos do artigo 15 da Lei de Execução
58
Penal, a assistência jurídica é destinada aos presos e aos internados sem recursos
financeiros para constituir advogado, sendo certo que encontramos regras que se
compatibilizam com tal previsão em outros diplomas legais, tais como no art. 5º, inc.
LXXIV, e 134, da CF; art. 5º, § 5º, da Lei n.º 1.060/50; Lei Complementar 80/94; art.
41, inc. IX, da LEP; Princípios Básicos sobre a Função dos Advogados (Onu;
adotado no 8º Congresso realizado em Havana, Cuba, de 27 de agosto a 07 de
setembro de 1990).
A teor do disposto no artigo 41, inciso IX, da Lei de Execução Penal constitui
direito do preso a entrevista pessoal e reservada com o advogado, garantia também
resguardada em Diplomas como as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no
Brasil - Resolução n. º 14, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
(CNPCP), de 11 de novembro de 1994 (DOU de 02.12.94), e como o Conjunto de
Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de
Detenção ou Prisão - Resolução n. º 43/173 da Assembléia Geral das Nações
Unidas - 76ª Sessão Plenária, de 09 de dezembro de 1988.
13
As unidades da Federação deverão ter serviços de assistência jurídica nos
estabelecimentos penais, como diz o art. 16 da Lei de Execução Penal.
Conforme o art. 44, caput, e § 2º, das Regras Mínimas para o Tratamento do
Preso no Brasil
14
, todo preso tem direito a ser assistido por advogado, e ao preso
pobre o Estado deverá proporcionar assistência gratuita e permanente.
Segundo Manoel Pedro Pimentel, os três pilares básicos da disciplina em
uma penitenciária, tão importantes que o trabalho e o lazer, são as visitas, a
alimentação e a assistência judiciária. Dizia o renomado jurista:
13
Princípio 17: 1. A pessoa detida pode beneficiar-se da assistência de um advogado. A autoridade
competente deve informá-la desse direito prontamente após a sua captura e proporcionar-lhe meios
adequados para o seu exercício. 2. A pessoa detida que não tenha advogado da sua escolha, tem
direito a que uma autoridade judiciária ou outra autoridade lhe designem um defensor oficioso sempre
que o interesse da justiça o exigir e a título gratuito no caso de insuficiência de meios para o
remunerar. Princípio 18: 1. A pessoa detida ou presa tem direito a comunicar-se com o seu advogado
e a consultá-lo. 2. A pessoa detida ou presa deve dispor do tempo e das facilidades necessárias para
consultar o seu advogado. 3. O direito de a pessoa detida ou presa ser visitada pelo seu advogado,
consultar e de comunicar com ele, sem demora nem censura e em regime de absoluta
confidencialidade, não pode ser objeto de suspensão ou restrição, salvo em circunstâncias
excepcionais,
14
Resolução n.º 14, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), de 11 de
novembro de 1994 (DOU de 02.12.94).
59
Destas três exigências comumente encarecidas pelos sentenciados, a mais
importante, parece-nos, é a assistência judiciária. Nenhum preso se
conforma com o fato de estar preso e, mesmo quando conformado esteja,
anseia pela liberdade. Por isso, a falta de perspectiva de liberdade ou a
sufocante sensação de indefinida duração da pena são motivos de
inquietação, de intranqüilidade, que sempre se refletem, de algum modo, na
disciplina. É importante que o preso sinta ao seu alcance a possibilidade de
lançar mão de medidas judiciais capazes de corrigir eventuais excessos de
penas, ou que possa abreviar os dias de prisão. Para isso deve o Estado –
tendo em vista em vista que a maior parte da população carcerária não
dispõem de recursos para contratar advogados – propiciar a defesa dos
15
presos”.
A Constituição Federal de 1988, aliás, instituiu a Defensoria Pública em seu
artigo 134 como uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos
necessitados, na forma do artigo 5o, LXXIV.
Em muitas hipóteses, o advogado do serviço de assistência jurídica nos
presídios pode contribuir pra uma adequada execução da pena privativa de
liberdade, de modo a reparar erros judiciários, evitar prisões desnecessárias,
diminuir o número de internações e preservar a disciplina com o atendimento dos
anseios da população carcerária. Pode suprir falhas das defesa da defesa recebida
ao recorrer do processo, já que muitos são patrocinados por advogados particulares
que lhes garantem a absolvição e na verdade só fazem cobrar antecipadamente
muito dinheiro (deixando-os completamente sem nada), interpor pedido de habeas
corpus para anulação do processo por vícios formais ou mesmo materiais e propor
revisão criminal quando do surgimento de novas provas de inocência do condenado
ou nas outras hipóteses da lei (art. 621 do CPP). Pode requerer a aplicação da lei
nova mais benéfica nas hipóteses dos crimes praticados anteriormente à vigência da
reforma penal. Pode ainda requerer o livramento condicional ou a transferência para
o regime menos severo e ajudar na fundamentação de reivindicações, tais como
pedidos de transferência, visitas, autorização de saída, indulto, remição e outros
benefícios regulamentares previstos na lei e nos regulamentos previstos na lei e nos
regulamentos, bem como da defesa quando do procedimento para apuração de falta
disciplinar etc.
15
Pimentel, (1983, p. 188)
60
Segundo o artigo 16 da LEP, as unidades da Federação devem ter serviços
de assistência jurídica nos estabelecimentos penais, porém não é isso que pode ser
visto dentro da maioria das prisões brasileiras e também das natalenses.
