PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Juízo de Direito da Vara Cível da Comarca de João Câmara
Autos nº 0001653-67.2012.8.20.0104
Endereço: Av. Artur Fereira da Soledade, S/N, Alto do Ferreira - CEP 59550-000, Fone: 3262-3290, João
Câmara-RN - E-mail: [email protected] - Mod. DECISÃO PADRÃO
Natureza: Ação Civil Pública
Parte autora: Ministério Público de João Câmara
Parte ré: Município de Jardim de Angicos-Rep.Legal Manoel Agnelo Bandeira de Lima
DECISÃO
Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de liminar, promovida pelo MINISTÉRIO
PÚBLICO em face do MUNICÍPIO DE JARDIM DE ANGICOS, pessoa jurídica de direito público
interno, inscrita no CNPJ sob o número 08.111.338/0001-22, com sede na Rua Alzira Soriano, nº
10, Centro, Jardim de Angicos/RN, representado pelo Prefeito Municipal MANOEL AGNELO
BANDEIRA DE LIMA. Alegou a parte autora em sua exordial:
(...) “que em razão das várias reclamações e representações dirigidas a esta Promotoria de Justiça,
que noticiavam e pediam providências em relação aos constantes atrasos no pagamento dos salários
do funcionalismo público do município de Jardim de Angicos, foi instaurado, no âmbito deste
Órgão Ministerial, o Procedimento Preparatório n. 023/2011, posteriormente convertido no
Inquérito Civil nº 024/2012, tendo por objeto a apuração desses fatos e a coleta de provas
necessárias à eventual propositura de ação civil pública”.
Relatou ainda a inicial que “o tempo de atraso no pagamento dos salários varia de servidor para
servidor, estando as situações individualizadas no demonstrativo constante às fls. 122 a 126 dos
autos do Inquérito Civil anexo, o qual foi fornecido pela própria Secretária Municipal de Finanças,
na data em que fora ouvida na Promotoria de Justiça, sendo esse demonstrativo uma versão
atualizada do que já havia sido apresentado às fls. 115 a 119 dos autos, devidamente assinado pela
Sra. Helena Lisboa, Tesoureira do Município”.
Mencionou que a situação é confessada por representantes da própria administração pública
municipal.
Afirmou o Ministério Público que:
“O tempo de atraso no pagamento de salários varia, conforme o caso, de 01 (um) a 02 (dois), 03
(três), 04 (quatro), 05 (cinco), 10 (dez) e até inacreditáveis 14 (quatorze) meses (vide fl.125)!
Repise-se que não se está a tratar de mera especulação, mas de informação OFICIAL prestada pela
própria Secretária de Finanças!”. (...)
A par disso, o Município vem recebendo, com regularidade, os repasses do Fundo de Participação
dos Municípios (FPM), Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB)
e também aqueles referentes aos programas de saúde (transferidos regular e automaticamente do
Fundo Nacional para o Fundo Municipal de Saúde), consoante evidenciam os extratos juntados às
fls. 107 a 110 e 176 a 183, não havendo qualquer justificativa plausível para a violação do direito
fundamental de seus servidores ao recebimento do salário em contrapartida ao trabalho realizado,
que é uma obrigação que, por sua natureza alimentar, se sobrepõe a todas as outras.
A postura adotada pelos membros do primeiro escalão do Poder Executivo municipal representantes
do Município cujo Prefeito raramente é encontrado em seu gabinete, consoante se infere das
certidões lançadas às fls. 45 e 47, e cujos saques bancários “na boca do caixa” são uma prática
corriqueira e afrontosa às mais comezinhas normas de direito administrativo e financeiro
evidenciam o descaso do município demandado com os seus servidores, com as famílias destes e,
de um modo amplo, com toda a população, na medida em que, como se sabe, em pequenos
municípios como este, a economia local é fortemente influenciada e impulsionada por esses
recursos referentes ao pagamento do funcionalismo municipal”.
