A
PRECARI EDADE DA
N üRMA
FALIMENTAR
Luís Eduardo Betoní
Advogado, Professor de Direito Comercial da InstilUição Toledo de Ensino/Bauru,
Mesrrando em Direiro Consrirucional pela lTE/Bauru e
Membro do Núcleo de Pesquisa Docente da ITE/Bauru
Nlo se pode iniciar a análise da precariedade da norma falimentar atual como
um todo, sem antes tecermos, embora de forma sintetizada, um rápido retrospecto
histórico desse instituto.
Inicialmente, elevemos nos reportar ao período colonial, quando o Brasil,
através das Ordenações Afonsinas, Manoelinas e Filipinas, cuja origem é eminente­
mente portuguesa, disciplinava o direito falimentar, aplicando, no caso de devedor
comerciante insolvente, puniçlo passível de prislo.
No período imperial, o Brasil, após a Proclamação da Independência, passou
a observar a Lei da Boa Razão, isto é, o Alvará de 18 de Agosto de 1796, segundo a
qual deviam ser aplicadas subsidiariamente as leis das nações civilizadas, decorren­
do, disso, profunda influência do direito francês, dando-se larga preferência à apli­
cação do Código Comercial Napoleônico, de 1807
Finalmente, em 1850, é promulgado o primeiro Código Comercial Brasileiro,
cuja terceira parte era dedicada inteiramente às Quebras. O art. 797, que iniciava a
matéria, rezava: "Todo comerciante que cessa os seus pagamentos, entende-se que­
brado ou falido".
Com o advento do período republicano, iniciou-se, por imposição do novo
governo, modificações na terceira parte do Código Comercial, as quais foram elabo­
radas pelo jurista Carlos de Carvalho, que se deu através do Decreto nO 917, de 24
ele outubro de 1890
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TUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO
INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO
~Iaboração
com a empresa. Concebida apenas para a proteção dos credores em relação ao fali­
do, hoje dela se espera atenção especial aos trabalhadores, à comunidade em que
está contida a empresa e ao devedor.
Carlos Alberto de Oliveira Cruz comenta a respeito:
de uma nova lei que
gindo-se a promulgaç:lo da Lei
,elocomercialistaJ, X. Carvalho
odificações, por intermédio do
propósito, segundo o seu rela­
eles pontos em que o aparelho
ação, existente na época, de se
fias tentativas de reforma à lei
:nte, o Decreto-lei na 7.661, de
wações.
~ concerne às novas realidades
sgastado, merecendo, nos dias
661/45 ter sido constituído no
) Brasil experimentava o iniciar
~ legalizar a atuação do comer­
ia do comerciante personificaregulador das quebras, várias
tal' o descompasso normativo
'cebe-se, de forma consensual
ompasso entre as legislações
ao seguinte:
ido foi decretada a Lei de
)conhecia inflação, inexistia
rédito do comércio em geral
de bancária não formava os
ente, a incipiente noção de
afirma nos dias correntes, a
'ior à de agora". I
ge uma série de modificações
. visava apenas ao comerciante
~uase que em sua totalidade,
1 e Perspectivas Futuras.
Revista de direi-
"É certo que a lei falimentar, por si só, não cumpre a missão de dis­
ciplinar o direito concursal. Ao construir um sistema formal que
viabilizasse uma pretensa igualdade dos credores frente ao
património do devedor, o legislador priorizou os aspectos exclusi­
vamente formais e processuais, em detrimento de uma compreen­
são econômica dos fatores que determinam a crise do comer­
ciante".2
No tocante ao critério da insolvência, podemos destacar a sua precariedade,
quando revelada pela impontualidade do cumprimento das obrigações por parte do
devedor comerciante, seja ele individual ou jurídico. Tendo em vista esse aspecto, é
que procuraremos demonstrar que o legislador preconizou apenas os aspectos for­
mais ou processuais, deixando de lado os fatores econômicos, sociais e políticos que
ensejam a crise do comerciante.
Sampaio Lacerda esclarece que "essencial é o estado do patrimônio", embora
obtempere, a seguir, que "o não-pagamento é apenas uma presunção de insolvên­
cia, que pode de fato, não existir caso o ativo seja superior ao passivo, embora tenha
ocorrido o inadimplemento da obrigação líquida e certa no vencimento", para ao
final concluir: "o essencial, portanto, não é a insolvência, mas a insolvência presumi­
da e não propriamente a insolvência", e, ademais, com arrimo em Bolamo: "não raro
a falência ocorre sem insolvência, porque o comerciante não sabe combinar, com
precisão, as entradas e saídas de dinheiro", e, em Provincialli: "a insolvência se carac­
teriza pela impossibilidade patrimonial do devedor em satisfazer regularmente a
própria obrigação".3
Como se vê, a doutrina pátria não tem sido feliz no desenvolvimento do tema
(insolvência), o mesmo ocorrendo com a doutrina estrangeira, o que nos leva a con­
cluir, com olhos voltados às normas falimentares e, em especial, ao Dec-lei na
7.661/45, que a necessidade de se encontrar um caminho diferente é ine\~tável,
partindo de noções econômicas, sociais e políticas em detrimento de noções exclu­
sivamente formais e processuais.
Aexemplo disso, temos o requerimento da falência com base na falta de um
só pagamento no vencimento, fato esse de relevante comprovação da precariedade
'OLNElRA CRUZ, Carlos Albeno de. Falência e Concordata - Interpretação Sistemática no Direito Concursal
Brasileiro. RJ nO 248 p. 15. Fonte: juris síntese nO 22- p. 1.