Não há dúvida de que em nosso país a assistência jurídica que se
proporciona aos condenados e aos internados deixa muito a desejar. O atendimento
na maioria dos Estados abrange apenas aspectos relativos à fase puramente
judicial, não havendo a menor preocupação com a situação do interno diante da
direção do presídio, nem equipes que funcionem sistemática e continuadamente no
estabelecimento. Indispensável, pois, que se tornasse obrigatória para os Estados a
instalação em todos os presídios desses serviços de assistência jurídica.
Pela Lei Complementar nº 89, de 12/01/94, que organiza a Defensoria
Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais
para sua organização nos Estados, é função institucional das defensorias entre
outras, segundo seu artigo 4o, VIII, atuar junto aos estabelecimentos policiais e
penitenciários, visando assegurar à pessoa, sob quaisquer circunstâncias, o
exercício dos direitos e garantias individuais.
9.2.1 Assistência do Defensor
Diante do conflito de interesses que se estabelece entre o Estado e o
condenado na execução da pena, o procedimento executório é eminentemente
jurisdicional. Pela decisão da questão que envolve direitos subjetivos do condenado,
é mantido, alterado ou extinto o título executivo constituído ela sentença penal
condenatória. São as hipóteses, por exemplo, de conversões, unificação, extinção
da punibilidade, concessão e revogação do livramento e suspensão condicional etc.,
em que nas decisões se estabelece coisa julgada formal e material. Mesmo nas
sentenças instáveis, que decidem relações continuativas, o que ocorre em
freqüência na execução penal, não deixa de existir coisa julgada, embora se aplique,
na hipótese, o princípio rebuc sic standibus: o juiz, em uma nova decisão, não altera
a anterior, mas adapta a execução ao estado de fato superveniente. Uma decisão
denegatória do livramento condicional por ausência do pressuposto temporal, por
61
exemplo, não impede novo pronunciamento, agora favorável, quando estiver
satisfeito tal requisito.
Como decisão jurisdicional produz a extinção do direito do condenado ou do
Estado, estabelecendo a imutabilidade da decisão, imo-se que o condenado tenha
preservadas as garantias constitucionais de ampla defesa e de contraditório, e isso
somente ocorrerá quando estiver a assistência do advogado. A intervenção do
defensor técnico é que torna efetiva essas garantias, inscritas na lei processual
quando determina que nenhum acusado deve ser processado ou julgado sem
defensor (art. 261 do CPP). O processo executório nada mais é do que a última
etapa do processo penal, permanecendo as garantias estabelecidas na Constituição
e nas leis para o procedimento acusatório, inclusive a de assistêcia do defensor. Em
todas as ocasiões que se apresente pronunciamento jurisdicional deve ser ouvido o
defensor. Em todas as ocasiões que se apresente pronunciamento jurisdicional deve
ser ouvido o defensor do condenado, constituído ou dativo, para que possa produzir
prova, manifestar-se a respeito do mérito e recorrer da decisão jurisdicional.
Cabe á lei ou regulamento locais, ao cuidar da assistência jurídica,
estabelecer um sistema em que se possibilite, com eficiência, a nomeação de
advogado dativo ao condenado, durante a execução. O desrespeito ao princípio da
ampla defesa e do contraditório acarreta a nulidade da decisão jurisdicional na
execução, nos mesmos termos do que ocorre com o processo penal de
conhecimento (condenatório). Aliás, a Constituição Federal de 1988, após garantir a
assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de
recursos, prevê como órgão autônomo a Defensoria Pública como instituição
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a
defesa, em todos os graus do necessitados, na forma do artigo 5o, LXXIV (rt. 134).
Alguns Estados da Federação já providenciaram a criação desse órgão, destinando
defensores para assistirem os condenados durante a execução penal. Para
assegurar a maior eficiência dessas defensorias ou de outros órgãos oficiais
destinados a dar assistências aos réus e condenados, a Lei n
08/11/1989, acrescentando parágrafo à Lei n
o
o
7.871, de
1.600, da mesma data, dispõe em
o
seu § 5 que nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles
mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado
pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-selhes em dobro todos os prazos.
62
No Rio Grande do Norte a situação do Sistema Prisional com relação à
Assistência Jurídica não é diferente do encontrado no resto do país, na verdade está
pior que nos outros Estados devido ao pequeno número de defensores públicos
atuantes. Apenas em 2003 foi sancionada a Lei que instituiu a Defensoria Pública
Estadual, e pior, só em 2005 ela foi instalada, com dois Defensores Públicos
trabalhando. No ano de 2006 foi realizado Concurso Público no Rio Grande do Norte
abrindo 20 vagas para a carreira de Defensor Público Estadual, e enquanto foi feito
o concurso foi feita a contratação temporária de 20 advogados para assumir o cargo
de Defensor Público, sendo 10 deles destinados à cidade de Natal.
Em entrevistas realizadas com os presos e diretores de presídios de Natal,
constatou-se a ineficiência desse órgão aqui nosso Estado, segundo as pesquisas,
nunca um Defensor Público visitou algum presídio, mostrando claramente o descaso
que existe por parte deste órgão com a população carcerária da cidade. Essa
situação só faz agravar o estado atual de nossos cárceres e de nossos detentos que
são jogados e esquecidos pela sociedade e pelo Estado, por não terem condições
financeira de arcar com um advogado particular.
9.3 PRESO PROVISÓRIO
Fato que mostra escancaradamente estes dois problemas é a figura do
preso provisório na Cadeia Pública, nos Centros de Detenção Provisória e nas
Delegacias de Polícia. No Rio Grande do Norte, segundo estatísticas do Sistema
Integrado de Informações Penitenciárias – InfoPen – existem 1.056 presos
provisórios, correspondendo a 37% de toda massa carcerária, número considerado
alarmante já que a condição de preso provisório é excepcional e apenas se justifica
quando decretada no poder de cautela do juiz e for necessária para uma eficiente
prestação jurisdicional.
