UNIDADE 4 OUTRAS MODALIDADES OBRIGAÇÕES DE Profª Roberta C. de M. Siqueira ATENÇÃO: Este material é meramente informativo e não exaure a matéria. Foi retirado da bibliografia do curso constante no seu Plano de Ensino. São necessários estudos complementares. Mera orientação e roteiro para estudos. 4.1. OBRIGAÇÕES CIVIS E NATURAIS Obrigação civil é a que encontra respaldo no direito positivo, podendo o seu cumprimento ser exigido pelo credor, por meio de ação. Quando falta esse poder de garantia ou a responsabilidade do devedor, diz-se que a obrigação é natural ou imperfeita. Trata-se de obrigação sem garantia, sem sanção, sem ação para se fazer exigível. 2 As obrigações civis e as obrigações naturais DISTINGUEM-SE, quanto à exigibilidade de cumprimento. OBRIGAÇÃO CIVIL: se o devedor ou um terceiro realiza voluntariamente a prestação, o credor tem a faculdade de retê-lo a título de pagamento (soluti retentio). Se não ocorrer o cumprimento voluntário, o credor poderá exigi-lo judicialmente e executar o patrimônio do devedor. O ordenamento jurídico, nesse caso, coloca, à sua disposição, a competente ação. 3 OBRIGAÇÃO NATURAL: se o devedor cumprir voluntariamente o avençado, o credor goza da soluti retentio, podendo reter a prestação a título de pagamento. Se o devedor não a cumprir voluntariamente, o credor não dispõe de ação alguma para exigir judicialmente o seu cumprimento, não podendo executar coercitivamente a obrigação. O principal efeito da obrigação natural é a retenção do pagamento (soluti retentio), ou seja, a irrepetibilidade da prestação feita espontaneamente. 4 4.1.1 OBRIGAÇÃO NATURAL Sua principal CARACTERÍSTICA está no fato de que seu inadimplemento não dá ensejo à pretensão de uma execução ou de um ressarcimento. O principal EFEITO da obrigação natural é a retenção do pagamento (soluti retentio), ou seja, a irrepetibilidade da prestação feita espontaneamente. 5 a) NATUREZA JURÍDICA Inúmeras teorias surgiram a respeito da natureza jurídica da obrigação natural. A mais aceita pela doutrina é a TEORIA CLÁSSICA ou TRADICIONAL, que considera a obrigação natural uma obrigação imperfeita, ou seja, uma obrigação civil desprovida de ação judicial. Seria um tertium genus, entidade intermediária entre o mero dever de consciência e a obrigação juridicamente exigível, a meio caminho entre a moral e o direito. É mais do que um dever moral e menos do que uma obrigação civil”. 6 O Código Civil brasileiro refere-se à obrigação natural em dois dispositivos: no art. 882, pelo qual não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita ou cumprir obrigação judicialmente inexigível; no art. 564, III, segundo o qual não se revogam por ingratidão as doações que forem feitas em cumprimento de obrigação natural. Os casos de obrigações naturais típicas no novo diploma são, pois, dois: dívidas prescritas (art. 882); e dívidas de jogo (art. 814). 7 Art. 882. Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível. Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito. § 1o Estende-se esta disposição a qualquer contrato que encubra ou envolva reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo; mas a nulidade resultante não pode ser oposta ao terceiro de boa-fé. § 2o O preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo não proibido, só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos. § 3o Excetuam-se, igualmente, os prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual ou artística, desde que os interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares. 8 DÍVIDAS DE JOGO: A dívida resultante da perda no jogo, quer seja lícito (ou tolerável), quer ilícito (ou proibido), constitui obrigação natural: o ganhador não dispõe, no ordenamento, de ação para exigir seu pagamento. O que foi pago voluntariamente não pode mais ser recobrado (CC, art. 882), SALVO se tiver inexistido livre consentimento do perdedor (caso de dívida de jogo ganha com dolo ou em que este é menor ou interdito). 9 DÍVIDAS PRESCRITAS: não tendo o Código estabelecido outra condição que o decurso do prazo para que se configure a prescrição, tem-se que a dívida se torna natural a partir da consumação do prazo prescricional. O art. 882 do Código Civil é amplo e se refere, a “obrigação judicialmente inexigível”. Pode ser lembrado o art. 588 que não permite a repetição em mútuo feito a pessoa menor que não tenha autorização de seu responsável, salvo ocorrendo alguma das exceções previstas no art. 589. 10 b) EFEITOS DA OBRIGAÇÃO NATURAL: O principal efeito da obrigação natural consiste na validade de seu pagamento (art. 882 do CC). Outro efeito é a irrepetibilidade do pagamento. Se o devedor, que não está obrigado a pagá-la, vier a solvê-la de maneira voluntária, o seu ato torna-se irretratável, não cabendo a repetição (soluti retentio). A doutrina tem admitido também a existência de EFEITOS SECUNDÁRIOS nas obrigações naturais: 11 Não há impedimento a que a obrigação natural seja cumprida mediante DAÇÃO EM PAGAMENTO, que nada mais é do que a entrega de bem diverso daquele que é objeto da prestação, com a concordância do credor (CC, art. 356). Segundo parte da doutrina, não comportam elas NOVAÇÃO porque o seu pagamento não pode ser exigido de forma compulsória. Sílvio Venosa e Sérgio Carlos Covello, ao contrário, não veem obstáculo ao exercício, in casu, da liberdade de contratar, pois o que justificaria a novação, não seria a exigibilidade do crédito, senão a possibilidade de seu cumprimento. 