© 2011 Prof. Msc.Ivanildo Figueiredo Faculdade de Direito do Recife UFPE Evolução histórica da falência FALÊNCIA: É uma situação que resulta de dívidas não pagas ou de obrigações inadimplidas, levando geralmente o devedor à insolvência. ANTIGUIDADE EGITO (2500/1000 AC): Na fase mais remota, era permitida a escravidão por Código de dívidas. Quando ocorria a morte do Hamurabi (1700 devedor sem bens suficientes para pagar seus débitos, podia o credor apropriar-se do AC) – Normas sobre cadáver do devedor, como penhor, para que empréstimo a juros (§§ 100/105). os familiares solvessem as obrigações. CÓDIGO DE MANU (Índia, 1400 AC): O credor tinha o direito de submeter o devedor a trabalho escravo, até o pagamento da dívida. GRÉCIA (1000/500 AC): Servidão pessoal do devedor ao credor pelo não pagamento das suas dívidas; esta situação de sujeição pessoal foi abolida pelas reformas de Sólon (594 AC). DIREITO ROMANO Fase primitiva Sujeição pessoal • O corpo do devedor respondia pelas suas dívidas (Lei das XII Tábuas, 451 AC); • O credor insatisfeito podia fazer justiça com as próprias mãos, matando o credor ou apropriando-se dele como seu escravo (manus injectio); • O devedor insolvente perdia todos os direitos de cidadão e podia até ser morto e esquartejado (in partes secare) pelos seus credores, ou podia ser vendido como escravo além das fronteiras de Roma (trans Tiberim). Período pretoriano • A responsabilidade pessoal é substituída pela responsabilidade real ou patrimonial, em que os bens do devedor passam a constituir garantia dos credores (Tito Lívio, Lex Poetelia Papiria, 428 AC); • Ficando ausente o devedor, por fuga ou banimento, ocorria o desapossamento de seus bens (missio in possessionem); o devedor de boa fé podia oferecer os seus bens aos credores e assim não ficava sujeito a sanções pessoais (missio in bona); • Os bens ficavam sob a custódia do credor, para posterior venda em leilão público (bonorum venditio), sob as ordens e controle do pretor; • O devedor insolvente perdia os seus direitos de cidadão e era considerado civilmente morto (capitis diminutio). Período imperial • Regulação do processo da cessio bonorum, em que o devedor insolvente, mas sem culpa, entregava voluntariamente os seus bens aos credores; os bens ficavam sob a administração de um curator, para repartição igualitária entre os credores (Lex Julia de bonis cedentis, 18 AC); • Instituição do princípio da par condicio creditorum; • A cessio bonorum é considerada, por alguns historiadores, como o precedente histórico da concordata. DIREITO MEDIEVAL Formação do Direito Comercial • O Direito Comercial forma-se no fim da era medieval (séculos XIII/XIV), tendo como base o direito romano, somado à influência dos usos e costumes mercantis, decorrentes das práticas das corporações de mercadores. • Na Idade Média ocorre a consolidação dos principais institutos do Direito Comercial nas cidades do norte da Itália (Lombardia) e na Liga Hanseática (Germânia e Bruges). A falência, tanto do devedor comercial como do devedor civil, tem relevante caráter repressivo e de reprovação social. Especialização do Direito Falimentar: • A partir do século XV, ocorre a formação lenta de um direito falimentar ainda incipiente, de execução patrimonial coletiva contra o devedor, fundada no princípio romano da par condicio creditorum. • O concurso de credores passa a ser o princípio processual da falência. • Surgimento da expressão bancarrota (bancarotta) para designar a falência fraudulenta. • Aperfeiçoamento do processo de intervenção estatal, que condicionava a execução coletiva do devedor pelos credores a uma disciplina legal e à decisão judicial. Fase de intervenção estatal • No final do período medieval europeu (séculos XIV a XVI) a repressão penal é marca característica do direito falimentar. • Os devedores declarados falidos eram condenados nas mesmas penas aplicáveis aos delinqüentes comuns, como as penas de prisão, tortura e degredo. • A Ordenação francesa de 1663 foi a primeira lei a disciplinar de modo consolidado o procedimento judicial da falência fraudulenta (bancarrota). • Surge no século XVII o instituto da lettres de répit, que concedia moratória para evitar a execução patrimonial do devedor de boa-fé. • Lei falimentar da Inglaterra de 1676 concedia aos comissários da falência poderes para se apoderar da pessoa do devedor, dispor de seus bens, submetê-lo ao pelourinho e até mesmo cortar a orelha do devedor fraudulento. O Código Comercial da França de 1807, elaborado sob a influência de Napoleão Bonaparte, previa a aplicação de penas severas contra o devedor falido. Surgimento, nessa época, de um direito penal falimentar. A partir da reforma do Código Comercial Francês, em 1832, passa a predominar o caráter econômico do direito falimentar, objetivando, em primeiro lugar, satisfazer os interesses dos credores. • Surge, na Bélgica, em 1844, uma lei regulando a concordata preventiva, que protege o comerciante honesto abalado por crise econômica e financeira passageira. • Distinção legal entre o