Requereu, por fim, a parte autora:
a) que seja concedida medida liminar, determinando-se ao gerente da agência do Banco do Brasil de
João Câmara, Sr. Arimatéia (celular 8831-7864), que proceda ao bloqueio de 54% (cinqüenta e
quatro por cento) das verbas oriundas do FPM, já existentes e a serem creditadas em favor do
Município de Jardim de Angicos, para pagamento da(s) folha(s) em atraso, até ordem judicial em
contrário; devendo o gerente da instituição bancária ser informado imediatamente através de contato
telefônico tão logo seja proferida a decisão, que deverá ser encaminhada ao mesmo através do
endereço eletrônico [email protected], para só depois se encaminhar o respectivo ofício
pessoalmente, através de Oficial de Justiça, tudo isso com o objetivo de evitar que, antes do
recebimento do ofício, sejam realizados saques na boca do caixa ou transferência para outras contas,
impedindo assim que a decisão judicial fique a carecer de efetividade;
b) que seja encaminhada ao gerente da agência do Banco do Brasil de João Câmara cópia da relação
constante às fls. 122 a 126 dos autos do Inquérito Civil em anexo, a fim de que providencie o
depósito, em conta, dos valores do(s) salário(s) atrasado(s), na medida da disponibilidade dos
créditos bloqueados. Caso haja servidores que não tenham conta no banco, que sejam pagos
diretamente na agência, mediante recibo, devendo, ao final, os comprovantes de depósito e/ou
recibos ser anexados aos autos;
c) a publicação de edital, para conhecimento aos servidores públicos municipais e terceiros
interessados, sobre a propositura da presente ação (Lei nº 8.078/90, art. 94), inclusive divulgando-o
através dos meios de comunicação locais, tais como rádio comunitária, sistema de som da Paróquia
(“difusora”), blogs eletrônicos, etc, já que a publicação em mural no átrio do Fórum e no Diário
Oficial não possui o alcance necessário diante da magnitude do direito invocado, visto que os
cidadãos normalmente não costumam acessar tais publicações;
d) que seja julgado procedente o pedido, com a condenação do Município de Jardim de Angicos ao
pagamento de todos os salários atrasados já vencidos desde o início do mandato eletivo em curso e
a vencer no decorrer da presente ação, bem como para que passe a efetuar o pagamento dos salários
de todo o funcionalismo público, doravante, sempre dentro do mês vigente;
e) que seja fixada multa diária a ser paga pessoalmente pelo Sr. Prefeito Municipal, em caso de
descumprimento das decisões e determinações expedidas neste processo, em valor que se mostre
suficiente e adequado para compelir o administrador ao cumprimento da obrigação.
Notificada para apresentar manifestação sobre o pedido liminar, o
município demandado deixou transcorrer in albis o prazo de resposta.
É o breve relatório. Decido.
A tutela de urgência trabalha com a dimensão temporal e com a efetividade. É preciso observar que,
na atualidade, a preocupação da doutrina processual no que se refere a essas duas dimensões não se
restringe à mera tutela ao processo com único fim de se garantir a eficácia jurídico-formal da
prestação jurisdicional final, ou seja, à utilidade do processo de conhecimento à cognição plena,
mas à efetividade no plano dos fatos, e mais, dentro de um prazo razoável, ou seja, o fator tempo é
elemento determinante para se garantir e realizar o acesso à Justiça.
Essa assertiva é de fácil constatação quando se observa a internacionalização da tutela sumária
satisfativa. Aqui no Brasil, Luiz Guilherme Marinoni, um dos precursores nacionais no estudo sobre
o instituto, aponta a antecipação da tutela como uma inversão do tempo do processo, ou seja, com a
antecipação da tutela se imputa ao réu, provável usurpador do direito alheio, a eventual demora
processual, deixando o autor, pretenso titular do direito subjetivo, em situação mais prestigiada no
processo.
A doutrina nacional tem entendido que há um direito constitucional à tutela de urgência com
fundamento no art. 5º, inciso XXXV, direito este que não pode ser limitado por norma
infraconstitucional, ou seja, o legislador não pode, a priori, dizer se neste ou naquele caso há
periculum in mora.1 O inciso XXXV do art. 5º protege não só acesso à justiça quando há lesão a
direito, mas também quando há ameaça a direito, o que exige do
1 MARINONI,
Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 4ª ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 109/110.
sistema jurídico meios adequados para garantir a efetividade processual, a qual só se obtém se a
tutela for adequada e tempestiva. A tutela de urgência, portanto, é um direito do cidadão, cabendo
ao juiz apenas decidir se presentes os requisitos para o deferimento nos moldes requeridos, vez que
é ponto pacífico no nosso ordenamento jurídico que: "não fica ao arbítrio do Juiz deixar de
conceder liminar, se preenchidos os requisitos legais para esse fim". (BOL AASP 1.027/157) - CPC
- Theothonio Negrão, 26ª ed. SARAIVA.
O instituto da antecipação da tutela permite ao Juiz antecipar total ou parcialmente os efeitos da
tutela jurisdicional perseguida pelo autor na inicial. Todavia, devem concorrer para esta concessão
os seguintes requisitos: a) prova inequívoca da verossimilhança da alegação; b) iminência de um
dano irreparável ou de difícil reparação; e c) reversibilidade da medida; ou d) abuso de direito de
defesa ; ou ainda, e) manifesto propósito protelatório do réu.
Analisando-se o requisito da verossimilhança das alegações, a ausência de manifestação da parte
demandada, atreladas as informações acostadas ao requerimento inicial do Parquet, são suficientes
para inferir que constitui dever do gestor público garantir ao menos que a remuneração de todo o
funcionalismo seja efetivada em dia e não sendo no mesmo mês em que foi prestado o serviço, ao
menos em prazo razoável no início do mês subsequente.
