Direitos de propriedade intelectual
- Introdução
A propriedade literária e artística em
Portugal (séc. XIX): Garrett e Herculano
 “Não temos Mecenas que dar ao génio” - Garrett ao propor o
projecto de lei na Câmara dos Deputados em 1839, “temos leis
que valem mais, que protegem melhor, que não deixam ao acerto
do favor o cair a protecção em Horácio — ou em Mévio, segundo variar a
aura e revolver a intriga dos palácios”.
 “O grande empenho da Europa culta neste século é assegurar por
estipulações internacionais, numa grande aliança de todos os estados
civilizados, esta propriedade sagrada, destruir a piratagem das
contrafacções que roubam o suor da indústria, o preço da
saúde e muitas vezes da vida do sábio ou do artista que
amiúde pagam com a vida essas grandes obras que fazem a glória
de uma nação.” (ML Lima dos Santos, ‘Sobre os intelectuais portugueses no século
XIX (do Vintismo à Regeneração)’, Análise Social, 1979-1º)
Herculano
• A propriedade diz respeito a coisas materiais, tangíveis, não se
podendo considerar nela incluídas coisas que não tenham esses
atributos.
• O carácter condicional e temporário da “propriedade
literária” é uma prova da natureza imperfeita e
insustentável desse pretenso direito, que fere as características
(absoluta e perpétua) do verdadeiro direito de propriedade.
• “Cada vocábulo e cada frase é o molde, a forma de uma ideia simples ou
complexa. A concepção disso, a que metaforicamente se chama
uma obra, um escrito, um livro, nada mais é, pois, do que a
justaposição, em tal ou tal ordem, das ideias revestidas das
suas formas particulares que estão catalogadas no dicionário da língua
para uso comum.” (1872)
Os direitos de propriedade intelectual:
a tradição
 Direitos de autor
 objecto da protecção:
criações/obras intelectuais
 requisitos: criatividade,
inteligibilidade
 poderes conferidos ao autor
 restrições
 Direitos de
propriedade industrial
 objecto da protecção: inventos
técnicos (produtos e processos
industriais)
 requisitos: carácter lícito;
novidade intrínseca e novidade
extrínseca -> procedimento de
avaliação/atribuição de patente
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Os direitos de propriedade
intelectual: os novos desafios
 O acesso à informação como
(nova) necessidade
fundamental
 A nova economia e os
interesses e reclamações
das empresas
Que equilíbrio entre os direitos dos
autores/inventores e os direitos de
acesso de terceiros?
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A protecção da autoria de programas de
computador pela UE
 Fundamentos: o Livro Verde
sobre o Direito de Autor e o
desafio Tecnológico, 1991.
 “a fim de retirar proveito de
um novo mercado em
expansão, a indústria
necessita de condições de
funcionamento comparáveis
nos diferentes EstadosMembros.”
 A opção pelo direito de
autor em lugar do direito
de propriedade
industrial
para a protecção do
software (91/250/CEE;
Dir. 2009/24/CE)
 a proposta de directiva
sobre patentes de
software (2005)
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• “O desenvolvimento de programas de computador requer o
investimento de recursos humanos, técnicos e financeiros
consideráveis, podendo esses programas ser reproduzidos a
um custo que apenas representa uma fracção do custo do seu
desenvolvimento independente.”
• “Os programas de computador têm vindo a desempenhar um
papel de importância crescente num vasto leque de
indústrias…”
• “Algumas das diferenças existentes na protecção jurídica dos
programas de computador ao abrigo das legislações dos EM
têm efeitos directos e negativos no funcionamento do
mercado interno…”
A Directiva “programas de computador”
(Directiva 91/250/CEE; Directiva 2009/24/CE)
 Conceito de programa de
computador (art. 1º)
 Autoria de programas (art.
2º)
 Restrições aos poderes do
autor (excepções aos actos
sujeitos a autorização) (art. 5º);
regime da descompilação
(art. 6º)
 Os poderes do titular do
direito: actos sujeitos a
autorização (art. 4º)
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Objecto da protecção (art. 1.º)
 1. … os Estados-Membros
estabelecem uma protecção
jurídica dos programas de
computador, mediante a
concessão de direitos de
autor, enquanto obras
literárias, na acepção da
Convenção de Berna … a
expressão «programas de
computador» inclui o material de
concepção.
 2.Para efeitos da presente
directiva, a protecção abrange a
expressão, sob qualquer forma, de
um programa de computador. As
ideias e princípios subjacentes a
qualquer elemento de um
programa de computador,
incluindo os que estão na base das
respectivas interfaces, não são
protegidos pelos direitos de autor
….