12 A COMPENSAÇÃO de obrigação natural com obrigação civil NÃO é admitida pela doutrina. Compensação é meio de extinção de obrigações entre pessoas que são, ao mesmo tempo, credor e devedor uma da outra (CC, art. 368). O que impede a compensação é o fato de efetuar-se ela “entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis” (CC, art. 369), ou seja, entre dívidas exigíveis, sendo que as obrigações naturais caracterizam-se pela inexigibilidade. Nada impede que seja ela compensada por vontade das partes; o que a lei impede é a compensação legal. 13 4.2. DAS OBRIGAÇÕES DE RESULTADO E DE GARANTIA MEIO, DE Quanto ao fim a que se destina, a obrigação pode ser: de meio; de resultado; de garantia. 14 OBRIGAÇÃO DE MEIO: quando o devedor promete empregar seus conhecimentos, meios e técnicas para a obtenção de determinado resultado sem responsabilizar-se por ele. Ex. advogados e médicos. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO: o devedor dela se exonera somente quando o fim prometido é alcançado. Não o sendo, é considerado inadimplente e deve responder pelos prejuízos decorrentes do insucesso. Ex.: transportes em geral, cirurgiões plásticos. 15 OBRIGAÇÃO DE GARANTIA: a que visa a eliminação de um risco que pesa sobre o credor ou as suas consequências. Embora este não se verifique, o simples fato do devedor assumi-lo representará o adimplemento da prestação, através de um bem suscetível de aferição econômica, como os prêmios de seguro ou as garantias bancárias que se obtêm mediante desconto antecipado de juros. 16 4.3. DAS OBRIGAÇÕES DE EXECUÇÃO INSTANTÂNEA, DIFERIDA E CONTINUADA Obrigação de execução instantânea ou momentânea: consuma-se num só ato, sendo cumprida imediatamente após sua constituição, como na compra e venda à vista. Obrigação de execução diferida: o cumprimento deve ser realizado também em um só ato, mas em momento futuro (entrega em data posterior do objeto alienado ou pagamento em 30 dias, por exemplo). 17 Obrigação de execução continuada, periódica ou de trato sucessivo: cumpre-se por meio de atos reiterados, se prolongando no tempo, como sucede na prestação de serviços, na compra e venda a prazo ou em prestações periódicas. A importância dessa classificação está no tocante à aplicação da chamada cláusula rebus sic stantibus ou teoria da imprevisão (art. 478, CC). Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. 18 Essa teoria permite ao devedor, uma vez preenchidos os requisitos ali previstos (acontecimentos extraordinários e imprevisíveis que tornem a prestação de uma das partes excessivamente onerosa), pedir a resolução da avença. Impossível seria a sua aplicação nas obrigações cuja execução se exaure num só momento, instantaneamente. Exemplos: fornecimento de energia, locador, etc. 19 4.4. DAS OBRIGAÇÕES PURAS E SIMPLES, CONDICIONAIS, A TERMO E MODAIS A classificação tradicional dos elementos do negócio jurídico, que vem do direito romano, divide-os em: essentialia negotii, naturalia negotii e accidentalia negotii. 20 a) ELEMENTOS ESSENCIAIS (essentialia negotii) são os indispensáveis à existência do ato e que lhe formam a substância: a declaração de vontade nos negócios em geral, a coisa, o preço e o consentimento na compra e venda, por exemplo. b) ELEMENTOS NATURAIS são as consequências ou efeitos que decorrem da própria natureza do negócio, sem necessidade de expressa menção, como a responsabilidade do alienante pelos vícios redibitórios (CC, art. 441) e pelos riscos da evicção (art. 447). 21 c) ELEMENTOS ACIDENTAIS consistem em estipulações acessórias, que as partes podem facultativamente adicionar ao negócio para modificar alguma de suas consequências naturais, como a condição, o termo e o encargo ou modo (CC, arts. 121, 131 e 136). Não podem integrar os atos de natureza pessoal, como os direitos de família puros e os direitos personalíssimos, também não são aceitos em alguns atos patrimoniais, tais como na aceitação e renúncia da herança. 22 Quanto aos elementos acidentais as obrigações podem ser: a) Obrigações puras e simples: são as não sujeitas a condição, termo ou encargo e que produzem efeitos imediatos, logo que contraídas, como sucede normalmente nos negócios inter vivos e pode ocorrer também nos negócios causa mortis. Ex.: doação pura e simples. b) Obrigações condicionais: as obrigações cujo efeito está subordinado a um evento futuro e incerto. Condição é o acontecimento futuro e incerto de que depende a eficácia do negócio jurídico (CC, art. 121), sendo que da sua ocorrência depende o nascimento ou a extinção de um direito. 