Nestes termos, não ofende ao princípio constitucional da inocência, posto
que o juiz determina a prisão não porque considera o acusado culpado, mas por um
motivo processual, concreto e provado. Por outro lado, a exacerbação dessa
providência excepcional, como é o caso de nosso Estado, principalmente por meio
63
da manutenção do preso provisório encarcerado, por mais tempo que é legalmente
previsto, ou seja, o excesso do prazo de prisão, fere o princípio constitucional.
Por se tratar de medida limitadora de liberdade individual, só pode ser
utilizada em último caso e em estrita observância ao ordenamento jurídico, sob pena
de flagrante desrespeito à dignidade humana, ao princípio da inocência e à
legislação processual penal, que estabelece prazos para o cumprimento dos atos
processuais no caso de acusados presos; bem como o entendimento pacífico e
uníssono do prazo máximo de 81 dias para o fim da instrução criminal, assim
distribuídos: inquérito: 10 dias (art.10); denúncia: 5 dias (art. 46 do CPP); defesa
prévia: 3 dias (art. 395 do CPP); inquirição de testemunhas: 20 dias (art. 401 do
CPP); requerimento de diligências: 2 dias (art. 499 do CPP); alegações das partes: 6
dias (art. 500 do CPP); diligências ex officio: 5 dias (art. 502 do CPP), sentença: 20
dias (art. 800, nº 1, § 3º).
Entretanto, há quem não admita a ocorrência de constrangimento ilegal por
excesso de prazo, por entender que o preso provisório deve suportar os excessos
porque teria cometido um crime, mas não se deve esquecer que ele é inocente, vez
que apenas está sendo acusado de praticar um crime. Ademais esse excesso de
prazo é repudiado pelo Supremo Tribunal Federal que editou a Súmula 697,
permitindo o relaxamento da prisão processual por excesso de prazo, mesmo no
caso de crime hediondo.
Em que pese o entendimento acima, alguns Juízos não coíbem o excesso
de prazo, causando sério gravame aos presos provisórios, seja do ponto de vista
processual como do ponto de vista moral.
Nos estabelecimentos de detenção provisória da cidade de Natal é
claramente perceptível que a Justiça observa-se que existem absurdos acontecendo
relativos ao excesso de prazo. Em entrevistas realizadas com os presos e com os
diretores dos presídios constatou-se que a maioria dos presos passam mais de 3
meses para participar da sua primeira audiência e mais de 10 meses para que sua
sentença seja expedida, desobedecendo de maneira exacerbada a legislação pátria.
A situação é tão absurda que no Presídio Provisório Raimundo Nonato Fernandes
existem pessoas presas provisoriamente há quase cinco anos.
64
10 O IMPACTO DA FALÊNCIA DO SISTEMA PRISIONAL NA POPULAÇÃO
CARCERÁRIA E NA SOCIEDADE.
O sistema penitenciário no Brasil apresenta inúmeros problemas. A ausência
de respeito aos presos, a ausência de um tratamento médico regular, ausência de
atividades laborativas dentro dos presídios, a superpopulação carcerária e processo
de desumanização do preso, fazem com que ocorram constantes rebeliões,
demonstrando, de forma trágica, o inconformismo daqueles que se encontram
privados de seus direitos elementares.
A
influência
deste
ambiente
hostil
não
beneficia
o
processo
de
ressocialização do detento. Na verdade, o preso é forçado a esquecer a vida
existente do lado de fora dos portões de aço, causando-lhe traumas profundos.
Dessa forma esse encarcerado apresenta ansiedade, angústia e medo de não se
readaptar novamente ao mundo livre, mostrando que não há qualquer preocupação
com a ressocialização do detento dentro dos presídios.
É certo que ao cometer um crime o agente ativo não está se comportando
de maneira honesta para com os seus similares, porém, o preso que está
condenado à pena privativa de liberdade não desmerece do respeito e dignidade
como ser humano, e também não há de merecer a impunidade. O homem é
considerado o centro do universo social e jurídico, conquanto o respeito à vida, à
imagem e à dignidade da pessoa humana não sejam respeitados dentro daquele
confinamento, sonegando, todo e qualquer direito fundamental que o homem tem.
Nesta trilha, o direito de punir deve levar em conta a noção de que o caráter
da pena é reparar o mal cometido pelo infrator. Seus efeitos devem causar
impressão sobre os sentidos e o espírito, tanto do culpado quanto da sociedade,
para que dessa forma haja a intimidação de futuros agressores e a satisfação dos
cidadãos que estão à mercê do perigo da marginalidade. Se o direito de punir for de
encontro aos princípios que protegem os detentos, caracteriza abuso e não justiça.