'LACERDA, Sampaio. Manual de Direito Falimentar, Freitas Bastos. 11° ed., pago 40/41.
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do sistema concursal atual. Nelson Abrão, sobre esse aspecto, doutrina:
"O sistema legal brasileiro é bastante rigoroso ao autorizar o
requerimento da falência com base na falta de um só pagamento
no uencimento, uma uez que é decisiua a orientação das legis­
lações no sentido de determinarem a abertura dafalência à ocor­
rência da insoluência, ou seja, incapacidade definitiua de pagar,
o que é referendado pela doutrina. Afigura-se no inconsciente o
preceito que autoriza o ajuizamento do pedido de falência à ocor­
rência de uma simples impontualidade. Acessação de pagamentos
é simplesmente o indício que a reuela, mas não é senão um indí­
cio e oJuiz não se atém a ele para abrir os procedimentos coletiuos
quando a díuida não é paga. A cessação de pagamentos é o sinal
de alarme que atrai a atenção do Juiz e o conduz a pesquisar
porque o deuedor pára de pagar Se o magistrado encontra outros
indícios (protestos, hipotecas, salários não pagos, demandas fis­
cais, efeitos de comércio auallzados, e:ristência de titulos defamr)
ele inferirá um clima geral de insoluência. Acreditamos que a
próxima lei de falências que uier, consentânea com a realidade
sócio-econômica, possibilitará a abertura do procedimento con­
cursal, só em caso de insoluência, deuendo a impontualidade, que
é sinal exterior desta, ser corroborada por outros sintomas". 4
Acrítica acima exposta merece a devida procedência, pois ao que se visa pro­
teger, há muito tempo, é o par condicio ereditorum, não sendo aconselhável que
apenas um título líquido e certo, não pago no vencimento, qualquer que seja o seu
valor, seja fundamento suficiente para a decretação da falência de uma empresa sol­
vente, embora em situação ilíquida, momentaneamente.
Cumpre ressaltar que a situação de iJiquidez ocorre sob duas formas: a) quan­
do o comerciante não possui, provisoriamente ou transitoriamente, meios finan­
ceiros para saldar com suas obrigações (inadimplemento provisório), situação esta,
acarretada por diversos fatores, como, por exemplo, negligência ou descontrole do
devedor comerciante das contas a pagar ou retração de crédito bancário, entre outros;
b) ou de forma definitiva, onde o inadimplemento (definitivo) ocorreu em razão do
devedor comerciante possuir o seu passivo nuior que seu ativo, não possuindo
meios suficientes e necessários, em tempo hábil, para liquidar com suas obrigações.
Do exposto, é fácil concluir que o inadimplemento provisório não passa de
uma situação de iliquidez, restando aos credores proporem a ação de execução, nos
'ABRÃo, Nelson. Curso de Direi[O Falimentar RT, 3" Ed., p. 53155.
INSTITUiÇÃO TOI
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BIBLIOGRAFIA
ABRÃo, Nelson. O IV
Econômica da Emprl
- - - Curso de Di
LACERDA, Sampaio.l
LOBO, Jorge. Artigo: j
OLIVEIRA CRUZ, Ca
Sistemática no Direit
RUBENS, Requião. Cu
Volume.
SANT'ANNA, Rubens.
São Paulo: RI, 1986
çÃO TOLEDO DE ENSINO
INSTrTurçÃO TOLEDO DE ENSINO
lecto, doutrina:
termos do CPC, e não recorrer ao instituto da falência, que seria o meio hábil judi­
cial para que os credores pudessem reaver os seus créditos do devedor comerciante
inadimplente definitivo.
Portanto, conforme dissemos, as normas ljue regem o direito falimentar não
estão de acordo com a realidade sócio-econômica posta. Veja, que idéia da impon­
tualidade, de acordo com o atual sistema normativo, é rigorosa e eminentemente
formal, não sendo levado em conta, por parte do legislador, situações econômicas
(livre iniciativa, liberalismo, distribuição de riquezas), políticlS (desenvolvimento de
uma comunidade, investimentos prioritários) e sociais (pleno emprego, função
social da empresa) que norteiam a existência do comerciante, seja ele pessoa física
ou jurídica.
Assim, podemos concluir que as normas falimentares vigentes não atendem
às necessidades de regulação reclamada pela comunidade empresarial. Os comer­
ciantes ficam expostos a julgamentos isolados, em decorrência da falta de ade­
quação das normas atuais com a realidade sócio-econômica atual, dependentes de
adequação jurisprudencial que venham a atualizar a norma falimentar.
As críticas nunca são lançadas com o intuito de menosprezar o atual sistema
jurídico falimentar, mas sim contribuir juridicamente para a renovação do mesmo,
que por certo será concretizado pelo novo diploma legal (Projeto de Lei nO 4376/93
- com substitutivos), que transforma a falência em processo de liquidação e recu­
peração das empresas que exercem atividade econômica, eliminando, desta forma,
o grande descompasso existente entre a norma falimentar e a realidade posta.
rigoroso ao autorizar o
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seu ativo, não possuindo
lidar com suas obrigações
o provisório não passa de
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OLIVEIRA CRUZ, Carlos Alberto de. Falência e Concordata. A Interpretação
Sistemática JW Direito Concursal Brasileiro. RJ nO 248, Síntese.
RUBENS, Requião. Curso de Direito Falimentar 17° eci, São Paulo: Saraiva, 1998, 10
Volume.
SA.~T'A1~NA, Rubens. A Falência da Empresa. Re\~sta de direito Mercantil, nO 64,
São Paulo: RT, 1986
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