Autoria de programas
 Um programa de
computador é protegido se
for original, no sentido
em que é o resultado da
criação intelectual do
autor. Não são
considerados quaisquer
outros critérios para
determinar a sua
susceptibilidade de
protecção.(Art. 1.º, 3)
 O autor de um programa
de computador é a pessoa
singular ou o grupo de
pessoas singulares que
criaram o programa ou,
quando a legislação dos
Estados-Membros o
permite, a pessoa colectiva
indicada por aquela
legislação como o titular
dos direitos.(Art. 2.º, 1)
Actos sujeitos a autorização (art. 4.º)
 a) A reprodução permanente ou
transitória de um programa de
computador, seja por que meio for,
e independentemente da forma de
que se revestir, no todo ou em
parte…
 b) A tradução, adaptação,
ajustamentos ou outras
modificações do programa e a
reprodução dos respectivos
resultados, sem prejuízo dos
direitos de autor da pessoa que
altere o programa;
 c) Qualquer forma de distribuição ao
público, incluindo a locação, do
original ou de cópias de um
programa de computador.
Excepções aos actos sujeitos a autorização
(arts. 5.º e 6.º)
 (actos) necessários para a utilização
do programa de computador pelo
seu legítimo adquirente de acordo
com o fim a que esse programa se
destina, bem como para a correcção
de erros.
 Cópia de apoio por uma pessoa
autorizada a utilizar o programa na
medida em que tal seja necessário
para a sua utilização.
A descompilação
 reprodução do código e tradução da
sua forma … indispensáveis para
obter as informações necessárias à
interoperabilidade de um programa
de computador criado independen
temente, com outros programas.
A proposta de directiva sobre patenteabilidade de
inventos que implicam programas de computador
 Mas calcula-se que cerca de
A Convenção de Munique
sobre a patente
europeia:
 “os programas de
computador não podem
ser protegidos enquanto
tais.”
dezenas de milhar de patentes
foram já atribuídas.
 Algumas têm por objecto
dispositivos e processos
técnicos
 A maioria incide sobre
tratamento de dados
numéricos, reconhecimento e
tratamento de informação.
13
A posição comum do Conselho Europeu
(Março, 2005)
 “Assegurar uma protecção efectiva, transparente e harmonizada das
invenções postas em prática por computador de modo a permitir a
empresas inovadoras tirar o melhor partido da sua actividade inventiva
e estimular o crescimento e a inovação.”
 “Não são protegidos os programas que não se traduzam em efeitos
técnicos para além das interacções físicas entre programa e
computador, a rede ..”
Na prática, a directiva protegeria a informação e as
instruções contidas nos programas. Aplicada ao
software, a patente traduzir-se-ia na protecção de um
texto “enquanto tal”, implicando o seu depósito
obrigatório a troco de protecção legal mais forte e
completa, que se poderia traduzir na reserva de ideias.
14
A protecção jurídica de bases de dados
pela UE
 Génese e fundamentos
 funcionamento do mercado
interno, promoção do
investimento e globalização
económica
 “a liberdade das pessoas singulares e colectivas
de fornecerem produtos e serviços de bases de
dados em linha”
 Os acórdãos Microfor c. SARL Le
Monde (Cour de Cassation, França,
1983 e 1987)
 A analogia com as
antologias/enciclopédias:
 “são equiparáveis a originais as
compilações de obras protegidas ou
não, como selecções, enciclopédias e
antologias que pela escolha e
disposição das matérias, constituem
criações intelectuais”. (CDA, art.
3º b)).
 A questão da linha de demarcação
entre criação e trabalho
intelectual não criativo. (direito de
autor versus copyright)
15
A jurisprudência nos EUA
FEIST PUBLICATIONS, INC. v. RURAL TELEPHONE SERVICE
CO., 499 U.S. 340 (1991)
 “… the copyright in a factual compilation is thin. Notwithstanding a
valid copyright, a subsequent compiler remains free to use the facts
contained in another’s publication to aid in preparing a competing
work, so long as the competing work does not feature the same selection and
arrangement. . . . It may seem unfair that much of the fruit of the
compiler’s labor may be used by others without compensation. . . .
[However, t]he primary objective of copyright is not to reward
the labor of authors, but to promote the Progress of Science and
useful Arts.To this end, copyright assures authors the right to their
original expression, but encourages others to build freely upon the
ideas and information conveyed by a work. This principle, known
as the idea/expression or fact/expression dichotomy, applies to all
works of authorship.”
FEIST PUBLICATIONS, INC. v. RURAL TELEPHONE SERVICE
CO., 499 U.S. 340 (1991)
 “[51] Rural's selection of listings could not be more
obvious: it publishes the most basic information -name, town, and telephone number -- about each
person who applies to it for telephone service. This
is “selection” of a sort, but it lacks the modicum of
creativity necessary to transform mere selection
into copyrightable expression. Rural expended
sufficient effort [p*363] to make the white pages directory
useful, but insufficient creativity to make it original.”
 “[55] Because Rural's white pages lack the requisite
originality, Feist's use of the listings cannot
constitute infringement.”