"[...] De fato, como falar em respeito à integridade física e moral em prisões
onde convivem pessoas sadias e doentes; onde o lixo e os dejetos
humanos se acumulam a olhos vistos e as fossas abertas, nas ruas e
galerias, exalam um odor insuportável; onde as celas individuais são
desprovidas por vezes de instalações sanitárias; onde os alojamentos
65
coletivos chegam a abrigar 30 ou 40 homens; onde permanecem sendo
utilizadas, ao arrepio da Lei 7.210/84, as celas escuras, as de segurança,
em que os presos são recolhidos por longos períodos, sem banho de sol,
sem direito a visita; onde a alimentação e o tratamento médico e
odontológico são muito precários e a violência sexual atinge níveis
desassossegantes? Como falar, insistimos, em integridade física e moral
em prisões onde a oferta de trabalho inexiste ou é absolutamente
insuficiente; onde os presos são obrigados a assumirem a paternidade de
crimes que não cometeram, por imposição dos mais fortes; onde um
condenado cumpre a pena de outrem, por troca de prontuários; onde
diretores determinam o recolhimento na mesma cela de desafetos, sob o
falso pretexto de oferecer-lhes uma chance para tornarem-se amigos, numa
16
atitude assumida de público e flagrantemente irresponsável e criminosa?"
Ao silenciar, o vilão dessa atual forma de ressocialização será o condenado,
como também, a sociedade, que se encontra do lado de fora das prisões, esperando
o próximo delinqüente "recuperado" ser posto em liberdade.
Parece falso moralismo discutir a dignidade do presidiário, diante da
realidade criminal que se instalou no País. É provável que tal debate cause aversão
à sociedade sobressaltada, amedrontada e insegura ao sair às ruas, preste a sofrer
um ataque de violência a qualquer instante.
É preciso provar à sociedade civil e ao Estado, porém, que por pior que seja
o delinqüente, a estigmatização brutal muitas vezes modifica a sua condição
humana, despojando-o de seus direitos. A situação em que são colocados os presos
corrompe-os definitivamente, trazendo um mal muito maior ao convívio social
quando postos em liberdade.
A vigente Carta Magna tem como fundamento, assegurando a qualquer
cidadão, a dignidade da pessoa humana, conforme preceituado no seu art. 1º, Inciso
III. Não há dúvida de que esse princípio é basilar, haja vista que se encontram nele o
respeito ao próximo e a consideração essencial para que se possa viver em
harmonia. A dignidade que aqui se discute se refere ao valor moral e espiritual da
própria pessoa humana.
A dignidade da pessoa humana não é a garantia única fundamental
discutida na Constituição Federal. Entre outras previstas no art. 5º, tem-se a
determinação de que nenhuma pena passará da pessoa do preso, ou seja, deve
atingir, única e exclusivamente a ele, o que caracteriza a pessoalidade; a pena deve
ser cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a
16
LEAL, (1998, p. 87-8)
66
idade e o sexo do apenado; é assegurado aos presos o respeito à integridade moral
e física; às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer
com seus filhos durante o período de amamentação; e, ainda, a Resolução de 11 de
novembro de 1994 fixou regras mínimas para o tratamento do preso no Brasil
independentemente da natureza racial, social, religiosa, sexual, política, idiomática
ou de qualquer outra ordem, levando-se em consideração a idéia de que o Estado,
imperiosamente, deve indenizar o condenado que por erro judiciário for preso ou
ficar preso além do tempo fixado na sentença.
A forma através da qual o infrator é punido tem que ser eficaz e a pena deve
ser justa, uma vez que o condenado deve estar recuperado quando sair da prisão,
pronto para reincorporar-se à sociedade e não mais agir em desacordo com a lei. O
que se vê atualmente no Brasil, no entanto, são instituições penitenciárias
conhecidas como „‟escolas do crime‟‟ que não cumprem seu papel ressocializante,
sendo elemento potencializador da capacidade criminosa do indivíduo.
Talvez tal fato possa ser comprovado com as altas taxas de fugas e
rebeliões que hoje existem no Brasil, bem como através das taxas de reincidência
dos presos brasileiros.
A reincidência criminal torna-se uma das óbvias soluções daquele que
adentra ao sistema prisional provisório, é o retorno à criminalidade, desta vez
formado engenheiro do crime, que é capaz de arquitetar mais ainda manobras
criminosas que antes nunca pensava em fazer.
Essa é a conseqüência do nosso falido sistema prisional, que não reeduca,
não ressocializa, perverte a personalidade humana, cria no apenado um sentimento
de revolta e desprezo por parte das autoridades prisionais.
Umas das conseqüências naturais, ocasionadas pela falta de estrutura dos
estabelecimentos prisionais provisórios são as constantes tentativas de fugas que
ocorrem, devido à dura rotina ociosa e pautada pela sensação de clausura e
abandono material e pessoal, aliada a falta de assistência judiciária, psicológica,
religiosa a que se vêm expostos, causando diuturnamente uma sensação de revolta.
Os estabelecimentos prisionais, além de não oferecerem condições mínimas
de conforto, tão pouco oferecem à sociedade uma garantia de segurança, pois são
todos maus estruturados e sempre superlotados, o que naturalmente provocará no
apenado a busca constante pela liberdade através da fuga, e conseqüentemente a
67
insegurança da sociedade, pois a intenção do foragido é permanecer na
criminalidade.
As rebeliões talvez sejam as mais notáveis conseqüências desse
desrespeito aos direitos dos presos, elas se constituem na forma que os presos
encontram para que a sociedade e autoridades enxerguem a situação calamitosa
em que vivem, já que a partir do momento que entram numa cela são esquecidos,
assim como sua dignidade.
Esses fatos são de gravidade, pois, em geral, envolvem reféns, atrocidades,
confrontos com a Polícia e fugas. Por isso, há uma preocupação muito grande do
Governo com tais eventos, que podem gerar conseqüências drásticas. Os crimes
cometidos durante rebeliões em presídios, podem ser os seguintes: seqüestros com
reféns, homicídios, lesões corporais, motins, facilitações de fuga, resgates de
presos, danos ao patrimônio público, evasões mediante violência, torturas, dentre
outros.
