CURSO DE DIREITO TEORIA DA CONSTITUIÇÃO Prof. MsC. UBIRATAN RODRIGUES DA SILVA (PLANO DE ENSINO: Unidade IV. NORMAS CONSTITUCIONAIS E SUA INTERPRETAÇÃO) Plano da Aula nº 10 OBJETO: Normas e Princípios. OBJETIVO: Conceituar Princípios e Normas, estabelecendo distinções para a respectiva interpretação do Direito Constitucional. NORMAS E PRINCÍPIOS ASPECTOS INTRODUTÓRIOS Princípio é toda estrutura sobre a qual se constrói alguma coisa. Significa começo ou causa de algum fenômeno. São ensinamentos básicos e gerais que delimitam de onde devemos. Pode ser entendido como aquilo que vem antes, começo, nascedouro. Por outro lado, pode ser entendido como os valores mais caros e inarredáveis de determinada pessoa. Os princípios jurídicos podem ser definidos como sendo um conjunto de padrões de conduta presentes de forma explícita ou implícita no ordenamento jurídico. Os princípios, assim como as regras (um código de conduta destinado a regular o comportamento humano), são normas (prescrição legal, preceito obrigatório, cuja característica é a possibilidade de ter seu cumprimento exigido, se necessário com o emprego da força da coerção). A distinção entre esses dois elementos é objeto de dissenso entre os estudiosos do direito (Ciência que sistematiza as normas necessárias para o equilíbrio das relações entre o Estado e os cidadãos e destes entre si, impostas coercitivamente pelo Poder Público). DISTINÇÃO ENTRE NORMAS E PRINCÍ PIOS A norma tem uma única dimensão: a da validade. Se for válida, a regra deverá ser aplicada integralmente, em sua inteireza, ou não ser aplicada. O princípio, por sua vez, apresenta a dimensão de peso (valor) ou importância, não fazendo sentido falar em validade. Dentre os princípios aplicáveis ao caso concreto, será eleito aquele que apresentar maior peso (valor) relativo aos demais em face da situação analisada. Nesse contexto, faz sentido a pergunta: qual princípio é o mais importante nesse caso? Assim, será escolhido aquele que for eleito como sendo mais relevante. O princípio eventualmente deixado de lado continuará existindo e poderá ser evocado em outro momento, sem qualquer tipo de consequência a sua existência. Em caso de conflito entre regras, uma poderá ser excluída do ordenamento, ou, ainda, em casos mais ambíguos, aquela que apresentar maior poder descritivo e regulador prevalecerá. O critério de desempate, diferentemente da situação de colisão de princípios, não se dá por uma regra “superar a outra em virtude de seu maior peso”, mas sim por uma questão técnico-descritiva. Em outras palavras, podemos dizer que regras são comandos definitivos, enquanto princípios são requisitos de otimização. Se a regra é válida e aplicável, esta requer que seja feito o que se prevê na sua íntegra. Já os princípios são normas que exigem que algo seja realizado em seu maior nível possível, dadas as condições do caso em estudo, contendo assim uma ideia de gradação. Os princípios são normas e as normas compreendem as regras e os princípios [...] os princípios são “os valores dos critérios diretivos para interpretação e dos critérios programáticos para o progresso da legislação”, a este resultado já havia chegado desde muito a Hermenêutica dos princípios, resultado sem dúvida propedêutico ao estádio mais adiantado em que ora ingressamos. [...] os princípios são normas e as normas compreendem igualmente os princípios e as regras. Reconhece Esser – e com isso dá admirável passo adiante das posições positivistas – que o princípio atua normativamente; é parte jurídica e dogmática do sistema de normas, é ponto de partida (starting point, diz ele) que se abre ao desdobramento judicial de um problema. Se não chegam a ser, em rigor, uma norma no sentido técnico da palavra, os princípios, como ratio legis – prossegue o abalizado Jurista – são possivelmente Direito Positivo, que pelos veículos interpretativos se exprimem, e assim se transformam numa esfera mais concreta. Surgem esses princípios como máximas doutrinárias ou simplesmente meros guias do pensamento jurídico, podendo cedo adquirir o caráter de normas de Direito Positivo. O princípio normativo – observa, por sua vez, Grabitz – deixa de ser, assim, tão-somente ratio legis para se converter em lex; e, como tal, faz parte constitutiva das normas jurídicas, passando, desse modo, a pertencer ao Direito Positivo. Repartem-se os princípios, numa certa fase da elaboração doutrinária, em duas categorias: a dos que assumem o caráter de ideias jurídicas norteadoras, postulando concretização na lei e na jurisprudência, e a dos que, não sendo apenas ratio legis, mas, também, lex, se cristalizam desse