CEAP – CURSO DE DIREITO Disciplina: Introdução ao Direito Professor: Milton Corrêa Filho O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO E DA APLICAÇÃO DO DIREITO O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO E DA APLICAÇÃO DO DIREITO ´´In claris cessat interpretatio´´ A INTERPRETAÇÃO É SEMPRE NECESSÁRIA POIS É PRECISO SE DETERMINAR O SENTIDO E O ALCANCE DA NORMA. 1. O QUE É INTERPRETAR? A INTERPRETAÇÃO é a critica interna da lei. INTERPRETAR é fixar o verdadeiro sentido e alcance de uma norma jurídica. HERMENEUTICA é processo dinâmico, vivo e cíclico que alimenta os métodos de interpretação. É a verdadeira teoria científica da arte da interpretação (Reis Friede). HERMENÊUTICA tem como objeto o estudo e a interpretação dos processos lógicos de interpretação, integração e aplicação do direito (Machado Neto) 2. INTRODUÇÃO No ordenamento jurídico brasileiro e na cultura jurídica nacional existe um forte apego às idéias de um passado já superado, talvez,fruto da praxis jurídica ou da tímida maturação das ideias contemporâneas entre os profissionais do Direito. Dentre esses "fantasmas" do passado destacamos apenas um: a hermenêutica e aplicação do Direito. 3. Hermenêutica clássica e positivismo O positivismo jurídico abebera-se no positivismo filosófico que, segundo nos ensina Barroso: "foi fruto de uma idealização do conhecimento científico, uma crença romântica e onipotente de que os múltiplos domínios da indagação e da atividade intelectual pudessem ser regidos por leis naturais, invariáveis, independentes da vontade e da ação humana”. 4. OS ESTAGIOS DA LEI DE COMTE A evolução da humanidade teria passado por três estágios: a) teológico, no qual os fenômenos possuem uma explicação sobrenatural e divina; b) metafísica, em que o pensamento recorre a princípios que são considerados como existentes além da superfície das coisas e como constitutivos das forças reais que atuam na evolução da humanidade; c) o positivo, que seria o estágio mais avançado dessa evolução, pelo qual não são admitidas suposições hipotéticas não demonstráveis, mas somente observações empíricas e relativas à conexão de fatos, seguindo métodos utilizados nas ciências da natureza. Com a ascensão do positivismo jurídico o Direito alcança sua perspectiva clássica, alicerçada nas seguintes características: a) caráter científico; b) emprego da lógica formal; c) pretensão de completude; d) pureza científica; e) e) racionalidade da lei e neutralidade do intérprete. A aplicação do Direito consistiria em um processo lógico-dedutivo de submissão à lei (premissa maior) da relação de fato (premissa menor), produzindo uma conclusão natural e óbvia, meramente declarada pelo intérprete, que não desempenharia qualquer papel criativo, mas apenas cognoscivo. 5. Hermenêutica contemporânea A análise histórica do Direito nos mostra que em um primeiro momento da evolução da sociedade havia um amálgama incindível entre moral, Direito e religião. Na modernidade essa coalizão viria a desaparecer diante das novas concepções científicas de índole cartesiana e próprias do iluminismo. Podemos apontar o trabalho de Descartes e Kant na superação deste amálgama, como exposto por Cruz: "Kant terminaria o trabalho de Descartes. O mundo antigo concebia um amálgama entre Direito, Moral e Religião. Descartes começou a apartação da religião. Kant distinguiu o Direito da Moral e concebeu uma sociedade pautada por princípios universais."(CRUZ, 2004, p. 62) 5. O Pós-Positivismo O pós-positivismo surge como marco filosófico desse novo paradigma, exigindo que além da validade formal e eficácia social, também esteja presente a correção substancial do Direito, trazendo a preocupação com valores, com o conteúdo ético do Direito. Como ensina Luiz Roberto Barroso: "A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. 6. Nova dogmática de interpretação jurídica A origem mais conhecida da palavra hermenêutica dá-se pela conexão semântica com o deus da mitologia grega chamado Hermes, que é compreendido como o deus responsável pela publicidade/tradução das mensagens divinas aos mortais, ao passo que a função da hermenêutica seria trazer à luz as mensagens legisladas, traduzindo os comandos jurídicos, as mensagens por traz do texto legislado. Numa concepção clássica, hermenêutica jurídica é a ciência que trata da sistematização dos processos de interpretação do Direito, que estuda as principais técnicas de interpretação e elabora regras para a compreensão de textos jurídicos, de modo a ordenar e sistematizar as técnicas e métodos interpretativos. LIÇÕES DE PAULO DOURADO DE GUSMÃO A Interpretação veio fixar o sentido objetivo de um texto jurídico.Mas, que sentido? O da vontade do legislador ou da vontade da lei? Ou ainda da livre convicção do juiz? BUGNET:´´O direito civil, só conheço o Código de Napoleão´´. GENY- criticou tal fetichismo legal, demonstrando que o legislador não prevê tudo, não tendo, portanto, o monopólio da formulação do Direito. MAGGIORE - ´´A lei isolada em sua abstração e generalidade, seria letra morta. A interpretação dá vida a lei´´. LIÇÕES DE MIGUEL REALE *Pontos essenciais da Hermenêutica: 1- toda interpretação jurídica é de natureza teleológica (fins) fundada na consciência axiológica (valor) do Direito. 2- toda interpretação jurídica dá-se numa estrutura de significações, e não de forma isolada. 