As causas que levam os presos à rebelião são em sua maioria: demora na
decisão de benefícios; superlotação carcerária; deficiência na assistência judiciária;
violências ou injustiças praticadas dentro dos presídios; problemas gerados pelas
drogas; tentativas de fugas frustradas; má qualidade de vida dos presos; problemas
ligados à corrupção; e falta de capacitação do pessoal penitenciário.
A sociedade perpetua o desejo de vingança em nome de uma justiça
ilegítima, que é reproduzida, cotidianamente, no microcosmo da prisão e da qual
nenhum preso escapa, precisamente, por estar sob a tutela do Estado. Uma justiça
cujo mérito é espezinhar o preso, o quanto possível, e destituí-lo, progressivamente,
de tudo: valores pessoais, referências sociais, auto-estima, condição humana. A
prisão talvez seja a mais contraditória de todas as instituições sociais pela condição
fronteiriça entre o que a sociedade mais rejeita e (re)produz, continuadamente, como
sociedade do trabalho explorado e do lucro: a marginalidade.
Essa visão da sociedade sobre o preso tem seu fundamento. A partir do
momento que o Estado através de seu Sistema Prisional não cumpre sua função
primordial que é a ressocialização o preso não se vê preparado para o convívio na
sociedade, ele não possui subsídios para encarar a competição existente no
mercado de trabalho.
68
A pena reeducativa é capaz de cumprir essa tarefa e desviar o preso do
processo que, segundo Alessandro Baratta17, ele sempre acaba sendo vítima.
Processo esse que divide-se em duas fases: a desculturalização do indivíduo para
conviver junto aos seus semelhantes, em sociedade, uma vez que, dentro da prisão
ele têm sua auto-estima, sua vontade e o senso de responsabilidade reduzidos, ele
se vê longe dos valores da sociedade. A segunda fase desse processo citado por
Baratta compreende-se numa aculturação, onde o preso é obrigado a aprender as
regras de convivência dentro da instituição, seguindo o caminho ditado pelos que
dominam o meio carcerário, tornando-se assim um criminoso sem recuperação, ou
lutar contra tudo isso e assumir o papel de “bom preso”, tendo um bom
comportamento e se conformando com sua realidade.
É triste saber que os presos brasileiros são forçados a se amontoarem em
espaços minúsculos, tendo sua auto-estima diminuída e suas chances de
recuperação também, uma vez que não são só eles que sofrem com isso, mas suas
famílias também.Portanto, um caso torna-se vários e o sofrimento e a revolta se
multiplicam.
Na atual situação, a superpopulação carcerária não permite que haja uma
seleção dos internos pelos diversos crimes, obrigando o condenado por um simples
desvio a conviver diretamente com assaltantes profissionais, fazendo com que ele
ingresse numa escola de vida, que não regenera, mas lhe aprimora em técnica
criminal.Isto dificulta qualquer trabalho, por maior boa vontade que exista por parte
da direção e funcionários de um estabelecimento penal.
A confusão existente nos determinados papéis dentro de uma instituição
prisional leva o indivíduo a criar um mundo próprio, dentro do sistema, ao qual
podemos chamar de "prisionização". Este consiste em: aceitação de seu papel
inferior (sujeito à agressões físicas, verbais e psicológicas); acumulação de fatos
concernentes à organização da prisão; desenvolvimento de novos hábitos de vida;
adoção da linguagem local; reconhecimento de que nada é devido ao meio ambiente
quanto a satisfação de uma necessidade, para que possa garantir sua sobrevivência
- anulando-se como indivíduo - , com o intuito de fazer parte da massa carcerária.
As instituições totais levam o indivíduo ao anonimato, à despersonalização
do "eu", reprimindo-o cada vez mais para adaptá-lo a este mundo de frustração.
17
BARATTA, Alessandro , Criminologia crítica e crítica do Direito Penal. Rio de Janeiro : Revan , 2002
69
Raramente estas instituições cumprem seu papel de ressocialização do apenado,
punindo com rigor excessivo e massificando o indivíduo, que ocioso, se revolta e se
torna mais violento. Assim, põe por terra seu fim principal, que seria o de reformar,
dar autoconfiança, preparar para o trabalho, estimular a iniciativa e a consciência
social.
Se o condenado não possui modelos adequados de identificação, não será
no cárcere que irá adquiri-los. Os estigmas obtidos na prisão, juntamente com seus
traumas, irão acompanhá-lo pelo resto da vida, dificultando ainda mais sua
recuperação.
Mais uma vez deve-se afirmar a necessidade de uma instituição
penitenciária humana, que recupere de fato o preso, para que dessa forma a
sociedade não sofra as conseqüências da revolta gerada pela degradação humana
do preso como há muito vem ocorrendo.O preso sai da prisão revoltado (mais até do
que quando entrou), encontra uma sociedade hostil, e, não raro, volta à
criminalidade, pondo em prática o que aprendeu na penitenciária.
70
11 SOLUÇÕES PARA O PROBLEMA PRISIONAL
Diante de um sistema falido como foi apresentado nos capítulos anteriores é
difícil encontrar uma resposta para solucionar todos os problemas dos cárceres
brasileiros. Entretanto está diante dos nossos olhos: colocar em prática a tão
moderna e completa Lei de Execução Penal. Seria muito bom se todos os artigos da
lei fossem cumpridos, com certeza os presos viveriam com maior dignidade, e se
poderia pensar em ressocialização em nosso país, porém faltam recursos e falta
interesse das autoridades em obedecer à lei, e quando se fala em autoridades
compreendem-se os três poderes deste país. O Poder Judiciário pela falta de
organização e estrutura para receber a quantidade de processos criminais, gerando
a grande morosidade no andamento dos processos, o Poder Legislativo por não
elaborar leis mais consistentes no tratamento ao preso, bem como numa
reformulação do Código de Processo Penal, e o Poder Executivo, pois a
administração dos presídios é sua tarefa, e como preso não vota, fica muito difícil de
se fazer algo em seu benefício.