modo, consoante Larenz assinala, numa regra jurídica de aplicação imediata. Princípios gerais, princípios constitucionais e disposições de princípio Os princípios gerais a que nos reportamos ao longo dessa exposição correspondem, em sentido e substância, aos “princípios constitucionais” e às "disposições de princípio", da terminologia mais em voga entre os Mestres do Direito Público contemporâneo. Domenico Farias [...] Faz [...] asserções desse teor: “Uma ideia, todavia, retoma com frequência, se não exclusiva, decerto preponderante: os princípios são a alma e o fundamento de outras normas. Substancialmente é a ideia de fecundidade do princípio aquela que se acrescenta à de mera generalidade”. Esclarece, em seguida, as duas funções capitais que se inferem da fecundidade dos princípios, a saber, a interpretativa e a integrativa. Com efeito, escreve Farias: “A forma jurídica mais definida mediante a qual a fecundidade dos princípios se apresenta é, em primeiro lugar, a função interpretativa e integrativa. O recurso aos princípios se impõe ao jurista para orientar a interpretação das leis de teor obscuro ou para suprir-lhes o silêncio. Antes ainda das Cartas Constitucionais, ou, melhor, antes que, sob o influxo do jusnaturalismo iluminista, máximas jurídicas muito genéricas se difundissem nas codificações, o recurso aos princípios era já uma necessidade para interpretar e integrar as leis”. Partindo-se da função interpretativa e integrativa dos princípios cristalizada no conceito de sua fecundidade - é possível chegar, numa escala de densidade normativa, ao grau mais alto a que eles já subiram na própria esfera do Direito Positivo: o grau constitucional. Os princípios fundamentam o sistema jurídico e também são normas (normas primárias) Exprimiu o jurista italiano Perassi a opinião de que as normas constitutivas de um ordenamento não estão insuladas, mas fazem parte de um sistema onde os princípios gerais atuam como vínculos, mediante os quais elas se congregam de sorte a constituírem um bloco sistemático. Daqui se parte sem dificuldade para o reconhecimento do princípio da unidade do sistema jurídico, que é numa visão juspublicística onde se incorporam as mais recentes conquistas metodológicas da Nova Hermenêutica, o mesmo princípio da unidade da Constituição. Mas, obviamente, segundo uma perspectiva de eficácia e normatividade cuja abrangência se estende a todas as partes do ordenamento, constituindo ao mesmo passo a suma do Direito Positivo vigente. Os princípios são as normas-chaves de todo o sistema jurídico Sobre o assunto escrevemos ainda no mesmo livro: “A superioridade normativa do princípio é assinalada com a força da reflexão jurídica na obra Introdução ao Direito Administrativo, de Agostín Gordillo, abalizado Jurista argentino. Centro dos critérios valorativos da Constituição, o princípio ostenta aquela ‘idoneidade normativa irradiante’, referida por Canotilho. Mas tornemos a Gordillo: ‘Diremos então que os princípios de Direito Público contidos na Constituição são normas jurídicas; mas não só isso, enquanto a norma é um marco dentro no qual existe certa liberdade, o princípio tem substância integral (...). A norma é limite, o princípio é limite e conteúdo (...). O princípio estabelece uma direção estimativa, em sentido axiológico, de valoração, de espírito (...). O princípio exige que tanto a lei como o ato administrativo lhe respeitem os limites e que além do mais tenham o seu mesmo conteúdo, sigam a mesma direção, realizem o seu mesmo espírito’”. Os princípios gerais de Direito e os princípios constitucionais A Constituição faz transparecer com os princípios uma “superlegalidade material” e se toma, prossegue Gordillo Caõas, simultaneamente, “fonte primária do ordenamento e ao mesmo tempo fonte subordinada do mesmo: ao obter este sua primária expressão reflexa, se declara derivado e subordinado à ordem dos valores socialmente professados”. A Constituição, segundo esse jurista, aparece também como “gérmen principial do ordenamento”, e “é o elemento que faltava para a explicação acabada e satisfatória da teoria das fontes”. Enfim, assevera aquele conspícuo Jurista, “a Constituição, ao mesmo tempo em que fonte primária em sua consideração formal, é fonte material ou de conteúdo”, porquanto – pondera igualmente – “não só assinala o ubijus, senão que indica também o unde jus”, ou seja, onde o Direito se localiza e donde o Direito procede. Tudo isso se faz extremamente claro desde que a Constituição, sendo, como é, na mais prestigiosa doutrina constitucional, uma expressão do “consenso social sobre os valores básicos”, se toma, na imagem