23 Obrigações a termo: aquela em que as partes subordinam os efeitos do negócio jurídico a um evento futuro e certo. Termo é o dia em que começa ou se extingue a eficácia do negócio jurídico. Obrigações modais ou com encargo: a que se encontra onerada por cláusula acessória, que impõe um ônus ao beneficiário de determinada relação jurídica. Trata-se de pacto acessório às liberalidades (doações, testamentos). 24 4.5. OBRIGAÇÕES LÍQUIDAS E ILÍQUIDAS LÍQUIDA é a obrigação certa quanto à sua existência, e determinada quanto ao seu objeto. A prestação nesses casos é certa, individualizada. ILÍQUIDA, por sua vez, é a que carece de especificação do seu quantum, para que possa ser cumprida. A apuração processual desse valor dáse por meio de procedimento específico de liquidação, na forma do disposto na legislação processual. 25 Se o juiz não liquidar (especificar) o valor na sentença, proferirá decisão ilíquida, deixando para momento posterior a efetivação do valor devido. Uma sentença ilíquida não é uma sentença que se revela incerta quanto à existência do crédito, mas tão somente quanto ao seu valor. Uma sentença incerta quanto à certificação do direito é uma contradição de termos, nula de pleno direito, enquanto uma sentença ilíquida cumpre a prestação jurisdicional, exigindo, apenas, a realização de atos específicos para a determinação do quantum devido. 26 Liquidação consiste no conjunto de atos que visam à quantificação dos valores devidos, por força do comando sentencial exequendo. Três métodos podem ser invocados para a quantificação de obrigações ilíquidas: Simples cálculos, artigos de liquidação ou arbitramento (arts. 475-A e 475-B do CPC e do art. 879, caput, da CLT). A liquidação por cálculos é a espécie mais utilizada. Ela se dá quando existirem nos autos todos os elementos suficientes para a quantificação do julgado. 27 Já a liquidação por artigos se dá quando inexistem nos autos provas suficientes para a quantificação do julgado, devendo ser esta obtida por meio de um procedimento ordinário, dispondo o art. 475-E do vigente Código de Processo Civil: “far-se-á a liquidação por artigos, quando, para determinar o valor da condenação, houver necessidade de alegar e provar fato novo”. A liquidação por arbitramento é feita quando inexistem elementos objetivos para a liquidação do julgado, seja nos autos ou fora deles, devendo valer-se o magistrado de uma estimativa para quantificar a obrigação. 28 O fundamental é fixar um valor para a quantificação do julgado, evitando, dessa forma, o que se convencionou chamar de “ganhar e não levar”. APLICAÇÕES PRÁTICAS DA DISTINÇÃO: Mora: Dispõe o art. 397 do Código Civil que “o inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor”. Cômputo dos juros: Segundo dispõe o art. 497 do Código Civil, ainda que não se alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora desde que o montante do débito tenha se tornado líquido. 29 Compensação: proclama o art. 369 do Código Civil que “a compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis”. Imputação do pagamento: releva-se a distinção entre obrigação líquida e ilíquida, porquanto “a pessoa obrigada, por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, tem o direito de indicar a qual deles oferece pagamento, se todos forem líquidos e vencidos” (CC, art. 352). 30 Fiança: as dívidas futuras, sejam líquidas ou ilíquidas, podem ser objeto de fiança. Mas o fiador, neste caso, diz o art. 821, segunda parte, do Código Civil, “não será demandado senão depois que se fizer certa e líquida a obrigação do principal devedor”. Título executivo: o título executivo extrajudicial há de ser sempre líquido para ensejar a execução. Falência: também a falência do devedor comerciante só pode ser decretada se o pedido estiver fundado em obrigação líquida, materializada em título ou títulos executivos (Lei n. 11.101/2005, art. 94). 31 4.6. OBRIGAÇÕES PRINCIPAIS E ACESSÓRIAS As obrigações principais subsistem por si, sem depender de qualquer outra, como a de entregar a coisa no contrato de compra e venda. Já as acessórias têm sua existência subordinada a outra relação jurídica, dependem da obrigação principal. É o caso da fiança, da cláusula penal e dos juros. O princípio de que o acessório segue o destino do principal foi acolhido pela nossa legislação (arts. 92, 184, 233 e 364, 1ª parte, do Código Civil). 32 Várias consequências de ordem jurídica decorrem da regra accessorium sequitur suum principale: A invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal (art. 184, segunda parte, do Código Civil). Prescrita a obrigação principal, ficam prescritas igualmente as obrigações acessórias. Pode ocorrer, todavia, prescrição da obrigação acessória sem que se verifique a da principal. 33 Registre-se que o caráter acessório ou principal da obrigação é uma qualidade que lhe pode advir da vontade das partes ou da lei. Na primeira hipótese, pode ser convencionada conjuntamente ou em momento posterior à celebração da obrigação principal. 34