11.1 ASSESSORIA JURÍDICA
Vendo o cenário exposto, sabendo que é impossível que a lei seja cumprida
na íntegra, o que se poderia fazer para melhorar o sistema? Quais os setores mais
danificados e que precisam de soluções urgentes? A questão do assessoramento
jurídico certamente deve ser o primeiro passo na tentativa de curar o sistema
prisional brasileiro. O Estado deve patrocinar a defesa técnica daqueles que não
possuem condições financeiras para contratação de um advogado particular, deve
também conceder um defensor público para atender em cada presídio.
Como já foi visto, o Estado do Rio Grande do Norte, não possui muitos
defensores públicos, mas já organizou concurso público de defensores públicos. O
concurso vai trazer ao Estado 20 defensores, porém ainda é um número muito
restrito se comparado ao número de Promotores de Justiça e magistrados, o certo
seria preencher o número máximo de cagas existentes que são de 40. Enquanto não
se termina o processo seletivo contratou 20 advogados temporários para exercer tal
função, dos quais 10 atuam no município de Natal, porém nenhum dos presídios da
71
cidade teve o benefício da visita desses advogados, apenas na Penitenciária
Estadual de Alcaçuz, no município de Nísia Floresta existe atuação desses
advogados. A solução imediata para tal questão é providenciar que esses
advogados também atuem junto ao Presídio Provisório Raimundo Nonato
Fernandes, Centro de Detenção Provisória da Zona Norte, Centro de Detenção
Provisória da Ribeira, Centro de Detenção Provisória da Zona Sul, bem como no
Complexo Penal Dr. João Chaves.
Outra medida que também ajudaria a solucionar o problema aqui no nosso
Estado seria adotar o projeto criado pela Secretaria de Justiça e Cidadania do
Estado de Sergipe em que a assessoria jurídica da Secretaria iniciou um processo
reestruturação que melhorou o atendimento prestado aos internos nas unidades
prisionais e amenizar a situação do congestionamento no sistema penitenciário em
Sergipe. A idéia consiste na identificação dos presos que já têm direito a liberdade
provisória ou a remédios jurídicos, a exemplo do habeas corpus, em virtude do
tempo que estão presos. O trabalho é desenvolvido por um grupo de 11 guardas
prisionais e agentes penitenciários com formação em Direito, Assistência Social e
Psicologia.
O trabalho desenvolvido pela assessoria também tem como foco a
assistência psicológica e social, desenvolvida nas unidades prisionais por uma
assistente social e mais dois psicólogos.Lá, com a nova estrutura que está sendo
montada na Sejuc, a capacidade de assistência aos detentos foi duplicada.
Poderia ser feito em nosso Estado um banco de dados da população
carcerária, igual ao existente também em Sergipe, com informações sobre a
biografia do preso, com dados especiais sobre sua conduta e vida social, além de
foto e impressões digitais, possibilitando, desta forma, o acesso a informações mais
seguras para propiciar a ressocialização. Além do Poder Judiciário, as informações
estarão disponíveis também para a Ordem dos Advogados do Brasil, Ministério
Público, Defensorias Públicas e outros setores que podem contribuir com a
ressocialização e a diminuição da tensão nas penitenciárias. Através desse sistema
será permitido o acompanhamento mais próximo e ágil do apenado e contribuirá
para evitar que presos em condições de deixar os presídios ou obter progressão de
pena continuem encarcerados. Depreende-se, então, que número maior de
presidiários será libertado.
72
Para dar um andamento aos processos dos presos também poderia esse
fazer um convênio com os cursos de Direito das faculdades de Natal. O projeto de
Assistência Jurídica aos Presidiários buscaria prestar atendimento jurídico e
propiciar agilidade aos processos na concessão de benefícios para os apenados,
assegurando direitos que lhes são resguardados. Os alunos realizariam visitas
semanais aos presídios da cidade, onde levantariam a situação jurídica de grande
parte dos internos, com posterior estudo dos processos e confecção de peças
processuais cabíveis.
11.2 PODER JUDICIÁRIO
Um grande problema do nosso Sistema Prisional que foi citado ao longo
deste trabalho é a morosidade da Justiça, a demora na expedição da sentença e na
concessão de benefícios. Um dos motivos que o preso em Natal não tem seu
processo andando em ritmo normal é o fato de só existir apenas uma Vara de
Execução Penal, o que dificulta muito a aceleração de um processo.
Para tal problema a solução encontrada seria a criação de novas varas de
execução criminal para desafogar o trânsito dos processos criminais. Com isso, o
Judiciário deixaria de priorizar o acompanhamento dos processos de homens
condenados em regime fechado diminuindo os riscos de rebeliões. . Um dos efeitos
práticos da mudança estimularia a adoção de penas alternativas pelos juízes,
evitando que acusados de crimes leves fiquem impunes ou sejam mandados para a
prisão sem necessidade.
Uma vara seria destinada ao acompanhamento dos processos das mulheres
espalhadas pelos presídios e delegacias da capital. Como as mulheres são minoria
no sistema e não costumam se rebelar, seus processos acabam ficando em
segundo plano. Elas cumprem pena mais tempo em regime fechado, mesmo quando
têm direito à progressão. Isso é um erro grave, porque a prisão das mulheres pode
desestruturar uma família. Muitas presas cometeram crimes leves e têm filhos, que
acabam ficando com vizinhos, quando não são levados para adoção.