Cour de Cassation, França, 1983
Société Microfor c. SARL Le Monde
 A protecção do direito de autor de uma empresa de
informação contra actos de terceiros é uma questão
de princípio e não está sujeita à condição de a
reprodução ou exploração das obras publicadas em
jornais periódicos desta empresa serem de natureza
a fazer-lhe concorrência.
 O direito do proprietário do jornal não é afectado
na sua duração pela natureza eventualmente
efémera da matéria tratada sobre a qual o facto de
ter publicado estes artigos pode projectar uma luz
original, apresentando só por si um interesse
duradouro.
 O artigo 40º da Lei de 11 de Março de 1957
(Código do direito de autor), que visa a
reprodução ainda que parcial, é aplicável
qualquer que seja a natureza da obra,
colectiva ou não.
 O artigo 40º não é aplicável à edição, por
qualquer meio, de um índice de obras
permitindo identificar estas obras por
palavras-chave.
 Decorre do artigo 41º da Lei de 11 de Março de 1957
que, sob reserva apenas da indicação clara do nome
do autor e da fonte, são lícitas as curtas citações
quando incorporadas numa obra secundária e
quando a natureza crítica, pedagógica ou de
informação desta obra justifique a sua presença.
 E, quando tenha o carácter de informação, a matéria
da obra secundária pode ser constituída sem
comentário ou desenvolvimento pessoal do autor,
pela reunião e classificação de curtas citações
retiradas de obras pré-existentes, incluindo vários
jornais ou periódicos.
A directiva “bases de dados”
(Directiva 96/9/CEE)
 Definição de base de dados  O direito “sui generis”
 Restrições ao direito “sui
 Protecção pelo direito de
autor
 Restrições ao direito de
autor
generis”
 o Acórdão Horse
Racing Board c. William
Hill Organisation,
TJCE, 2004.
21
“Bases de dados” (art. 1.º)
 “Para efeitos da presente directiva, entende-se
por «base de dados», uma colectânea de obras,
dados ou outros elementos independentes, dispostos de
modo sistemático ou metódico e susceptíveis de
acesso individual por meios electrónicos ou
outros.”
Direito de autor (art. 3.º)
 1. Nos termos da presente directiva, as bases de dados que,
devido à selecção ou disposição das matérias, constituam uma
criação intelectual específica do respectivo autor, serão
protegidas nessa qualidade pelo direito de autor. Não serão
aplicáveis quaisquer outros critérios para determinar se estas
podem beneficiar dessa protecção.
 2. A protecção das bases de dados pelo direito de autor
prevista na presente directiva não abrange o seu conteúdo e
em nada prejudica eventuais direitos que subsistam sobre o
referido conteúdo.
O direito “sui generis” (art. 7.º)
 1. Os Estados-membros instituirão o direito de o fabricante de
uma base de dados proibir a extracção e/ou a reutilização da
totalidade ou de uma parte substancial, avaliada qualitativa
ou quantitativamente, do conteúdo desta, quando a
obtenção, verificação ou apresentação desse conteúdo
representem um investimento substancial do ponto de
vista qualitativo ou quantitativo.
 «Extracção»: a transferência permanente ou temporária da totalidade ou de uma
parte substancial do conteúdo de uma base de dados para outro suporte, seja por que
meio ou sob que forma for;
 «Reutilização»: qualquer forma de pôr à disposição do público a totalidade ou uma
parte substancial do conteúdo da base através da distribuição de cópias, aluguer,
transmissão em linha ou sob qualquer outra forma. (art. 7.º, 2).
Excepções ao direito “sui generis”
(art. 9.º)
 extracção para fins particulares do conteúdo de uma base de
dados não electrónica;
 extracção para fins de ilustração didáctica ou de investigação
científica, desde que indique a fonte e na medida em que tal
se justifique pelo objectivo não comercial a atingir;
 extracção e/ou de uma reutilização para fins de segurança
pública ou para efeitos de um processo administrativo ou
judicial.
A protecção do direito de autor na Internet
(Directiva 2001/29/CE)
 Tradição ou inovação?
 o direito de reprodução
 o direito de comunicação ao público
 o direito de distribuição
 as excepções ao direito de autor
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A tutela da propriedade intelectual na sociedade
da informação (conclusão)
 extensão do âmbito do
 As novas formas de
propriedade intelectual
na sociedade da
informação
direito de autor a novos
tipos de criação intelectual
 evolução de conteúdo do
direito de autor> de direito
de personalidade a direito
económico
 instituição de novos tipos de
direitos sobre a informação,
independentes de qualquer
criação intelectual
 modificação de sentido da
noção tradicional de
«reprodução».
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Conclusão
 A tensão entre a
propriedade intelectual
e a liberdade de acesso à
informação.

“Numa sociedade assente cada
vez mais na prestação e
utilização de serviços de
informação, que funciona em
rede e é interdependente, a
liberdade deve passar a ser
entendida como direitos de
inclusão e acesso.”
(Rifkin).
28
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Autoria - Faculdade de Direito da UNL