comerciante honesto e o comerciante que, intencionalmente e de má-fé, tenta fraudar seus credores. • Uma lei da França, de 1889, regulamentou a liquidação comercial preservando o nome e a honra do devedor de boa-fé. • Restrição do instituto da falência às empresas comerciais nos países de sistema jurídico latino. A legislação falimentar, a partir do início do século XX, diante do crescimento das grandes corporações mercantis e da importância das empresas para a estabilidade social, passa a se preocupar com a sobrevivência da empresa e não apenas com sua liquidação judicial e extinção. Conteúdo essencialmente processualista da legislação falimentar, com a consolidação dos procedimentos da concordata preventiva e da concordata suspensiva, que permitem a recuperação da empresa. Legislação dos Estados Unidos (Chandler Act, de 1938) permite que a sociedade anônima em dificuldades financeiras seja favorecida por processo de corporate reorganization. A Ordenação Francesa nº 820, de 1967, institui processo de suspensão provisória de ações e execuções contra empresa cuja extinção possa causar grave perturbação da economia nacional ou regional. Regulação, em diversos países, de procedimentos administrativos de intervenção e liquidação extrajudicial para salvar empresas consideradas de relevante interesse público. As Ordenações Afonsinas (1446) previam a cessio bonorum e a inducias moratória; As Ordenações Manoelinas (1521) regulavam o processo de concurso de credores, estabelecendo o princípio da prioridade do direito do primeiro exeqüente; Nas Ordenações Filipinas (1597), o concurso de credores foi aperfeiçoado, e este era instaurado sempre que o patrimônio do devedor comerciante não fosse suficiente para solver todos os seus débitos. ALVARÁ DE 1756 DO MARQUÊS DE POMBAL O Marquês de Pombal foi Secretário de Estado do Reino (Primeiro-Ministro) do Rei D. José I (1750-1777), sendo responsável por grandes transformações na economia portuguesa. O Alvará de 1756, editado sob a influência do Marquês de Pombal, regulava o processo da falência mercantil, em juízo comercial. Esse processo estabelecia tratamento diferenciado para o “comerciante sem culpa” e para o “ladrão público”, contra o qual eram aplicadas rígidas sanções de caráter penal, como a pena de morte ou o degredo para o Brasil. • Instituição da declaração ou confissão de auto-falência para o comerciante honesto; • Após a arrecadação do patrimônio, leilão e partilha de todos os bens do comerciante falido, as suas obrigações eram consideradas extintas e este era declarado civilmente morto, para em seguida ser ressuscitado, para que pudesse voltar a exercer o comércio, “como uma nova pessoa”. • Por determinação da Lei de 30/10/1823, passou a ser aplicada no Brasil, a partir da Independência, a Lei da Boa Razão (Alvará de 1769); • Pela Lei da Boa Razão, eram consideradas válidas no Brasil as leis das nações civilizadas e assim, o Código Comercial Francês de 1807 tornou-se o primeiro diploma normativo do direito falimentar no Brasil imperial. O Código Comercial de 1850 passou a regular a matéria falimentar nos seus artigos 797 a 913, sob o título “Das quebras”, inspirado no Código Comercial Francês. Não existia no Código Comercial de 1850 o instituto da concordata preventiva, mas apenas da concordata suspensiva, se a falência não fosse fraudulenta; A decisão de conceder a concordata suspensiva dependia da aprovação de 2/3 dos credores reunidos em assembléia. Foi famoso o caso do Visconde de Mauá (1813-1889), que obteve a mudança do critério de aprovação da concordata para maioria simples, para poder evitar a falência do Banco Mauá & Cia. em 1875 e de suas empresas; conseguiu recuperar, em 1884, com o pagamento aos credores, a sua carta de reabilitação como comerciante. • O Código Comercial de 1850 previa a possibilidade de concessão de moratória, por prazo máximo de 3 anos, que devia ser concedida pelo Tribunal do Comércio do Império. • A concordata preventiva foi instituída pelo Decreto Legislativo nº 3.065, de 1882. Através do Decreto nº 917, de 1890, o Governo procurou aperfeiçoar o instituto da falência, principalmente para coibir o grande número de fraudes que então se verificava, em razão de entraves processuais, de conluios entre credores e devedores e, principalmente, por defeitos no aparelho judiciário e na nomeação dos síndicos das massas falidas; A Lei nº 859, de 1902, criou a função pública do síndico, escolhido entre pessoas habilitadas perante a Junta Comercial, mas o esquema de fraudes continuou. • Lei nº 2.024, de 1908, elaborada por J.X. Carvalho de Mendonça, teve por finalidade aperfeiçoar o processo falimentar, mas a sua aplicabilidade e eficiência foi mais uma vez restringida em razão de falhas na estrutura do Poder Judiciário e na falta de conhecimento especializado dos magistrados. • Decreto-Lei 7.661, de 1945, outorgado com base em anteprojeto de Trajano de Miranda Valverde, vigorou na segunda metade do Sec. XX, com resultados também insatisfatórios, até ser revogado pela Lei 11.101, de 2005. FIM