Outra vara ficaria com os cerca de os casos de homens “liberados” - termo
técnico que designa condenados a regime aberto, presos beneficiados por liberdade
condicional ou sursis. Quando eles ganham a progressão da pena e a liberdade, o
acompanhamento deixa de ser feito com rigor, pela falta de uma vara especializada.
73
Isso também ocorre nos casos de penas alternativas, que obrigam os
condenados a prestarem serviços comunitários, entre outras medidas. Esses
processos passariam a ser acompanhados por outra vara, que também se
responsabilizaria pelos casos de doentes mentais condenados a medidas de
segurança (de restrição de liberdade).
11.3 PENAS ALTERNATIVAS
O cárcere se criou um abismo entre os detentos e o mundo de fora, o
embrutecimento, a revolta com o tratamento injusto e desumano, se tornando uma
escola para novos crimes.
O que é de verificar são os fatos reais em geral, sendo que o modo
alternativo tem sido uma excelente e eficaz proposta para a aplicação e execução
das penas, mostrando junto à sociedade uma sensível melhora quando a
reeducação do criminoso. Ao contrario da prisão que é um dos motivos
contundentes para a volta da marginalidade. A execução da pena é o primeiro e o
ultimo momento em que se torna possível a ressocialização, sendo necessário
buscar meios alternativos para tal feito. Com isso visando à tutela e o bem jurídico
objetivado.
E não esquecendo que a utilização destas medidas alternativas traz uma
importante vantagem para a sociedade no quesito da economia, pois ela diminui os
levados custos que o Estado tem com a manutenção da prisão, alem de outras já
mencionadas.
Alternativas para o sistema de penas constituem meios, métodos e formas
de reação ao delito que atuam em todos os momentos do dinamismo penal. Através
da cominação, quando o ordenamento positivo consagra novas modalidades de
sanção; da aplicação, quando ao juiz se possibilitam meios para a melhor escolha e
medição da pena; e da execução, quando os regimes dispõem de condições formais
e materiais que atendam aos objetivos gizados pelas diversas medidas de
prevenção e repressão à criminalidade. Mas não se trata de um simples processo de
substituição assim como se mudasse o curso do sistema abolindo algumas penas e
introduzindo outras sem que a este fenômeno se apresentassem as justificativas
necessárias. Alternar não é somente a escolha como também um processo racional
de escolha. Daí então ser possível falar-se de uma orientação filosófica e política
74
subjacente aos mecanismos de alternativas que, portanto, reverterá numa doutrina
jurídica. Essa composição de etapas é imprescindível para que se formem as bases
racionais do sistema, evitando que o processo de alternação se transforme no
mudascismo anárquico.18
Desta forma, as penas alternativas implicam na busca de novos caminhos
para atender os problemas sociais.
Para Caubi Arres, as penas alternativas são:
Substitutivos penais (cuja pena mínima não exceda a um ano) processo e
Rito especialíssimo, para tipos penais a que a lei denominou de infrações penais de
menor potencial ofensivo que permitem às pessoas que cometem pequenos delitos
como exemplo: Lesões corporais culposas delito de trânsito (art. 129); Periclitação
da vida e da saúde (arts. 130 a 137); Crimes contra a honra (arts. 138 a 145); crimes
contra a liberdade pessoal ( art. 146 a 149), (...), todos do Código Penal.19
Para nossa nova ordem jurídica, constitui penas alternativas a prestação
pecuniária, a perda de bens e valores, a prestação de serviços à comunidade ou
entidades públicas, a interdição temporária de direitos e a limitação de fim de
semana. Assim, permite-se a oportunização de que o condenado exerça ocupação
lícita, aprendizado, lazer e, ao mesmo tempo, esteja em contato com a
marginalidade. De outro lado, as penas alternativas não deixam no condenado, o
estigma de ex-presidiário, o maior mal que o Estado pode causar à pessoa. Elas
também demonstram que as penas reclusivas faliram enquanto instrumento
reeducativo, de conformidade com os objetivos propostos pela política criminal
moderna.
A nossa sociedade encontra-se preocupada com as fugas e rebeliões que
vem ocorrendo nos estabelecimentos prisionais de nosso país, necessitando
enfrentar alguns problemas criados pelo crescimento populacional de maneira mais
clara e prática. Dessa forma, os governos federais e estaduais vêm tentando adotar
medidas concretas, visto que a prisão não deve ser vista como o único recurso para
controlar a criminalidade.
Percebe-se que as penas alternativas possuem vantagens, as quais
podemos classificar como: uma certa diminuição do custo do sistema repressivo, ou
seja, do atual sistema carcerário; a adequação pena a gravidade do fato e as
18
19
DOTTI, (1998. p. 475)
ARRAES, (1997.p 31-37)
75
condições do condenado; a possibilidade do encarcerado ficar junto da família, da
comunidade, sem perder sua liberdade, seu emprego; o não encarceramento do
condenado nas infrações de menor potencial ofensivo, afastando-o assim, do
convívio com outros delinqüentes perigosos, entre outras inúmeras vantagens.
Existem algumas hipóteses de cabimento das penas alternativas, as quais
devem ser observadas: Em se tratando de crime doloso (não importando se trata-se
de dolo direto ou eventual), é possível a substituição da pena de prisão por uma
restritiva quando, a pena aplicada não for superior a quatro anos (não importa se é
reclusão ou detenção ou mesmo prisão simples) e o crime não for cometido com
violência ou grave ameaça à pessoa, importando a pena aplicada (final) e não a
pena cominada (em abstrato).