Apesar da existência de lei disciplinando um calendário de pagamento, o município réu tem
reiteradamente descumprindo o seu dever legal. No caso dos autos verificase a gravidade dos fatos
relatados na exordial, haja vista a informação de saques na “boca do caixa” nas contas do
município.
Observe-se, ainda, a necessidade de observância da porcentagem máxima para bloqueio de verbas
públicas.
Os arts. 19 e 20 da Lei Complementar nº 101 de 4 de maio de 2000 Lei de Responsabilidade Fiscal,
estabelecem:
“Art. 19. Para fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a
despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente
da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente
líquida, a seguir discriminados:
I - (...)
II - (...)
III Municípios: 60% (sessenta por cento)”.
“Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder
os seguintes percentuais:
I (...)
II (...)
III na esfera municipal:
a) 6% ( seis por cento) para o legislativo, incluído o Tribunal de Contas
do Município, quando houver;
b) 54% ( cinqüenta e quatro por cento) para o Executivo.”
Desta forma, observando-se os parâmetros legais acima, cabível o bloqueio de até 54% (cinquenta e
quatro por cento) das verbas recebidas pelo Município através do Fundo de Participação, para
pagamento do funcionalismo público.
Ressalte-se que o reiterado atraso, por não se dizer locupletamento ilícito do município, às custas do
trabalho de seus servidores, tem ocasionado o comprometimento de serviços essenciais como saúde
e educação. Não se trata apenas de se garantir um direito mínimo do trabalhador, o seu salário, mas
permitir que uma população inteira, formada na sua grande maioria por pessoas humildes, possa ter
no Estado a garantia de uma condição mínima de sobrevivência.
A CF/88, em seu artigo 7º, X, enuncia a proteção ao salário com direito de todo trabalhador, além de
ser uma garantia social, constituindo-se crime sua retenção dolosa.
A Constituição Federal expressa como garantia fundamental o direito da dignidade humana, assim
dispondo:
Art. 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana.
In casu, existe, também, na hipótese a iminência de um dano irreparável ou de difícil reparação,
além de sua irreversibilidade, sobretudo, quando as verbas aqui pleiteadas são de natureza
alimentar, imprescindíveis para a manutenção do servidor e sua família.
O dano irreparável se apresenta não apenas para os autores, mas para toda uma sociedade, até
mesmo a atividade comercial dos munícipes está comprometida, haja vista que baseada sobretudo
no poder do compra dos servidores públicos.
ISSO POSTO, defiro os pedidos do Ministério Público Estadual para DETERMINAR:
a) Ao gerente da agência do Banco do Brasil de João Câmara que proceda ao bloqueio de 54%
(cinqüenta e quatro por cento) das verbas oriundas do FPM, já existentes e a serem creditadas em
favor do Município de Jardim de Angicos, para pagamento da(s) folha(s) em atraso, até ordem
judicial em contrário;
b) que seja encaminhada ao gerente da agência do Banco do Brasil de João Câmara cópia da relação
constante às fls. 122 a 126 dos autos do Inquérito Civil em anexo, a fim de que providencie o
depósito, em conta, dos valores do(s) salário(s) atrasado(s), na medida da disponibilidade dos
créditos bloqueados. Caso haja servidores que não tenham conta no banco, que sejam pagos
diretamente na agência, mediante recibo, devendo, ao final, os comprovantes de depósito e/ou
recibos ser anexados aos autos;
c) a publicação de edital, para conhecimento dos servidores públicos municipais e terceiros
interessados, sobre a propositura da presente ação (Lei nº 8.078/90, art. 94), inclusive divulgando-o
através dos meios de comunicação locais, tais como rádio comunitária, sistema de som da Paróquia
(“difusora”), blogs eletrônicos, etc, já que a publicação em mural no átrio do Fórum e no Diário
Oficial não possui o alcance necessário diante da magnitude do direito invocado, visto que os
cidadãos normalmente não costumam acessar tais publicações;
d) A fixação de multa diária a ser paga pessoalmente pelo Sr. Prefeito Municipal, em caso de
descumprimento das decisões e determinações expedidas neste processo, no valor de R$ 1.000,00
(mil reais).
Cite-se a parte demandada, por seu representante legal (prefeito), para contestar a presente ação, no
prazo legal, sob pena de revelia.
Oficie-se a instituição bancária para cumprimento imediato desta decisão.
Ciência ao MP desta decisão. Intime-se a parte demandada (prefeito).
Cumpra-se com urgência.
João Câmara-RN, 1 de outubro de 2012.
Gustavo Henrique Silveira Silva
Juiz de Direito
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Ação Civil Pública Parte autora: Ministério Público de João Câmara