3- cada preceito significa algo situado no todo do ordenamento jurídico. CONCLUSÃO: o trabalho do interprete representa um trabalho construtivo de natureza axiológica, para atingir a real significação da lei. 7. PLANOS METODOLÓGICOS 1.QUANTO AS FONTES: 1.1. Autêntica (interpretação do legislador) 1.2. Judicial (interpretação do juiz) – É OBRIGATÓRIA 1.3. Doutrinária (interpretação dos doutos em Direito) 2. QUANTO AOS MEIOS: 2.1. Gramatical (literal ou filológica) – declarativa, restritiva ou extensiva) 2.2. Racional (Lógico): 2.3. Sistemático (uso do sistema jurídico) 2.4. Histórico (uso da história da norma) 2.5. Teleológico (finalidade sociológica ou axiológica) INTEGRAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO 8. EXISTEM ´´VAZIOS´´ OU ´´LACUNAS´´ NO DIREITO? Podem existir lacunas na lei, mas não no sistema jurídico, porque este possui outras fontes, além dos textos legais. Na omissão, o juiz deve encontrar ou mesmo criar uma norma para o caso concreto.Esse processo é que se chama de INTEGRAÇÃO. E a conduta do magistrado é a de APLICAÇÃO do Direito, visto ser a imposição de uma diretriz como decorrência de competência legal. Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito. (Lei de Introdução ao CC – nr. 4.657/42) INTEGRAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO ANALOGIA ´´ ubi eadem ratio, ibi eadem juris dispositio (onde há a mesma razão deve haver a mesma disposição em direito´´ Exemplos: -aplicar à televisão um preceito legal referente ao rádio; -aplicar a uma empresa de transportes rodoviários uma norma relativa às companhias ferroviárias. •EQUIDADE (art.127 CPC) -O Juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei O Direito, como experiência, deve ser pleno, e muitos são os processos pelos quais os julgadores realizam a integração da lei para atingir a plenitude da vida (Miguel Reale) INTEGRAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO PRINCIPIOS GERAIS DO DIREITO Esse conceito corresponde aos princípios da Justiça. Há controvérsia: I – doutrinas de inspiração positivista: são princípios historicamente contingentes e variáveis que inspiram a formação de cada legislação. II – doutrinas racionalistas: são princípios universais, absolutos e eternos, correspondentes aos principios do direito natural. FONTE: André Franco Montoro, in Introdução à Ciência do Direito INTEGRAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO A CONTRIBUIÇÃO DE IHERING - concepção do Direito como ciência de fins - Valorização do homem como sujeito-fim de todas as normas - Concepção de direito subjetivo como interesse juridicamente protegido. FONTE: João Mauricio Adeodato,in Jhering e o Direito no Brasil, INTEGRAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO A MUDANÇA DE PARADIGMAS: -Introdução do método teleológico para se buscar, além da intelecção gramatical, filológica, histórica e sistemática, a FINALIDADE SOCIAL, os interesses sociais, coletivos e públicos. -Aparecimento da ´´jurisprudência das valorações´´, onde os interesses são transmutados em valores, consagrados em princípios jurídicos (positivados na Constituição) FONTE: João Mauricio Adeodato, in Ihering e o Direito no Brasil INTEGRAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO No Palácio Real de Amsterdan, numa sala de rara beleza, existem 4 cariátides, duas estão com as mãos sobre o rosto; e duas com as mãos sobre os ouvidos. Elas não querem ver nem ouvir. A esquerda tem um baixo relevo, de autoria de Quellinus, com tres cenas históricas da distribuição da justiça universal. INTEGRAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO No primeiro quadro, Brutus condena á morte seus dois filhos porque haviam conspirado contra Roma. No segundo, o Rei Salomão usa daquele notorio expediente, ameaçando dividir a criança ao meio, para descobrir a verdadeira mãe. E no terceiro quadro, Seleuco, rei da Síria, julga o proprio filho e diz: “a lei do lugar exige que dois olhos sejam sacrificados. Assim seja feito. Um dele e um meu”. FONTE: CLT em Debate, LTr, 1994, p. 193 7. CONCLUSÃO A interpretação tradicional punha ênfase quase integral no sistema jurídico, na norma jurídica que deveria ser interpretada e aplicada ao caso concreto. Nela encontraríamos, em proposições genéricas e abstratas, a prescrição para resolução do problema que, por sua vez, forneceria os elementos fáticos sobre os quais a norma incidiria, ou seja, o material fático que nela se subsumiria. O intérprete, por fim, teria uma função meramente técnica de identificar a norma aplicável, revelando seu sentido para aplicá-la ao caso concreto, de forma neutra e objetivamente alcançada, tudo de acordo com uma visão liberal-positivista. Tal visão não é adequada ao paradigma contemporâneo, em que se reconhece uma atividade criativa do aplicador do direito, entendendo-se a interpretação e aplicação do Direito como faces de uma mesma moeda, como conceitos em simbiose. A norma jurídica, por sua vez, não se confunde com o enunciado normativo (texto), sendo produto da interação entre texto e realidade, de modo que somente poderíamos falar em norma concretizada. Nesse cenário, o problema deixa de ser apenas um conjunto de fatos sobre os quais incide a norma, para se transformar em parte dos elementos que irão produzir o Direito.