Posteriormente cabe a substituição da pena de prisão nos crimes culposos,
qualquer que seja a pena aplicada, é admitida a substituição, como afirma Luiz
Flávio Gomes: Qualquer que seja a pena aplicada admite-se a substituição. Mesmo
que a infração tenha um certo conteúdo de afetação dos bens jurídicos, vida ou
integridade física (tal como se dá no homicídio e lesão culposa), em tese, nada
impede a substituição, desde que presente todos os requisitos legais20
Os requisitos são: que o réu não seja reincidente (8 )em crime
doloso.(tratando-se de réu primário ou reincidente, porém não em crime doloso,
nada obsta a aplicação da pena alternativa. Cuidando-se de réu reincidente em
crime doloso, em princípio, não é possível substituição). a substituição somente é
possível quando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a
personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias , indicarem
que essa substituição seja suficiente.
Em virtude de todos os dados colhidos percebemos os inúmeros benefícios
que as penas alternativas nos oferecem, tanto como um substitutivo penal, como na
economia de dinheiro pelos estados Desta forma acreditamos que as mesmas são o
melhor caminho social-jurídico nos dias atuais.
20
GOMES, (1999, P. 114)
76
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo apresentado aqui neste trabalho mostra o duro e cruel cenário dos
estabelecimentos prisionais em nosso país. As condições sub-humanas as quais os
presos são obrigados a viver dentro das celas, e todos os desrespeitos as regras de
tratamento ao detento inseridos em nossas leis, não se mostram capazes de moldar
o indivíduo à convivência em sociedade, sendo assim, a recuperação e reeducação
dos presos e a preparação para retornar à sociedade e se tornarem produtivos para
que não reincidam em práticas delituosas, ou seja a ressocialização a qual a Lei de
Execução Penal se propõe a efetivar mostra-se inteiramente violada.
O sistema penitenciário brasileiro não é capaz de filtrar a má conduta do
indivíduo, reabilitando-o ao convívio social. Não se pode ressocializar o indivíduo,
colocando-o para viver ociosamente, colocando-o em cubículos superlotados, à
mercê de condições animalescas e verdadeiramente inumanas de higiene, além de
por vezes serem submetidos a tratamentos brutais desnecessariamente.
Certamente, os inocentes presos, transfomar-se-ão em presos de alta
periculosidade ou morrerão vitimas das mazelas físicas e morais do cárcere
brasileiro. O sistema penitenciário brasileiro não acompanha o crescente ritmo do
numero de detentos. As estatísticas obtidas mostram que, ao longo dos anos, o
numero de presos cresce assustadoramente, enquanto o numero de vagas
oferecidas permanece no mesmo quantitativo há décadas.
Os estudos teóricos e pesquisas de campo dentro dos presídios de nossa
cidade confirmaram que aqui em Natal o estado do nosso Sistema Prisional não
encontra-se muito distinto do panorama geral de nosso país, infelizmente o
constatado foi a uma a falência da Lei de Execução Penal. Quem vai à uma
penitenciária sente o clima degradante que reina e que entra na alma e impregna e
que não sai por alguns dias consecutivos à visita.
Indubitavelmente, nesta realidade, é economicamente impossível solucionar
os problemas existentes, no sistema penitenciário brasileiro. É também, esta
realidade penitenciária que desacredita a sociedade e semeia a sua discriminação
ao ex-detento. A população em geral tende a rejeitar esse indivíduo. Prefere
esquecer que ele existe. Talvez só lembre dele quando é uma ameaça ao seu bemestar. O ex-presidiário levará para o resto da vida essa estigma. Seu lugar na
77
sociedade permanecerá, para uma boa parcela, a de marginal. Ou pelo menos essa
será visão da maioria que souberem de sua situação como ex-carcerário. Talvez
poucos o verão como algo que possivelmente tenha sido: vítima de um sistema
econômico extremamente competitivo e consumista que não lhe ofereça condições
de sobrevivência ou de reconhecimento social.
Faz-se mister, uma urgente reforma no sistema penitenciário brasileiro. O
prisioneiro deveria ter as horas preenchidas com alguma atividade profissionalizante
e que o ajudasse a recuperar a auto-estima e fosse uma fonte de renda para quando
tivesse de enfrentar o mundo fora do presídio. Atendimento constante de médicos,
psicólogos, odontólogos e assistentes sociais. Condições mínimas de saúde, o fim
das superlotações nas celas, o fim das agressões físicas e sexuais dos agentes
carcerários
e
de
outros
presos,
e
ter
os
seus
direitos
constitucionais
assegurados.Temos que mudar, com razoabilidade e bom senso, a legislação que
rege esse cárcere medíocre e falido, onde a prisão é tida como uma violência à
sombra da Lei.
A ocorrência de fugas e rebeliões diminuiria consideravelmente em
conseqüência da situação favorável do meio, sendo os presos tratados e vistos
como pessoas e não como animais, como acontece hoje.
Talvez seja a hora de confiar mais na pessoa humana, seja preciso um
maior envolvimento da sociedade com os problemas que o Brasil enfrenta em todos
os aspectos; políticos, financeiros e administrativos. Talvez seja hora de refletirmos
mais sobre nosso preconceito, egoísmo, arrogância, ambição, enfim, sentimos que
diariamente exaltamos ao meio social e que atingem principalmente o nosso próximo
mais carente.
78
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