de Gordillo, o “alfa e ômega” da ordem jurídica, fazendo, ao nosso ver, de seus princípios, estampados naqueles valores, o critério mediante o qual se mensuram todos os conteúdos normativos do sistema. Erra, porém, Gordillo em não admitir que os princípios constitucionais estejam a ocupar o lugar dos antigos princípios gerais de Direito ou em negar que tenha havido hoje uma justificada "unificação dos princípios gerais de Direito em torno dos princípios constitucionais", tendo seu erro por base a falta de discernimento em perceber que desde a constitucionalização dos princípios, fundamento de toda a revolução principial, os princípios constitucionais outra coisa não representam senão os princípios gerais de Direito, ao darem estes o passo decisivo de sua peregrinação normativa, que, inaugurada nos Códigos, acaba nas Constituições. Em A Constituição Aberta, escrevemos: "Os princípios fundamentais da Constituição, dotados de normatividade, constituem, ao mesmo tempo, a chave de interpretação dos textos constitucionais”. Mas essa importância decorre em grande parte de um máximo poder de legitimação, que lhes é inerente. “Afirmar que os princípios garantem unicamente a parte ‘organizativa’ da Constituição, a estrutura e a competência dos órgãos constitucionais, como adverte muito bem Sergio Fois, seria privá-lo de eficácia juridicamente vinculante para a proteção e a garantia dos indivíduos e dos grupos sociais, ‘comprometendo o valor e a funcionalidade de todo o sistema constitucional, cujas várias partes se ligam estreitamente’”. As Constituições fazem no século XX o que os Códigos fizeram no século XIX: uma espécie de positivação do Direito Natural, não pela via racionalizadora da lei, enquanto expressão da vontade geral, mas por meio dos princípios gerais, incorporados na ordem jurídica constitucional, onde logram valoração normativa suprema, ou seja, adquirem a qualidade de instância juspublicística primária, sede de toda a legitimidade do poder. Isto, por ser tal instância a mais consensual de todas as intermediações doutrinárias entre o Estado e a Sociedade. Os princípios baixaram primeiro das alturas montanhosas e metafísicas de suas primeiras formulações filosóficas para a planície normativa do Direito Civil. Transitando daí para as Constituições, noutro passo largo, subiram ao degrau mais alto da hierarquia normativa. Ocupam doravante, no Direito Positivo contemporâneo, um espaço tão vasto que já se admite até falar, como temos reiteradamente assinalado, em Estado principial, nova fase caracterizadora das transformações por que passa o Estado de Direito. A teoria dos princípios no Direito Constitucional brasileiro Dos juristas brasileiros que, de último, proclamaram a normatividade dos princípios, na mesma linha filosófica e científica dos constitucionalistas europeus ligados à teoria material da Constituição, ocupa, sem dúvida, lugar de destaque o Professor Eras Roberto Grau, que, no capítulo intitulado "Os princípios e as regras jurídicas", de sua monografia A Ordem Econômica na Constituição de 1988, desenvolve conclusões deste teor: “Pois bem, quanto aos princípios positivos do Direito, evidentemente reproduzem a estrutura peculiar das normas jurídicas. Quem o contestasse, forçosamente teria de admitir, tomando-se a Constituição, que nela divisa enunciados que não são normas jurídicas. Assim, p. ex., quem o fizesse haveria de admitir que o art. 5º, caput, da Constituição de 1988 não enuncia norma jurídica ao afirmar que 'todos são iguais perante a lei (...)”. “Isso, no entanto, é insustentável, visto que temos aí, nitidamente – tal como nos arts. 1º, 2º, 17, 18, 37, v.g. – autênticas espécies de norma jurídica. Ainda que a generalidade dos princípios seja diversa da generalidade das regras, tal como o demonstra Jean Boulanger, os primeiros portam em si o pressuposto de fato (Tatbestand, hipótese, jacti species), suficiente à sua caracterização como norma. Apenas o portam de modo a enunciar uma série indeterminada defacti species. [...] Quanto à estatuição (Rechtsfolge), neles também comparece, embora de modo implícito, no extremo completável com outra ou outras normas jurídicas, tal como ocorre em relação a inúmeras normas jurídicas incompletas. Estas são aquelas que apenas explicitam ou o suposto de fato ou a estatuição de outras normas, não obstante configurando norma jurídica na medida em que, como anota Larenz, existem em conexão com outras normas jurídicas, participando do sentido da validade delas”. DICAS DE ESTUDO BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 25ª edição. São Paulo: Malheiros Editora, 2009, p. 271-295.